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– João Goulart (1918 – 1976), presidente do Brasil entre 1961 a 1964.
Em sete de abril de 2015,
Maro Filósofo postou um vídeo a respeito do golpe de 1964 e do regime do qual
dele se originou. Ele começa dizendo que, logo que o PT sair do poder, o Brasil
não precisa apenas fazer uma grande reforma político-administrativa. Também tem
que fazer uma reforma educacional, em especial no que tange à historiografia do
período de 1964 em diante, pois o que ele chama de “historiografia oficial”
passa uma visão equivocada do que foi o período do regime civil-militar que
governou o Brasil entre 1964 a 1985. Diz ele que essa suposta visão equivocada
do período em questão se dá pelo fato de essa produção historiográfica ser
feita por historiadores de esquerda vinculados ao Partido dos Trabalhadores e
outros partidos de esquerda. E, como é de praxe, ao longo do vídeo é proferido uma
série de erros, imprecisões, lacunas, omissões e meias-verdades. E quais eles
são?
Primeiro, cabe aqui
ressaltar que a análise a ser feita do período da história do Brasil que vai de
1964 a 1985 não recairá no moralismo torpe e tacanho em que muitos incorrem,
como se o período em questão se resumisse apenas aos generais e torturadores de
um lado e de outro os mortos e torturados e como se fosse uma mera questão de
direitos humanos. Muito menos sobre os crimes atribuídos aos grupos da esquerda
armada na época e qual era o objetivo deles para o Brasil, se lutavam pela
implantação de uma democracia aos moldes ocidentais ou de um regime similar ao
soviético ou ao cubano. Não, essa questão é secundária. Ainda mais importante
que as mortes, torturas, atos institucionais e desaparições do período são os
motivos que levaram ao golpe de 1964 e as consequências que trouxeram para o
Brasil, e esse será o foco principal desse artigo. Verdade seja dita: para o
sistema, essa maneira de avaliar o regime militar focando-se apenas em suas
violações de direitos humanos é útil e conveniente na medida em que diminui a
curiosidade que as pessoas teriam em descobrir os motivos geopolíticos da
existência do golpe em si. Vamos então contextualizar os fatos e os
antecedentes que levaram ao golpe para uma melhor compreensão do assunto.
Em 1961, o governo de
Juscelino Kubitschek chegou ao fim, e em seu lugar entrou o político paulista
Jânio Quadros, com o político gaúcho João Goulart (o primeiro do Partido Trabalhista
Nacional e o segundo do Partido Trabalhista Brasileiro), o herdeiro
político-ideológico de Getúlio Vargas, como vice-presidente (na época havia
eleições separadas para presidente e vice-presidente). Jânio Quadros subiu à
presidência com o símbolo da vassoura e slogan “Varre, varre vassourinha.
Varre, varre bandalheira”. Em seu curto governo, Jânio Quadros, entre outros feitos,
condenou o isolamento de Cuba imposto pelos EUA, assim como restabeleceu
relações diplomáticas com a União Soviética e a China e condecorou o líder
revolucionário argentino-cubano Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul.
Isso abalou as relações do presidente com seus aliados, entre eles a UDN (União
Democrática Nacional) e uma agitação golpista militar se iniciou, teleguiada
desde os Estados Unidos (o qual temia que o exemplo da Revolução Cubana
ocorrida dois anos antes contagiasse o resto da América Latina). Ante essa
situação, Jânio renunciou em 25 de agosto de 1961, um dia depois que Carlos
Lacerda (o mesmo Carlos Lacerda que sete anos antes também fizera uma feroz
campanha midiática contra Getúlio Vargas e o acusara de ser o mandante do
ataque de falsa bandeira da Rua Toneleros, em que seu guarda-costas, o Major
Rubens Vaz, foi morto a tiros) discursar em cadeia nacional de rádio e
televisão em que o acusou de golpista. Jânio renunciou e escreveu uma carta
onde, entre outras coisas, disse que “forças ocultas” forçaram sua renúncia.
