Foto 1 – Kosovo é da Sérvia.
Quarta-feira, dia 2 de
março de 2016, o embaixador norte-americano na Rússia, John Teft, disse que os
EUA continuarão a fazer pressões para que a Rússia devolva a Criméia à Ucrânia,
a qual voltou a fazer parte da Rússia depois de 60 anos após um referendo ali
realizado em março de 2014, onde a maioria dos habitantes da Península do Mar
Negro votaram a favor de voltarem a fazer parte da Rússia em decorrência do
golpe de estado pró-Ocidente em Kiev, que levou ao poder um grupo político
russófobo que almeja integrar a antiga república soviética dentro da União
Européia e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e assim colocar
as fronteiras russas em perigo.
Isso eu defino em quatro
palavras: dois pesos, duas medidas. Ou seja, hipocrisia pura e deslavada. Esse
mesmo senhor pelo visto se esquece de que, da mesma forma com que a Criméia
resolveu voltar a fazer da Rússia através de um referendo realizado de forma
limpa e democrática, seis anos antes os mesmos ianques, ainda sob a presidência
de Bush filho, apoiaram a declaração de independência que fez com que Kosovo se
tornasse um estado independente da Sérvia. E para variar, exigir que Kosovo volte
a fazer parte da Sérvia que é bom, nenhuma palavra a respeito. Ou seja, quando
o direito a auto-determinação de um determinado povo ou nação é conveniente a
seus interesses geopolíticos momentâneos, ótimo. Mas quando não coincide com os
mesmos, a situação muda completamente de figura.
O que esse mesmo
Ocidente que adora se gabar de ser “livre e democrático” perante o resto do
mundo (e que certas figuras da direita brasileira olham como um exemplo a ser
seguido para o Brasil, a ponto de achar que com esses países é que o Brasil
deveria priorizar sua política exterior) que hoje reclama do referendo que fez
a Criméia voltar a fazer parte da Rússia fez com a Sérvia em 2008 foi uma patifaria
sem tamanho na história do mundo. Após esse referendo, não só os Estados Unidos
como também outros países como Alemanha, França, Áustria, Itália, Reino Unido,
Albânia e até mesmo Taiwan e Turquia reconheceram a independência de Kosovo. Ao
passo que países como Rússia, Espanha, Irã, China, Brasil, Venezuela e
principalmente a Sérvia não reconheceram até hoje Kosovo como país independente
(Rússia, Espanha, Irã e China certamente pelo fato de terem seus problemas com
separatismos internos).
Desde a década de 1990,
durante e após a debacle do bloco soviético, o Ocidente “livre e democrático”
de tudo fez para destruir com a Iugoslávia e seu tecido nacional, incluindo a
incitação aos separatismos croata, bósnio, esloveno e kosovar (a começar pelo
reconhecimento das independências eslovena e croata da parte da Alemanha e da
Áustria, desejosas de ter esses países sob sua esfera de influência econômica) e o igualmente
hediondo bombardeio da OTAN à Iugoslávia em 1999, feito sob o pretexto de
proteger os albaneses de Kosovo que estavam sofrendo uma suposta limpeza
étnica. Sendo que em realidade o que se passava em Kosovo na época é que havia
um grupo terrorista, o Exército de Libertação de Kosovo, que promovia chacinas
e intimidações contra a população sérvia de Kosovo. Esse grupo era envolvido
até o pescoço com tráfico de drogas, de armas e até de órgãos humanos para a
Europa, e entre seus integrantes estava Hashim Tachi, o qual foi o premiê de
Kosovo entre 2008 a 2014.
Em realidade, durante os
78 dias de bombardeio à Iugoslávia, a OTAN ajudou o Exército de Libertação de
Kosovo. E, na ocasião em questão, essa crise em Kosovo veio a calhar para Bill
Clinton, o então presidente ianque. Ele se via às voltas com o escândalo Monica
Lewinsky (ex-estagiária da Casa Branca) e um processo de impeachment contra o
ex-presidente norte-americano foi aberto. Mas, graças ao desvio de foco que a
crise de Kosovo e o consequente bombardeio da OTAN à Iugoslávia propiciaram, a
atenção do povo norte-americano foi desviada, o processo esfriou com o passar
do tempo, Bill Clinton se safou e pode terminar seu mandato sem grandes
percalços. Anos mais tarde, na Itália, Silvio Berlusconi, ante os escândalos e
crises que na época cercavam seu governo, fez algo similar entre 2009 a 2011
com os pedidos feitos ao Brasil de extraditar Cesare[1] Battisti de volta para a
Itália para ser julgado por causa dos tais supostos quatro crimes que teria
cometido na década de 1970, quando era membro do grupo PAC (Proletari Armati
per il Comunismo; em português Proletários Armados pelo Comunismo). E mais
recentemente o presidente francês François Hollande (cuja popularidade entre o
povo francês é baixíssima) está fazendo uso similar do atentado em Paris contra
o Le Bataclan e outros lugares da capital francesa para justificar a
intervenção francesa na Síria.
