quinta-feira, 31 de março de 2016

Por que libertários jamais farão uma revolução.


Figura 1 - "É uma Conspiração"

Por Akira Kalashnikov
Tradução por Lucas Novaes

Quando os libertários dizem “revolução”, eles parecem estar se referindo a alguma fantasia privada sobre John Galt e redes fechadas de bitcoins e bla bla bla. Eu estou falando aqui sobre a experiência histórica e documentada das revoluções e a prática moderna. Você não deve olhar para além dos resultados das revoluções da Primavera Árabe para ver o quão severas e brutais são as revoluções, e o quão frequentemente são ofuscadas até mesmo pelos Estados mais incompetentes e completamente corruptos.

O libertário quer jogar esse jogo, mas não quer o prêmio: poder. Ele é moralmente oposto a qualquer método de revolução conhecido. Ele não está interessado na história ou na prática moderna. Ele não possui teoria de poder, nem análise do inimigo e nem estratégia. Talvez o libertário não seja um revolucionário? Certamente ele não está preparado para o trabalho.

Não é necessário entender o Marxismo para saber que as revoluções são guerras e que guerra é assassinato em massa organizado. Em que lado do assassinato você pretende estar? O Estado irá atrás de você com uma máquina de matar de um trilhão de dólares que destruiu países inteiros. Quase todos os que você conhece irão lhe entregar depois de cinco minutos sendo torturados pelo cara da Blackwater e uma furadeira. Tudo o que fizeram no Iraque, El Salvador e Vietnam, também farão com uma revolução nos Estados Unidos, com ainda mais brutalidade. Se necessário, Estados inteiros serão demolidos. Todos os vivos capturados serão colocados dentro dos campos de concentração para tortura sistemática, abuso sexual, estupro e execução (lembra da prisão Abu Grahib? Aqueles eram todos guardas de prisão americanos na reserva. Eles não aprenderam este repertório no acampamento. Eles aprenderam no trabalho, no sistema penitenciário americano já existente).

Se irá jogar um jogo tão desesperado, deve-se jogar para vencer. Perder significa uma cova ou uma câmara de tortura. Seus preciosos princípios liberais não possuem lugar nas lutas Darwinianas de uma revolução ou guerra civil, e em qualquer caso serão rapidamente extintas, de uma forma ou de outra. Você quer acordar antes ou depois que te colocarem em um campo? Você decide.

Ou encare o problema ou abandone-o completamente.

Uma revolução é uma iniciação massiva de violência e desilusão contra a classe dominante. Nossa ordem política inteira foi construída e é constantemente mantida pelo uso de níveis espetaculares de violência assassina, e não irá lhe permitir derrubá-la por métodos pacíficos. Como os liberais que são, libertários irão entrar em amargas convulsões de moralização quando confrontados por essa observação tão óbvia e banal.

Uma revolução contra um estado tão fortemente armado e fortalecido como os EUA irá requerer uma organização espetacular a qual teria que ser uma das organizações revolucionárias mais efetivas e sofisticadas da história humana. Toda a direita americana (exceto William Lind e alguns outros) é basicamente retardada na questão organizacional. Além de ser completamente retardada nesse quesito, libertários também querem inserir as práticas mais extremas e imbecis do Liberalismo em sua organização em todos os pontos possíveis. Caso queira, vá em frente e jogue roleta russa com uma espingarda automática.

Somente para sobreviver, uma organização underground moderna deve possuir líderes secretos (e majoritariamente não eleitos) que operam com poder quase total e sob nenhuma fiscalização; deve mentir sobre tudo em todas as ocasiões, como uma lei, e deve implantar uma disciplina interna de obediência e lealdade de ferro. Todas essas características são pecados imperdoáveis para nosso precioso libertário moralista. Ele não iria querer manchar suas limpas mãos brancas com tanta sujeira enquanto espera por John Galt.

Uma revolução verdadeira iria requerer (entre outras coisas) a completa violação dos direitos de propriedade da forma mais extrema, a completa destruição de grandes porções de propriedade e riqueza, e provavelmente iria causar o colapso total do sistema econômico americano. Também iria requerer expropriação sistemática (em pontos de arma), a confiscação de armas, o estabelecimento de lei marcial, a execução (sem julgamento) de traidores e espiões, a supressão de dissidência interna e, também, a propósito, muitas mortes.

O melhor cenário possível significaria um país catastroficamente desestabilizado com uma economia quebrada, pelo menos algumas cidades reduzidas a estilhaços radioativos e baixas em massa na casa dos milhões de pessoas. Talvez, a revolução poderia, de alguma forma, evitar o cometimento de qualquer crime terrível, mas o Estado se encarregaria de executar todo o tipo de crime e atrocidade que é capaz de realizar. Quantos trilhões gastamos para armá-lo? Você sabe do que ele é capaz? O que um B-52 seria capaz de fazer com Detroit?

Em outras palavras, qualquer revolução real significaria a aniquilação literal de todos os valores liberais que libertários dizem defender.

Claramente, o que os libertários realmente querem é uma revolução dispensável feita inteiramente de baboseiras. Você quer uma história de Faz de Conta sobre sua redenção moral e vindicação histórica para que possa aproveitar como um jogo de tabuleiro na sala de lazer. Você quer construir o barranco de Galt nas montanhas de sorvete dos My Little Pôneis Libertários. Como outras coisas similares na mentalidade americana, isso é apenas um produto, o equivalente político dos desenhos infantis de ação.

Enquanto libertários se intitulam como os últimos crentes no liberalismo clássico, libertarianismo é um fenômeno altamente pós-moderno e pós-liberal que não apenas é a evidência da morte do Liberalismo, mas também é um produto direto desse evento. É uma ideologia no sentido clássico da palavra. Um mito e moralidade cristalizados das mentiras e auto ilusões de uma fração marginal da classe de lazer neoliberal, ainda assim, não existe em qualquer lugar, exceto em espaços virtuais. Esse holograma de uma resistência é selado hermeticamente de qualquer poder político real, funcionando principalmente como um espetáculo que distrai a pequena ovelha liberal da dor e humilhação da luva azul sendo violentamente inserida em sua bunda.

Texto original (em inglês):

https://4threvolutionarywar.wordpress.com/2015/04/18/why-libertarians-will-never-make-a-revolution/

terça-feira, 29 de março de 2016

A anatomia da hipocrisia do Ocidente "livre e democrático", parte II: a condenação de Radovan Karadžić.


Foto – Radovan Karadžić no tribunal de Haia.