A renúncia de Jânio
desencadeou uma crise institucional. João Goulart (também conhecido como Jango
e que no dia da renúncia estava em visita diplomática à China) não era aceito
tanto pelos ministros militares quanto pelas classes dominantes. Mas, graças à
enérgica ação do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola
(o qual também era cunhado de Jango por ser casado com uma de suas irmãs), o
golpe militar foi detido graças à Campanha da Legalidade (cujos discursos eram
transmitidos através da Rádio Guaíra em um estúdio no Palácio Piratini, a sede
do governo gaúcho) e assim o vice de Jânio Quadros foi empossado presidente.
Logo que Jango assumiu o poder, medidas foram tomadas para enfraquecê-lo, entre
elas a adoção do Parlamentarismo, que nos anos de 1961 e 1962 promoveu uma
grande descentralização do poder e atribuiu muitas funções ao Executivo do
Congresso, na época era dominado por representantes das elites. Mas em 1963 o
presidencialismo foi restabelecido através de plebiscito. E os golpistas não
tardaram a voltar a agir. O país também passava por um momento de crise
econômica.
Agora, vamos às
abobrinhas ditas por Maro Filósofo em seu vídeo. No vídeo em questão, o vemos
ignorar a faceta civil desse mesmo golpe. Na época, expressivos setores da
sociedade civil da época apoiaram a ação dos militares contra o governo Jango. E
é por isso que hoje em dia é comum se falar em golpe civil-militar. E quem
foram os atores civis do golpe de 1964? A grande mídia apoiou em massa o golpe,
entre eles jornais como O Globo, o Correio da Manhã, a Folha de São Paulo e o
Jornal do Brasil, assim como Carlos Lacerda (o qual passou para a história com
a alcunha de “derrubador de presidentes”). A campanha midiática contra Jango,
assim como contra Vargas 10 anos antes, semeou o pânico entre a população e era
calcada principalmente em denúncias massivas de corrupção contra seu governo. E
o que é pior: tratando o tema apenas como uma questão de moralidade, fazendo
aquilo que Nildo Ouriques chama de “redução da política a moral”. Mesmo
expediente utilizado pela mesma grande mídia de hoje no que tange a corrupção
petista (e que o povão, em especial a classe média que se acha elite, engole
bovinamente).
E para insuflar as
massas contra o governo João Goulart, a grande mídia utilizava-se de
espantalhos retóricos e mentiras como a de que o político gaúcho era comunista
e que aqui estava em curso um processo de implantação do comunismo. O
empresariado da época (tanto nacional quanto multinacional), logo que Jango
assumiu a presidência, endossou as fileiras golpistas, e com sua anuência
fundaram o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que junto com o
IBAD (Instituto de Ação Democrática), os quais visavam uma articulação e
integração dos movimentos sociais de direita para poder deter aquilo que eles
chamavam de “avanço do comunismo soviético no Ocidente”. Os dois think thanks golpistas (os quais seriam
uma espécie de equivalente da época de grupos como o Movimento Brasil Livre,
Revoltados Online e Vem para Rua) produziram e difundiram grande quantidade de
programas radiofônicos, televisivos e matérias nos jornais com conteúdo
raivosamente anticomunista, assim endossando a guerra de informação midiática
contra o governo Jango. Um dos métodos usados pelo IPES para insuflar a
população contra João Goulart eram palestras direcionadas às mães e donas de
casa alertando sobre um suposto e fantasioso perigo comunista à entidade
familiar, assim como a distribuição de panfletos entre a população. Em 1963,
uma CPI foi instaurada por parlamentares janguistas contra o IBAD, cuja
extinção foi decretada após a descoberta de extensivas provas de que a
organização reacionária recebia capital estrangeiro. O IPES, como tinha uma
atuação mais discreta, conseguiu se safar, desaparecendo apenas em 1972. Esse
mesmo discurso anticomunista raivoso, reacionário e rançoso da parte tanto dos
civis quanto dos militares golpistas criaram raízes profundas no pensamento das
elites brasileiras, e hoje em dia o vemos se repetir nas falas de figuras tais como
Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad), Jair Bolsonaro (o qual dedicou seu
voto a favor do impeachment da presidente Dilma a um notório torturador e chefe
do DOI-CODI[1]
do período, o general Carlos Alberto Brilhante Ustra, falecido em 15 de outubro
de 2015) e o próprio Maro Filósofo.
