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– Selo comemorativo do movimento de 1932.
Muito se falou na
Internet a respeito do fato de Jair Bolsonaro ter dedicado seu voto a favor do
impeachment da presidente Dilma Rousseff em memória de Carlos Alberto Brilhante
Ustra, notório torturador da ditadura civil-militar, falecido em 15 de outubro de
2015. Mas, ao mesmo tempo, pouco (para não dizer nada) se falou a respeito do
discurso proferido um dia antes por seu filho Eduardo, deputado federal do PSC
(Partido Social Cristão) pelo Estado de São Paulo. Ele proferiu um discurso na
Câmara dos Deputados raivosamente contra o governo e pró-impeachment. Chegou a
dizer a asneira de que as escolas brasileiras precisam de mais Mises e menos
Marx e mais Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad) e menos Paulo Freire (pelo
visto ele quer é cartilha neoliberal nas escolas). Mas é esse não é o foco do
presente artigo. Mais para o final de sua fala, ele fez algumas referências ao
que na historiografia nacional é chamado de a Revolução Constitucionalista de
1932, iniciado em nove de julho do mesmo ano, cujo epicentro foi o estado de
São Paulo. Ele menciona que o povo de São Paulo tem como lema “não sou
conduzido, conduzo” e cita os líderes do movimento em questão (Dráuzio,
Miragaia, Martins e Camargo), afirmando que o espírito dos líderes de 1932
continua presente em todos aqueles que não se curvam a ditadores.
Mas o que foi em
realidade a dita Revolução Constitucionalista de 1932? Foi um golpe reacionário
da parte das oligarquias cafeeiras que foram alijadas do poder por Getúlio
Vargas dois anos antes. As mesmas oligarquias cafeeiras que em 1889 derrubaram
a Monarquia em conluio com militares golpistas e liberais republicanos e que
desde então passaram a tratar o estado brasileiro como seu balcão de negócios
particular. E, o que é pior, essas oligarquias que até então mandavam no país
nunca tiveram um projeto nacional, preferindo sujeitar-se aos ingleses e
franceses em nome de seus negócios com o exterior, assim como hoje em dia a
classe dominante nacional faz em relação aos ianques.
Na Primeira República
Brasileira (também conhecida como a República Velha [1889 – 1930]), a política
era marcada pelo revezamento entre políticos das oligarquias paulistas e mineiras
na presidência da República (política do café com leite) e as trocas de favores
entre os Governos Estaduais e o Governo Federal que garantia a continuidade dos
clãs oligárquicos no poder (política dos governadores). E é esse sistema que a
Revolução de 1930 colocou fim. A Revolução de 1930, segundo o sociólogo e
ex-colunista da Revista Caros Amigos Emir Sader, foi a mais importante e mais
popular transformação do século XX na história do Brasil. Vargas assumiu o
poder em caráter provisório, mas ainda assim com amplos poderes. Logo que assumiu
o poder, Vargas, entre outras coisas, aboliu a constituição de 1891 e nomeou interventores
para o governo dos estados. Para São Paulo, foi nomeado o coronel João Alberto
de Barros.
Como Vargas aboliu o
velho federalismo dos tempos da República Velha e instituiu uma política
centralizadora, isso enfureceu as oligarquias estaduais, em especial a de São
Paulo (inicialmente favorável a Vargas), a qual se sentiu prejudicada e
reivindicou a realização de eleições e o fim do governo provisório. Vargas, por
seu turno, reconheceu de forma oficial os sindicatos de trabalhadores,
legalizou o Partido Comunista e apoiou um aumento no salário dos trabalhadores.
Em março de 1932, João Alberto de Barros é substituído em seu cargo por Pedro
Toledo, que mesmo sendo paulista e civil não foi bem recebido. No dia dois de
maio, aconteceu a greve dos trabalhadores ferroviários da São Paulo Railway,
que mobilizou 200 mil trabalhadores, o que deixou as elites paulistas (tanto
urbanas quanto rurais) preocupadas. Essas, por sua vez, fizeram um comício no
dia 23 de maio reivindicando uma nova constituição para o Brasil (aos moldes da
constituição de 1891), onde quatro estudantes morreram. Seus nomes: Martins,
Miragaia, Dráuzio e Camargo. As iniciais de seus nomes (MMDC) se transformaram
no grande símbolo do movimento anti-varguista.
