Foto
– Cena do filme “Modern Times” (Tempos Modernos no Brasil), estrelado por
Charlie Chaplin (1889 – 1977).
O atual presidente da
Confederação Brasileira da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, falou em
“flexibilização das leis trabalhistas” e até mesmo na possibilidade de aumentar
a jornada semanal de trabalho de 44 para 80 horas. Ele afirmou que o governo
deve promover “medidas muito duras” na Previdência Social e nas leis
trabalhistas para equilibrar as contas públicas, citando como exemplo o caso da
França. Caso isso venha a se concretizar, a jornada semanal do trabalhador
brasileiro será aumentada em cerca de 82% (ou seja, quase o dobro). Em média, o
trabalhador brasileiro no máximo trabalha 8 horas por dia (ou seja, uma jornada
de trabalho que ocupa um terço do dia). Para alcançar tal carga horária, o
trabalhador brasileiro teria que trabalhar por dia ao redor de 16 horas (ou
seja, duplicar a carga horária diária do trabalhador brasileiro). Sob uma carga
horária de 80 horas semanais, isso significaria que o trabalhador brasileiro
teria que passar cerca de metade de seu tempo semanal no chão da fábrica, e
assim em casa ele praticamente só teria tempo para dormir e comer.
Primeiro de tudo, não é
a primeira vez que vemos representantes da elite brasileira soltando
comentários desse tipo. Lembremos que Benjamin Steinbruch, presidente da FIESP
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), queixou-se no programa da
web TV Poder e Política em 25 de setembro de 2014 da quantidade de direitos
trabalhistas e do fato de o operário brasileiro ter uma hora de almoço e que
nos Estados Unidos, ao mesmo em tempo em o operário come um sanduíche com a mão
esquerda ele com a mão direita opera uma máquina.
Segundo, evidencia o
caráter de classe do estado moderno não apenas no Brasil como também no mundo
em que vivemos, o qual foi definido por Karl Marx em o Manifesto do Partido
Comunista (1848) como o comitê de negócios da burguesia. E o que Marx quis
dizer com isso? Que os grandes capitalistas fazem do estado uma espécie de
balcão de negócios para administrar e levar adiante seus negócios particulares,
de forma a fazer com que as políticas desse mesmo estado lhes favoreçam (haja
vista que sob os governos Lula e Dilma ao mesmo tempo em que programas sociais
como o Bolsa Família ajudaram a tirar milhões da linha da pobreza os banqueiros
e outros rentistas tiveram ganhos bilionários). Assim sendo, ao contrário do
que muitos ingênuos pensam, o estado tem seu caráter de classe e não é uma
entidade abstrata que está acima dos conflitos de classes. E isso mesmo o
Brasil tendo passado 13 anos sob o governo do Partido dos Trabalhadores, um
partido de corte popular e de massas. Portanto, independentemente de quem
esteja ocupando a chefia de uma nação, quem detêm o poder de fato são os grandes
capitalistas e não o fulano que ocupa a cadeira presidencial (que por sua vez quando
explode uma crise em que seu mandato é ameaçado é comumente feito de bode
expiatório perante a população. Assim, governos de diferentes partidos entram e
saem, mas aqueles que mandam por trás das cortinas continuam os mesmos).
E terceiro, essas
declarações mais uma vez escancaram a nós que tipo de classe dominante o Brasil
tem. É uma classe que não tem o menor pudor em se valer dos mais abjetos
artifícios para conseguir seus objetivos (nem que para isso tenham que revogar
a lei Áurea) e que se não é herdeira biológica dos senhores de engenho dos
períodos colonial e imperial e/ou dos barões do café da República Velha, ao
menos carrega a mesma mentalidade deles, onde o escravo negro (e posteriormente
também o trabalhador europeu origem imigrante) era tratado como se fosse um
carvão para ser queimado da forma mais descartável possível em suas plantações.
Essa mesma classe dominante, historicamente, sempre se caracterizou por sua
visão de mundo cosmopolita, além de tratar a questão social como “caso de
polícia” e de em 1964 ter sido o braço civil do golpe civil-militar daquele ano.
