ARTIGO ORIGINALMENTE publicado na
página do Facebook da revista argentina confluencia em 13 de maio de 2016.
Apesar
de haver avançado nas negociações do processo de paz com as insurgências das
FARC e do ELN, nos últimos meses têm-se vivenciado uma escala repressiva e de
criminalização dos movimentos sociais na Colômbia. Exercitar a solidariedade
ativa, para evitar um novo genocídio similar ao que sofreu a União Patriótica
nos anos 1980, constitui uma responsabilidade de todos os povos do continente.
por Hernán Ouviña
Tradução do espanhol para o português
por Eduardo Consolo dos Santos
Um
fantasma ronda a Colômbia: o do extermínio da União Patriótica. Esta
organização, parida como saída ao conflito armado no marco dos processos de paz
entre o governo de Belisario Betancur e as FARC em meados dos anos 1980, sofreu
em sua curta e trunca existência como proposta civil, uma arremetida
paramilitar que – em estreita cumplicidade com as instituições estatais –
trouxe como saldo trágico o assassinato de mais de 3000 de seus militantes.
Desde camponeses, estudantes, trabalhadores e ativistas de base em geral, até
candidatos presidenciais, prefeitos, conselheiros e senadores, o extermínio
quase total da UP chegou a ser catalogado por diversos organismos de direitos
humanos como um verdadeiro genocídio político. As negociações de paz se viram
assim presas pela morte, o exílio e o desaparecimento forçado daqueles que
aspiraram naquela época a uma transição para uma vida democrática com plena
participação civil, em um sistema político que se mostrou refratário às opções
fora do binômio imposto, a sangue e fogo, por conservadores e liberais desde os
tempos da chamada “violência”, década que deixou como saldo dezenas de milhares
de mortos e desalojados, e que teve como marco catalizador prévio o assassinato
do líder popular Jorge[1]
Eliécer Gaitán em nove de abril de 1948.
Apenas
no decorrer do ano de 2016, cerca de 40 ativistas de plataformas civis como a Marcha
Patriótica e o Congresso dos Povos foram assassinados, mais da metade deles
perpetrados no mês de março. Em 1º de abril, a referência em direitos humanos e
ex-senadora Piedad Córdoba, sofreu uma tentativa de assassinato contra sua vida
por parte de sicários[2],
logo após ter denunciado o perigo que se viva na Colômbia de um novo genocídio
equivalente ao da União Patriótica. Nesta mesma zona do Chocó[3],
recentemente incursionaram cerca de mil paramilitares, impondo o terror nas
comunidades rurais. Esta escalada de paramilitarismo ficou em evidência dias
atrás, com a imposição de uma “greve armada” em quatro departamentos da
Colômbia, que incluiu assassinatos e a queima de transportes públicos. Mas a
arremetida contra o processo de paz não apenas tem a esses atores paraestatais
como protagonistas. Embora não tenha conseguido eco demasiado, o partido
uribista Centro Democrático insistiu a sair às ruas no último dois de abril,
para repudiar as negociações levadas a cabo em Havana e as que agora se juntam
as anunciadas em forma pública pelo governo e o ELN em Caracas.
Embora
possam parecer paradoxal, estas negociações de paz, longe de aplacar a
criminalização dos movimentos sociais na Colômbia, tem a agudizado. Basta dizer
que duas das principais referências da Marcha Patriótica e do Congresso dos
Povos, Huber Ballesteros, dirigente rural de FENSUAGRO[4]
e da Central Unitária dos Trabalhadores, e Feliciano Valencia, autoridade da
Associação dos Cabildos[5]
Indígenas do Norte do Cauca, tem sido condenados à prisão violando-se os
mais elementais direitos e garantias (neste último caso, após uma longa luta,
logrou que Feliciano possa cumprir sua reclusão em uma reserva indígena). A
isso se soma a perseguição ao pensamento crítico[6],
que tem como caso testemunho ao professor e investigador universitário Miguel
Angel Beltrán, preso na prisão de segurança máxima de La Picota, sob a acusação
sem provas concretas de ser colaborador “ideológico” da guerrilha. Resulta que
é escandaloso que atualmente a quantidade de presos e presos políticos em
Colômbia sobe para mais de 9500 pessoas. Nada diz deles e delas a mídia
hegemônica, que bombardeia de forma constante e cínica com notícias e denúncias
sobre a situação de supostos “presos políticos” na Venezuela ou em Cuba[7].
O
processo de paz na Colômbia transita por um de seus momentos mais críticos.
Vale a pena recordar que grande parte daqueles homicídios perpetrados contra a
União Patriótica ainda estão impunes, assim como a maioria dos assassinatos de
militantes populares ocorridos nos últimos anos no país. Somente da Marcha
Patriótica – plataforma civil que emergiu a vida pública em abril de 2012 –
foram aniquilados 116 de seus membros. Portanto, sem a garantia de não
repetição – um dos pontos centrais impulsionados pelas insurgências das FARC e
o ELN nas mesas de diálogo – e sem o desmonte definitivo e a condenação efetiva
do paramilitarismo – que ainda se mantêm ativo em grande parte do país e conta
com um apoio considerável de setores desestabilizadores de ultradireita –, não
cabe pensar em que as negociações cheguem a um bom ponto.
