domingo, 28 de janeiro de 2018

O Plano Atlanta e a condenação de Lula à luz do cenário geopolítico internacional.


Foto – Manolo Pichardo.
Quarta-feira, dia 24 de janeiro de 2018, Luís Inácio Lula da Silva foi condenado em segunda instância pelo TRF4 por três votos a zero. Resultado esse que, diga-se de passagem, por nós era esperado e previsível, ainda mais levando em consideração que Gebran é compadre do Judge Murrow e por se tratar de um julgamento de cartas marcadas desde o início. Dessa forma, consideramos o resultado desse julgamento ilegítimo e farsesco.
Mas o pior de tudo não foi isso, e sim o fato de que muita gente comemorou e até soltou fogos pela prisão de Lula, além das costumeiras loas ao Judge Murrow. Algo no mínimo nojento e repugnante, que muito diz sobre quem são as pessoas que comemoraram a decisão do TRF4 e seu caráter. Mostra o quanto essa gente é burra, alienada e politicamente analfabeta, assim como hipócrita, capataz da Casa Grande, que acha que para supostamente combater a corrupção tudo vale (até mesmo passar por cima das leis) e que acima de tudo quer a manutenção do apartheid social que vigora no país desde os tempos coloniais. Afinal, com a corrupção grassando no país como nunca eles não batem mais panelas como antes do golpe. E que para ver seus inimigos de classe sendo destruídos não se importam nem um pouco de jogarem confetes a juízes para lá de corruptos e a um processo farsesco. Ao que tudo indica, a corrupção do governo Temer não vem ao caso para essa gente. E mal eles se dão conta de que daqui um tempo, quando forem acusados injustamente de algum crime, poderão ser presos apenas graças à convicção de um juiz. Talvez só assim para essa gente aprender.
E enquanto a boiada se diverte e comemora a ilegítima decisão do TRF4 e bovinamente comemora a condenação de Lula, recentemente saiu na Revista Carta Capital uma entrevista com o político dominicano Manolo Pichardo, atual presidente da COPPPAL (Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e o Caribe). Nessa entrevista, Manolo Pichardo conta, entre outras coisas, a respeito de uma reunião que ele presenciou bem por acaso em uma suíte do hotel Mariott em Atlanta ocorrida em novembro de 2012 que contou com a participação de ex-presidentes de centro e de direita da América Latina onde teria sido delineado um plano de desestabilização dos governos de esquerda da região, dessa vez não se utilizando dos militares como outrora, e sim por meio de processos judiciais em consonância com uma guerra informativa promovida pelos grandes meios de comunicação.
Pichardo conta que o processo contra o ex-presidente Lula é parte desse plano de forma a impedi-lo de retornar à presidência do Brasil e de retomar com a aplicação de políticas públicas que favorecem a maioria do povo brasileiro, que ele seria a joia da coroa do plano, que outros líderes progressistas latino-americanos estão sofrendo os mesmos efeitos de tal plano (sendo Jorge Glas, vice-presidente do Equador, a mais recente vítima devido a acusações de corrupção) e que a mão desse plano poderia já estar atuando no Uruguai em vista da recente renúncia do antigo vice-presidente Raúl Sendic.
Estão entre as forças envolvidas em tal complô, segundo Pichardo, forças políticas que historicamente sempre serviram de apoio a grupos conservadores ligados a forças estrangeiras que possuem influência em governos e multinacionais e que operam como testas-de-ferro de interesses internacionais. Sobre os métodos utilizados pelos ianques, Manolo Pichardo não descarta a possibilidade de estarem promovendo divisionismo dentro das fileiras dos próprios partidos de esquerda e assim cooptando políticos dessas forças para seu lado. Em resumo, o Plano Atlanta seria uma grande campanha de desprestígio das lideranças de esquerda da América Latina se utilizando dos meios de comunicação para miná-los, e após o desgaste nas mãos da imprensa se seguiria uma segunda fase: instauração de processos judiciais com o intuito de interromper o mandato dos governantes em exercício. Em outras palavras, a Operação Condor 2.0, dessa vez se utilizando de juízes reacionários como os gorilas a seu serviço e não militares.
A respeito do Plano Atlanta de que Manolo Pichardo falou, algumas considerações sobre isso devem ser feitas, à luz do cenário geopolítico internacional e do que hoje o Brasil e a América Latina vivenciam. Dizem que toda teoria da conspiração possui suas verdades no meio de invencionices. O que aqui pretendemos é justamente isso: separar o joio do trigo em torno dessa questão.
Primeiramente, devemos entender que os Estados Unidos, acima de tudo, defendem e zelam por seu status quo enquanto potência hegemônica global e que almeja manter tal posição ad eternum. Uma vez, Henry Kissinger disse que os Estados Unidos jamais iriam admitir um Japão ao sul da Equador. Ou seja, que jamais irão admitir a existência de potência industrial alguma ao sul do Rio Grande. Na Ásia, por questões de ordem geopolítica e geoestratégica, tanto a Inglaterra no século XIX quanto os EUA no século XX permitiram que o Japão fosse uma potência econômica e industrial com o intuito de criar um contraponto primeiro à Rússia Imperial no século XIX durante o contexto do Grande Jogo entre Rússia e Inglaterra e depois no século XX em relação à União Soviética e a China durante a Guerra Fria. E todos nós sabemos que o imperialismo anglo-americano, historicamente (a despeito de algumas alianças circunstanciais), nunca foi amigável para com a Rússia, e o próprio establishment político estadunidense igualmente é antipático ao país de Dostoevskij, Tolstoj e Puškin (algo do qual as acusações de que Donald Trump teria recebido ajuda russa para se eleger presidente é sintomático, como forma de chantageá-lo e condicionar a política exterior dos EUA contra a Rússia). Mas, como na América Latina não existe nada similar à Rússia e/ou à China, a conversa é completamente diferente. Assim sendo, fazem questão de manter a América Latina debaixo de rédea curta. E, diga-se de passagem, nisso os Estados Unidos apenas dão continuidade à política que a Inglaterra por aqui já praticava desde o século XIX, quando as nações latino-americanas se libertaram do tacão colonial luso-espanhol e quando a Inglaterra se opôs à industrialização do Paraguai sob os López (e ao mesmo tempo não fez o mesmo com o Japão sob o imperador Meidži).
Desde a primeira metade do século XIX os EUA já tinham suas pretensões sobre a América Latina através da Doutrina Monroe. E já na época Simón Bolívar disse que os Estados Unidos estavam destinados pela providência divina a despejar suas misérias na América Latina em nome da liberdade. A posição norte-americana na América Latina se fortalece principalmente a partir da virada do século XIX para o XX, na sequência da crise venezuelana de 1902/1903 (crise internacional ocorrida em consequência de contradições imperialistas na bacia do mar do Caribe), com o estabelecimento na costa caribenha de uma espécie uma espécie de senhorio monopolístico. No que gerou um precedente no qual as nações latino-americanas não teriam direito algum de repudiar as pretensões de monopólios estrangeiros (entre eles a United Fruit Company que atuava na América Central, a Standard Oil que atuava nos países andinos e caribenhos e a ITT que financiou o golpe contra Allende).
Teve lugar em novembro de 2005 a Quarta Cúpula das Américas, em Mar del Plata.  Lá Lula, juntamente com Hugo Chávez, Nestor Kirchner e outras lideranças latino-americanas, rechaçaram a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) que Washington queria impor a todo o continente. No que nada mais seria que uma ampliação do NAFTA para toda a América Latina. Evento esse que também contou a presença do então presidente George W. Bush e outros signatários do governo estadunidense. Bush II na época defendia não apenas a criação e ampliação da ALCA, como também que os países latino-americanos deveriam aceitar as medidas de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Imaginem o que foi na época para Bush e seu séquito ter que voltarem para casa com tamanho desaforo e o tapa na cara que tomaram ao ouvirem de Hugo Chávez “Alca, Alca, al carajo!”. Ali o Consenso de Washington e seus ditames neoliberais sobre a América Latina não só foi repudiado como também literalmente destroçado e sentenciado à morte. Era um verdadeiro sinal de alerta soando para os falcões do Pentágono e do Departamento de Estado norte-americano. “Não podemos mais tolerar essa brincadeira de mau gosto. Isso já foi longe demais”, eles devem ter pensado com seus botões na época. Desaforo tão grande quanto em 1859 para a Inglaterra foi o paraguaio Solano López (cujo país na época passava por uma revolução na educação, saúde, indústria e comércio, tornando-se assim aos olhos ingleses um exemplo perigoso a ser seguido pelos demais países sul-americanos) ter firmado o pacto de San José de Flores, que unificou a Argentina e o fez despontar como um líder da região.