Quinta-feira, dia 24 de março de 2016, Radovan Karadžić[1] foi condenado a 40 anos de prisão pelos juízes do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia de Haia devido a 11 acusações de supostos crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade, os quais teriam sido supostamente cometidos na guerra da Bósnia (1992 – 1995), que opôs sérvios a bósnios e croatas (esses últimos apoiados pela OTAN). Entre os crimes em questão nos quais Radovan Karadžić (o qual recebeu a alcunha de “carniceiro dos Bálcãs”) foi implicado estão o cerco a Sarajevo[2] e o massacre de Srebrenica (o qual, segundo artigo do site Vineyard of Saker, foi uma operação de falsa bandeira), que teve lugar em 1995 e teria vitimado entre 8 mil a 12 mil bósnios muçulmanos.
Radovan Karadžić nasceu no dia 19 de junho de 1945, próximo a Petnjica Šavnik[3] (hoje Montenegro), mudou-se em 1960 para Sarajevo, Bósnia, onde continuou seus estudos em psiquiatria na Universidade de Sarajevo e, entre 1974 a 1975, estudou formação médica na Universidade de Columbia em Nova York. Karadžić se notabilizou por ter sido o líder da Republika Sprska, entidade que representava os sérvios da Bósnia, no período entre 1991 a 1995 e da qual teve Karadžić como seu primeiro presidente.
Após a derrota sérvia na guerra da Bósnia, no ano seguinte ao fim da mesma guerra ele se tornou um fugitivo acusado de crimes contra a humanidade, genocídio, graves violações das Convenções de Genebra, assassinatos e costumes de guerra. Já seus partidários desde então dizem que ele é inocente dos crimes aos quais lhes são imputados. E ele mesmo alegava que suas ações na guerra da Bósnia visavam proteger os sérvios locais.


Foto – Radovan Karadžić.

Como resultado de sua condenação em Belgrado, capital sérvia, teve lugar um massivo protesto em sua solidariedade e de repúdio a decisão do tribunal de Haia, onde foram vistos pôsteres não só dele como também do general sérvio Ratko Mladić (o qual também participou da guerra da Bósnia e que cujo processo ainda está em andamento), várias bandeiras sérvias e até uma bandeira russa e um cartaz em com um símbolo riscado da OTAN (a mesma OTAN que bombardeou, durante 78 dias, a Iugoslávia em 1999). Os familiares das vítimas de Srebrenica, por sua vez, comemoraram a decisão.
O que falar sobre essa condenação do ex-líder da Republika Srpska? Uma grande palhaçada e hipocrisia da parte do mesmo Ocidente “livre e democrático” do qual as pessoas principalmente da classe média para cima aqui no Brasil tem uma tara praticamente que sexual, a ponto de achar que é com esse mesmo Ocidente que o Brasil dever enfocar sua política externa por ser “democrático”, “livre” e retóricas similares. Porque se é para condenar figuras como Karadžić e Mladić, por que não condenar também figuras como os generais croatas Ante Gotovina e Mladen Markač, o general bósnio Nasser Orić ou os terroristas kosovares Ramush Haradinaj (que foi premiê de Kosovo entre 2004 a 2005) e Hashim Tachi (premiê de Kosovo entre 2008 e 2014 e que no próximo dia 7 se tornará o presidente do mesmo país)? E o líder croata Franjo Tudjman, o líder bósnio Alija Izetbegović e o líder kosovar Ibrahim Rugova, que morreram em liberdade (o primeiro em 1999, o segundo em 2003 e o terceiro em 2006)? Ou mesmo os líderes ocidentais que tanto ajudaram a incitar os conflitos na Iugoslávia por trás das cortinas, como foi o caso de Helmut Kohl (premiê alemão entre 1982 a 1998), Bill Clinton (presidente dos EUA entre 1993 a 2001), Madeleine Albright (secretária de Estado dos EUA durante o governo Clinton), Javier Solana (secretário geral da OTAN entre 1995 a 1999), Tony Blair (premiê inglês entre 1997 a 2007), Bernard-Henri Lévy (escritor e filósofo judeu sionista francês que na época fez uma grande campanha de demonização do povo sérvio, a ponto de ter feito apelos aos EUA e a União Européia a intervir na Bósnia e a ajudar na entrada de muitos mujaheddins wahhabitas em território iugoslavo, e mais recentemente fez a mesma coisa na Líbia e na Síria contra Kadaffi e Assad) e outros, assim como os empresários ocidentais dos quais esses estadistas e políticos em questão eram/são seus porta-vozes ambulantes?
Esses líderes ocidentais (que fique bem claro uma coisa: não foram eles que criaram em um passe de mágica os problemas pelos quais a Iugoslávia pós-Tito se debatia na época, muito embora deles tenham tirado proveito para atingir seus objetivos) são tão ou mais responsáveis pelos morticínios que tiveram lugar na ex-Iugoslávia quanto os que participaram diretamente do conflito. Haja vista que o estopim desses conflitos foi o reconhecimento da parte da Áustria e da Alemanha das independências da Eslovênia da Croácia. A segunda, muito fortalecida com a reunificação de 1989, almejava ter sob sua zona de influência político-econômica os dois países recém-independentes, que eram as repúblicas mais ricas da federação iugoslava. Para tentar manter sua integridade territorial, o então líder iugoslavo Slobodan Milošević não teve outra escolha: se utilizou da força bélica para isso e infelizmente não teve sucesso nessa empreitada. Na época, a Alemanha ajudou a armar os croatas fornecendo-lhes as armas que até então estavam nos armazéns militares da recém-defunta Alemanha Oriental. Na época, a Croácia, então sob a liderança do ex-general de Tito Franjo Tudjman, vivia uma escalada neofascista, onde muitos dos emigrados Ustaše (partidários da Ustaša, o estado-fantoche dos nazistas que governou a Croácia entre 1941 a 1944 sob a liderança de Ante Pavelić), até então estabelecidos em países como a Argentina, a Alemanha Ocidental e os Estados Unidos, voltaram em massa para a Croácia e fundaram um partido político, a União Democrática Croata (em croata “Hrvatska Zajednica Demokratska”). Ante a essa situação, os sérvios (os quais sofreram grandes massacres nas mãos dos Ustaše na década de 1940) do sul da Croácia (região de Krajina) proclamaram oficialmente em 28 de fevereiro de 1991 através de referendo a República Sérvia de Krajina. Em 1995 essa república seria destruída pela Croácia na Operação Tempestade, e a população sérvia local em grande parte foi dizimada e expulsa de sua terra natal.
Como se não bastasse o apoio do Ocidente a um país então governado pelos herdeiros político-ideológicos dos colaboradores croatas dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, o mesmo Ocidente também se valeu de terroristas fundamentalistas islâmicos de matiz wahhabita (os mesmos wahhabitas que o mesmo Ocidente apoiou no Afeganistão entre 1979 a 1989 e que hoje apoia em conflitos como os na Síria e na Líbia e que no curso da guerra degolaram a cabeça de muitos sérvios e croatas) como a Al Qaeda (o próprio Osama Bin Laden, diga-se de passagem, participou em pessoa dessa guerra) em seu esforço contra a Iugoslávia nos conflitos na Bósnia e depois em Kosovo. Esse apoio foi justificado justamente por causa do ataque de falsa bandeira em Srebrenica. Nessa ocasião, o exército sérvio-bósnio de Ratko Mladić foi culpado por tal massacre. Entretanto, muitos anos depois, o veterano da mesma guerra e político bósnio-muçulmano Ibran Mustafić, confessou que foram os próprios bósnios que perpetraram o massacre.


