sábado, 2 de julho de 2016

Entrevista com Aleksander Dugin sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.


Tradução por Lucas Novaes
- A pergunta principal é "o que vem depois"?
Dugin: A saída do Reino Unido da União Europeia é um evento de enorme importância. Toda a arquitetura do mundo está mudando porque não se trata de apenas um dos países europeus, mas sim de um dos polos da civilização europeia. E se a Inglaterra diz que está fora da Europa, fora da União Europeia, isso significa que o valor da União Europeia muda. A coisa mais importante é que ninguém irá permitir uma Europa sem o Reino Unido. Podemos dizer que isso é o fim de um espaço civilizacional.
- Seria esse evento um reavivamento do calvinismo inglês ou apenas uma série de problemas que eles têm tido ultimamente?
D: A Inglaterra não possui nem os recursos, nem o desejo e nem a habilidade de ter um grande papel. O centro da civilização ocidental foi deslocado para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. O que nós estávamos vendo na Europa nos anos 1970 e 1980, quando o processo de unificação europeia se iniciou, não é uma vontade europeia, é a vontade da civilização do Atlântico, centrada nos Estados Unidos. Os americanos decidiram colocar a União Europeia sob seu controle, e hoje, de fato, eles a rejeitam. E a Inglaterra foi o polo mais leal aos EUA dentro da UE. Se a Inglaterra não é mais parte da UE, a União Europeia Franco-Germânica não é necessária.
- Seria isso um aviso do Reino Unido para a União Europeia e os norte-americanos de que ela quer jogar de acordo com essas regras?
D: As regras do mundo global não podem ser violadas por nenhum estado soberano, especialmente uma Inglaterra que não mais uma grande potência. Na realidade, a capacidade de gerenciar o mundo se encontra apenas nos Estados Unidos. A Inglaterra talvez esteja insatisfeita com certas coisas; é seu negócio privado, um direito soberano. Mas se a elite global do mundo fez um Brexit possível, isso significa que o amanhã poderá ver a França, Alemanha, Itália saindo da União Europeia...
Eu não acho que é possível retornar para os estados nacionais, como era na Europa sob o sistema vestafaliano. Estamos falando de algo diferente. Ninguém irá autorizar a existência de uma Europa na mesma condição em que se encontrava antes do início do processo de integração. Eu acredito que podemos presenciar futuramente processos bastantes assustadores para a Europa, uma verdadeira guerra civil. Na medida em que os britânicos estão fora da UE, mas eles não estão fora da crise da política de migração, que irá continuar a os atacar. Os britânicos não estão fora dos valores ultraliberais.
Em minha opinião, os britânicos não sofreram muito nas mãos da Europa. Sim, eles não gostaram de certas coisas. De fato, a União Europeia sem a Inglaterra é uma União Europeia diferente agora. Se ela seria preservada sem os ingleses, se ela começar a se mover aos verdadeiros interesses da Europa continental, teria uma chance. Mas isso simplesmente não irá acontecer.
- Você concorda que a Itália, por exemplo, não está preparada para tais eventos?
D: Se perguntássemos aos italianos hoje, eles, certamente, iriam sair também. E nós sabemos que a Liga Nortista e o Movimento Cinco Estrelas pedem por isso. Devemos encarar a verdade: a União Europeia está caindo; é o fim da Torre de Babel, baseada na geopolítica atlantista e no sistema liberal de valores.
Você precisa saber quando você deve realizar um referendum. Se você der às pessoas muito poder, elas irão votar pelo que elas querem. Então os britânicos foram capazes de ganhar este referendum e sair. Se neste momento fosse dado ao povo europeu a oportunidade de escolher - os italianos, os alemães, os franceses votariam para sair da União Europeia - Eu acho que isso ocorreria em breve.
- Falando sobre o referendum na Escócia dois anos atrás, ela votou contra sair do Reino Unido, e sua liderança claramente nos indica que um novo referendum sobre sua independência não está tão longe. Isso é possível?