Essas declarações,
obviamente, estão inseridas dentro da situação de crise econômica que o país (e
a economia mundial como um todo) se encontra. O trabalhador brasileiro, assim
como o trabalhador latino-americano e das demais regiões periféricas do sistema
capitalista, está submetido àquilo que o finado sociólogo brasileiro Ruy Mauro
Marini (1932 – 1997) chamava de super-exploração[1] da força de trabalho.
Assim sendo, carrega sobre suas costas um fardo ainda maior que o trabalhador
dos países centrais carrega. Igualmente nesse contexto está inserido o projeto
de lei 4330/2004, de autoria de Sandro Mabel (PL-GO), que sob o pretexto de
regulamentar a terceirização no país, retira os direitos dos trabalhadores tais
como seguridade social e outros (além de reduzir salários). Isso significa nada
menos que sacrificar ainda mais o trabalhador para garantir os lucros dos
super-ricos brasileiros nesse período de crise e ao mesmo tempo resolver o
problema da situação econômica do país sem tocar em seus privilégios (entre
eles o de não pagar impostos ao fisco), muito menos nos lucros astronômicos dos
banqueiros e outros rentistas através do super-endividamento do estado
brasileiro e das altas taxas de juros com que se pagam o serviço das dívidas
interna e externa (ou seja, aquilo que Brizola em vida chamava de “perdas
internacionais”), assim como no constante assalto que essa gente promove ao
estado brasileiro. Ou seja, para a classe dominante nacional, quem tem que
pagar o ônus a crise que eles mesmos criam é o povo e não eles. É a velha
lógica de ganhos concentrados para poucos e prejuízos socializados para todos
(menos eles, obviamente).
Essas propostas no mínimo
esdrúxulas da parte do presidente da CNI é uma verdadeira volta ao passado,
mais precisamente para a Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, que a época passou
pela Revolução Industrial. Ao mesmo tempo em que a Revolução Industrial trouxe muita
riqueza para a burguesia inglesa e um grande avanço tecnológico para a
humanidade (tais como locomotivas, barcos a vapor, telégrafo, teares mecânicos,
entre outros), ela também teve seu lado sombrio. Os operários que trabalhavam
nas fábricas comumente trabalhavam debaixo de péssimas condições de iluminação
e ventilação, tinham uma vida extremamente miserável, moravam em condições
precárias onde o convívio com a falta de higiene era diário e eram comuns
jornadas de trabalho que se arrastavam por até 16 horas (ou seja, o trabalhador
passava cerca de 2/3 de seu dia na fábrica, tendo de folga praticamente só
tempo para dormir) e onde até mesmo mulheres e crianças trabalhavam (para as
primeiras a jornada de trabalho variava entre 14 a 16 horas e para as segundas,
entre 10 a 12 horas por dia. E ainda assim ganhavam um salário bem miserável). O
fantasma do desemprego e da miséria igualmente rondava a massa trabalhadora
inglesa, que na época não tinha nem direito a férias e a dias de descanso.
Também era uma constante para os trabalhadores ingleses da época acidentes de
trabalho decorrentes de explosões nas máquinas que comumente deixavam seus
corpos aleijados e/ou mutilados, já que trabalhavam sem equipamento de
segurança. E para piorar ainda mais a situação eles não tinham nem mesmo direito
a assistência médica e seguridade social.
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– Operários ingleses quebrando máquinas de indústrias no período do ludismo.
A situação chegou a tal
ponto que os trabalhadores ingleses começaram a se organizar em movimentos, a
fazerem greves, criarem sindicatos (chamados nos países de língua inglesa de
trade unions) e a lutar por seus direitos. Um deles foi o ludismo, muito forte e
ativo na primeira metade da década de 1810 e formado por grupos de
trabalhadores que invadiam as fábricas e quebravam as máquinas das indústrias
(por eles vistas como a causa da ruína de suas vidas). O ludismo surgiu no
contexto das dificuldades econômicas decorrentes das Guerras Napoleônicas e
eles conseguiram alguns êxitos, a ponto de fazerem alguns patrões não reduzirem
seus salários com receio de futuras revoltas. Para conter esse movimento, as
autoridades inglesas recorreram à repressão e a leis que tornavam crime a
destruição de máquinas, como a “Frame Breaking Act” e a “Malicious Damage Act”
(Lei da quebra de sistemas e Lei dos danos maliciosos, respectivamente). Em
1802 foi promulgada na Inglaterra por iniciativa do então Primeiro Ministro
Robert Peel aquela que é considerada a primeira lei trabalhista, a “Moral and
Health Act” (Lei da Moral e da
Saúde), que estipulava a proibição do trabalho noturno e o máximo de 12 horas
para o trabalho infantil. Mas isso não foi o suficiente para conter a
insatisfação das massas quanto a sua situação nas fábricas. Em 1830, surgiu o
movimento cartista na Inglaterra, que redigiu um documento chamado “Carta ao
Povo” e o enviaram ao Parlamento Inglês, reivindicando, entre outras coisas, o
sufrágio universal masculino (ou seja, todos os homens teriam direito ao voto).