Foto – Bill Clinton (direita), Madeleine Albright (centro) e Alija Izetbegović (direita).

Ao final de 1991, os sérvios da Bósnia tinham no Partido Democrático Sérvio (Srpska Demokratska Stranka) como sua principal representação política. E seu líder era justamente Radovan Karadžić. Em novembro do mesmo ano, um referendo teve lugar onde se decidiu que os sérvios da Bósnia continuariam a ser parte da Federação Iugoslava. No começo de 1992, a Bósnia, sob os auspícios ocidentais e no embalo das independências croata e eslovena, resolveu separar-se da Federação Iugoslava. O líder bósnio na ocasião era Alija Izetbegović. Um referendo a respeito da independência da Bósnia foi realizado nos dias 29 de fevereiro e 1º de março, o qual contou com o massivo boicote da população sérvia, pois tal como aconteceu no caso de Krajina, caso a independência bósnia se consumasse, assim ela estaria diante de um governo que lhes seria hostil e ainda estariam separados do governo de sua pátria mãe. Esse filme seria visto novamente no ano retrasado na crise ucraniana, quando, na sequência do golpe civil-oligárquico advindo do Euromaidan, os russos da Criméia e do Donbass, ante a escalada de violência anti-russa que o país vivia encabeçada pelos herdeiros político-ideológicos dos colaboradores dos nazistas na Segunda Guerra Mundial (os quais em realidade não passam de peões nas mãos dos oligarcas ucranianos, muitos deles judeus), fizeram referendos onde decidiram separar-se de Kiev, com a Criméia voltando a ser parte da Rússia após seis décadas e a independência das Repúblicas de Donetsk e Lugansk.
Com o boicote sérvio ao referendo, 99% dos votos foram a favor da independência da Bósnia-Herzegovina, a qual foi ratificada em seguida pelo parlamento bósnio no dia 5 de abril. Dois dias depois, sob a liderança do próprio Karadžić, a assembleia dos sérvios da Bósnia respondeu com a proclamação da Republika Sprska. A independência da Bósnia logo foi reconhecida pela Comunidade Européia (6 de abril) e pelos Estados Unidos (7 de abril). Esse impasse político no fim acabou levando à Guerra da Bósnia, onde tanto Karadžić quanto Mladić participaram, com o ataque bósnio a um casamento sérvio em Sarajevo no dia 1º de março do mesmo ano servindo de estopim para o início do conflito. Os dois comandantes militares conseguiram criar um forte exército, que no começo de 1994 tinha cerca de 2/3 do território bósnio sob seu controle. Nem mesmo os mujaheddins vindos de outras partes do Mundo Islâmico mostraram-se páreo para o exército sérvio-bósnio. Entretanto, nesse mesmo ano a OTAN entrou em cena com seus bombardeios aéreos sobre as posições sérvias e logo viraram o jogo em favor dos bósnios e croatas.
Essa guerra terminou com o acordo de Dayton em 1995, assinado entre Croácia, Bósnia-Herzegovina e Iugoslávia, onde se decidiu, entre coisas, que o território bósnio seria a partir de então formado por duas federações: a federação bósnio-croata no oeste e no centro do país e governada por bósnios muçulmanos e croatas, e a Republika Sprska nas demais partes do país, só que governada por sérvios. O processo de desintegração da Iugoslávia alcançaria seu clímax com a crise de Kosovo em 1999, onde os EUA (cujo então presidente, Bill Clinton, se aproveitou dessa crise para desviar a atenção do povo americano do caso Monica Lewinsky, que quase o levou a impeachment) e a OTAN intervieram favor do Exército de Libertação de Kosovo (organização essa da qual tanto Hashim Tachi quanto Ramush Haradinaj participaram e que cometeu diversas atrocidades contra a população sérvia de Kosovo) e a secessão de Montenegro da Sérvia em 2006.


Foto – Doutor Dragan Dabić.

Após o fim da guerra da Bósnia, em 11 de julho de 1996, o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia de Haia, por meio da diretiva 61, formulou uma petição de prisão internacional para Karadžić, e o governo dos Estados Unidos ofereceu uma recompensa de cinco milhões de dólares para a prisão não só de Karadžić como também de Ratko Mladić. Uma busca por seu paradeiro foi feita por oficiais da OTAN, mas foi infrutífera e nenhum resultado trouxe. Desde então Karadžić passou muitos anos escondido, disfarçando-se como médico alternativo e portando uma barba branca que o tornava praticamente irreconhecível. Até que no dia 21 de julho de 2008 ele foi detido em Belgrado por membros do serviço secreto sérvio Agência de Informação e Segurança (em sérvio Bezbednosno Informativna Agencija) em um ônibus na capital sérvia, portando um documento de identidade falso com o nome Dragan Dabić. O governo sérvio, então sob a presidência de Boris Tadić, informou que cumpriria com a legalidade e o entregaria ao tribunal de Haia. O que acabou sendo feito, mesmo após manifestações contrárias em Belgrado convocadas por Vojislav Šešelj (líder do partido radical sérvio e que também foi julgado pelo tribunal de Haia) e que reuniram 10 mil manifestantes. Mesmo com os protestos, no dia 30 de julho Karadžić foi traslado em um avião para o aeroporto de Roterdã e depois em um helicóptero até a prisão de Scheveningen[4], onde permaneceu durante seu processo.