Foto – Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner na Quarta Cúpula das Américas, 2005.
O “Alca, Alca, alcarajo” de Hugo Chávez evoluiu para o estabelecimento de uma agenda sul-americana de integração entre os países da região, o fortalecimento não só do Mercosul (que em 2012 suspendeu o Paraguai por causa do golpe judiciário-parlamentar que levou à deposição de Fernando Lugo e no mesmo ano recebeu a adesão da Venezuela) como também do comércio com a África e os países do Mundo Islâmico, assim como a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e da CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos). Organizações essas das quais os Estados Unidos e o Canadá estavam de fora. Assim, pouco a pouco a América Latina estava deixando para trás a condição de quintal do imperialismo anglo-americano que remonta ao século XIX. Isso para não falar dos BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). E dentro dos países latino-americanos, a começar pela vitória de Hugo Chávez no pleito presidencial venezuelano de 1998, os velhos líderes da direita alinhada aos EUA perdiam eleição atrás de eleição para políticos progressistas. Surgiram os governos de Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Lula e Dilma Rousseff no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, entre outros. Tal onda de governos progressistas foi um desenvolvimento inédito na história latino-americana e prejudicou os interesses do imperialismo anglo-americano ao colocar freios à espoliação das riquezas latino-americanas (incluindo revisão de contratos de empresas petroleiras e mineradoras), gerando assim um nível de independência política e econômica inaceitável aos olhos imperialistas. Chegou-se até ao ponto de a Venezuela e o Equador em 2010 negociarem a implantação da moeda virtual SUCRE como alternativa sul-americana ao dólar (iniciativa essa similar a que Kadaffi tentou criar na África com o dinar de ouro). E assim atingindo o calcanhar de Aquiles da hegemonia global dos EUA.
Diz o ditado que “antes um pássaro na mão que dois voando”. A América Latina estava começando a alçar voos mais altos que o imperialismo anglo-americano poderia tolerar. Portanto, chegou a hora de agir e tomar alguma providência, cortar as asas da ave antes que ela alce voos mais altos. Já que os associados do imperialismo não mais conseguiam vencer nas urnas como antes, “chega, a brincadeira acabou. Isso não pode e não deve continuar assim”, devem ter pensado os falcões do Pentágono. Era a hora do recorrer ao tapetão para poder vencê-los. Também é digna de nota a descoberta do pré-sal durante o governo Lula, que foi acompanhada do estabelecimento de uma política de conteúdo nacional com o intuito de desenvolver a indústria nacional. Descoberta essa que cedo ou tarde iria atrair o olho gordo das corporações petroleiras dos Estados Unidos e da Europa, interessados em uma fonte de petróleo geograficamente mais próxima em relação aos poços de petróleo do Oriente Médio, sem precisar ter que contornar a costa africana e atravessar o Atlântico e sem ter que precisar esperar de 40 a 45 dias para que esse petróleo chegue às refinarias estadunidenses. Talvez, Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner já tenham sido jurados de morte pelo imperialismo anglo-americano na sequência da Quarta Cúpula das Américas, com o altar de sacrifício destinado a eles sendo preparado durante todo esse tempo.
E porque o interesse anglo-americano no Brasil? Pelo simples fato de o Brasil ser a maior economia da América Latina, o maior país em extensão territorial e população da região e que durante o governo Lula se tornou uma das maiores economias do mundo. Algo que a esse sistema de poder vigente no mundo hoje em dia não interessa de forma alguma. Para esse sistema, o destino de um país como o Brasil e outros tantos da periferia capitalista é ser um grande fazendão que exporta a matéria prima que as grandes potências depois revendem na forma de produtos manufaturados com alto valor agregado (no que gera uma relação comercial extremamente favorável às nações industrializadas). E, nesse momento de crescentes disputas geopolíticas dos EUA com a China e a Rússia, tudo o que Washington menos quer ver é as nações latino-americanas saindo de seu tacão e fazendo articulações com as nações euroasiáticas. Algo igualmente digno de nota no que Pichardo disse a respeito dessa trama e que aqui não poderia ficar de fora é que em artigo publicado em 2016, ele afirmou que também se mencionou “alguns nomes de indivíduos ligados às instituições judiciais da região comprometidos com a conspiração” e que um desses juízes é brasileiro (do qual ele não recorda o nome por ter chegado à reunião por acaso). Tendo em vista tal fato, será que a verdadeira origem da Car Wash está realmente no tal posto de Curitiba, ou será que isso não passa de história para boi dormir? Particularmente, eu não duvido nem um pouco disso, ainda mais tendo em vista que antes mesmo do início da Car Wash já havia toda uma articulação entre setores o aparato jurídico-policial do Estado e a grande imprensa que Jessé Souza menciona nas páginas 106 e 107 do livro “A radiografia do golpe”, com o primeiro insatisfeito por uma questão de interesses corporativos com possibilidade da aprovação da a PEC 37 (que a época estava em pauta no parlamento e que previa uma divisão de tarefas entre a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário), a época taxada de “PEC da impunidade”. E não é só isso: será que a própria condenação de Lula em realidade não teria sido elaborada não no TRF4 ou na vara de Curitiba, e sim no Departamento de Justiça norte-americano? E o que será que o Judge Murrow, Janot e outros da Car Wash vivem fazendo em suas constantes idas aos Estados Unidos?
Tendo em vista tais fatos, não duvidamos nem um pouco na existência de planos originalmente delineados e urdidos não apenas em reuniões em hotéis como também em instâncias de poder como o Departamento de Estado norte-americano e o Pentágono. Trata-se de algo que se encontra muito longe se encontra de se tratar de conspiracionismo a la Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa). Aliás, falando no astrólogo que um dia foi muçulmano e membro integrante da tariqa do Schuon, será que o conspiracionismo que ele criou em torno do Foro de São Paulo alguma relação tem com o Plano Atlanta, servindo talvez como forma de atacar retoricamente e denegrir perante a opinião pública as articulações entre os governos de esquerda da América Latina que a época se formava? E que destino será que aguarda não só a Lula como também a Maduro, Cristina Kirchner, Rafael Correa, Fernando Lugo, Dilma e outros líderes da esquerda latino-americana? Será que destinos similares aos de Saddam Hussein e de Muammar al-Kadaffi os aguardam? E não é só isso: será que nessas reuniões planos de balcanizar a América Latina ao estilo do que foi feito na Líbia, na Síria e no Iraque podem também ter sido elaborados e delineados?
Resumindo a ópera, o plano Atlanta nada mais é que a resposta que os Estados Unidos e seus lacaios locais encontraram ao “Alca, Alca, alcarajo” proferido por Hugo Chávez em Mar del Plata, à CELAC, aos BRICS, à Unasul, ao fortalecimento do Mercosul e ao Sucre, da mesma forma que a Guerra da Tríplice Aliança foi a resposta que a Inglaterra encontrou ao Tratado de San José de Flores.

