quarta-feira, 3 de abril de 2019

Mussum e o brasileiro médio, tudo a ver.



Foto – Mussum (1941 – 1994).
Essa quinta-feira, dia 4 de abril de 2019, estreia nos cinemas brasileiros o filme documentário “Mussum, um filme do cacildis”, da diretora Susanna Lira. Tal filme conta a história de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, conhecido nacionalmente como Mussum, desde sua infância nas favelas do Rio de Janeiro até primeiro tornar-se sambista integrante do grupo Originais do Samba e depois consagrar-se como trapalhão, dando um foco maior ao homem por trás do personagem e não ao personagem em si mesmo.
Por muitos fãs, Mussum é comumente tido como o mais engraçado dos Trapalhões. O malandro do grupo, Mussum era notável não apenas por seu jeito peculiar de falar (no qual adicionava as terminações “is” ou “évis” em palavras arbitrárias) como também por ser frequentador assíduo de bares e botecos e seu apreço por bebidas alcoólicas, em especial a cachaça (ou como ele a chamava carinhosamente, mé). Comumente era chamado de “cromado”, “azulão”, “grande pássaro”, “maisena”, “fumaça” e outras palavras afins por seus companheiros de grupo.
Gostaria de aproveitar não apenas o lançamento vindouro do filme sobre a vida do Mussum além das câmeras de TV como também a proximidade com o 25º aniversário do falecimento dele (que irão completar-se no próximo 29 de julho) para falar a respeito de um esquete dos Trapalhões no qual o personagem interpretado pelo finado Antônio Carlos Bernardes Gomes estrela junto com Dedé Santanna. O qual ao que tudo indica é dos anos 1980 e que é atualíssimo, tendo em vista a realidade atual que o país vive.
O esquete começa com Mussum e Dedé em uma sala de espera de um consultório. A atendente pede para que os dois esperem um pouco que o doutor já irá atendê-los. Mussum responde à atendente que não perguntou nada e Dedê, que estava lendo um jornal, alfineta Mussum por sua demonstração de mau humor. Uma discussão entre os dois trapalhões tem início.
Mussum responde com um “mas está certo, viva a liberdade” e que o governo está certo. Em seguida Dedé, resmungando e lendo as notícias do jornal, conta a Mussum que aumentou o preço do feijão. Mussum responde com um bem feito e justifica o aumento do preço do feijão sob a alegação de que o vegetal não tem valor nutritivo algum e que aumentando o preço do feijão as pessoas iriam consumir mais soja (na opinião de Mussum melhor e mais barata que o feijão). Na sequência Dedé fala que o preço dos ovos também aumentou. Mussum justifica o aumento do preço dos ovos sob a alegação de ninguém dá valor ao serviço dos outros e citando um suposto sacrifício feito pelas galinhas na hora de botar os ovos. Dedé responde que não quer mais conversa com o grande pássaro, temendo uma eventual briga. Mussum retruca que todo mundo está do contra, se queixa de protestos, que ninguém tem respeito pelo trabalho dos outros e afirma mais uma vez ser a favor do governo.
Dedé então mostra a Mussum mais uma a notícia do jornal: mais um aumento de preço. Mussum diz que o governo está certo e tem que aumentar preços mesmo. Dedé diz que o preço da cachaça vai aumentar, mostra a notícia ao mangueirense e este fica enfurecido ao saber da última, a ponto de maldizer o mesmo governo que até agora a pouco ele se dizia a favor.