No fim das contas, chegamos à conclusão de que o que foi feito com os finados Slobodan Milošević e Saddam Hussein, o que certamente seria feito com o também finado Muammar al-Kadaffi caso ele fosse levado a julgamento e o que se faz hoje em dia com Radovan Karadžić e Ratko Mladić (os quais lutaram entre 1992 a 1995 contra o mesmo terror wahhabita de que o Ocidente “livre e democrático” diz combater) ao mesmo tempo em que os compinchas do mesmo Ocidente foram poupados tem o seguinte nome: justiça seletiva. Ou seja, a mesmíssima coisa que o juiz Sérgio Moro e a República de Curitiba fazem aqui no Brasil, onde os corruptos petistas recebem todo o rigor da lei ao mesmo tempo em que os políticos de outros partidos como o PSDB, o PMDB e o DEM não sofrem o mesmo escrutínio. E se Petro Poroshenko e sua gangue eventualmente se perpetuarem no poder na Ucrânia e não serem derrubados de seus postos por uma revolta popular, serão eles levados a julgamento em Haia por seus crimes cometidos na guerra genocida que promovem no Donbass ou o Ocidente também passará a mão em suas cabeças? Certamente não serão. Segundo o jornalista espanhol Ibai Trebiño, a sentença ao ex-presidente da Republika Srpska é uma decisão de fundo político que carece de base judicial, pelo fato de o tribunal de Haia ser um organismo parcial e um “instrumento da OTAN”, onde “está claro que a presunção de inocência não serve para nada e a condenação já estava escrita muito antes do início desse juízo”. Albert Einstein uma vez disse que existem duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. Pelo visto, uma terceira coisa infinita também existe: a hipocrisia e a dupla moral do Ocidente “livre e democrático”.

 
Foto – Ratko Mladić e Radovan Karadžić. Dois heróis sérvios na luta contra o terror wahhabita.


Fontes:
Bernard Henry Levy – portrait of a islamofascist (em inglês). Disponível em: https://theremustbejustice.wordpress.com/2014/05/30/bernard-henry-levy-portrait-of-an-islamofascist-jew/
Ex-líder sérvio-bósnio é condenado a 40 anos de prisão por genocídio. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/ex-lider-servio-bosnio-e-condenado-40-anos-de-prisao-por-genocidio.html
La sentencia a Radovan Karadžić genera polémica en la comunidad internacional (em espanhol). Disponível em:
Karadžić, condenado a 40 años por genocidio y crímenes de guerra (em espanhol). Disponível em:
Karadžić is innocent, set him free, Bosnian Serbs say (em inglês). Disponível em: http://www.channelnewsasia.com/news/world/karadzic-is-innocent-set/2629880.html#.VvSDLf-gbtN.facebook
Notas sobre reflexão crítica IX – a propósito de Slobodan Milošević e da secessão iugoslava. Disponível em: http://worden.blogspot.com.br/2007/11/notas-de-reflexo-crtica-ix-propsito-de_01.html
O apoio da OTAN a um regime nazista em plenos anos 90. Disponível em:
Radovan Karadžić. Disponível em:
Radovan Karadžić: heroe or kriminal (em inglês). Disponível em:
Sensational confession of Ibran Mustafić, Bosnian Muslim war veteran and politician: We were killing our own people in Srebrenica (em inglês). Disponível em:
Serbia: Belgrade protesters rally against Karadžić genocide veredict (em ingles). Disponível em:
Srebrenica: Político bosniaco confiesa que no fueron los serbios (em espanhol). Disponível em:
The truth about Srebrenica finally? (em inglês). Disponível em:
http://vineyardsaker.blogspot.com.br/2012/05/truth-about-screbrenica-finally.html

NOTAS:


[1] Leia-se “Karadjitch”, pois no servo-croata, assim como em línguas como o esloveno, o tcheco, o eslovaco e o lituano, a partícula ž tem valor de j e o ć tem valor de tch.
[2] Leia-se “Saraievo”. No servo-croata, assim como idiomas como o alemão, o polonês, o húngaro, o holandês, os idiomas escandinavos e bálticos, o tcheco, o latim e outros da Europa centro-oriental, a partícula j tem valor de i.
[3] Leia-se “Petnitsa Shavnik”, pois no servo-croata, assim como em outros idiomas da Europa oriental e central, as partículas j, c e š tem valor de i, ts e ch.
[4] Leia-se “Cheveninguen”. No holandês, assim como o alemão, a partícula sch tem o mesmo valor do ch no português e no francês. E a partícula g não muda o som em função da vogal seguinte, tal como em idiomas como o alemão, o polonês, o russo, o servo-croata, o mongol e o japonês e diferente das línguas latinas e do inglês.

