Foto
– Radovan Karadžić no tribunal de Haia.
Quinta-feira,
dia 24 de março de 2016, Radovan Karadžić[1]
foi condenado a 40 anos de prisão pelos juízes do Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia de Haia devido a 11 acusações de supostos crimes de
guerra, genocídio e crimes contra a humanidade, os quais teriam sido
supostamente cometidos na guerra da Bósnia (1992 – 1995), que opôs sérvios a bósnios
e croatas (esses últimos apoiados pela OTAN). Entre os crimes em questão nos
quais Radovan Karadžić (o qual recebeu a alcunha de “carniceiro dos Bálcãs”)
foi implicado estão o cerco a Sarajevo[2]
e o massacre de Srebrenica (o qual, segundo artigo do site Vineyard of Saker, foi
uma operação de falsa bandeira), que teve lugar em 1995 e teria vitimado entre
8 mil a 12 mil bósnios muçulmanos.
Radovan
Karadžić nasceu no dia 19 de junho de 1945, próximo a Petnjica Šavnik[3]
(hoje Montenegro), mudou-se em 1960 para Sarajevo, Bósnia, onde continuou seus
estudos em psiquiatria na Universidade de Sarajevo e, entre 1974 a 1975,
estudou formação médica na Universidade de Columbia em Nova York. Karadžić se
notabilizou por ter sido o líder da Republika Sprska, entidade que representava
os sérvios da Bósnia, no período entre 1991 a 1995 e da qual teve Karadžić como
seu primeiro presidente.
Após
a derrota sérvia na guerra da Bósnia, no ano seguinte ao fim da mesma guerra
ele se tornou um fugitivo acusado de crimes contra a humanidade, genocídio,
graves violações das Convenções de Genebra, assassinatos e costumes de guerra. Já
seus partidários desde então dizem que ele é inocente dos crimes aos quais lhes
são imputados. E ele mesmo alegava que suas ações na guerra da Bósnia visavam
proteger os sérvios locais.
Foto – Radovan Karadžić.
Como
resultado de sua condenação em Belgrado, capital sérvia, teve lugar um massivo
protesto em sua solidariedade e de repúdio a decisão do tribunal de Haia, onde
foram vistos pôsteres não só dele como também do general sérvio Ratko Mladić (o
qual também participou da guerra da Bósnia e que cujo processo ainda está em
andamento), várias bandeiras sérvias e até uma bandeira russa e um cartaz em
com um símbolo riscado da OTAN (a mesma OTAN que bombardeou, durante 78 dias, a
Iugoslávia em 1999). Os familiares das vítimas de Srebrenica, por sua vez,
comemoraram a decisão.
O
que falar sobre essa condenação do ex-líder da Republika Srpska? Uma grande
palhaçada e hipocrisia da parte do mesmo Ocidente “livre e democrático” do qual
as pessoas principalmente da classe média para cima aqui no Brasil tem uma tara
praticamente que sexual, a ponto de achar que é com esse mesmo Ocidente que o
Brasil dever enfocar sua política externa por ser “democrático”, “livre” e
retóricas similares. Porque se é para condenar figuras como Karadžić e Mladić,
por que não condenar também figuras como os generais croatas Ante Gotovina e
Mladen Markač, o general bósnio Nasser Orić ou os terroristas kosovares Ramush
Haradinaj (que foi premiê de Kosovo entre 2004 a 2005) e Hashim Tachi (premiê
de Kosovo entre 2008 e 2014 e que no próximo dia 7 se tornará o presidente do
mesmo país)? E o líder croata Franjo Tudjman, o líder bósnio Alija Izetbegović
e o líder kosovar Ibrahim Rugova, que morreram em liberdade (o primeiro em
1999, o segundo em 2003 e o terceiro em 2006)? Ou mesmo os líderes ocidentais
que tanto ajudaram a incitar os conflitos na Iugoslávia por trás das cortinas,
como foi o caso de Helmut Kohl (premiê alemão entre 1982 a 1998), Bill Clinton
(presidente dos EUA entre 1993 a 2001), Madeleine Albright (secretária de
Estado dos EUA durante o governo Clinton), Javier Solana (secretário geral da
OTAN entre 1995 a 1999), Tony Blair (premiê inglês entre 1997 a 2007), Bernard-Henri
Lévy (escritor e filósofo judeu sionista francês que na época fez uma grande
campanha de demonização do povo sérvio, a ponto de ter feito apelos aos EUA e a
União Européia a intervir na Bósnia e a ajudar na entrada de muitos mujaheddins
wahhabitas em território iugoslavo, e mais recentemente fez a mesma coisa na
Líbia e na Síria contra Kadaffi e Assad) e outros, assim como os empresários
ocidentais dos quais esses estadistas e políticos em questão eram/são seus
porta-vozes ambulantes?