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– Pôster de convocação do movimento de 1932.
No dia nove de julho a
revolta estala. O caráter do movimento em realidade era elitista, anti-nacional
e até mesmo separatista, e seu lema era o mesmo “Não sou conduzido, conduzo”
(ou em latim “Non ducor, duco”) que
Bolsonaro Filho disse no recente discurso, trazendo a idéia de que São Paulo
seria a locomotiva da nação e os demais estados vagões lentos e pesados que
eram o fardo de São Paulo. As tropas rebeldes se espalham pela cidade de São
Paulo e ocupam as ruas. A imprensa paulista, capitaneada pelas mesmas
oligarquias que ficaram furiosas com a perda de seu poder, defende o movimento
e uma intensa campanha de mobilização é acionada, com um grande número de
pessoas se alistando para o movimento. Os revoltosos pretendiam realizar um
ataque fulminante à capital federal, mas logo a sorte pendeu para o lado de
Vargas. Para conter o golpe reacionário, tropas federais são enviadas para
esmagá-lo. Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul e que de início
estava do lado dos golpistas, bandeou para o lado de Vargas. Ante a ofensiva do
governo federal, os revoltosos esperavam a adesão de outros estados. Apenas
receberam alguns poucos homens enviados pelo comandante do estado do Mato
Grosso, Bertoldo Klinger. Depois de três meses de luta, os paulistas se renderam
ao exército federal, capitaneado pelo general Góis Monteiro. Prisões, cassações
e deportações se seguem, com estatísticas oficiais apontando 830 mortos nos
confrontos. Dois anos depois, uma assembleia eleita pelo povo promulgou nova
Constituição. Getúlio Vargas, por sua vez, foi reeleito no pleito presidencial
de 1934 com 70,58% dos votos. Assim a “babaquice constitucionalista de São
Paulo” (como Gilberto Felisberto Vasconcellos, um dos colunistas da Revista
Caros Amigos, caracterizou o movimento em questão) chegou ao fim.
Diz o ditado que a história
é escrita pelos vencedores. Mas, por que será que o movimento de 1932, mesmo
tendo sido vencido, hoje em dia é pintado de forma positiva, como um movimento
de defesa da democracia e tido como um exemplo de orgulho paulista, a ponto de
o nove de julho ser a data cívica mais importante do estado de São Paulo e
feriado estadual, assim como o fato de nove de julho ser o nome de muitas ruas
no mesmo estado (enquanto que na capital paulista não há uma única com o nome
de Getúlio Vargas)? Infelizmente, aqueles que foram os derrotados em 1932
depois de um tempo se tornaram os vencedores e a partir de então passaram a
escrever a história. Ou seja, foram os perdedores em um primeiro momento, mas
tornaram-se os vencedores posteriormente. A elite paulista, que foi vencida em
1932, retomou o poder em 1964 com o golpe civil-militar contra o governo João
Goulart (o herdeiro político-ideológico de Vargas, falecido 10 anos antes) e
desde então nunca mais saiu do poder, a despeito das sucessivas mudanças de
governo de 1985 em diante. Trocando em miúdos, o golpe de 1964 foi que o 1932
que deu certo. E 1932, o 1964 que deu errado (diga-se de passagem, na Marcha da
Família com Deus Pela Liberdade havia alguns cartazes com a inscrição
“32+32=64”).
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– Assim Jango, no Comício da Central do Brasil, descreveu a democracia que
aqueles que carregam o espírito elitista e reacionário de 1932 defendem.