domingo, 27 de março de 2016

A nova onda direitista no Brasil e suas pretensões


FOTO - Jair Bolsonaro, o maior concentrador de votos da nova onda conservadora
Por Lucas Novaes
Nos últimos anos, muitos foram os lamentos por parte de parcelas conservadoras e liberais da direita brasileira causados pela escassez de políticos que rejeitem as retóricas populistas e progressistas. Figuras caricaturais dessa direita, tais como Olavo de Carvalho, Felipe Moura, Rodrigo Constantino e Reinaldo Azevedo (esse último mais moderado ou simplesmente “tucano”) são exemplos de figuras da mídia que anseiam pelo dia em que o processo eleitoral brasileiro estará equilibrado em se tratando de forças dos dois lados do espectro político.
Essas lamentações vieram acompanhadas de uma forte guinada conservadora no país, exposta principalmente por meio de mídias virtuais alternativas tais como blogs, páginas em redes sociais e canais no Youtube. Esse novo rumo no pensamento ideológico de muitos brasileiros trouxe de volta o “Medo Vermelho” (“Red Scare”, termo usado no mundo anglo-americano) na mente da população. As supostas influências comunistas na sociedade brasileira estão sendo denunciadas nos locais mais variados: universidades, escolas, movimentos sociais, novelas, filmes, partidos políticos etc. Agora, o pensamento político no Brasil está um pouco mais parecido com o dos Estados Unidos (não tanto o atual, mas o do pós-segunda guerra logo no início da Guerra Fria). Não são poucas as pessoas que acreditam que o Partido dos Trabalhadores participa de um projeto secreto para implantar uma ditadura comunista e destruir os chamados “valores tradicionais” da família e da propriedade privada.
Esse tipo de discurso conspiratório é um tanto quanto inédito em território tupiniquim pois, apesar de nossa Ditadura Militar (1964-1985) ser ideológica e geopoliticamente anticomunista, a mesma estava mais preocupada em manter a ordem e perseguir subversivos do que empenhada em criar uma subcultura intelectual contra a esquerda (fato que ocorreu nos EUA).
Os novos direitistas brasileiros protestam contra a hegemonia esquerdista do pensamento. Do que eles estão falando, afinal? No Brasil, de fato existe uma hegemonia ideológica. Porém, ela não é de ordem socialista. O domínio no pensamento das elites intelectuais e políticas brasileiras pode ser chamado de Liberalismo. O Liberalismo não é somente o capitalismo ideal e sem restrições pregado pelos liberais conservadores, mas toda uma série de visões filosóficas sobre o papel do Estado, da sociedade e os direitos individuais. O movimento liberal é, portanto, muito extenso e dotado de diversos segmentos.  
O “lado esquerdo” da corrente liberal é o que se pode chamar de dominante. Essa corrente é hegemônica não somente no Brasil, mas no Ocidente como um todo (até mesmo nos Estados Unidos). O Liberalismo de esquerda promove o livre comércio capitalista (mas de forma não dogmática, ou seja, até mesmo aceita influências socialistas), os Direitos Humanos, o cosmopolitismo e a secularização radical da cultura dos povos (conquistada pela promoção do Multiculturalismo, Ideologia de Gênero, legalização das drogas e outras bandeiras progressistas). Esse esquema de ideias se faz presente no plano político do Partido Democrata (do atual presidente norte-americano Barack Obama), bem como na maioria dos partidos de centro e centro-esquerda da Europa. No Brasil, a maioria dos partidos (mesmo os de esquerda como o PT e o PSOL) são liberais. O Liberalismo repudia sentimentos nacionalistas (vistos como uma barreira contra a universalização das culturas), a planificação absoluta da economia (o estatismo total fere os direitos de propriedade e o livre comércio) e a forte religiosidade de certos países (que impede ou retarda o processo de secularização).
A nova onda conservadora nacional não se sente representada por esse segmento do Liberalismo. Políticos como Marco Feliciano, Jair Bolsonaro e seus filhos estão mais alinhados ideologicamente com o lado direito do Liberalismo. O maior expoente partidário dessa turma é o Partido Republicano nos EUA. O liberal de direita propõe um foco maior na desregulamentação do mercado financeiro e não se importa com as desigualdades econômicas (pelo contrário, as vê como normais tendo em vista as noções adquiridas sobre meritocracia). Isso explica o ódio anti-vermelho dos direitistas liberais. Sendo tanto os comunistas tradicionais como os liberais de esquerda opostos ao capitalismo irrestrito, é uma boa jogada política comparar os segundos com os primeiros. Outra característica interessante presente na direita liberal é a sua frequente aliança com setores evangélicos. Essas alianças servem para formar uma massa de votos que dê o sustento e consistência aos projetos econômicos de teor elitista. Essa religiosidade da classe média conservadora brasileira pode ser chamada de puritanismo ou de calvinismo e serve apenas como base de sustentação do livre mercado.
Esses fatos nos mostram que Enéas Carneiro realmente estava certo quando denunciou as conexões com os interesses internacionais presentes nos candidatos da época à presidência (anos 1990). As denúncias do finado político do PRONA não só continuam certas como nunca estiveram tão fieis ao paradigma da realidade. Apesar de ser um tanto exagerado, o mantra “é falsa briga entre eles” proferido por Enéas reflete bem as disputas partidárias no Brasil de hoje.
O Brasil precisa mudar sim, mas as mudanças propostas pela oposição principal ao governo do PT nada têm para oferecer ao povo brasileiro se não a submissão completa da nação aos objetivos geopolíticos dos norte-americanos. Se quisermos procurar alternativas reais, busquemos inspirações fora do Ocidente: os aiatolás iranianos, a ideologia Juche na Coréia do Norte (o Socialismo aliado às tradições do povo coreano), o conservadorismo estatal russo e o carinho e respeito dos cidadãos sírios pelo seu líder, Bashar Al-Assad, são todos exemplos de fenômenos menosprezados pelo Ocidente democrático e capitalista em sua busca incansável pela dominância de pensamento sobre o resto do mundo.
REFERÊNCIAS:


sexta-feira, 25 de março de 2016

As imprecisões de Nando Moura: Enéas, Dilma, Lula e os verdadeiros donos do poder no Brasil.


Foto – A escala de poder na sociedade brasileira, de acordo com o que a direita raivosa pensa do alto de sua tacanhice e alienação costumeiras.