Esses
líderes ocidentais (que fique bem claro uma coisa: não foram eles que criaram
em um passe de mágica os problemas pelos quais a Iugoslávia pós-Tito se debatia
na época, muito embora deles tenham tirado proveito para atingir seus
objetivos) são tão ou mais responsáveis pelos morticínios que tiveram lugar na
ex-Iugoslávia quanto os que participaram diretamente do conflito. Haja vista
que o estopim desses conflitos foi o reconhecimento da parte da Áustria e da Alemanha
das independências da Eslovênia da Croácia. A segunda, muito fortalecida com a
reunificação de 1989, almejava ter sob sua zona de influência
político-econômica os dois países recém-independentes, que eram as repúblicas
mais ricas da federação iugoslava. Para tentar manter sua integridade
territorial, o então líder iugoslavo Slobodan Milošević não teve outra escolha:
se utilizou da força bélica para isso e infelizmente não teve sucesso nessa
empreitada. Na época, a Alemanha ajudou a armar os croatas fornecendo-lhes as
armas que até então estavam nos armazéns militares da recém-defunta Alemanha
Oriental. Na época, a Croácia, então sob a liderança do ex-general de Tito
Franjo Tudjman, vivia uma escalada neofascista, onde muitos dos emigrados
Ustaše (partidários da Ustaša, o estado-fantoche dos nazistas que governou a
Croácia entre 1941 a 1944 sob a liderança de Ante Pavelić), até então
estabelecidos em países como a Argentina, a Alemanha Ocidental e os Estados
Unidos, voltaram em massa para a Croácia e fundaram um partido político, a
União Democrática Croata (em croata “Hrvatska
Zajednica Demokratska”). Ante a essa situação, os sérvios (os quais
sofreram grandes massacres nas mãos dos Ustaše na década de 1940) do sul da
Croácia (região de Krajina) proclamaram oficialmente em 28 de fevereiro de 1991
através de referendo a República Sérvia de Krajina. Em 1995 essa república
seria destruída pela Croácia na Operação Tempestade, e a população sérvia local
em grande parte foi dizimada e expulsa de sua terra natal.
Como
se não bastasse o apoio do Ocidente a um país então governado pelos herdeiros
político-ideológicos dos colaboradores croatas dos nazistas na Segunda Guerra
Mundial, o mesmo Ocidente também se valeu de terroristas fundamentalistas
islâmicos de matiz wahhabita (os mesmos wahhabitas que o mesmo Ocidente apoiou
no Afeganistão entre 1979 a 1989 e que hoje apoia em conflitos como os na Síria
e na Líbia e que no curso da guerra degolaram a cabeça de muitos sérvios e
croatas) como a Al Qaeda (o próprio Osama Bin Laden, diga-se de passagem,
participou em pessoa dessa guerra) em seu esforço contra a Iugoslávia nos
conflitos na Bósnia e depois em Kosovo. Esse apoio foi justificado justamente
por causa do ataque de falsa bandeira em Srebrenica. Nessa ocasião, o exército
sérvio-bósnio de Ratko Mladić foi culpado por tal massacre. Entretanto, muitos
anos depois, o veterano da mesma guerra e político bósnio-muçulmano Ibran
Mustafić, confessou que foram os próprios bósnios que perpetraram o massacre.
Foto – Bill Clinton (direita),
Madeleine Albright (centro) e Alija Izetbegović (direita).
Ao
final de 1991, os sérvios da Bósnia tinham no Partido Democrático Sérvio (Srpska Demokratska Stranka) como sua
principal representação política. E seu líder era justamente Radovan Karadžić. Em
novembro do mesmo ano, um referendo teve lugar onde se decidiu que os sérvios
da Bósnia continuariam a ser parte da Federação Iugoslava. No começo de 1992, a
Bósnia, sob os auspícios ocidentais e no embalo das independências croata e
eslovena, resolveu separar-se da Federação Iugoslava. O líder bósnio na ocasião
era Alija Izetbegović. Um referendo a respeito da independência da Bósnia foi
realizado nos dias 29 de fevereiro e 1º de março, o qual contou com o massivo
boicote da população sérvia, pois tal como aconteceu no caso de Krajina, caso a
independência bósnia se consumasse, assim ela estaria diante de um governo que
lhes seria hostil e ainda estariam separados do governo de sua pátria mãe. Esse
filme seria visto novamente no ano retrasado na crise ucraniana, quando, na
sequência do golpe civil-oligárquico advindo do Euromaidan, os russos da
Criméia e do Donbass, ante a escalada de violência anti-russa que o país vivia
encabeçada pelos herdeiros político-ideológicos dos colaboradores dos nazistas
na Segunda Guerra Mundial (os quais em realidade não passam de peões nas mãos
dos oligarcas ucranianos, muitos deles judeus), fizeram referendos onde
decidiram separar-se de Kiev, com a Criméia voltando a ser parte da Rússia após
seis décadas e a independência das Repúblicas de Donetsk e Lugansk.