Historicamente, Kosovo
sempre foi uma terra muito importante para o povo sérvio, o qual habita a
região desde a Idade Média. Lá estão mais de 1300 igrejas e monumentos
culturais medievais sérvios, além de 26 mosteiros ortodoxos (três deles
patrimônio da humanidade). No século XII, Kosovo era o centro cultural,
diplomático e religioso do reino da Sérvia, e em 1389 lá teve lugar a famosa
batalha do campo de Kosovo, onde o príncipe sérvio Lazar Hrebeljanović[2] e seu exército enfrentaram
as forças do sultão otomano Murad I. Os sérvios perderam a batalha, mas, a
despeito de sua inferioridade numérica, conseguiram infligir um considerável
dano nas fileiras adversárias. Os dois comandantes faleceram durante o curso da
batalha. Essa batalha foi um episódio de grande importância para a histórica e
identidade nacional sérvia, e no século XIX serviu de inspiração para os
movimentos de libertação contra o domínio otomano.
Após essa tragédia que
se abateu a Sérvia em 1999, o país foi vítima no ano seguinte de uma revolução
colorida, a revolução Bulldozer (revolução essa que foi a primeira de muitas
que assolariam o antigo espaço soviético e cercanias nos anos seguintes), a
qual foi apoiada por ONGs ocidentais (entre eles a Open Society do
narcotraficante George Soros, o mesmo que foi um dos grandes beneficiários da
privataria[3] no Brasil durante a Era
FHC) e que levou à queda de Slobodan Milošević[4], no exercício do poder
desde 1987. Em Kosovo, a OTAN instalou uma base militar, a base de Bondsteel, e
hoje em dia Kosovo é uma das principais rotas de entrada de droga para a Europa,
assim como um entreposto do terror wahhabita e um estado falido gerido por uma
elite criminosa albanesa extremamente corrupta. Sob a vista grossa (para não
dizer beneplácito) da OTAN, a carnificina contra a população sérvia de Kosovo,
assim como a destruição de seus patrimônios culturais (incluindo igrejas e
monastérios que remontam aos séculos XII, XIII e XIV) continuou, fazendo com
que muitos deles fugissem para fora de sua terra natal. E, acima de tudo, gerou
o precedente para o que se viu na Criméia e no Donbass em 2014 e na Escócia no
ano passado.
Foto 2 – Hashim Tachi ao lado de Barack Obama.
Nos casos da Criméia e
do Donbass, por sua vez, o que aconteceu foi o seguinte: com o golpe de estado
decorrente do Euromaidan que levou ao poder em Kiev uma junta interina (e que
também teve maciço apoio vindo de ONGs ocidentais e do mesmo George Soros),
seguido das eleições que elegeu o rei dos chocolates Petro Poroshenko, o país
foi tomado por uma onda de violência xenofóbica anti-russa. Ideologicamente
falando, a Ucrânia pós-Euromaidan é herdeira ideológica dos grupos
nacionalistas ucranianos que sob a liderança de figuras como Stepan Bandera (do
qual muitos dos manifestantes no Euromaidan carregavam retratos com sua imagem e
que durante o governo Yushchenko se tornou herói da Ucrânia, tendo esse título
revogado por seu sucessor Viktor Yanukovych) lutaram do lado dos alemães na
Segunda Guerra Mundial. Ao término da guerra, muitos deles fugiram para o
Ocidente, em especial para países como Alemanha Ocidental, Estados Unidos e
Canadá e que após a independência ucraniana em 1991 muitos deles voltaram a seu
país de origem.