D: Os escoceses possuem algumas inimizades contra os britânicos. Eles sofreram muito do racismo inglês, assim como os outros celtas, os irlandeses, que também estão falando atualmente sobre unificação. Não pode haver um retorno ao nacionalismo inglês. Os escoceses foram a favor da Europa como uma defesa contra os britânicos, que irritaram todos no mundo com sua política imperial Anglo-Saxã. O Reino Unido não está apenas saindo da União Europeia - está desaparecendo da história. Mas a Inglaterra, o destino de Cameron, o destino da Escócia e de uma Irlanda Unida não é a coisa mais importante. Estamos assistindo o fim da Europa, algo que Spengler e nossos eslavófilos disseram. A Europa está caindo no abismo por causa de sua ideologia ultraliberal, e eu acho que a maneira calma de sair dessa situação - dissolver a União Europeia - não irá funcionar.
- As pessoas encaram o colapso de tudo, e elas ainda culpam a Rússia. Novamente nós podemos quem é responsável por isso.
D: É uma grande surpresa, mas eles estão certos, e ao mesmo tempo em que o Brexit, Tashkent está criando um centro alternativo de civilização multipolar - o SCO (Organização para cooperação de Shanghai). Estamos falando de mais da metade do mundo - é a vasta maioria da população e é uma potência nuclear. Índia e Paquistão entraram no SCO, O Irã parcialmente concordou em participar. O que está acontecendo hoje: Brexit e o SCO, que está se tornando uma força importante, são mudanças no centro das civilizações, o centro da ordem mundial está completamente na outra metade do mundo. Essa é uma transição do Ocidente para o mundo eurasiano. É, de fato, nossa celebração. Os fundadores do Eurasianismo disseram: "O Ocidente e o Resto". Brexit é o colapso do ocidente e é uma vitória para a humanidade, que se opõe ao Ocidente e procura seguir seu próprio caminho. E a bandeira da humanidade é a SCO, Rússia, a atual livre, multipolar e soberana Rússia liderada por Putin, e aqueles que estão no Clube Eurasiano.
As pessoas comuns entendem tudo perfeitamente. Elas não podem explicar, mas eu sinto que existe uma profunda assimetria entre as elites políticas e os interesses de pessoas comuns no mundo. As elites impõem suas agendas, e as pessoas querem algo completamente diferente. O povo intuitivamente entende hoje que a Inglaterra foi liberta do ditado da União Europeia, Bruxelas, e amanhã os outros países europeus irão seguir seus caminhos. E não estamos longe do dia em que o povo irá seguir seu próprio destino.
- Existe um provérbio: não existe União Europeia sem o Reino Unido, assim como não existe OTAN sem a Alemanha. Isso é verdade?
D: A Alemanha é um caso muito mais difícil. Eles possuem menos liberdades democráticas e lá existe mais influência da política americana. E se a Inglaterra é uma aliada voluntária dos EUA, a Alemanha foi forçada a se tornar uma, portanto é perigoso falar sobre sua saída da União Europeia. Entretanto, agora existem muitos políticos que são muito populares e que se tornarão ainda mais populares. Isto é alternativa para Alemanha - Frauke Petry, o líder do partido, elogiou os britânicos, que os deram um exemplo da saída. A OTAN é a próxima. Alguns sairão da UE, outros - OTAN, na medida em que o Ocidente perde sua imagem até para si mesmo.
- Esse é o fim?
D: Agora que o ciclo da União Europeia passou do seu meio dia, o pôr do sol começa. Isso não significa que já ocorreu. As pessoas que entendem a tendência estão definitivamente inquietas pela confirmação de que nada de ruim está acontecendo - o problema ainda pode ser resolvido. Mas aqueles que entendem as tendências sabem que aconteceu e já estão pensando nessa base. Para analistas que estão prevendo em uma escala global, a União Europeia está terminada. E o processo é irreversível. Os britânicos não podem votar novamente. O ponto crítico da decadência europeia já passou.
- O que devemos esperar?

D: Os europeus precisam se preparar para revoluções coloridas e a desintegração da União Europeia. Devemos estar preparados para defender nossa atual recuperação e o fortalecimento de nosso polo alternativo global. Não será fácil. Deve ser entendido que o Ocidente é como uma besta agonizando, um dragão ferido que pode nos machucar com sua calda. Então agora nós temos que ficar calmos, confiantes, e determinados a realizar nosso objetivo. Essa é a nossa vitória na batalha, mas não a vitória na guerra. Devemos seguir outro caminho para construir um mundo multipolar e defender nossos interesses, tomando vantagem em quaisquer eventos.

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