No dia 6 de janeiro de 2016, Nando Moura postou um vídeo sobre o falecido Enéas Ferreira Carneiro em seu canal no YouTube, intitulado “Enéas – o maior presidente que não tivemos”. No vídeo em questão, o músico exalta as várias virtudes do político do PRONA (Partido da Reedificação da Ordem Nacional Administrativa), falecido no dia 6 de maio de 2007, ao mesmo tempo em que execra raivosamente Lula, Dilma e o PT. Assim como em outros vídeos em que o guitarrista e vocalista da banda Pandora 101 anteriormente postou, ele comete vários deslizes e proferiu um discurso cheio de lacunas e imprecisões a respeito não só do partido em si como também da verdadeira estrutura de poder vigente na sociedade brasileira (e por que não mundial?) hoje em dia. Vamos falar delas.
Mas antes de tudo, por que falar a respeito? Porque nos últimos tempos nós estamos vendo figuras como ele e Maro Filósofo fazendo uma apropriação indevida da figura do falecido médico e político do PRONA, o qual, caso estivesse hoje vivo, certamente não comungaria com o ideário dessa direita republicanóide (ideário esse que combina conservadorismo social com liberalismo econômico e que eu, parafraseando o grande pensador francês Alain Soral, defino como “a direita dos valores sem a esquerda do trabalho” [ou em francês “le droit[1] des valeurs sans le gauche[2] du travail”]. Em outras palavras, uma direita que ataca o abortista e/ou o maconhista que trabalha na Rede Globo ou em Hollywood, mas que ao mesmo tempo fecha os olhos para o maconhista e/ou abortista engravatado que está encastelado em Wall Street ou na Avenida Paulista), que tem como gurus figuras que incluem Olavo de Carvalho, Marco Feliciano e Jair Bolsonaro e que, nos últimos anos, tem crescido cada vez mais.
Nos primeiros minutos do vídeo, Nando se indigna com o fato de que o povo brasileiro, ao invés de ter elegido como presidente Enéas (a despeito de ser uma pessoa muito culta e com várias formações), ter eleito em seu lugar Lula (político que terminou seus estudos na quarta série) e Dilma Rousseff (que, como ela mesma se mostrou em seus dois governos, não passou de uma burocrata do Partido dos Trabalhadores). Maro Filósofo, ao longo de seu vídeo (intitulado “Lula x Dr. Enéas Carneiro – quem é o verdadeiro herói nacional?” e postado quatro dias antes do vídeo de Nando Moura), também fez questionamento similar. Ambos, em seus respectivos vídeos, tanto falaram e não tocaram no ponto nevrálgico, na ferida do problema (como é de praxe da parte dessa direita), ficando apenas na indignação pura e simples pelo fato de o petista ter sido eleito presidente da República e o pronista não.
Pelo visto, ambos se esquecem (ou talvez não saibam) que o mesmo povo brasileiro que elegeu Lula em 2002 e 2006 e Dilma em 2010 e 2014 também elegeu o Monsieur[3] Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998 e Fernando Collor de Mello em 1989. O antecessor de Lula na presidência do Brasil se formou e pós-graduou na USP em sociologia, deu aula na Universidade de Paris X – Nanterre, na Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais e na Sorbonne na França, em Berkeley e Stanford nos EUA e em Cambridge na Inglaterra, escreveu mais de 20 livros (entre eles “Dependência e Desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica”, escrito em parceria com o falecido sociólogo chileno Enzo Faletto), recebeu 29 títulos de doutor honoris causa de universidades brasileiras e estrangeiras, entre outras honrarias. E antes de FHC, o povo brasileiro elegeu Fernando Collor de Mello, que foi, entre outras coisas, presidente do clube de futebol alagoano CSA (Centro Esportivo Alagoano). A questão ai envolta não é o fato de a pessoa ser ignorante ou não, e sim o fato de que Lula e Dilma, assim como Fernando Henrique Cardoso e Collor, são serviçais do sistema que ai está, ao passo que Enéas, assim como o também falecido Leonel de Moura Brizola (o qual, em sua entrevista ao programa Roda Viva em 1994, disse que Lula e FHC tinham suas mentes inseridas dentro do sistema e que se acotovelavam entre si para executar o projeto neoliberal, com o petista vindo por baixo e o tucano por cima), não era. E, como todos nós sabemos, os dois morreram sem serem presidentes.


Foto – O que Brizola disse sobre Lula e FHC em sua entrevista ao programa Roda Viva em 1994.

Diversas foram as manobras feitas pelo poder por trás do trono para que ambos não se tornassem presidentes e assim manter seu status quo. Em seu texto “’Eleições’ no modelo dependente”, publicado em 2014, o ex-participante do PRONA Adriano Benayon fala a respeito disso. No caso de Brizola, uma delas foi o incentivo e apadrinhamento do próprio PT da parte do general Golbery do Couto e Silva. Manobra essa inserida dentro do contexto de redemocratização e abertura política do Brasil, feita com o intuito de criar um contraponto ao político gaúcho (que era o verdadeiro pesadelo das classes dominantes brasileiras e do capital multinacional a elas associados, e não Lula) dentro da esquerda brasileira. Contraponto esse nascido dos sindicatos das multinacionais estabelecidas no ABC Paulista e da sociologia de faculdades como USP e Unicamp. O mesmo Golbery também manobrou para dar a sigla do velho PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) para Ivete Vargas, a oportunista sobrinha de Getúlio Vargas. Assim, Brizola teve que fundar uma sigla nova, o PDT (Partido Democrático Trabalhista). Em 1982, quando se candidatou pela primeira vez ao governo do estado do Rio de Janeiro, houve o escândalo Proconsult, que consistia em um esquema informatizado de apuração dos votos feito pela empresa Pronconsult (associada ao Regime Militar) para transferir votos brancos e nulos para seu adversário e candidato do sistema, Moreira Franco. Mas no fim o esquema foi descoberto e denunciado pelo Jornal do Brasil e Brizola foi eleito governador.


Foto – Golbery do Couto e Silva (1911 – 1987), o padrinho político de Lula e do PT.

Na eleição presidencial de 1989, para impedir que Brizola se elegesse presidente, recorreu-se a expedientes como impedir transportes em regiões onde ele teria maioria, fraude de urnas, ao ponto de em lugares como em Minas Gerais ele ter tido nenhum voto em seções eleitorais onde compareceram vários partidários e militantes do PDT, assim como o apoio da Rede Globo à candidatura de Fernando Collor de Mello. E, mesmo após mais de uma década de seu falecimento, no estado de São Paulo, o coração burguês e sede das multinacionais estabelecidas na América Latina, paira sobre sua figura paira aquilo que Gilberto Felisberto Vasconcellos chama de “amnésia criminosa” que a classe dominante local injeta sobre o povo através de seu poder econômico e midiático. Sem contar com o fato de que muitos de seus adversários político-ideológicos (com o povão muitas vezes engolindo essas mentiras difundidas tanto por eles quanto pela Rede Globo) o culpam pelo problema da violência urbana no Rio de Janeiro por supostamente não deixar a polícia subir os morros, sendo que esse problema já havia na antiga capital federal bem antes dele ser eleito governador pela primeira vez (esse problema, diga-se de passagem, finca raízes na Reforma Urbanística de 1904 feita pelo prefeito Pereira Passos e na maneira como a cidade desde então passou a ser concebida por suas elites governantes) e o que ele queria em realidade é que a polícia não se juntasse com a criminalidade estabelecida nos morros.
Em se tratando de Enéas (que disputou as eleições presidenciais em 1989, 1994 e 1998, além de concorrer a vaga de prefeito de São Paulo em 2000 e de Deputado Federal em 2002 e 2006), o político acreano dispunha de pouco tempo para transmitir suas ideias no horário eleitoral. Muitas vezes, não tinha nem um minuto para tal.  Mas, mesmo com essa situação adversa e sendo tido pela grande mídia como “fascista”, “autoritário”, “louco”, “ditador” e insultos similares para desacreditá-lo perante o povo, conseguiu votações expressivas, como o terceiro lugar em 1994 (onde obteve 7,38% dos votos válidos) e os dois milhões de votos para Deputado Federal em 2002, a maior votação que um Deputado Federal conquistou até hoje no Brasil. Em novembro de 2002, logo após sua eleição como Deputado Federal, a Revista Super Interessante publicou uma matéria falando sobre um suposto perigo que ele trazia, por causa de algumas de suas propostas como romper com o Sistema Financeiro Internacional, triplicar o efetivo do Exército e a construção da bomba atômica, assim como dizendo que quem votou em Enéas deu aval a um projeto similar ao dos fascistas do século XX. Uma vez Deputado Federal, Enéas se opôs a emendas constitucionais entreguistas e lesivas aos trabalhadores e aposentados impostas por Lula. E, mesmo sendo eleito Deputado Federal, teve sua atuação dificultada por uma série de obstáculos e armadilhas para lhe consumir recursos e energias, além da armação do fim de seu partido através da Cláusula da Barreira sob o pretexto de eliminar com partidos tidos como nanicos e de pouca expressão. Como resultado, o PRONA se uniu ao Partido Liberal, formando o Partido da República (PR).