Foto – A derrota da ALCA em 2005.
Fontes:
IV Cumbre de las Americas (em espanhol). Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/IV_Cumbre_de_las_Am%C3%A9ricas
“Lula é a joia da coroa do Plano Atlanta”. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-e-a-joia-da-coroa-do-plano-atlanta
Guerra do Paraguai – o que não te contaram é o que importa. Disponível em: https://www.ocafezinho.com/2017/12/26/guerra-do-paraguai-o-que-nao-te-contaram-e-o-que-importa/
Paul Antonopoulos – Venezuela: experimento bolivariano fracassado ou acusação legítima de imperialismo americano? Disponível em: https://legio-victrix.blogspot.com.br/2017/11/paul-antonopoulos-venezuela-experimento.html
Plano Atlanta: o golpe judicial midiático na América Latina. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/306491/Plano-Atlanta-o-golpe-judicial-midi%C3%A1tico-na-Am%C3%A9rica-Latina.htm
Plano Atlanta a pauta para destruir Lula e países da América Latina. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=weXYdIBmPTM&ab_channel=InternationalPostResearchOk
Hace 10 años Latinoamerica dijo “no” a al ALCA (em espanhol). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8aDWdFdiqUA&ab_channel=teleSURtv
Souza, Jessé. A radiografia do golpe: como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro: LeYa, 2016.

Венесуэлский кризис 1902/1903 (em russo). Disponível em: http://bse.sci-lib.com/article004007.html

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Reflexão - a moral do Judiciário Brasileiro e da Operação Lava Jato.


