Figura 1 – Nesta foto dos anos 1920, podemos
observar uma mulher alemã alimentando um fogão com lenha para a queima de
cédulas desvalorizadas. O problema é que esse processo acaba sendo mais custoso
do que a velocidade da queima pode alcançar para compensá-lo.
Por Marcus Valerio
XR (com adaptações)
Em meio ao
constrangedor festival de imoralidade, hipocrisia e estupidez que nossa classe
política tem demonstrado nos últimos meses, eis que surge um discurso que,
sozinho, quase é capaz de reestabelecer o equilíbrio entre as infindáveis
hordas da miséria intelectual e os poucos luminares que permitem alguma
compreensão da realidade.
Ao proferir seu
voto em 12/05/16, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), expõe a completa
impostura do atual processo parlamentar, inclusive a desonestidade de seu
próprio partido, e dá uma breve mas preciosa aula de história e economia.1 O discurso merece ser visto na íntegra, e
é esclarecedor e poderoso por si próprio tanto para as mentes mais humildes
quanto para as mais exigentes, excetuando aquelas que preferem rejeitá-lo a
priori devido a um compromisso obtuso com os dogmas liberais atuais.
Muitos libertários
e anarcocapitalistas, por exemplo, paralisam a própria cognição ante qualquer
menção do termo ‘neoliberalismo’, convictos de que sua doutrina, ao definir de
forma distinta o conceito, faz desaparecer a realidade por trás da definição de
seus adversários. Como se as políticas de desregulamentação de capitais,
isenção de impostos das grandes fortunas ou privatizações típicas do Consenso
de Washington inexistissem porque o termo aplicado a elas não seria perfeitamente
adequado.2
Mas o que há no
discurso de Requião de mais profundo, preciso, e até mesmo espantoso devido a
ousadia, nem é o que foi mais amplamente exposto, mas sim os poucos comentários
que apenas apontaram para um fato histórico que ele fez por bem em não expor
demais, ou seu discurso já teria entrado no noticiário como algo absolutamente
diferente do que de fato é, tendo seu verdadeiro sentido obscurecido por
completo.
Ao defender que
deveríamos aplicar políticas econômicas anticíclicas ao invés de repetir pela
enésima vez o mesmíssimo veneno neoliberal que destrói as economias de países
inteiros enquanto multiplica a fortuna das oligarquias que o financiam, Requião
lembra discretamente a República de Weimar, citando o economista Hjalmar Schacht,
e até mesmo lembrando que estamos a falar de uma abordagem que adentrou a
Alemanha de Hitler, eliminou em tempo recorde uma depressão econômica
devastadora que a maioria dos brasileiros jamais poderia imaginar, e levou o
país da ruína à condição de maior potência mundial.
Ante isso, a reação
da maioria é travar o raciocínio e invocar os horrores do Nazismo, rejeitando
em bloco tudo o que esteja associado a esse tempo local como inerentemente
maligno e bloqueando maniqueisticamente a possibilidade de entendimento.
Afinal, todos nós estamos a nossa vida inteira sendo doutrinados a fazer isso.
Mas quem se atreve
a pensar em como foi possível um regime ter atingido tamanho poder? Como Hitler
conseguiu a fidelidade irrestrita de praticamente todo o povo alemão disposto a
segui-lo até a morte? O que o Terceiro Reich fez para garantir tamanho apoio
das massas?
O
MILAGRE ECONÔMICO ALEMÃO
Após a Primeira
Grande Guerra, à derrotada Alemanha foi imposta uma dívida em condições
nitidamente insuperáveis, jogando o país numa bancarrota aparentemente
irreversível. Os maiores credores da dívida eram o grande sistema bancário que,
no caso, era quase totalmente judaico, o que deve ser lembrado para mostrar que
o extremismo antissemitismo nazista teve, na realidade, origem na questão da
exploração econômica.