Logo após a derrota em
1932, essa mesma elite criou a USP (Universidade de São Paulo), com a intenção
de criar uma intelectualidade liberal que batesse de frente com o pensamento
nacionalista varguista. Ou seja, agora a batalha não era mais através das armas,
e sim no campo das idéias. E para isso trouxe da França figuras como o
antropólogo Claude[1]
Lévi-Strauss, o historiador Fernand Braudel[2], o filósofo Jean Maugüé e
o sociólogo Roger Bastide. Isso deu início à longa tradição daquilo que Nildo
Ouriques chama de o “figurino francês” no ensino de ciências sociais nos meios
universitários brasileiros. E Junto com a volta da oligarquia paulista ao poder
em 1964 também se consolidou o restabelecimento da velha estrutura de sujeição
do país à cadeia imperialista mundial, só que com uma roupagem mais moderna
(através do estabelecimento de empresas multinacionais que aqui sugam o suor do
povo e enviam para suas sedes no exterior a mais-valia aqui explorada), e desta
vez não mais à Inglaterra e a França, e sim aos Estados Unidos, o qual após o
fim da Segunda Guerra Mundial ocupou o espaço geopolítico até então ocupado pelos
dois países europeus.
O espírito elitista e
anti-nacional de 1932 mais adiante foi retomado pelo PSDB e por Fernando
Henrique Cardoso (o qual se formou em sociologia na mesma USP que a elite
paulista criou contra o nacionalismo varguista) em seus oito anos de governo.
Segundo Emir Sader, a gestão FHC expressou esse espírito da seguinte maneira: governo
voltado para as classes dominantes e os banqueiros, desprezo ao desenvolvimento
e o resto do país para priorizar a estabilidade monetária e remunerar aos
bancos com as mais altas taxas de juros do mundo. Algo também digno de nota era
que FHC repetidamente dizia que ia acabar com o legado da Era Vargas. O que fez
através da privatização para o capital estrangeiro de muitas das estatais
criadas durante a Era Vargas, entre elas a Companhia Siderúrgica Nacional e a
Vale do Rio Doce. E é esse mesmo espírito de 1932 que vemos nos discursos de
Jair Bolsonaro e seus filhos quando eles, em seus discursos, fazem sua defesa
da democracia liberal burguesa vigente no Ocidente, às críticas a política
externa dos governos petistas e sua defesa do alinhamento do país com os ditos países
democráticos (e nisso ele se iguala a FHC e sua teoria da dependência, que diferente
das teorias de figuras como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank e Teotônio dos
Santos não visava uma ruptura com a situação de subalternidade do Brasil e da
América Latina dentro da engrenagem capitalista mundial, e sim o contrário, de
justificar o projeto de poder da classe dominante brasileira atrelada ao
capital multinacional). Assim como naqueles que aderem ao discurso olavista e
chamam Bolsonaro de “Bolsomito” (sendo que em realidade FHC, Serra, Aécio e o
tucanato de um lado e de outro Bolsonaro, Feliciano, Olavo de Carvalho e a nova
direita que vem se formando no Brasil são duas expressões distintas do mesmo espírito
de 1932, com os primeiros sendo sua expressão moderada e liberal e os segundos
a expressão truculenta e raivosa. E o sistema, para a manutenção de seu status quo, precisa dos dois. Dos
primeiros em tempos de paz social e dos segundos em uma situação em que sua
sobrevivência esteja ameaçada), das manifestações de classe média que só sabem
criticar a Dilma e o PT por causa dos casos de corrupção que aparecem na mídia e
da direita republicanóide que cada vez mais cresce no país. Em outras palavras,
o espírito da defesa da ordem e dos privilégios da classe dominante e seu
ideário calcado naquilo que chamamos de a “direita dos valores sem a esquerda
do trabalho” (ou em francês “le gauche des valeurs sans le gauche du travail”),
parafraseando Alain Soral.