Foto – Mussum e Dedé no esquete em questão.
O que pode ser dito a respeito desse esquete curto do famoso quarteto que por muitos anos alegrou os lares brasileiros com seu humor estilo pastelão e qual é a relação dele com a atual realidade brasileira? Nesse esquete em questão vemos Mussum agir da mesma forma que o brasileiro médio (geralmente pertencente ao que Jessé Souza chama de ala protofascista da classe média) que vomita pela boca discursos como “bandido bom é bandido morto” e afins age. Se o Caco Antibes e a Dona Florinda são o retrato do brasileiro médio em seu ódio e indiferença classista aos menos abastados, o Mussum é o retrato do brasileiro médio na indiferença ao infortúnio alheio e em não se dar conta de que aquele que agora prejudica o desafortunado da vez pode ser aquele que cedo ou tarde irá te prejudicar também.
Grosso modo, tais elementos acham bonito de se ver em programas policiais a polícia espancar, humilhar e prender negros e pobres que moram nos cortiços e favelas do país em batidas nesses lugares. E uma vez tais infelizes presos nas superlotadas cadeias brasileiras, não demonstram incômodo algum pelo destino funesto que a essa gente aguarda, não raro presos por causa de pequenos furtos. E esse também é o mesmo tipo de gente que não apenas apoia as barbaridades e atropelos jurídicos da Operação Farsa Jato como também comemorou com fogos de artifício a prisão do Lula e votou em massa em Jair Bolsonaro (e como também parecem demonstrar indiferença para com os prejuízos bilionários causados à economia do país e milhões de desempregados pela tábua rasa feita em empresas como a Odebrecht, a OAS, a Petrobrás e outras empresas afetadas pelas investigações da quadrilha de Curitiba – algo inadmissível em países como os EUA, a França e a Alemanha).
Resumo da ópera: no esquete dos Trapalhões em questão, enquanto o governo prejudicava os outros, para o Mussum tudo bem. Afinal, não era com ele. Mas, a partir do momento que o mesmo governo que até então ele elogiava aumentou o preço da cachaça, mudou de ideia da água para o vinho. E enquanto a polícia continuar a destilar sua truculência contra pobres e negros nas favelas, continuarão achando isso ótimo ad eternum. O brasileiro médio age da mesmíssima forma quando vê, por exemplo, os meganhas de toga da Farsa Jato passando por cima das leis do país e condenando sem provas o Lula e outros membros do PT. Afinal, também não é com eles. E bem provavelmente, podem vir à tona inúmeros escândalos envolvendo a camarilha do Paraná (incluindo Operação Maringá, caso Banestado, as denúncias de Rodrigo Tacla Duran, o esquema das APAES e a tentativa recente de estabelecer um fundo bilionário privado com dinheiro retirado da Petrobrás e da Odebrecht – no que configura um esquema de lavagem de dinheiro) que essa gente vai continuar jogando confetes para essa gente. O que importa para eles é ver o que eles veem como criminosos e corruptos (em especial se for alguém do PT ou de outros partidos de esquerda e que não usem terno e gravata) sendo presos e humilhados por juízes, procuradores e policiais. “O juiz tá certo, a polícia tá certa. O safado tem que apanhar e ser humilhado até não poder mais e depois ser preso!”, certamente esses sujeitos (que mal se dão conta de que os meganhas de toga aos quais eles jogam confetes são na verdade parte do sistema da corrupção que eles dizem combater) pensam com seus botões nessas situações.
E o mais curioso e irônico a respeito desse esquete é ver que tais elementos são muito bem retratados e satirizados por um negro nascido no morro da Cachoeirinha, uma das favelas da zona norte do Rio de Janeiro e filho de uma empregada doméstica. Logo um negro de origem humilde, que essa gente não raro gosta de ver apanhando e sendo humilhado em batidas policiais nas favelas e cortiços. Enquanto o outro é que está se dando mal, não me importo. Só vou me importar a partir do momento em que a cobra começar a me picar. Assim essa gente pensa. E é por causa de pessoas assim que Luiz Carlos Cancellier, reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), suicidou-se no ano retrasado, depois de ter passado por tamanha humilhação nas mãos da polícia catarinense. Dai que surge, por exemplo, a falta de incômodo dessa gente no que tange, por exemplo, à relação da família Bolsonaro para com os milicianos do Rio de Janeiro. Enquanto a milícia no Rio de Janeiro ceifar a vida dos moradores das favelas, a indiferença reina. E a situação irá mudar de figura apenas a partir do momento em que as milícias começarem a apontar seus rifles e atirar suas balas em pessoas que moram na Barra da Tijuca e outros bairros nobres da antiga capital do Brasil.
Da mesma forma, enquanto esses que se dizem os cidadãos de bem do país não começarem a sofrer humilhações vexatórias como a que o reitor Cancellier sofreu pouco antes de suicidar-se e a que moradores das favelas e cortiços sofrem nas mãos da polícia (como a desse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=DxoRLhwUMTE&t=1s) vão continuar achando bonito tais espetáculos deprimentes que pululam em programas policiais (cujos apresentadores certamente sabem que é disso que seu público cativo gosta). E também analogamente, enquanto não começarem a ser condenados e presos da mesma forma que Lula foi vão continuar jogando confetes para os meganhas de toga que eles apoiam. Uma coisa é certa: quando estiverem na mesma situação em que Lula esteve nas mãos dos meganhas de toga de Curitiba e do TRF4, vão pedir hipocritamente as provas e os mesmos direitos legais que a Lula e outros presos em situação similar da Farsa Jato negam. E enquanto não começarem a ser jogados feito animais para serem abatidos nas superlotadas cadeias brasileiras depois de conduções coercitivas vão continuar agindo dessa forma bestial. Sintomas de uma sociedade até hoje assombrada pelo fantasma da escravidão até hoje nunca devidamente exorcizado.

Foto – Os Trapalhões todos juntos: Mussum e Didi (em cima), Zacarias e Dedé (em baixo).
Fontes:
A história de Mussum, para além do cacildis! Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-hista-ria-de-mussum-para-ala-m-do-cacildis/443730
Os Trapalhões – o governo tá certis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1IeI_NX2h2g
Produtor audiovisual, negro, é abordado e humilhado pela polícia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DxoRLhwUMTE&t=1s