O banqueiro e
político alemão Hjalmar Horace Greeley Schacht3, foi dos
principais responsáveis pela recuperação do país, começando seu trabalho desde
a época da República de Weimar, quando conteve a hiperinflação, e continuando
após ascensão do Nazismo, a convite do próprio Hitler, combatendo o desemprego
e gerando desenvolvimento em infraestrutura. Apenas quando a Alemanha passou a
concentrar seus esforços no sentido bélico, Schacht, que era contrário aos
planos expansionistas e militares nazistas, foi colocado em funções secundárias
desvinculadas da economia. Até se opor ao regime nazista inclusive apoiando
esforços de derrubar Hitler.
E como a Alemanha
conseguiu, em cerca de uma década, reerguer um país devastado pela guerra, com
dívidas astronômicas impagáveis e onde o dinheiro estava tão desvalorizado que
mais valia queimá-lo para obter fogo do que comprar combustível? Como superou
uma inflação que, diferente de nossos planos econômicos do final do século
passado que costumavam cortar 3 zeros, exigiu dos alemães que cortassem de uma
só vez 12 zeros?! Sim! Pois a moeda introduzida por Schacht, o Retenmark,
equivalia a 1 TRILHÃO de marcos!4
Por melhores que
sejam as respostas que vemos em artigos diversos5 sobre
o tema, podemos destacá-las de uma forma simples: as abordagens econômicas
alemãs minimizaram drasticamente o elemento financeiro rentista parasitário!
Invés de trabalhar ao quadrado para pagar taxas de juros arbitrárias, infinitas
e injustificáveis, todo o esforço de recuperação alemão foi unicamente
concentrado na restruturação da economia interna, emitindo moeda própria
controlada diretamente pelo Banco Central alemão, minimizando os vínculos
diretos com o sistema financeiro externo, o que lhes permitiu pouca
vulnerabilidade à Crise Global de 1929, e fornecendo crédito a ser pago de
forma concreta pelo, e para o próprio país.
Os empreendedores e
a população em geral podiam solicitar empréstimos sem juros ao banco estatal
que depois deveriam ser pagos na forma de incentivos à economia do país, como
gerar mais empregos, investir na infraestrutura, fornecer materiais e mão de
obra mais baratos para outros setores etc. Invés de simplesmente enviar quase
todo o excedente de produção para exponenciar as fortunas privadas dos vampiros
financistas, que é o que faz boa parte do mundo há mais de um século.
CORTANDO
O PARASITA
Pode ser estranho
imaginar algo tão fora da uma realidade na qual nascemos e pela qual somos
bombardeados desde o berço de forma onipresente por todo nosso universo
econômico circundante. Mas a verdade é que uma vez removidos os parasitas
usurários do sistema financeiro, o crescimento econômico é relativamente simples,
capaz de prodígios que nada seriam impressionantes não fosse o fato de serem
sistematicamente ocultados, negligenciados e demonizados pela quase totalidade
das forças de mídia e formação cultural que nos afligem.
Foi assim que em
grau menor, a Rússia saiu de uma condição agrária atrasada a potência espacial
e nuclear soviética em poucas décadas, que Cuba, mesmo isolada e embargada numa
ilha, criou um dos melhores sistemas de saúde do mundo e a China está se
tornando a maior potência do planeta. Coisas similares ocorreram em escala mais
modesta no Irã, Síria, Venezuela, Islândia e outros exemplos, que, não por
outro motivo, são constantemente ignorados ou pichados como infernos pela
grande mídia e nossos pequenos liberalóides doutrinados por máquinas de lavagem
cerebral financiados desde oligarquias bilionárias dos EUA.
Não que tais
exemplos não tenham seus problemas, muitos deles seríssimos, ou nos sirvam
exatamente de modelo. Mas o motivo primordial pelo fato de estarmos acostumados
a não vê-los, ou vê-los pelo pior prisma possível é o fato de serem a prova
viva de que é possível, e até mais adequado, prover crescimento econômico e
desenvolvimento para um mais amplo espectro da população invés de priorizar à
ganância bancária e a monstruosa máquina de criação ex-nihilo de dinheiro
virtual para enriquecimento exclusivo da elite plutocrática.