O regime atual
ucraniano, entre outras coisas, revogou a lei de 2012 assinada pelo
ex-presidente Yanukovych na qual os idiomas falados pelas minorias étnicas do
país tais como os russos do sul e do leste, os húngaros da Transcarpátia[5] e os tchecos, moldavos e
romenos das respectivas zonas fronteiriças o status de idiomas nacionais. Para
intimidar os russos residentes na Ucrânia e assim tornar o Donbass uma grande
Palestina européia, o regime vigente em Kiev se vale de grupos de nacionalistas
xenófobos, os quais nada mais são que os peões dos oligarcas ucranianos (muitos
deles judeus, como é o caso de Igor Kolomoïskiï, o governador biônico de
Dnepropetrovsk, que além da cidadania ucraniana também possui cidadania
israelense e cipriota). Como Shun de Andrômeda diz ao Guerreiro Deus Bado de
Alkor no episódio 94 (“Laços entre irmãos” na versão brasileira) de Cavaleiros
do Zodíaco (originalmente Saint Seiya), Hilda de Polaris se aproveitava do ódio
que ele nutria por seu irmão gêmeo, Shido de Mizar, e assim intentava
transformá-lo em uma máquina de guerra cruel e impiedosa. Kolomoïskiï,
Poroshenko (os quais promovem a guerra no Donbass com a intenção de meter a mão
nas indústrias locais) e corja limitada fazem a mesmíssima coisa com os
nacionalistas ucranianos se aproveitando do secular ódio que esses elementos
nutrem em relação à Rússia.
Foto 3 – “Em 16 de março nós escolheremos: Nazismo ou Rússia” – Propaganda pró-russa a
respeito do referendo que levou à reintegração da Criméia à Rússia.
A maior parte da
população da Criméia é etnicamente russa, assim como o grosso da população das
regiões sul e leste da Ucrânia (Novorossiya). Assim sendo, essas pessoas são
muito mais simpáticas à Rússia que ao Ocidente, ao contrário do que acontece,
por exemplo, na Galícia-Volínia (região do noroeste da Ucrânia que entre os
séculos XII a XIV foi o centro de um poderoso principado originário da
fragmentação da Rus’ de Kiev e que depois disso esteve entre os séculos XIV a
XVIII sob domínio polaco-lituano, entre 1772 a 1918 sob domínio austríaco, de
1918 a 1939 sob o domínio da Polônia restituída e de 1941 a 1944 sob domínio
germânico. A Rússia só foi ter controle efetivo sobre essa região ao final da
Segunda Guerra Mundial, enquanto que conquistou as outras partes da Ucrânia no
curso dos séculos XVII e XVIII após uma série de guerras contra poloneses e
turcos). A situação chegou a tal ponto que Nataliya Poklonskaya (que durante os
confrontos que levaram à queda de Yanukovych demitiu-se do cargo que ocupava
alegando ter vergonha de viver em um país onde bandos neofascistas andavam
livremente nas ruas e impunham sua lei), recebeu ligações de funcionários da
procuradoria geral ucraniana onde ela foi ameaçada de ser presa e em seguida
morta e despedaçada caso não aceitasse a promotoria da Criméia. Ela respondeu
que preferia ser presa a servir ao que ela chamou de “nazistas”.
Temendo serem chacinados
por esses elementos a serviço da oligarquia ucraniana pró-Ocidente, o
Parlamento da Criméia convocou um referendo onde se perguntava a seus cidadãos
se ou deveriam continuar fazendo parte da Ucrânia ou voltarem a fazer parte da
Rússia. Não deu outra. A maioria da população da península decidiu que deveria
voltar a fazer parte da Rússia. Mas, diferente do que aconteceu seis anos
antes, os principais líderes ocidentais repudiaram o referendo na Criméia, entre
eles Barack Obama, Angela[6] Merkel (a mesma Merkel que
foi a favor da independência de Kosovo) e François[7] Hollande. Os líderes em
questão consideraram o referendo ilegal por ter supostamente ferido a soberania
ucraniana. Depois disso tivemos em maio do mesmo ano os referendos que tornaram
as Repúblicas de Donetsk e Lugansk independentes de Kiev, que também tiveram
repercussão negativa da parte do mesmo Ocidente “livre e democrático”. Estados
Unidos e Alemanha alegaram que esses referendos não tiveram legitimidade
democrática. Mas, que moral esse mesmo Ocidente, que foi favorável a
independência de Kosovo em 2008, tem para falar isso a respeito dos referendos
na Criméia e no Donbass? A meu ver, nenhuma moral. Ou se tem alguma moral, é
uma moral hipócrita. Até porque os mesmos países que ficaram mordidos com os
resultados dos referendos na Criméia e no Donbass não tiveram nenhuma
consideração pela soberania sérvia. E também me pergunto: é com líderes patéticos
como Merkel, Hollande e Sarkozy que a Europa irá resistir ao espectro do
terrorismo wahhabita[8] (o mesmo terror wahhabita
que eles não têm o menor pudor em apoiar em conflitos no Mundo Islâmico) que
paira em seu próprio solo?