Entretanto, isso só foi conquistado em 1867.
Foto
– Jornada de trabalho: CLT atual x Plano Temer.
No decorrer do século
XIX, a Revolução Industrial se espalhou para outras partes do globo, alcançando
países como França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, Rússia e outros. E junto
com a difusão da Revolução Industrial, também se difundiram os movimentos em
defesa das massas operárias ante a exploração que era submetida no chão das
fábricas. A questão dos direitos dos operários foi pela primeira vez discutida
em 1848 por Karl Marx e Friedrich[2] Engels[3] em “O Manifesto do Partido
Comunista”. Mas foi apenas em 1881 que uma legislação específica para a questão
da segurança do trabalhador foi criada. Isso aconteceu na Alemanha, durante o
governo de Otto von[4]
Bismarck. De acordo com essa legislação, as empresas eram obrigadas a
subscreverem apólices de seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade,
velhice e doenças, assim como o reconhecimento dos sindicatos. Isso abriu o
precedente para a criação da responsabilidade social de Estado, seguida por
muitos países no decorrer do século XX. Mas foi apenas em 1917 que a jornada de
8 horas por dia, assim como a regulamentação do trabalho feminino e infantil,
férias remuneradas e proteção do direito à maternidade foi prevista por lei,
foi prevista por lei, pela Constituição do México, que a época passava por um
processo revolucionário. Dois anos depois, esses mesmos direitos passaram a ser
previstos pelas constituições de países europeus.
No Brasil, as primeiras
discussões a respeito de leis trabalhistas no final do Segundo Reinado (1840 –
1889), especialmente após a abolição da escravidão em 1888. As primeiras normas
de trabalho surgem em 1891 com o decreto nº 1313, que regulamentou o trabalho
dos menores de 12 a 18 anos. Nessa mesma época, surgem as primeiras
organizações de trabalhadores e sindicatos em território brasileiro. Mas é
apenas depois da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio da
parte de por Getúlio Vargas que a legislação trabalhista tupiniquim toma forma,
com a constituição de 1934 sendo a primeira a tratar do tema e assegurando
liberdade sindical, salário mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal,
férias anuais remuneradas, proteção do trabalho feminino e infantil e isonomia
salarial. Essa legislação foi mantida na Carta de 1937 e depois transformada na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943. Mais ou menos nessa
mesma época, também nasceram os primeiros sindicatos rurais.
Entretanto, após a era
Vargas, os trabalhadores brasileiros enfrentaram uma série de reveses. Durante
o governo Castelo Branco (1964 – 1967), já sob o regime civil-militar (que se
originou de um golpe de caráter essencialmente patronal), foi implantado o
decreto nº 4330, conhecido como a lei anti-greve, que na prática as proibiu
devido às muitas regras impostas para sua realização. Na década de 1970, surge
no Brasil um novo sindicalismo, cujo núcleo é o ABC paulista. Em 1978, os
operários de São Bernardo do Campo (SP) fizeram uma grande que desafiou o regime
civil-militar. Ao término da ditadura em 1985, as conquistas dos trabalhadores
foram restabelecidas, entre elas o direito à greve e a livre associação
sindical e profissional através da lei nº 7783/89. E foi desse sindicalismo
nasceu a figura de Lula e do Partido dos Trabalhadores.