Dias antes do golpe,
aconteceu em São Paulo (a mesma São Paulo que 32 anos antes foi o epicentro do
movimento contrarrevolucionário contra Getúlio Vargas, onde a oligarquia
cafeeira visava recuperar o poder que tinha nos tempos da República Velha [1889
– 1930]) a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Nessa manifestação (que
reuniu 500 mil pessoas ao todo na Praça da Sé) se reuniram o clero conservador
da Igreja paulista, a imprensa, o empresariado e a direita em geral. Os
manifestantes da marcha pediam a prisão de Brizola e de Jango, assim como
repudiavam as tentativas de reforma à Constituição Brasileira e uma defesa da
democracia ante uma suposta “cubanização do Brasil” (espantalho esse que foi
exumado em manifestações recentes da classe mérdia contra o governo Dilma). Também
apoiou o golpe a FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo). André Gunder
Frank, notório marxista alemão, falou a respeito disso na época. É a mesma
FIESP que hoje pede o impeachment de Dilma e que nos torra a paciência com seus
patinhos amarelos com olhos riscados e seus slogans “não vou pagar o pato”.
Como também a empresa multinacional ITT (International Telephone and
Telegraph), que anos antes do golpe teve sua filial gaúcha nacionalizada pelo
então governador Leonel Brizola. Anos depois a mesma ITT apoiaria o golpe
contra Salvador Allende no Chile.
Foto
– A suposta cubanização do Brasil, ontem e hoje.
Depois ele fala que os
militares são pintados como os bandidos da história por essa mesma
historiografia e os defende alegando que são pessoas que tem valores, dignidade
e ética, além de continuamente bater na tecla de que eles salvaram o Brasil de
se transformar em uma grande Cuba continental. Primeiro que João Goulart nem
comunista era. Ele era nacional-reformista, muito embora tenha estabelecido
relações diplomáticas com países comunistas como a União Soviética e a China,
dando assim continuação à PEI (Política Externa Independente) iniciada por
Jânio Quadros. E segundo que, geopoliticamente falando, o regime advindo do golpe
de 1964, atrelou o Brasil ao bloco ocidental, liderado pelos EUA. Apenas no
governo de Ernesto Geisel, o presidente militar entre 1974 a 1979, é que houve certo
distanciamento com Washington, onde, entre outras coisas, o Brasil reconheceu a
independência de Angola (então governada pelo partido marxista Movimento pela
Libertação de Angola), estabeleceu relações com a China e não endossou o
boicote econômico mundial ao Iraque depois que Saddam Hussein nacionalizou o
petróleo iraquiano.
Entre os militares,
havia uma expressiva facção americanófila, e foi essa que derrubou Jango em
1964. Segundo Adriano Benayon em seu artigo “Getúlio Vargas e a independência”,
esses laços de parte da cúpula militar com Washington se originaram quando
Vargas enviou o corpo expedicionário da FEB (Força Expedicionária Brasileira) à
Itália ao final da Segunda Guerra Mundial (o próprio Benayon diz no mesmo
artigo que isso foi um equívoco da parte de Vargas). E foi justamente essa ala
mais americanófila do exército que encabeçou as agitações golpistas de 1945,
1954, 1961 e 1964. E no próprio Brasil já havia uma longa tradição de
orientação atlantista (parafraseando o pensador político russo Aleksandr Dugin[2]), ou seja, de costas para
o país e a América Latina e de frente para a Europa (principalmente França e
Inglaterra, muito forte até a Segunda Guerra Mundial) e depois os Estados
Unidos (principalmente da Segunda Guerra Mundial em diante) da parte
principalmente das elites econômicas que remonta desde os tempos da colônia e
do Império (levando em consideração que essa mesma elite é herdeira dos
senhores de engenhos e dos cafeicultores que fizeram fortuna através do
comércio com o exterior e que carrega até hoje a mesma mentalidade).