Foto – Qual é a moral dessa gente em querer prender o Lula?
Que moral será que pessoas como Sérgio Moro (vulgo Judge Murrow), Gebran, Deltan “Power Point da convicção” Dallagnol, Marcelo Bretas e Thompson Flores tem em falar em combate à corrupção, sendo que essa mesma gente é corrupta até a medula? Gente essa que ganha salários nababescos muito acima do que o teto constitucional permitido por lei (R$ 33.763,00), no que os torna parte do assalto ao Estado que eles dizem combater, da Justiça Brasileira a mais cara do mundo em relação ao PIB, mais sujos que pau de galinheiro, tão ou mais venais quanto os políticos corruptos que eles dizem combater e que eles mesmos ajudaram a colocar no poder? Em outras palavras, parte do assalto que se faz ao Estado?
Muitos dos juízes e desembargadores que hoje participam da Lava Jato (incluindo o Judge Murrow) estiveram presentes no caso do Banestado entre 1996 a 2003 (caso esse que também teve Alberto Yousseff como doleiro), que envolveu um desvio bilionário para o exterior de R$ 100 bilhões e que acabou em pizza (apenas alguns laranjas do esquema foram presos). Isso para não falar das denúncias feitas pelo Rodrigo Tacla Duran a respeito de venda de sentenças dentro da própria Operação Lava Jato, o envolvimento do casal Moro em desvios milionários nas APAEs do Paraná, entre tantas outras falcatruas envolvendo os operadores da Car Wash.
Isso para não falar das várias irregularidades cometidas pelo Judge Murrow ao largo da Car Wash, incluindo a interceptação telefônica não-autorizada de uma conversa da então presidente Dilma com Lula (em clara violação do artigo 10 da lei 9296/96, no que lhe renderia 2 a 4 anos de prisão e multa) e que após a morte da Dona Marisa não a inocentou como a lei igualmente pede (não duvido nem um pouco que foi essa gente que a levou para o túmulo). Assim como de que graças a Car Wash a economia do Estado do Rio de Janeiro foi arruinada por meio da destruição da infraestrutura da Petrobrás da qual era dependente, a destruição de milhares de empregos Brasil afora e que o país sofreu prejuízos em sua economia que somam mais de R$ 140 bilhões. Coisas que o PIG (Rede Globo à frente) nunca irá falar, entre outras coisas.
Que moral será que eles têm querer levar o Lula e qualquer outro que eles acusem de corrupção para a prisão e em combate à corrupção, sendo que eles mesmos são corruptos? A meu ver, nenhuma. No fim das contas, a conversa de combate à corrupção da parte do Judge Murrow e sua patota não passa de um subterfúgio, mero pretexto para a mais deslavada, suja e baixa politicagem. É como a professora Virgínia Fontes uma vez disse ao Paulo Henrique Amorim em entrevista: Lava Jato, lava o carro por fora, mas não por dentro. Ou será que poderíamos chamar a Lava Jato de Lama Jato? Prova de que o combate à corrupção que a Lava Jato diz fazer é tão falso que aqueles que delataram o Lula hoje levam vidas nababescas (como reportou Paulo Henrique Amorim falou em seu último vídeo publicado no canal Conversa Afiada; https://www.youtube.com/watch?v=_EPdXsxt_3s&t=8s&ab_channel=ConversaAfiadacomPauloHenriqueAmorim) e que enquanto o Sérgio Cabral foi preso acorrentado feito um animal e transferido à Curitiba figuras como Eduardo Cunha e Aécio Neves continuam soltos.

Por fim: juízes, procuradores e desembargadores da Lama Jato, parem de enganar a população com essa lorota de que vocês combatem a corrupção e assumam de vez que o negócio de vocês é politicagem da mais baixa e deslavada. E turma da direita, parem de ficar jogando confetes para o Judge Murrow e toda a patota dele. Quero ver o que vocês vão achar na hora em que o país estiver sob a ditadura da toga e algum de vocês ser preso sem provas, bastando apenas a convicção de um juiz ou de um desembargador que não vai com a tua cara e que quer te prejudicar. Assim vocês vão sentir na pele o que o Lula e tantos outros estão sentindo nas mãos da Lama Jato e o que o Rafael Braga e tantos outros pobres e negros presos pela polícia injustamente sentiram após as manifestações de 2013. Vocês estão ajudando a chocar o ovo da serpente que mais dia ou menos dia irá lhes picar, e tudo só por causa de ódio irracional ao PT e a suas lideranças. E o sabor da picada que será inoculada em seu sangue será horrendo com um H bem maiúsculo.

Foto – A farsa da Car Wash.

sábado, 13 de janeiro de 2018

Carta a Gabriel o Pensador - "Matei o presidente parte 2"