Portanto, da mesma forma
com que falar que Lula e o PT são comunistas e bolivarianos, falar que
Bolsonaro é um fascista e/ou fascistóide é algo no mínimo indevido, já que o
fascismo originalmente era avesso, entre outras coisas, ao conservadorismo
tradicional, a democracia liberal vigente no Ocidente e tinha uma proposta
nacionalista e de mudança revolucionária da sociedade. Tudo aquilo que o
político carioca (que não raro é também caricaturado portando o bigode de
Hitler) não é. O máximo que pode ser dito de Bolsonaro, politicamente falando,
é que ele, além de ser a expressão truculenta e raivosa do espírito do
movimento de 1932, está ideologicamente muito mais próximo dos Republicanos
norte-americanos que dos fascistas do tempo de Mussolini e/ou dos nazistas do
tempo de Hitler. E, como todos nós sabemos, os Republicanos são o principal
partido da ordem nos Estados Unidos junto com os Democratas. Em outras
palavras, o elefante azul, branco e vermelho republicano é muito mais
condizente a Bolsonaro que o fascio[3] fascista e/ou a suástica
nazista. E o mesmo vale para os coxinhas de classe mérdia que periodicamente
vão as ruas protestar contra a corrupção que periodicamente aparece no
noticiário e que tem como herói o juiz Moro e a República do Paraná. O rótulo
de fascista/fascistóide lhes é igualmente impróprio (o qual foi utilizado e
aplicado por Marilena Chauí em algumas palestras e debates). A estes (que
também carregam em seu âmago o espírito do movimento de 1932) o rótulo de udenistas
e/ou lacerdistas é muito mais apropriado, já que fazem a mesma fanfarra com
temas como corrupção que nos anos 1950 e 1960 o jornalista Carlos Lacerda e a
UDN (União Democrática Nacional) faziam. Ou seja, abordar o tema em questão na
base do mais tacanho e rasteiro moralismo e sem tratar de suas raízes
profundas, enxergando apenas a ponta do iceberg que está acima d’água e fazendo
aquilo que Nildo Ouriques chama de “redução da política a moral”.
Se há algo que precisa
ser mandado para o lixo da história brasileira é o movimento de 1932. Se
quisermos dias melhores para o Brasil, isso terá que ser feito com o espírito
da revolução de 1930, da criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), da
campanha “O Petróleo é Nosso”, da Carta-Testamento de Vargas, da Campanha da
Legalidade de 1961, do Comício da Central do Brasil e das reformas de base do
presidente João Goulart, não com o espírito reacionário do movimento de 1932, da
campanha midiática que Carlos Lacerda promoveu contra Getúlio, JK, Jânio e
Jango, da Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964, do golpe civil-militar
de 1964, dos discursos de gente como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Olavo de
Carvalho, dos patos gigantes da FIESP, do anti-varguismo do governo FHC e das
recentes manifestações de rua encabeçadas pela classe mérdia que só sabe falar
de corrupção e que não tem proposta alguma de melhora para o país.
Foto
– Pôster de convocação do movimento de 1932.
Fontes:
1932: Uma guerra de 80
anos que ainda não acabou. Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/68607/1932-a-guerra-de-80-anos-que-ainda-n%C3%A3o-acabou-1932-guerra-80-anos-que-ainda-n%C3%A3o-acabou.htm
1932: Revolução ou golpe?
Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/1932-revolucao-ou-golpe-/2/23819
As abominações da classe
média – Marilena Chauí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3MX5b3EfMAw
Eduardo Bolsonaro faz o
discurso mais importante de sua vida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T8XOU4APMsc
Emir Sader: quando os
paulistas se levantaram contra o Brasil. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/133126-1
Getúlio Vargas e a
independência. Disponível em: http://ressurreicaonacionalista.blogspot.com.br/2014/09/getulio-vargas-e-independencia.html
Gilberto Felisberto
Vasconcellos – Soloswald. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bb3D2QxzKFs
Lula convocará as
massas? Disponível em: http://nildouriques.blogspot.com.br/2016/03/lula-convocara-as-massas.html
Quinta-feira, 19 de
março de 1964. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2014/03/quinta-feira-19-de-marco-de-1964/
Os 80 anos da Revolução
de 1932. Disponível em: http://www.creasp.org.br/noticia/clipping/2012/07/05/os-80-anos-da-revolucao-de-1932/545
NOTAS:
[1] Leia-se “Lêvi”, pois no francês,
assim como no espanhol, a partícula é tem valor de ê.
[3] Leia-se “fachio”, pois no italiano a
partícula sc, quando sucedida por e e/ou i, tem o mesmo valor do ch no
português e no francês, do sh em idiomas como o inglês, o russo, o mongol e o
japonês, do sz no polonês, do s no húngaro e do š no servo-croata, no tcheco,
no eslovaco e outros idiomas da Europa centro-oriental.
Eduardo, você conhece alguma obra que relata esses fatos colocados por você no artigo ?
ResponderExcluirObrigado camarada.
Todos os pensadores que você citou no artigo tem obras retratando o assunto, investiguei aqui, parabéns pelo artigo.
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