Resumindo a ópera: se
propostas como a do presidente da CNI vierem a ser aprovadas, toda a história
de lutas da classe trabalhadora brasileira será jogada no lixo da forma mais
descartável possível. E isso em nome da acumulação do capital e da manutenção
dos privilégios dessa gente. E o que é pior: isso, caso venha a se consumar,
será a concretização do sonho de Fernando Henrique Cardoso, do alto de sua
arrogância e petulância, que ele exprimiu em seu discurso de despedida do cargo
de senador em 14 de dezembro de 1994, onde disse que a era Vargas e seu legado era
uma página que deveria ser enterrada da história do Brasil. Em outras palavras,
a continuação e a intensificação da infame privataria[5] iniciada por Collor e FHC
no decênio retrasado. Deixo aqui meus parabéns aos imbecis que, do alto de seu antipetismo
raivoso e acéfalo, bateram panela e foram às passeatas de rua pedindo a queda
de Dilma e a consumação do golpe judiciário-midiático. Que não reclamem de agora
terem de trabalhar durante dois terços de um dia inteiro e que agora aguentem
os mandos e desmandos do governo Temer e patota limitada.
Foto
– Robson Braga de Andrade, atual presidente da CNI. Crédito: Avante.
Fontes:
As fábricas e os
trabalhadores. Disponível em: http://revolucao-industrial.info/as-fabricas-e-os-trabalhadores.html
Com o fim da escravidão,
jornada de trabalho de 80 horas. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/com-o-fim-da-escravidao-jornada-de-trabalho-de-80-horas
Evolução das relações
trabalhistas. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/04/evolucao-das-relacoes-trabalhistas
FHC decreta o fim da Era
Vargas. Quá, quá, quá!! Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/08/24/fhc-decreta-o-fim-da-era-vargas-qua-qua-qua
Indústria sugere mudar
leis trabalhistas e cita jornada de 80 horas por semana. Disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/07/08/industria-defende-novas-leis-trabalhistas-e-cita-jornada-de-80h-por-semana.htm?cmpid=tw-uolnot
Manifesto do Partido
Comunista. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm
Nildo Ouriques – onde é
gasto o dinheiro público? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jXfobSEsY0I
Nildo Ouriques – os três
níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xbgVmPeVn08
Pela jornada de 80 horas
para quem vestiu camisa verde e amarela. Disponível em: http://www.blogdacidadania.com.br/2016/07/pela-jornada-de-80-horas-para-quem-vestiu-camiseta-amarela/
Presidente da CNI fala
em mudar lei trabalhista e cita jornada de 80 horas. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/07/cni-elogia-meta-fiscal-de-2017-mas-se-diz-contra-aumento-impostos.html
Privatización y Privatería (em espanhol). Disponível em:
Documentário: Ruy Mauro
Marini e a dialética da dependência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ww4_HoY-UYA
Super-exploração do
trabalho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Superexplora%C3%A7%C3%A3o_do_trabalho
NOTAS:
[1]
De acordo com Ruy Mauro Marini,
o conceito de super-exploração da força de trabalho, abordado pela primeira vez
em sua obra Subdesarrollo y revolución
(1968), é a combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa através
da intensificação na exploração da mão-de-obra. Tal conceito, que é a base da
teoria marxista da dependência, consiste dos mecanismos que a burguesia de um
país periférico dentro da engrenagem capitalista mundial utiliza para aumentar
ainda mais a mais-valia extraída das massas trabalhadoras, já que essa mesma
burguesia, por sua condição de sócia minoritária do capital transnacional, tem
que reparti-la com seus sócios estrangeiros. O resultado prático disso seria a
realimentação da situação de dependência em relação aos países centrais da
engrenagem capitalista mundial e a manutenção do subdesenvolvimento, mesmo com
a existência de uma industrialização interna.
[2] Leia-se “Friedrirr”, pois no alemão a
partícula ch tem o mesmo valor do h no inglês, do j e do g quando sucedido por
e ou i no espanhol e o kh no russo: r aspirado.
[3] Leia-se “Enguels”, pois no alemão,
assim como em idiomas como o russo, o mongol, o japonês, o polonês e outros, o
som da partícula g não muda conforme a vogal seguinte tal qual nas línguas
latinas e no inglês.
[4] Leia-se “Fon”, pois no alemão a
partícula v tem som de f.
[5] O termo privataria é um neologismo que
une as palavras privatização e pirataria. Foi criado pelo jornalista brasileiro
Hélio Gaspari e popularizado pelo também jornalista Amaury Ribeiro (autor do
livro “A Privataria Tucana”, sobre as falcatruas do processo de privatização no
Brasil durante o governo Fernando Henrique Cardoso [1995 – 2002]).
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