Com
o boicote sérvio ao referendo, 99% dos votos foram a favor da independência da
Bósnia-Herzegovina, a qual foi ratificada em seguida pelo parlamento bósnio no
dia 5 de abril. Dois dias depois, sob a liderança do próprio Karadžić, a
assembleia dos sérvios da Bósnia respondeu com a proclamação da Republika
Sprska. A independência da Bósnia logo foi reconhecida pela Comunidade Européia
(6 de abril) e pelos Estados Unidos (7 de abril). Esse impasse político no fim
acabou levando à Guerra da Bósnia, onde tanto Karadžić quanto Mladić
participaram, com
o ataque bósnio a um casamento sérvio em Sarajevo no dia 1º de março do mesmo
ano servindo de estopim para o início do conflito. Os dois comandantes militares conseguiram criar um forte exército,
que no começo de 1994 tinha cerca de 2/3 do território bósnio sob seu controle.
Nem mesmo os mujaheddins vindos de outras partes do Mundo Islâmico mostraram-se
páreo para o exército sérvio-bósnio. Entretanto, nesse mesmo ano a OTAN entrou
em cena com seus bombardeios aéreos sobre as posições sérvias e logo viraram o
jogo em favor dos bósnios e croatas.
Essa
guerra terminou com o acordo de Dayton em 1995, assinado entre Croácia,
Bósnia-Herzegovina e Iugoslávia, onde se decidiu, entre coisas, que o
território bósnio seria a partir de então formado por duas federações: a
federação bósnio-croata no oeste e no centro do país e governada por bósnios
muçulmanos e croatas, e a Republika Sprska nas demais partes do país, só que
governada por sérvios. O processo de desintegração da Iugoslávia alcançaria seu
clímax com a crise de Kosovo em 1999, onde os EUA (cujo então presidente, Bill
Clinton, se aproveitou dessa crise para desviar a atenção do povo americano do
caso Monica Lewinsky, que quase o levou a impeachment) e a OTAN intervieram
favor do Exército de Libertação de Kosovo (organização essa da qual tanto
Hashim Tachi quanto Ramush Haradinaj participaram e que cometeu diversas
atrocidades contra a população sérvia de Kosovo) e a secessão de Montenegro da
Sérvia em 2006.
Foto – Doutor Dragan Dabić.
Após
o fim da guerra da Bósnia, em 11 de julho de 1996, o Tribunal Penal
Internacional para a Antiga Iugoslávia de Haia, por meio da diretiva 61,
formulou uma petição de prisão internacional para Karadžić, e o governo dos
Estados Unidos ofereceu uma recompensa de cinco milhões de dólares para a
prisão não só de Karadžić como também de Ratko Mladić. Uma busca por seu
paradeiro foi feita por oficiais da OTAN, mas foi infrutífera e nenhum
resultado trouxe. Desde então Karadžić passou muitos anos escondido, disfarçando-se
como médico alternativo e portando uma barba branca que o tornava praticamente
irreconhecível. Até que no dia 21 de julho de 2008 ele foi detido em Belgrado
por membros do serviço secreto sérvio Agência de Informação e Segurança (em sérvio Bezbednosno Informativna Agencija) em um ônibus na capital sérvia, portando um documento de identidade falso com o nome Dragan Dabić. O governo sérvio, então sob a presidência de Boris Tadić, informou que cumpriria com a legalidade e o entregaria ao tribunal de Haia. O que acabou sendo feito, mesmo após manifestações contrárias em Belgrado convocadas por Vojislav Šešelj (líder do partido radical sérvio e que também foi julgado pelo tribunal de Haia) e que reuniram 10 mil manifestantes. Mesmo com os protestos, no dia 30 de julho Karadžić foi traslado em um avião para o aeroporto de Roterdã e depois em um helicóptero até a prisão de Scheveningen[4], onde permaneceu durante seu processo.