Foto 4 – Acima: “Em algum ponto na história – mais cedo que mais tarde – você tem que
dizer ‘Basta é basta. Kosovo é independente’ e essa é a posição que nós
tomamos” – George W. Bush na ocasião em que apoiou a independência de Kosovo.
Abaixo: “O referendo proposto sobre o futuro da Criméia violará a constituição
e a lei internacional” – Barack Obama repudiando o referendo na Criméia, seis
anos mais tarde.
Fontes:
A verdade sobre Kosovo.
Disponível em:
Cavaleiros do Zodíaco
dublado Episódio 94 – Laços entre irmãos. Disponível em:
Claudio Mutti – uso
ocidental do islamismo. Disponível em:
Criméia e Donbass: êxito
e fracasso? Disponível em:
Crise Ucraniana: Os
crimes de Stepan Bandera, herói dos neonazistas ucranianos. Disponível em:
EUA não cessarão de
pressionar Rússia para devolver Criméia à Ucrânia. Disponível em:
Instagram deletes account for revealing destroyed Serb churches in
Kosovo (em ingles). Disponível
em:
Kosovo – a verdade
oficial e oculta (I). Disponível em:
Kosovo independence
precedent (em inglês). Disponível em:
Ocidente condena
anexação da Criméia e promete novas sanções. Disponível em:
Poklonskaya: recebi
ameaças de ser “despedaçada” se assumisse a promotoria da Criméia. Disponível
em:
Post-war suffering (em inglês). Disponível
em:
The Kremlin’s response to the events in the Ukraine gradually becames
more apparent (em inglês). Disponível
em:
Privatización y Privatería (em espanhol). Disponível em:
Referendos em Donetsk e
Lugansk em 2014. Disponível em:
Referendo na Criméia em
2014. Disponível em:
Revoluciones
de color (em espanhol). Disponível em: http://es.wikipedia.org/wiki/Revoluciones_de_colores
NOTAS:
[1] Leia-se “Tchezare”, pois no italiano,
o c quando sucedido por e ou i ganha valor de tch.
[2] Leia-se “Rrebelianovitch”, pois no
servo-croata, assim como em idiomas como o alemão, o holandês, o polonês, o
húngaro, as línguas escandinavas e bálticas, o tcheco, o eslovaco e outras da
Europa central e oriental, a partícula j tem valor de i.
[3]
O termo privataria é um
neologismo que une as palavras “privatização” e pirataria. Foi criado pelo
jornalista brasileiro Hélio Gaspari e popularizado pelo também jornalista
Amaury Ribeiro Júnior (autor do livro "A Privataria Tucana", sobre as falcatruas das privatizações feitas no Brasil durante o governo FHC).
[4] Leia-se “Milochevitch”, pois no
servo-croata as partículas š e ć tem valor de ch e tch, respectivamente.
[5] Região situada no atual sudoeste da Ucrânia, fronteiriça com a Hungria e
que durante muitos séculos foi parte do reino húngaro. Assim como outros
territórios que outrora fizeram parte do reino da Hungria como a Transilvânia e
as atuais Eslováquia e Croácia, a Hungria perdeu a Transcarpátia em decorrência
do tratado de Trianon (1920), assinado junto com as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial.
[6] Leia-se “Anguela”, pois no alemão,
assim como em idiomas como o russo, o mongol, as línguas escandinavas e o
japonês, o som da partícula g não muda em função da vogal seguinte como no
inglês e nas línguas latinas.
[7] Leia-se “Fransoá”, pois no francês a
partícula ois tem valor de oá.
[8] Ideologia puritana islâmica que
remonta ao século XVIII. De origem saudita, é professada por grupos como a Al
Qaeda e o Estado Islâmico e que tem como patronos as petro-monarquias do Golfo
Pérsico (em especial a Arábia Saudita).
Eduardo, quem é esse Hashim Tachi ?
ResponderExcluirO premiê de Kosovo entre 2008 a 2014 e atual presidente kosovar e que na década de 1990 foi membro do Exército de Libertação de Kosovo.
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