E segundo, como falar em
valores, dignidade e ética em um caso como o dos US$ 1,2 milhão de propina que
o general Amaury Kruel, o comandante do 2º exército e ministro da guerra,
recebeu da FIESP para que traísse Jango (com o qual se desentendeu após uma
conversa telefônica depois que ele se recusou a romper com a CGT [Comando Geral
dos Trabalhadores], de afiliação esquerdista) e debandasse para o lado dos
golpistas? E segundo que, tal como aconteceu no Chile, na Argentina e nos
demais países latino-americanos assolados por golpes civil-militares nas
décadas de 1960 e 1970, os militares brasileiros em realidade foram instrumento
nas mãos das classes dominantes, temerosas do fato de que as reformas de base
do presidente João Goulart fossem levadas adiante e acabassem com seus
privilégios. Coisa que a política social petista nem ao menos cogitou em ousar
fazer nesses anos todos. E no plano externo, manter o Brasil em sua condição de
subalternidade em relação aos países centrais da engrenagem capitalista mundial
(que vende a preço de banana matérias primas baratas ao mesmo tempo em que
exporta a preço de ouro produtos industrializados com alto valor agregado), com
sua classe dominante sendo sócia (para não dizer testa-de-ferro) do capital
multinacional aqui estabelecido.
Foto
– General Amaury Kruel (1901 – 1996).
As reformas de base de
Jango incluíam pautas como a reforma bancária (ampliação do crédito aos
produtores), eleitoral (ampliar o voto a analfabetos e militares de baixa
patente), educacional (valorização dos professores, oferecer ensino para
analfabetos e acabar com as cátedras vitalícias nas universidades) e agrária
(democratização do uso da terra). Também pretendia controlar as remessas de
dinheiro das empresas multinacionais aqui estabelecidas e dar canais de
comunicação aos estudantes. O próprio Jango, em 13 de março de 1964, decretou
no Comício da Central do Brasil (ocorrido no Rio de Janeiro e que contou com a
presença de 150 mil pessoas, assim como de Leonel Brizola) a reforma agrária e
a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo (as mesmas que hoje
querem meter a mão no Pré-Sal da Petrobrás e para isso utilizando a Operação
Lava Jato conduzida pela República de Curitiba como cavalinho de guerra). As
elites prontamente reagiram e convocaram a já citada Marcha da Família com Deus
pela Liberdade em São Paulo.
Na madrugada de 1º de
abril de 1964, Jango voltou para Porto Alegre e foi para a casa do comandante
do 3º exército, onde se reuniu com o Brizola, que lhe sugeriu que resistisse
aos golpistas. Entretanto, Jango recusou a ideia de seu cunhado. Dias depois,
se exilou no Uruguai. O Congresso Nacional, por seu turno, declarou a vacância
da Presidência da República e cassou João Goulart, entregando seu cargo ao
presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Em 10 de abril, Jango,
assim como Brizola, Miguel Arraes, Nelson Werneck Sodré, Luís Carlos Prestes,
Darcy Ribeiro e muitos outros políticos ligados à velha ordem, teve seus
direitos políticos cassados por 10 anos após a publicação do Ato Institucional
Número 1 (AI-1). 12 anos depois, mais precisamente no dia 6 de dezembro de
1976, Jango veio a falecer no município argentino de Mercedes, vítima de um
ataque cardíaco (embora muitos familiares e amigos seus suspeitem que ele foi
assassinado por agentes da Operação Condor).
Por volta de dois
minutos, ele fala do crescimento econômico do país durante o período e as
várias obras de infraestrutura que foram feitas na época. Entretanto, esse
crescimento teve seu preço: se deu através de um grande endividamento do estado
brasileiro, e esse endividamento cobrou seu preço mais adiante. O “milagre
econômico”, isso é, quando, no período entre 1968 a 1973, a indústria
brasileira cresceu a taxas elevadíssimas graças ao ingresso maciço de capitais
estrangeiros, fez com que a dívida saltasse de 4 para 12 bilhões de dólares.