Olá, Gabriel o Pensador, meu nome é Eduardo e já faz muitos anos que escuto tuas músicas e as aprecio. Em minha humilde opinião, uma das músicas que mais aprecio da tua obra é “Até Quando” e sua letra arrebatadora. Também gosto de “Nádegas a declarar” (música essa que depois de 20 anos continua bem atual, diga-se de passagem, tendo em vista o recente clipe da Anitta, “Vai malandra”, que é uma verdadeira ode à mulher enquanto mero objeto de satisfação sexual dos homens), “Dança do desempregado”, “Mais uma dose”, as duas partes do “Retrato de um Playboy”, “Lavagem Cerebral”, “Futebol”, “Matador”, “Porca Miséria”, entre tantas outras.
E recentemente, pude ver a segunda versão da música “Matei o presidente”, com Michel Temer (vulgo Mi$hell Temer, ou se preferir Conde Drácula) no lugar de Fernando Collor de Mello. Eu, particularmente, gostei da música e do clipe. Concordo plenamente com você que existem certos políticos que são chamados por aí de mitos, mas que em realidade são ridículos (haja vista que certo político que é comumente chamado de mito votou a favor do impeachment fraudulento e vergonhoso da ex-presidente Dilma e do projeto de lei 4567/2016, de autoria do tucano José Serra, que contempla a privatização da Petrobrás, entre tantas outras coisas lesivas à maioria da população). Mas não é sobre isso que gostaria de falar com você.
Pelo que li na entrevista que você concedeu ao O Globo a respeito dessa música, você fez essa música por causa do decreto da Renca, onde o presidente ladrão tentou extinguir a Reserva Nacional de Cobre e Associados, no que ia liberar a exploração privada de uma área de 4 milhões de hectares da floresta amazônica. Entretanto, o Temer não está só entregando a Amazônia para os estrangeiros pintarem e bordarem em cima do Brasil. Está é entregando o país inteiro para os gringos tomarem não só a Amazônia como também outras riquezas do nosso país, em especial o Pré-Sal que foi descoberto durante a gestão Lula e que agora está sendo vendido a preço de banana aos gringos interessados no nosso petróleo (vale lembrar que enquanto o petróleo do Oriente Médio leva de 40 a 45 dias de viagem de navio para chegar até as refinarias norte-americanas, o petróleo brasileiro leva muito menos para lá chegar dada a maior proximidade geográfica). Recentemente, o presidente ladrão deu uma isenção fiscal de R$ 1 trilhão à Shell para que ela explore os poços do pré-sal. Ou seja, o equivalente a cerca de 20 mil malas do Geddel em isenção fiscal a uma petroleira internacional (que certamente depois de sugar e explorar todo o petróleo do pré-sal e mandar o máximo de dinheiro possível para sua filial na Inglaterra irá abandonar o país a mingua e o devastar até não poder mais, tal como feito na Nigéria antes) o presidente ladrão deu. E isso sem contar que a Petrobrás teve que pagar de indenização a credores estadunidenses quase R$ 10 bilhões. Foi para isso que a Lava Jato em realidade serviu: não para acabar com a corrupção, e sim para tirar o PT do poder e abrir o caminho para a hipoteca do país nas mãos do capital estrangeiro.
E me diga uma coisa, caro e estimado Gabriel o Pensador: por um acaso você acha que basta matar o presidente ladrão e seus asseclas no Congresso e em outras instâncias de poder que os problemas do país se resolvem? Eu acho que não. O problema está muito mais em baixo do que você e a maioria da população pensam. O Temer e a canalha do Congresso nada mais são que a ponta do iceberg, visível a todos nós. Ele não passa de um pulha, um fantoche da mesa que você menciona no começo do clipe. Ele foi colocado no poder pelos representantes da mesa (dando nome aos bois: do capital financeiro e suas diversas frações [agrária, comercial, industrial, bancária, fundos de investimento e outros]), que manda na política por trás das cortinas por meio de expedientes como a compra de políticos e da imprensa com o poder e os recursos que eles têm e que se locupletam do verdadeiro assalto que é feito ao Estado brasileiro por meio das altas taxas de juros com que se paga o serviço das dívidas interna e externa. Assalto esse que a grande mídia sistematicamente oculta, já que essa mesma mídia tem bancos e fundos de investimento como anunciantes e patrocinadores. Agora, nesse momento de crise estrutural do sistema capitalista eles querem um representante orgânico deles, que não tenha o menor pudor em aplicar as mais draconianas políticas de austeridade e retirada de direitos e assim garantir seus superlucros de sempre. Quando estoura algum caso de corrupção o político é utilizado como “boi de piranha” e o verdadeiro assalto assim é ocultado à população (em outras palavras, a verdadeira corrupção está é em casos como a já citada isenção fiscal dada à Shell e a isenção de R$ 25 bilhões ao Itaú de dívidas de imposto renda, não na mala do Geddel ou nos 3% de propina do Sérgio Cabral que suposta teria levado o estado do Rio de Janeiro à ruína [e assim ocultando a todos nós o papel da Lava Jato nisso tudo por meio da destruição da infraestrutura da Petrobrás]). Como também se oculta à população quem são os senhores e quem são os fantoches: quem está no topo da pirâmide de poder de fato não é o presidente, e sim essa gente ligada ao sistema financeiro.
E para que Mi$hell Temer foi colocado no poder por aquilo que Jessé Souza chama de a “elite da rapina” e Nildo Ouriques de a “república rentista”? Para não só entregar o país para os estrangeiros como também fazer coisas como retirar os direitos trabalhistas da população, privatizar a Petrobrás e outras empresas estratégicas ainda sob controle estatal, fazer a reforma da previdência (que na prática é entrega-la aos bancos), a já citada entrega do pré-sal aos estrangeiros e rasgar a CLT, e assim desempenhar o papel que uma vez Nicolás Maduro chamou de “assassino político”, o mesmo papel que em Honduras foi desempenhado por Roberto Micheletti. Trata-se do mesmo Micheletti que deu o golpe em Manuel Zelaya no país caribenho em 2009 (golpe esse que junto com o golpe no Paraguai em 2012 e as manifestações de junho de 2013 foi o prelúdio para o golpe que levou Michel Temer ao poder). Você pode matar o Temer, mas logo a mesa vai substitui-lo por outro para continuar levando a cabo as barbaridades que o presidente ladrão vem conduzindo. Como por exemplo, o Rodrigo Maia ou o Romero Jucá. É ai que não vai mais sobrar bala ou flecha. Do que adianta matar o Temer, o Romero Jucá ou o Rodrigo Maia sem virar a mesa e botar esse sistema todo abaixo? A meu ver, nada. Talvez, só com uma revolução para acabar com essa pouca vergonha. Não é só matando o presidente ladrão que o pesadelo que o povo brasileiro vivencia no presente momento chegará ao fim. Agora, nesse presente momento de crise estrutural capitalista internacional querem um representante orgânico deles, o sistema financeiro quer no poder alguém que não tenha o menor pudor em aplicar as mais draconianas políticas de austeridade e retirada de direitos. Não querem mais saber dos petistas e suas políticas de redistribuição de renda, que até certo ponto foram interessantes a eles (ou será que o cerco jurídico-policial ao Lula é só por causa de tríplex, sítio em Atibaia e outras frívolas acusações que a ele são atribuídas? Não, muita politicagem envolvida nisso há, e acreditar que é só por causa de corrupção que ele e outros políticos estão sendo defenestrados é o mesmo assinar um atestado de burrice).
E concordo com você que, por exemplo, o foro privilegiado é um absurdo (como você disse em uma parte que se passa em Brasília). Mas e os privilégios da casta jurídica, de juízes, desembargadores e outras figuras da aristocracia do serviço público, esses que não raro se posam como as pessoas que estão fazendo a “higiene moral do país”, como esses ficam? Pois como o Osvaldo Bertolino disse no vídeo “CPMI da JBS, que desnudou os corruptos da Operação Lava Jato, marcou 2017”, “antes de nós pensarmos em foro privilegiado deveríamos pensar nos privilegiados”. Ou seja, antes de falarmos em acabar com o foro privilegiado, deveríamos primeiro acabar com os supersalários e outros privilégios de juízes como Sérgio Moro, Marcelo Bretas e Gilmar Mendes (os quais sairão lucrando com o fim do foro privilegiado na medida em que essa gente terá ainda mais poder para atacar seus inimigos políticos). Salários esses que geralmente são inflados por auxílios dos mais variados tipos (tais como moradia, luz, educação, terno, carro e tantos outros), que nós ajudamos a pagar por meio dos impostos que pagamos todo santo ano, que tornam a justiça brasileira a mais cara do mundo em comparação com o PIB e que os torna tão ou mais quanto corruptos e venais quanto o Temer e sua laia. Após o impeachment fraudulento, tal casta, que vive em uma realidade completamente distinta da maioria da população, recebeu um obsceno aumento de seus já elevados salários da parte do governo Temer.