No
monumental livro “A violência na Colômbia”, o sociólogo e militante Orlando
Fals Borda caracterizou a história recente de seu país nos termos de “uma
tragédia do povo colombiano desgarrado por uma política nociva de caráter
nacional e regional e desenhada por uma oligarquia[8]
que tem se perpetuado no poder a todo custo, desatando o terror e a violência.
Esta guerra insensata tem sido prolífica em destruir o melhor que temos: o povo
humilde”. A possibilidade concreta que se abriu com as negociações de paz entre
o governo e as insurgências das FARC e do ELN, é um primeiro passo para
conjurar mais de 50 anos de conflito armado em Colômbia. Porém em um país onde
14 milhões de camponeses vivem na pobreza e mais de um milhão de famílias
rurais carecem de terras, onde 6 milhões tem sofrido deslocamentos forçados de
seus territórios e a repressão contra as lutas populares continua, resulta a
ilusão de se falar de “pós-conflito”, como pretender fazer por esses dias da
parte do governo e da mídia hegemônica. Sem erradicar as bases estruturais que
tem dado lugar durante décadas a uma violência social e política endêmica, a
paz resultará mais em uma ânsia que em uma realidade[9].
É
por isso que a participação protagônica do povo colombiano emerge como um ponto
chave para avançar para uma paz com justiça social. Evitar um novo massacre é
uma responsabilidade não somente de todas e todos os colombianos que apostam
por uma vida digna, mas do conjunto dos movimentos e organizações populares do
continente, já que a paz da Colômbia – ainda mais no atual contexto assinado
por intentos de destituição e de restauração conservadora – é a paz da região.
Porque como soube advertir o filósofo Walter Benjamin nos tempos sombrios do
fascismo, se os inimigos da paz triunfam, “nem mesmo nossos mortos estarão a
salvo”.
Texto original em espanhol:
NOTAS:
[1] Leia-se “Rrorrre”, pois no espanhol a
partícula j, assim como o g quando sucedido por e ou i, tem o som de r
aspirado.
[2] Termo usado para designar matadores
de aluguel, geralmente pagos através de dinheiro ou outros bens. Também
conhecidos no Brasil como pistoleiros.
[3] Leia-se “Tchocó”, pois no espanhol,
tal qual em idiomas como o russo, o mongol, o inglês, o chinês e outros, a
partícula ch tem valor de tch.
[4] Federación Sindical Unitaria
Agropecuaria (em português Federação Sindical Unitária Agropecuária).
[5] Unidade administrativa dos países de
língua espanhola, geralmente de caráter municipal.
[6] O mesmo tipo de coisa que aqui no
Brasil está sendo levada a cabo por iniciativas como “Escola sem Partido”,
“Escola Livre” e afins (sobre as quais já falamos em artigo anterior).
Iniciativas essas que contam com o apoio da intelectualidade conservadora do
país, de grandes capitalistas envolvidos na distribuição de material escolar e
de políticos como Marcel Van Hattem (PP-RS), Jair Bolsonaro e seus filhos,
Izalci Dias (PSDB-DF) e outros, os quais justificam essas medidas como uma
forma de combate a uma suposta doutrinação de esquerda (ou como eles comumente
falam, marxista) nas escolas (sendo que esses elementos em realidade querem é a
imposição de sua cartilha reacionária nas escolas).
[7] E essa mesma mídia hegemônica
colombiana, hipocritamente, faz coro à guerra midiática mundial contra a
Venezuela bolivariana, que segundo o presidente Nicolás Maduro é centrada
naquilo que ele chama de eixo Bogotá-Madrid-Miami.
[8] Oligarquia essa que certamente em
nada se difere das oligarquias do resto da América Latina em seu entreguismo em
relação aos países centrais da engrenagem capitalista mundial, em especial os
Estados Unidos. As oligarquias latino-americanas, de modo geral, são entulhos
da Era Colonial que até hoje nunca tiveram seu devido expurgo e que até hoje em
seus respectivos países reproduzem as estruturas advindas dos pactos entre
colônia e metrópole dos tempos coloniais no relacionamento com os países
centrais da engrenagem capitalista mundial, já que vivem e fazem fortuna
através do comércio transoceânico (ou seja, vendem ao exterior matérias primas
de baixo valor agregado [vulgo commodities] e exportam para seus países
produtos industrializados de alto valor agregado). E essas oligarquias tem se
valido de diversos cavalinhos de guerra para perpetuarem seu poder, entre eles
militares golpistas, juízes e jornalistas reacionários, torturadores, entre
outras figuras sombrias. Sua mentalidade é atlantista, no sentido de que ao
mesmo em que seus olhos estão voltados para os Estados Unidos e a Europa (ou
seja, para o mar), está de costas para seu próprio país e a América Latina como
um todo (para o continente profundo).
[9] E uma questão fica: será que o
governo colombiano está, digamos, recuando um passo agora para depois dar dois
passos adiante? Ou seja, está recuando agora para depois apunhalar o que restar
das FARC, do ELN e outros grupos insurgentes pelas costas? Ainda mais levando
em consideração a nova escalada direitista na região (que nada mais é que a
velha luta de classes latino-americana, só que uma roupagem mais moderna)?
Nenhum comentário:
Postar um comentário