Durante os governos Costa e Silva (1967 – 1969) e Médici (1969 – 1974), os
empréstimos em questão foram utilizados para realizar operações de crédito na
compra de produtos como geladeiras, secadoras de cabelo e automóveis, assim
como financiar grandes obras urbanas como estradas, viadutos e redes de energia
elétrica. Mais adiante, no governo Geisel (1974 – 1979), se inicia o
encolhimento da indústria de bens de consumo duráveis, em grande partido devido
à crise mundial do petróleo. Em 1982, já no governo do último presidente
militar, João Batista Figueiredo (1979 – 1985), esse modelo econômico entra em
estado falimentar e o país recorre à ajuda do FMI. No ocaso de seu governo, a
dívida externa chegou no patamar de a cerca de 100 bilhões de dólares. E esse
problema do superendividamento do estado brasileiro continuou e piorou com os
presidentes civis, principalmente a partir do governo FHC. Com a diferença que
enquanto no período militar houve certo uso do endividamento para se fazer
obras de infraestrutura, hoje em dia a dívida pública (hoje em dia a interna
maior que externa) está se mostrando um mero recurso para enriquecer os
rentistas ligados a esse sistema (os quais por sua vez utilizam essa mesma
dívida como um instrumento de assalto ao estado). E o que é pior, trata-se de
uma dívida que quanto mais são pagos seus juros e amortizações, mais cresce.
Por volta de 4:30, ele
diz que o Brasil deverá fazer um ajuste de contas com a sua própria história,
dizendo que o trabalho da Comissão Nacional da Verdade (que ele classifica como
Comissão de Mentira da Esquerda) tem que ser eliminada e seu trabalho, totalmente
revisado, assim como saber o que realmente ocorreu no período de 1964 a 1985 e
repetidamente tocando na tecla de que uma parte considerável dos políticos
brasileiros atuais foram da luta armada na época. Em seu lugar, tem de ser
instituída uma nova Comissão, que segundo ele teria de ser “comprometida com a
história de fato, e não apenas com a ideologia de esquerda”. Sim, de fato um
ajuste de contas deve ser feito, e o principal foco deve ser não os petistas ou
os torturadores do período, e sim os apoiadores civis do golpe de 1964 que ainda
estão vivos. Nesse sentido, há a iniciativa do Fórum Trabalhadores e
Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação que através de seu manifesto
“Pela continuidade dos trabalhos de memória e verdade, por justiça e reparação
perante as graves violações cometidas por militares e civis na Ditadura!”, que
pede que sejam também investigados os sócios civis dos militares, lançado em
julho do ano passado.
Mais adiante, ele também
diz que a ciência não deve estar atrelada a ideologias políticas, porque assim
se torna uma propagadora de ideologias políticas, afirmando que os
historiadores não estão fazendo história, e sim propaganda de ideologia
política esquerdista lulopetista. Primeiro, quem ele pensa que é para falar em
neutralidade e ciência livre de ideologias políticas, sendo que da mesma forma
com que uma cartilha ou livro doutrinário do PT é impregnada de ideologia
política esquerdista, suas falas em seus vídeos também são impregnadas de
ideologia, mesmo que ele não admita (em seu caso particular, de uma ideologia
direitista, aquilo que eu chamo de “direita dos valores sem a esquerda do
trabalho”, uma retórica que se aproxima muito do ideário do Partido Republicano
dos Estados Unidos)? Pois se tem algo impossível nesse mundo é a imparcialidade
total e absoluta. E segundo, a fala dele nos induz a pensar que ele ignora a
existência de obras como “O Guia Politicamente Incorreto da História do
Brasil”, de Leandro Narloch, e “Ditadura a Brasileira”, de Marco Antônio Villa
(o mesmo Villa que é defensor do impeachment à Dilma na mídia de massa), que
promovem uma reabilitação do regime civil-militar. Villa defende a ideia de que
nos períodos entre 1964 a 1968 e 1979 a 1985 teria havido uma ditabranda,
levando em consideração a movimentação político-cultural do primeiro período e
a lei de anistia e as eleições para governadores em 1982 do segundo período.