Por fim, queria dizer algumas coisas ao Nando Moura, que dias após o lançamento do clipe postou um vídeo falando sobre o clipe. Nando Moura, apenas duas coisas: e daí que o Gabriel o Pensador não fez um matei o presidente do Lula e/ou da Dilma? Pelo menos o PT nunca ousou fazer as maldades que o Temer e sua quadrilha agora estão fazendo em nome dos superlucros dos representantes do capital financeiro. Segundo que ninguém vota em vice-presidente como se votava nos tempos de JK e Jango. E muito embora ele tenha sido de fato vice de Dilma, com quem ele está fazendo o pacote de maldades que está fazendo agora, que é o que é bem mais importante no presente momento? Está fazendo ao lado do PSDB, outro partido orgânico da classe dominante nacional, e não do PT.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A estratégia liberal para as eleições de 2018 em três etapas (por Lucas Novaes)

2018 já começou e promete ser um ano de intensa agitação política. Afinal de contas, teremos as eleições gerais onde serão escolhidos novos deputados, senadores, governadores e presidente. Mas também existem outros fatores que tornam este ano bastante peculiar: estamos vivenciando o governo mais impopular e ilegítimo do curto período supostamente democrático do país. A impopularidade do governo Temer é justificada pelos diversos ataques aos direitos trabalhistas, privatizações, entrega do pré-sal para empresas estrangeiras, ameaças de reforma na previdência e, é claro, o fato do mesmo ter se estabelecido por meio de um golpe constitucional elaborado em conjunto por diversos partidos políticos, grandes meios de comunicação, setores empresariais e o sistema judiciário.
As eleições de 2018 então poderiam servir como um meio para que a população brasileira tenha o poder de escolher melhores representantes e coloque para fora do poder aqueles que atualmente controlam o país. Mas será que a população realmente terá poder de escolha? O Brasil, em termos geopolíticos, é um país intermediário. Não é nem de um país completamente aliado aos interesses dos países imperialistas (Estados Unidos, França e Inglaterra) nem um país que luta diretamente contra os desmandos das grandes potências, como fazem a Síria e a Coreia do Norte. Portanto, a situação política nacional é marcada por muitas contradições. Por mais que estejamos sob o domínio do capital nos impondo liberalismo econômico e da grande mídia os impondo liberalismo cultural, existem variáveis de cunho político muito difíceis de serem completamente controladas: as mudanças de cunho cultural ocorrem de maneira muito mais lenta do que o esperado (perceba as recentes mobilizações contra o banco Santander e o Museu de Arte Moderna) e o liberalismo econômico ainda é uma visão muito impopular no Brasil. O Brasil, portanto, é sempre um país alvo de uma intensa disputa entre grupos altamente dispares. 
Agora, em se tratando das eleições de 2018, particularmente as eleições presidenciais, temos um cenário muito fragmentado, comparável ao de 1989 que deu vitória a Fernando Collor de Melo. São ao todo 6 ou 7 possíveis candidatos com um certo poder de mobilização. Mas a maioria deles não são realmente interessantes para os donos do poder. O que vai tentar se impor no país em 2018 será um candidato tipicamente liberal: centrista, avesso a posições “extremadas” e aliado de grandes grupos econômicos ou da mídia monopolista. Pessoas como Geraldo Alckmin, Marina Silva ou mesmo Luciano Huck são as possibilidades que mais se adequam a este perfil. Mas dado a desmoralização do governo atual e ao fato de que todos os candidatos apoiam direta ou indiretamente o que vem sendo feito pela turma de Michel Temer, eleger um candidato liberal não será uma tarefa fácil. Apesar de não existir no Brasil um candidato viável completamente iliberal, existem diversos obstáculos que deverão ser vencidos para a vitória de um candidato puramente liberal em 2018, como ocorreu em 2017 na França, quando Macron venceu Marine Le Pen e o candidato socialista sequer chegou ao segundo turno. Para vencer esses obstáculos, será necessário o cumprimento de 3 objetivos que serão explicados abaixo.
Etapa 1 de 3: Inviabilizar a candidatura de Lula
Lula é, sem dúvidas, a maior ameaça atual para o liberalismo tupiniquim. Ele é um político com capacidade de mobilizar grandes contingentes de pessoas, é apoiado por numerosas bases sociais e sindicais importantes e é o principal nome do Partido dos Trabalhadores, que é o menos liberal dentre os 3 grandes partidos (PSDB, PMDB e PT).  Com Lula nas eleições, fica mais difícil para um candidato do PSDB ou apoiado pela Globo vencer as eleições. Mesmo que o anti-lulismo ainda seja muito forte, só o fato de Lula participar das eleições já garante que haverá uma intensa mobilização contra o candidato adversário, e isso é algo que a os antilulistas de direita querem evitar a todo custo, pois mesmo que tentem esconder, serão facilmente vistos como cúmplices de tudo o que de ruim existe no governo atual. Tirar Lula da jogada é o passo mais importante para garantir a vitória de um liberal “puro” em 2018. É também o passo mais arriscado pois poderia acarretar uma grande revolta popular.
Etapa 2 de 3: Enfraquecer ou invalidar a candidatura de Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro é um político direitista de matriz neoconservadora que ascendeu junto ao crescimento do “olavismo cultural” e da nova direita que saiu do armário. Apesar de ser de direita (ou seja, anticomunista, contra movimentos sociais, em favor do capitalismo e entreguista), Bolsonaro não é um candidato ideal por dois motivos principais: 1 - está diretamente ligado a interesses corporativistas militares (o que suja a sua imagem de liberal, principalmente por ter defendido diversas vezes a memória do período militar) e 2 – tem posições muito conservadoras com relação aos costumes (vide acusações constantes de racismo, machismo e homofobia). Bolsonaro defende o liberalismo econômico com conservadorismo social. Portanto, poderia ser considerado um republicano nos Estados Unidos. Este perfil se contrasta com os políticos do Partido Democrata, que são progressistas ou, no máximo, moderados na questão moral e moderadamente liberais na economia. Portanto, ele também se contrasta com os políticos que ainda dominam o PSDB. Além disso, os eleitores de Bolsonaro são, em sua maioria, pessoas que votavam ou votariam nos tucanos pela falta de uma opção mais alinhada com suas opiniões. Portanto, apesar de parecer contraditório, Bolsonaro é uma ameaça para o liberalismo. Não só por ser muito mais conservador social do que os liberais estão dispostos a aceitar, mas porque, caso ele vá para um eventual segundo turno contra um candidato de esquerda, seria muito incoerente da grande mídia, depois de passar anos promovendo progressismo social apoiar alguém tão conservador. Uma disputa entre Bolsonaro e Lula seria o pior cenário, pois a grande mídia não teria um candidato para apoiar (vide recentes capas da Istoé e Veja colocando Lula e Bolsonaro como extremistas).
Etapa 3 de 3: Garantir a vitória do candidato mais liberal no segundo turno
Caso a retirada de Lula das eleições tenha de fato ocorrido e a candidatura de Bolsonaro tenha se desidratado ao longo do ano a ponto de não colocá-lo no segundo turno, teríamos o seguinte cenário provável: um candidato liberal contra algum candidato de centro-esquerda que teria apoio de Lula e do PT. Ciro Gomes é um nome provável que se encaixaria nesse cenário. A etapa final do liberalismo seria garantir a derrota deste candidato de centro-esquerda em favor de um liberal puro que teria chegado ao segundo turno. Claro que só o fato de termos um candidato do sistema no segundo turno e Lula não estar nas eleições já seria uma grande vitória independentemente do resultado. Mas a cereja do bolo seria, de fato, a vitória de um candidato que não tem relações com a esquerda econômica nem com a direita cultural.
Se todas essas etapas se cumprirem, o liberalismo terá, de fato, triunfado em 2018. Será que os brasileiros deixarão que isso aconteça?
Fontes:

domingo, 7 de janeiro de 2018

Anatomia da rendição de Jair Bolsonaro ao liberalismo econômico.


Foto – Usina do Senhor Burns x Kwik-E-Mart do Apu.
Em 11 de agosto de 2015, Jair Bolsonaro foi entrevistado pelo canal voz da cidade Xaxim a respeito do PL 3722/2012 na cidade de Chapecó. Nessa entrevista ele solta algumas pérolas, sintomáticas do fato de que há tempos o político carioca aderiu ao liberalismo econômico que ele outrora abominava (a ponto de ter votado a favor do projeto de lei 4567/2016, que contempla a privatização do Petrobrás, velho sonho dos tucanos privatistas. E assim contradizendo o próprio Bolsonaro que 20 anos antes disse que FHC deveria ser fuzilado por ter privatizado a Petrobrás). Tendo em vista que recentemente li o livro “A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato”, de Jessé Souza, no embalo resolvi falar a respeito dessa curta entrevista e tecer algumas considerações a respeito.
Após ser perguntado pelo repórter sobre os protestos da esquerda, o político carioca afirmou que “eles sofrem uma lavagem cerebral de décadas. Professores sempre demonizando o capitalismo e endeusando o socialismo”. Diz em seguida que em países como Cuba, Coreia do Norte e China não há qualquer liberdade, que o povo está lá para ser sugado e explorado pelo Partido governante, e que a esquerda não admite a propriedade privada por supostamente nunca terem trabalhado, que sempre foi preguiçosa e sem vergonha e que por isso eles ódio de quem trabalha e tem propriedade privada.
O que será que Bolsonaro entende por propriedade privada? Propriedade privada do que, para começo de conversa? O que Marx e Engels falam em suas obras é acabar com a propriedade privada dos meios de produção. Ou seja, que indústrias, usinas, bancos teriam de ser estatizados. Não o mercadinho ou a banca da esquina ou a tua casa. Ou seja, coisas completamente distintas e que pessoas como Bolsonaro ajudam a confundir a cabeça das pessoas ao jogar tais ideias de forma vaga, imprecisa e indefinida. E como se essas tais “pessoas que trabalham e tem propriedade privada” não fossem o sujeito que não raro vampiriza e torna um inferno a vida daquelas pessoas que não tem simpatia alguma por elas. Como se o ódio que essas pessoas que não tem simpatia alguma por esses endinheirados seja algo gratuito e sem motivo algum de existir. Talvez justamente por causa desses vampiros que concentram a maior parte da renda global em suas mãos que hajam pessoas que não gostem do capitalismo e prefiram o socialismo.
O fato é que quando uma pessoa de esquerda fala em capitalismo não se está falando da padaria, do mercadinho ou da banca mais próxima da casa onde você mora, e sim de pessoas infinitamente mais poderosas, que acumulam em suas mãos fortunas milionárias ou mesmo bilionárias. No universo Simpsons, está se falando não do Kwik-E-Mart do Apu, e sim da usina nuclear do Senhor Burns. E no mundo real, de pessoas como o João Paulo Leman da Ambev, os barões do agronegócio, do rentismo financeiro, dos fundos de investimento e da indústria farmacêutica, da família Marinho que comanda a Rede Globo, o Joesley Batista da JBS e o Roberto Setúbal do Itaú a nível nacional. Ou mesmo os donos do poder mundial, tais como o clã Rothschild, os irmãos Koch, o Rupert Murdoch, o J.P. Morgan, o George Soros e o clã Rockefeller a nível internacional. Em outras palavras, aqueles que pertencem ao 1% que controlam a maior parte da riqueza mundial e que mandam na política por trás das cortinas do poder.
Ao final dessa entrevista, Jair Bolsonaro, após ser perguntado sobre o que acha do liberalismo econômico, solta a seguinte pérola, aquela que para mim é a fala mais emblemática e interessante: “O Estado, só o essencial, nada mais, além disso. O resto tem que deixar para a iniciativa privada e que para o mercado aqui se acomode. Tem que ser assim. Quanto mais Estado, mais corrupção, mais tristeza para o povo brasileiro e menos esperança”. Tal fala nos sugere que para Jair Bolsonaro apenas há corrupção na esfera pública e que o “impoluto” mercado é o espaço virtuoso por excelência. Sendo que na realidade o real assalto ao Estado, que movimenta quantias bilionárias para cima, é feito por agentes privados. Afinal, o que são os 51 milhões da mala do Geddel, os 3% de propina do Sérgio Cabral e os dólares na cueca do José Adalberto Vieira da Silva perto dos R$ 25 bilhões que o governo Temer deu de isenção fiscal ao Itaú de dívidas do imposto de renda, dos US$ 10 bilhões da Petrobrás doados aos fundos abutres dos EUA pelo governo Temer e dos R$ 1 trilhão que o mesmo governo Temer deu de isenção fiscal à Shell na exploração do pré-sal? Ou do tanto que os super-ricos brasileiros sonegam anualmente de imposto e/ou remetem a paraísos fiscais? Achar que o centro da corrupção está em coisas como a mala do Geddel é assinar atestado de burrice. Atestado esse que Bolsonaro assina ao pensar e olhar a questão da corrupção dessa forma. Tais didáticos exemplos mostram que os políticos nesses casos de corrupção são os sócios menores dessas figuras do “impoluto” mercado que ficam com as sobras do espólio e que quando estoura o escândalo são as peças do esquema que são descartadas e posteriormente trocadas por novas.