Foto – Enéas Ferreira Carneiro (1938 – 2007).
Algo também digno de nota da fala de Nando Moura a respeito de Lula e do PT não só nesse vídeo em questão como em outros é que se dá a impressão de que o PT governa o país de forma absoluta, como se fosse tal qual o rei francês Luís XIV, como se os verdadeiros donos do poder (clara alusão ao livro de mesmo nome escrito e originalmente publicado por Raymundo Faoro em 1958) na hierarquia de poder brasileira não existissem. E quem é esse poder por trás do trono ao qual os nossos reis se prostram como se fossem cães amestrados e dóceis? Trata-se da classe dominante brasileira e suas distintas frações (burguesia industrial, burguesia agrária, bancos, rentistas e outros). Classe essa que historicamente é e sempre foi associada (para não dizer testa de ferro) do capital multinacional aqui estabelecido. É a mesma classe dominante que nos tempos da República Velha (1889 – 1930) tratava o Brasil como sua propriedade particular tal como o rei Leopoldo II da Bélgica fazia na África com o Congo Belga na mesma época, em 1930 foi apeada do poder pela revolução liderada por Getúlio Vargas, tentou dois anos mais tarde retomar o poder com o malogrado Levante Constitucionalista em São Paulo, após a derrota em 1932 criou a USP (Universidade de São Paulo) visando criar uma intelectualidade liberal (e para isso trazendo da França figuras como Claude Lévi[4]-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Roger Bastide) que batesse de frente com o pensamento nacionalista varguista e que foi o braço civil interno das agitações golpistas de 1954 (que levou Getúlio Vargas ao suicídio), de 1961 (que Brizola venceu com a Campanha da Legalidade) e de 1964. E que no passar desse tempo todo foi se modernizando e assumindo novas roupagens, mas sem perder sua essência reacionária e cosmopolita e sem deixar de olhar o estado brasileiro como seu balcão de negócios particular.
E é a essa mesma classe dominante e suas distintas frações a qual os militares serviram nos 21 anos em que no poder estiveram e que todos os governos que ocuparam o palácio do Planalto de 1985 em diante, incluindo o petucanato[5], a despeito de toda a propaganda oficial em contrário que diz que mais de 30 milhões foram tirados da pobreza através de programas sociais como o Bolsa Família e de toda a verborragia de Lula, os petistas e seus apologéticos contra as “zelites”. Em outras palavras, o resultado sócio-econômico do golpe de 1964 continua ai até hoje e nunca foi revertido. E isso mesmo com um partido que a direita raivosa acha que é a comunista (mas que na prática está muito longe de ser) ocupando o palácio do Planalto. Grande ironia do destino: na época do regime militar, Dilma foi torturada pelos agentes da repressão, os quais exerciam através da tortura e da repressão um controle social em nome das elites brasileiras e do capital multinacional. E hoje Dilma e o PT governam para o mesmo poder por trás do trono que seus torturadores serviram enquanto estiveram no poder. Ou seja, Lula, Dilma e o PT não possuem o poder de fato na sociedade brasileira. Na virada de 2002 para 2003 eles assumiram o governo do Brasil, mas não o poder de fato, que por sua vez continuou nas mãos dessa oligarquia.
Como Adriano Benayon diz em um trecho de seu texto “’Eleições’ no modelo dependente”, “O real sistema de poder manobra sempre para que todos os candidatos com chance de chegar ao 2º turno estejam comprometidos com a realização destes objetivos; ampliar e aprofundar a desnacionalização da economia, desindustrializá-la, servir a dívida – inflada pela composição de juros absurdos – e propiciar ganhos desmedidos às grandes empresas transnacionais”. E esse poder por trás do trono, diga-se de passagem, no momento em que se sentir ameaçado se valerá de todas as artimanhas possíveis e imagináveis para manter seu status quo. Nem que para isso tenha que recorrer a um golpe civil-militar como o de 1964, criar um falso partido que aos olhos da população pareça ser de oposição e que na prática não é, guerra econômica como a que foi promovida contra Allende no Chile e hoje contra a Venezuela bolivariana, fraudes eleitorais, golpe palaciano através do judiciário e/ou do parlamento como os que foram perpetrados contra Manuel Zelaya em Honduras (2009) e contra Fernando Lugo no Paraguai (2012), pesada difamação de seu adversário através do poder midiático, acusar falsamente o adversário de ter feito algum massacre (ou seja, a tática da operação de bandeira falsa), entre tantas outras.


Foto – A comparação que certas pessoas, do alto de seu anti-petismo tacanho, raivoso e irracional, vivem fazendo entre Lula e Enéas com o único intuito de rebaixar o petista.