Maro Filósofo argumenta
que o dia 31 de março de 1964 sinaliza uma nova era na história do Brasil e que
o golpe daquele dia deveria ser chamado de contra-golpe porque quem
supostamente queria dar o golpe eram o que ele chama de esquerdistas que ele
pensa que queriam implantar o regime socialista e que os militares foram
obrigados a fazer o que fizeram naquela ocasião. Ainda afirma que em nenhum
país conseguiu manter o socialismo a não ser através da força das armas. A
primeira assertiva, que também é defendida por historiadores como Marco Antônio
Villa, é fantasiosa. Os grandes e verdadeiros golpistas da história que esse
pessoal da direita tanto ignora, a nível interno, foram as classes dominantes
que usaram os militares e depois a tortura e a repressão para exercer seu
controle social. E, assim que o radicalismo das massas com o passar do tempo
foi esfriando, a mesma classe dominante não quis mais saber dos militares no
poder. E a nível externo, o capital multinacional, com o qual essa mesma classe
é historicamente associada. E a respeito da segunda assertiva, ele pelo visto pensa
que mesmo o estado democrático do mundo capitalista não tem seus mecanismos de
controle social, entre eles a grande mídia corporativa. Não tenha dúvidas de
que em uma situação em que esse mesmo estado estiver com sua existência
ameaçada haverá de usar a mesma força das armas para sobreviver. Sua fala também
transparece a falácia tipicamente liberal de que o Estado é uma entidade neutra
e que está acima de todas as classes sociais, até mesmo da classe dominante.
Algo também digno de
nota a respeito do período foi o resultado acadêmico que o golpe de 1964
trouxe, com a extinção do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e a
castração da UNB (Universidade de Brasília), assim arruinando com o sonho de
Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira de criar uma instituição de vanguarda com uma
produção acadêmica capaz de melhorar a realidade brasileira e livre daquilo que
Nildo Ouriques chama de “figurino francês”. Muitos dos intelectuais de ambos os
institutos que tinham toda uma produção intelectual voltada para enfrentar o
subdesenvolvimento e a dependência do Brasil em relação às grandes potências da
cadeia imperialista mundial e como superar essa situação de subalternidade,
entre eles Ruy Mauro Marini (com o qual FHC e José Serra travaram uma polêmica
em 1978), Teotônio dos Santos, André Gunder Frank, Vânia Bambirra, Ludovico
Silva e outros. Nove dias após o golpe, a UNB foi invadida pelo exército, os
quais revistaram estudantes e procuraram armas e material de propaganda por
eles visto como subversivo, assim como 12 professores que deveriam ser presos e
interrogados. Como resultado dessa ação, Anísio Teixeira, então reitor, e seu
vice, Almir de Castro, foram demitidos e em seu lugar foi colocado o paulistano
Zeferino Vaz, interventor a serviço dos militares, o qual demitiu muitos dos
professores da faculdade, entre eles Ruy Mauro Marini. Ele e outros tiveram que
se exilar do país, no que deu origem à dispersão de muitos desses intelectuais
se exilaram pela América Latina. Outras duas invasões à UNB se seguiram em 1965
(que terminou com a demissão de 15 docentes por Zeferino Vaz e mais outros 223
que se demitiram em solidariedade a seus colegas) e 1968. Dentro do esforço de
controle social das classes dominantes, foram turbinadas faculdades como a
Unicamp e a USP. A mesma USP que foi criada pela elite paulista contra o
nacionalismo varguista logo após a derrota do golpe de 1932, que é o ninho
intelectual do petucanato e de onde saiu figuras como Fernando Henrique Cardoso
e José Serra. Essas são as raízes da miséria do atual sistema universitário
brasileiro.
Resumindo a ópera: Maro
Filósofo fez uma análise bem tacanha e rasa do período em questão, que nos
induz a pensar que o que houve na época foi uma simples disputa de poder entre
a esquerda e os militares e mostrando os dois lados como se fossem blocos
monolíticos sem suas divisões internas. E o que é pior: sem falar da questão da
luta de classes que na época houve aqui no Brasil e das reformas de base, assim
como do contexto da Guerra Fria, que a argumentação do youtuber direitista
chega a dar a impressão de que não existiram. Esse tipo de análise, diga-se de
passagem, é a outra face da moeda das análises moralistas que muitos dos
detratores do regime civil-militar fazem quando o tratam apenas pelo prisma da
tortura, dos atos institucionais e das mortes (entre eles aqueles que,
indignados com a homenagem feita à Ustra por Bolsonaro, em redes sociais como o
Facebook ficam postando fotos dos torturados e mortos da época). Ou seja, a
retórica é a mesma, só que com sinal invertido. Algo análogo a que esquerda
pós-moderna faz quando reage a truculência de Bolsonaro, Feliciano e companhia
limitada se agarrando a pautas como os direitos das minorias supostamente
perseguidas por eles. Com um discurso tacanho e moralista desses da parte
desses elementos que só sabem condenar o regime civil-militar devido aos mortos
e torturados da época e que não toca na questão do papel da classe dominante no
golpe e suas conexões internacionais, a reabilitação da ditadura jamais será
detida. E é essa mesma esquerda que de forma análoga fecha os olhos para o jogo
de poder da classe dominante (do qual a República de Curitiba é uma de suas
peças) e suas conexões internacionais na questão do impeachment de Dilma.