E o curioso disso tudo é que nessa maneira de se ver a questão da corrupção ele bebe do conceito do patrimonialismo, postulado por Sérgio Buarque de Holanda em sua obra “Raízes do Brasil”, publicado originalmente em 1936. Algo no mínimo paradoxal e irônico, tendo em vista que Jair Bolsonaro em seus discursos se mostra um raivoso anti-petista e anti-esquerda de modo geral e que no final de sua vida Sérgio Buarque de Holanda foi membro fundador do PT, que cujo nome é o do salão nobre e de um dos centros de pesquisa da Fundação Perseu Abramo (espécie de think thank petista, fundado em 1996 em homenagem ao jornalista homônimo) e que é o pai de Chico Buarque de Holanda, uma figura simpática ao partido de Lula, Dilma, José Dirceu, Gleisi Hoffmann e José Genoíno.
Segundo o conceito de patrimonialismo, haveria uma elite política incrustrada no Estado e que dele se apodera em benefício próprio, a ponto de privatizá-lo e gerar uma má delimitação entre as esferas pública e privada. De acordo com o pai de Chico Buarque, esse é o grande problema que tem afligido o Brasil ao largo de sua história. Entretanto, tal ideia é errônea e imprecisa. Parte de uma premissa verdadeira, de que há uma elite que se apropria do aparato estatal em benefício próprio, mas chega a uma conclusão errônea e imprecisa ao atribuir tendências patrimonialistas (no sentido de se apropriar do aparato estatal em benefício próprio e em prejuízo do resto da sociedade) apenas entre políticos e nunca em agentes do setor privado. Isso acaba implicando em um sistemático ocultamento do papel do “impoluto” mercado nos esquemas de corrupção da parte de veículos como a grande mídia (a qual tem como anunciantes justamente frações do capital envolvidas no verdadeiro assalto ao Estado, entre eles bancos e fundos de investimentos). No que acaba sendo muito conveniente para aqueles que comandam esse processo, na medida em que a corrupção envolvendo políticos acaba servindo de cortina de fumaça para esconder o verdadeiro assalto ao Estado.
E assim políticos entram e saem de cena, as peças da engrenagem são trocadas em meio à esses escândalos e essa gente continua assalto o Estado impunemente, sem ser importunada por ninguém e sem dar satisfação alguma à população. Assim como é junto com a noção de populismo usado como porrete linguístico e cavalinho de guerra para desmoralizar eventuais governos populares perante a opinião pública, na medida em que eles são associados a tudo de ruim que existe em matéria de política. Assim foi na história do Brasil com Getúlio Vargas, Jango, Lula e Dilma. Dessa forma, graças a toda essa operação, o cidadão médio tende a olhar como bandidos apenas os políticos envolvidos em escândalos de corrupção, ao passo que de modo geral o mesmo olhar de reprovação não é destinado ao presidente do Itaú ou ao dono da Ambev, que por sua vez podem muito se posar de pessoas respeitáveis perante a sociedade.
Segundo Jessé de Souza em sua obra “A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato”, a Operação Lava Jato e a maneira como seus juízes e procuradores olham a questão da corrupção igualmente provêm do conceito de patrimonialismo de Sérgio Buarque de Holanda. E igualmente bebem dessa concepção do patrimonialismo na maneira de ver essa mesma questão muitos dos liberais brasileiros da atualidade, entre eles o MBL e Rodrigo Constantino. Gente essa que advoga, entre outras coisas, que o Estado deveria ser o menor possível e que a solução para a economia do país é “mais mercado” (sendo não foi com “mais mercado e menos Estado” que as grandes potências chegaram ao patamar que chegaram). Talvez, noções como a do patrimonialismo e do populismo ajudaram a criar o terreno fértil para que as ideias de pensadores como Ludwig von Mises e outros da chamada Escola Austríaca de Economia proliferem no país (a ponto de haver pessoas falarem em “mais Mises, menos Marx”).

Foto – Sérgio Buarque de Holanda (1902 – 1982).
Fontes:
Souza, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.
Jair Bolsonaro Estado Mínimo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=07cmQvXuONs&ab_channel=JohnReilly