No
fim das contas, chegamos à conclusão de que o que foi feito com os finados
Slobodan Milošević e Saddam Hussein, o que certamente seria feito com o também
finado Muammar al-Kadaffi caso ele fosse levado a julgamento e o que se faz
hoje em dia com Radovan Karadžić e Ratko Mladić (os quais lutaram entre 1992 a
1995 contra o mesmo terror wahhabita de que o Ocidente “livre e democrático”
diz combater) ao mesmo tempo em que os compinchas do mesmo Ocidente foram
poupados tem o seguinte nome: justiça seletiva. Ou seja, a mesmíssima coisa que
o juiz Sérgio Moro e a República de Curitiba fazem aqui no Brasil, onde os
corruptos petistas recebem todo o rigor da lei ao mesmo tempo em que os
políticos de outros partidos como o PSDB, o PMDB e o DEM não sofrem o mesmo
escrutínio. E se Petro Poroshenko e sua gangue eventualmente se perpetuarem no
poder na Ucrânia e não serem derrubados de seus postos por uma revolta popular,
serão eles levados a julgamento em Haia por seus crimes cometidos na guerra
genocida que promovem no Donbass ou o Ocidente também passará a mão em suas
cabeças? Certamente não serão. Segundo o jornalista espanhol Ibai Trebiño, a
sentença ao ex-presidente da Republika Srpska é uma decisão de fundo político
que carece de base judicial, pelo fato de o tribunal de Haia ser um organismo
parcial e um “instrumento da OTAN”, onde “está claro que a presunção de
inocência não serve para nada e a condenação já estava escrita muito antes do
início desse juízo”. Albert Einstein uma vez disse que existem duas coisas
infinitas: o universo e a estupidez humana. Pelo visto, uma terceira coisa
infinita também existe: a hipocrisia e a dupla moral do Ocidente “livre e
democrático”.
Foto
– Ratko Mladić e Radovan Karadžić. Dois heróis sérvios na luta contra o terror
wahhabita.
Fontes:
Bernard
Henry Levy – portrait of a islamofascist (em inglês). Disponível em: https://theremustbejustice.wordpress.com/2014/05/30/bernard-henry-levy-portrait-of-an-islamofascist-jew/
Ex-líder
sérvio-bósnio é condenado a 40 anos de prisão por genocídio. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/ex-lider-servio-bosnio-e-condenado-40-anos-de-prisao-por-genocidio.html
La
sentencia a Radovan Karadžić genera polémica en la comunidad internacional (em
espanhol). Disponível em:
Karadžić,
condenado a 40 años por genocidio y crímenes de guerra (em espanhol). Disponível
em:
Karadžić is innocent, set him free,
Bosnian Serbs say (em inglês). Disponível
em: http://www.channelnewsasia.com/news/world/karadzic-is-innocent-set/2629880.html#.VvSDLf-gbtN.facebook
Notas
sobre reflexão crítica IX – a propósito de Slobodan Milošević e da secessão
iugoslava. Disponível em: http://worden.blogspot.com.br/2007/11/notas-de-reflexo-crtica-ix-propsito-de_01.html
O
apoio da OTAN a um regime nazista em plenos anos 90. Disponível em:
Radovan
Karadžić. Disponível em:
Radovan
Karadžić: heroe or kriminal (em inglês). Disponível em:
Sensational confession of Ibran Mustafić, Bosnian
Muslim war veteran and politician: We were killing our own people in Srebrenica
(em inglês). Disponível
em:
Serbia: Belgrade protesters rally against Karadžić
genocide veredict (em ingles). Disponível em:
Srebrenica: Político bosniaco confiesa que no fueron
los serbios (em espanhol). Disponível
em:
The truth about Srebrenica finally? (em inglês). Disponível em:
http://vineyardsaker.blogspot.com.br/2012/05/truth-about-screbrenica-finally.html
NOTAS:
[1] Leia-se “Karadjitch”, pois no
servo-croata, assim como em línguas como o esloveno, o tcheco, o eslovaco e o
lituano, a partícula ž tem valor de j e o ć tem valor de tch.
[2] Leia-se “Saraievo”. No servo-croata,
assim como idiomas como o alemão, o polonês, o húngaro, o holandês, os idiomas
escandinavos e bálticos, o tcheco, o latim e outros da Europa centro-oriental,
a partícula j tem valor de i.
[3] Leia-se “Petnitsa Shavnik”, pois no
servo-croata, assim como em outros idiomas da Europa oriental e central, as
partículas j, c e š tem valor de i, ts e ch.
[4] Leia-se “Cheveninguen”. No holandês,
assim como o alemão, a partícula sch tem o mesmo valor do ch no português e no
francês. E a partícula g não muda o som em função da vogal seguinte, tal como
em idiomas como o alemão, o polonês, o russo, o servo-croata, o mongol e o
japonês e diferente das línguas latinas e do inglês.
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