O Regime Militar chegou
a seu ocaso em 1985, após 21 anos no poder, e o Brasil voltou a ser governado
por presidentes civis. Entretanto, em entrevista concedida à Elaine Tavares em 13
de maio de 2014, Gilberto Felisberto Vasconcellos afirma que o golpe de 1964
continua em seu conteúdo socioeconômico. E o que o colunista da Revista Caros
Amigos e professor da Universidade de Juiz de Fora quis dizer com isso? Que a
redemocratização de 1985 em realidade não passou de uma mudança de regime
político. A estrutura de poder por trás do trono encabeçada pelas oligarquias
baseadas na Avenida Paulista e que atrela economicamente o Brasil aos países
centrais da engrenagem capitalista mundial (em especial os EUA) continua a
mesma de antes, que agora usam o petucanato[3] como um biombo para
esconder seu poder perante o povo. A redemocratização de 1985 foi como alguém
que está exalando um cheiro muito ruim trocar de roupa, mas sem tomar banho
antes. O mau cheiro continua do mesmo jeito.
Servindo a essa
estrutura de poder que se firmou com o golpe de 1964 (estrutura essa
fundamentada em um tripé que reúne o velho latifúndio de origem colonial [o
qual recebe o elegante nome de agronegócio nos grandes meios de comunicação], o
capital multinacional aqui estabelecido e o poder econômico estabelecido na
Avenida Paulista) e renovada em 1994 pelo pacto de classes que deu origem ao
Plano Real que o PT desde 2003 tem governado. Ou seja, o PT assumiu o trono,
mas não o poder de fato, que por sua vez continuou nas mãos dessa mesma
oligarquia e suas distintas frações urbanas e agrárias. E assim Lula e Dilma (a
mesma Dilma que no começo desse ano aprovou a lei antiterrorismo, a qual na
prática transforma movimentos sociais como o MST e o MTST em verdadeiros
equivalentes tupiniquins de grupos como o Estado Islâmico, a Al Qaeda e o Boko
Haram), tal como os presidentes civis que o antecederam, na prática tornaram-se
figuras tão ou mais decorativas quanto, por exemplo, a rainha da Inglaterra e o
imperador do Japão.
E o próprio PT, diga-se
de passagem, há quem diga que o partido de Lula, Dilma, José Genoíno e José
Dirceu foi uma cria dos próprios militares, mais precisamente do general
Golbery do Couto e Silva, como uma forma de criar um contraponto a Leonel
Brizola (que era o verdadeiro temor das elites, e não Lula). Contraponto esse
nascido dos sindicatos das multinacionais estabelecidas no ABC Paulista e da
sociologia de faculdades como USP e Unicamp. O mesmo Golbery também manobrou
para dar a sigla do velho PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) para Ivete
Vargas, a oportunista sobrinha de Getúlio Vargas. Assim, Brizola teve que
fundar uma sigla nova, o PDT (Partido Democrático Trabalhista). E isso (o papel
da cúpula militar na criação do PT) é algo que, com toda certeza, precisa ser
esclarecido por uma verdadeira Comissão da Verdade. Isso sim é um verdadeiro
motivo pelo qual Lula pode ser levado a juízo público (e não por causa de coisas
irrelevantes como o tríplex no Guarujá e/ou sítio em Atibaia).
Foto
– Foto referente ao Manifesto “Pela continuidade dos trabalhos de memória e
verdade, por justiça e reparações perante as graves violações cometidas por
militares e civis na Ditadura”.