E essa realidade não se resume apenas ao Brasil: no mundo capitalista globalizado em que vivemos hoje em dia, quem detêm o real poder não são os governantes de uma nação como os grandes veículos de comunicação muitas vezes fazem crer. O poder de um CEO[6] de uma empresa multinacional que opera em vários países ao mesmo tempo, de um especulador ou de um banqueiro internacional muitas vezes é maior que um presidente ou um primeiro ministro de uma nação, ao ponto deste ser uma marionete nas mãos do poder econômico. Ou vocês acham que Barack Obama é quem realmente manda nos EUA, ou mesmo François Hollande na França, David Cameron na Inglaterra e Angela[7] Merkel na Alemanha, entre outros exemplos? Muitas vezes vemos o poder econômico dos tubarões das finanças internacionais estando acima e tendo mais poder de decisão que o dos estados nacionais, com direito ao faturamento anual de empresas multinacionais superando até mesmo o PIB combinado de muitos países da periferia capitalista e até mesmo o PIB de algum país rico situado no centro capitalista. E o real sistema de poder utiliza os políticos como se fosse um biombo, uma cortina de fumaça, de forma que quando as crises que eles mesmos criam atingem a população de um país quem tem a imagem queimada perante o povo são os fantoches que eles manipulam por trás das cortinas e não eles. E esse sistema possui em suas mãos o poder midiático, e assim as pessoas são informadas conforme os seus interesses e comem as suas mentiras e meias-verdades. Como José Saramago disse em 2004, o sistema democrático vigente na maioria do mundo ocidental é sequestrado, amputado e condicionado pelo poder econômico e assim a atender a seus interesses.
Essa é a tal da mídia comprada que elementos da direita raivosa falam, que de comunista nada tem como eles pensam (no máximo usa alguns elementos de esquerda como idiotas úteis). De fato, ela omite assuntos importantes para a população, mas o que ela omite em realidade não são falcatruas e trambiques do PT (haja vista que os escândalos de corrupção envolvendo o PT recebem muito mais atenção da grande mídia que os escândalos de corrupção em que partidos como o PSDB, o PMDB e o DEM estão envoltos) e seus associados, e sim coisas como o fato de que o Brasil perde muito mais recursos com os gastos com juros e amortizações do serviço das dívidas interna e externa (gastos esses que consomem todo ano entre 40 a 50% do orçamento da União) que com corrupção ou Bolsa Família (que por sua vez consome apenas 0,47% do orçamento da União). Gastos esses que apenas servem pra engordar o bolso de banqueiros, agiotas e outros elementos que se beneficiam desse sistema que gera fortuna para uma elite bem restrita e miséria para a maioria do povo brasileiro (diga-se de passagem, nunca vi Nando Moura dizer uma única palavra sobre os lucros absurdos dos bancos aqui no Brasil). Para desviar a atenção desse sistema de corrupção em larga escala onde estão envolvidos os negócios dos donos do poder e que tem como grande beneficiário o sistema financeiro, não raro a grande mídia se vale de escândalos de corrupção de magnitude muito menor como o mensalão e o petrolão.
E, em uma perspectiva mais global, por que vocês acham, por exemplo, que a Grécia foi tratada como a bandida da história na recente crise com a Troika[8] (e esta, por sua vez, era tratada como a lesada da história, sem levar em consideração os vários abusos ao qual a Grécia foi submetida pela mesma Troika desde no mínimo 2010 que a auditoria da dívida grega revelou), omite ao mundo o fato de a Islândia ter se recuperado da crise de 2008 depois de prender os banqueiros responsáveis pela crise, fez pouco caso da auditoria da dívida equatoriana feita por Rafael Correa em 2007 e outras tantas coisas? Por que os grandes veículos de comunicação estão justamente nas mãos dessa gente, ou então esses veículos tem essa gente como patrocinador e anunciante.
A essa realidade onde o poder rentista da grande finança internacional se sobrepõe ao poder dos estados nacionais o líder chileno Salvador Allende alertou em um discurso proferido na ONU em 1972, onde disse, entre outras coisas, que o poder econômico das empresas multinacionais era prejudicial não só aos países em desenvolvimento como também aos países onde se sediam essas empresas. Allende sabia muito bem do que se tratava, pois, após nacionalizar a produção de cobre até então explorada por empresas multinacionais como a Anaconda Copper Company e a Kennecott Corporation, enfrentou uma agitação golpista que teve entre seus financiadores a ITT[9] (a mesma ITT que teve sua filial gaúcha nacionalizada por Brizola junto com a Bond & Share quando foi governador do estado do Rio Grande do Sul). Agitação essa que, como todos nós sabemos, levou à sua morte e ao golpe civil-militar de 1973 e que implantou uma sangrenta ditadura que castigou o Chile por 17 anos.


Foto – A real pirâmide de poder no mundo em que vivemos que a direita raivosa ignora: de um lado o feudalismo medieval e de outro o atual capitalismo rentista corporativo.

Fontes:
A corrupção e a dívida. Disponível em:
“A dívida pública é um mega-esquema de corrupção institucionalizada”. Disponível em:
Brasil: crise financeira ou fiscal? Disponível em:
Brizola: “Lula é neoliberal”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ju9o81Cjutg
Brizola: São Paulo, amnésia criminosa. Disponível em:
Coluna do Professor Tim sobre o petucanismo – Timtim por TimTim. Disponível em:
Discorso di Salvador Allende all’ONU (1972) (em italiano). Disponível em:
“Eleições” no modelo dependente. Disponível em:
Enéas – O maior presidente que não tivemos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ir967od4mAM
José Saramago – falsa democracia. Disponível em:
Lula x Enéas Carneiro – quem é o verdadeiro herói nacional? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=em-2lkvVpkY
Modelo petucano. Disponível em:
Multinacionais: um poder absoluto. Disponível em:
O perigo real de Enéas. Disponível em:
PT incentivado e apoiado pelo General Golbery: a esquerda que a direita gosta. Disponível em:
The CIA’s campaign against Salvador Allende (em inglês). Disponível em:


NOTAS:


[1] Leia-se “Droá”, pois no francês a partícula oit tem valor de oá.
[2] Leia-se “Gôche”, pois no francês a partícula au tem valor de ô.
[3] Leia-se “Monsiô”, pois no francês a partícula ieur tem valor de ô.
[4] Leia-se “Levi”, pois no francês, assim como no espanhol, a partícula é tem valor de e.
[5] Petucanato/Petucanismo é um termo cunhado pelo colunista da Revista Caros Amigos Gilberto Felisberto Vasconcellos (e depois utilizado por outros como Nildo Ouriques e Adriano Benayon) para se referir a situação política que o Brasil vive desde 1995 com a alternância de poder entre o PT e o PSDB, dois partidos de programa de governo praticamente igual baseados no modelo neoliberal (incluindo privatizações, terceirização e precarização do Estado), com a diferença que o PT têm um política um pouco mais direcionada para o lado social que o PSDB.
[6] Chieff Executive Officer (Diretor Chefe Executivo em português), na sigla em inglês.
[7] Leia-se “Anguela”, pois no alemão, assim como em idiomas como o russo, o mongol e o japonês, o som da partícula g não muda em função da vogal seguinte que nem nas línguas latinas e no inglês.
[8] Comissão formada por Fundo Monetário Internacional, Comissão Européia e Banco Central Europeu.
[9] International Telephone and Telegraph (Telefone e Telégrafo Internacional em português).