Fontes:
1964 e a versão que a
esquerda escreveu da História... Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t0c9-KGsgZQ
A dívida externa
brasileira. Disponível em: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=211
A mídia e o golpe
militar de 1964. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-midia-e-o-golpe-militar-de-64/4/16829
“As raízes intelectuais
do consórcio PTucano”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Cvi_Jxijcw8
Brasil: crise financeira
ou fiscal? Disponível em:
Bolsonaro dedica voto ao
Coronel Brilhante Ustra, torturador da ditadura. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/2016/04/17/bolsonaro-dedica-voto-ao-coronel-brilhante-ustra-torturador-da-ditadura/
Estrella, o geólogo que
descobriu o futuro do Brasil! Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/economia/estrella-o-geologo-que-descobriu-o-futuro-do-brasil
Fator FIESP: golpismo de
Skaf e empresários reedita 1964. Disponível em: http://outraspalavras.net/alceucastilho/2015/12/14/fator-fiesp-golpismo-de-skaf-e-empresarios-reedita-1964/
FIESP subornou general
para trair Jango, diz coronel à Comissão da Verdade de São Paulo. Disponível
em: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-02-18/fiesp-subornou-general-para-trair-jango-diz-coronel-a-comissao-da-verdade-de-sp.html
Fórum Trabalhadores e
Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação pede punição aos torturadores e
empresas que financiaram a ditadura. Disponível em:
Getúlio Vargas e a
independência. Disponível em: http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/benayon/2014/08/19/benayon-getulio-vargas-e-a-independencia/
Golpe de 64, o golpe
contra o último legado getulista. Disponível em: http://lntbrasil.blogspot.com.br/2016/01/golpe-de-64-o-golpe-contra-o-ultimo.html
Golpe Militar de 1964:
elites e militares derrubaram o governo. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/golpe-militar-de-1964-1-elites-e-militares-derrubaram-o-governo-de-jango.htm
Governo Jânio Quadros
(1961): mandato polêmico de sete meses. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/governo-janio-quadros-1961-mandato-polemico-de-sete-meses.htm
Lei antiterrorismo é
sancionada com vetos pela presidente Dilma. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/03/18/lei-antiterrorismo-e-sancionada-com-vetos-pela-presidente-dilma
Marcha da Família com
Deus pela Liberdade pedia a queda de Jango há 50 anos. Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/marcha-da-familia-com-deus-pela-liberdade-em-19-de-marco-de-1964-0
Marco Antônio Villa e o
golpe de 1964. Disponível em: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/02/marco-antonio-villa-e-o-golpe-de-1964.html
Modelo petucano.
Disponível em:
Lula convocará as
massas? Disponível em: http://nildouriques.blogspot.com.br/2016/03/lula-convocara-as-massas.html
O Enguiço das ciências
sociais – Gilberto Felisberto Vasconcellos. Disponível em:
O golpe de 1964.
Disponível em: https://desarquivandobr.wordpress.com/2012/03/29/o-golpe-militar-de-1964/
Política externa
brasileira: as relações internacionais brasileiras durante a ditadura militar
(1964 – 1985). Disponível em: http://e-internacionalista.com.br/2013/06/23/politica-externa-brasileira-as-relacoes-internacionais-brasileiras-durante-a-ditadura-militar-1964-1985/
PT criado e incentivado
pelo General Golbery – A Esquerda que a Direita gosta. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=BFepmQpbtkg
NOTAS:
[1] Destacamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna.
[2] Leia-se “Duguin”, pois no russo,
assim como em idiomas como o alemão, o polonês, o mongol e o japonês, o som da
partícula g não muda em função da vogal seguinte, tal como nas línguas latinas
e no inglês.
[3] Petucanato/Petucanismo é um termo cunhado
por Gilberto Felisberto Vasconcellos (e depois utilizado por outros como Nildo
Ouriques e Adriano Benayon) para se referir a situação política que o Brasil
vive desde 1995 com a alternância de poder entre o PT e o PSDB, dois partidos
de programa de governo praticamente igual baseados no modelo neoliberal
(incluindo privatizações, terceirização e precarização do Estado), com a
diferença que o PT têm um política um pouco mais direcionada para o lado social
que o PSDB.
Excelente artigo camarada Eduardo.
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