Imaginemos, por
exemplo, o que aconteceria se de repente deixássemos por completo de pagar a
Dívida Pública, que consome praticamente metade do dinheiro de nossos impostos.
De uma hora para a outra todos os preços cairiam ao mesmo tempo que todos os
salários aumentariam sensivelmente. Todos os setores produtivos seriam
remunerados e o dinheiro circularia de forma a incentivar ainda mais o consumo
e produção.
Mas a questão que
evidentemente surge é, qual seria o prejuízo da supressão de tal dívida?
DA
PROTEÇÃO À EXTORSÃO
Outrora bancos guardavam metais ou pedras preciosas protegendo-as de
ladrões e cobrando pelo serviço de proteção. Posteriormente passaram e
emprestar valores que não eram seus, num contrato de risco e confiança que
contava com a não insolvência de uma possível corrida bancária (o saque súbito
de grande parte de seus valores por seus proprietários) e cobrando uma taxa de
juros que poderia ser vagamente justificada por esse risco em si.6
Depois passaram a imprimir papel moeda, e já é estranho um sistema que
emite cédulas que apenas ‘podem’ estar realmente embasadas em valores reais,
elevando os processos inflacionários a níveis antes historicamente impensáveis.
Mas ainda mais bizarro é o Sistema de Reservas Fracionadas, que permite que os
bancos emprestem valores várias vezes superiores ao que de fato possuem em
lastro. Ou seja, além de emprestarem um dinheiro que não é deles, ainda
“emprestam” um dinheiro cujo lastro na realidade não existe, e hoje sequer
precisando imprimir cédulas, visto que a única coisa necessária a fazer é
digitar valores no sistema informático, imediatamente, na prática, apenas
autorizando trocas de valores virtuais que posteriormente exigirão trabalho
real de quem realmente sustenta a economia do mundo, que são os trabalhadores.
São estes que em última instância irão trabalhar a mais para pagar as
arbitrárias taxas de juros, pois alguém tem que produzir posteriormente as
riquezas correspondentes os valores que foram literalmente inventados pela
Reserva Fracionada, que são pagas não para quem produziu, mas para quem
“emprestou um dinheiro que não existia” e que controla o sistema de emissão de
moeda, mas que nada produz!
Mas esses setores financeiros usurários hoje controlam praticamente todo
o sistema produtivo e político, e somente por isso aplicar-lhes um calote da
dívida se torna realmente arriscado, devido a seu poder de retaliar de forma
severa qualquer país que se atreva a não se submeter a essa exploração.
De protetor contra a ameaça dos ladrões, o sistema bancário se tornou
como a máfia que cobra taxas de proteção, extorquindo toda a humanidade por
meio de um sistema que já escravizou a quase totalidade da economia.
Por isso o exemplo dos países que aplicaram medidas anticíclicas,
especialmente daqueles que outrora romperam quase por completo com o sistema
financeiro, é um tema praticamente tabu, pois eles nos lembram que não só é
possível escapar dessa macro exploração, como ela pode ser totalmente
dispensada com absoluto ganho para a totalidade da humanidade exceto a ínfima
fração que controla e se beneficia desse sistema.
O "MILAGRE" DESLAVADO
Analogamente,
lembremos que a sociedade demanda serviços e produtos que evidentemente exigem
a força de trabalho e organização administrativa, sendo a primeira a que
emprega a grande maioria da humanidade, e a segunda os postos de liderança e
controle burocrático. Mas estes últimos podem ser perfeitamente estatais, visto
que há inúmeros casos de empresas completamente públicas produzindo
eficazmente, bem como também de empresas cooperativas que não possuem a figura
dos proprietários exclusivos cuja principal característica é se apropriar dos
lucros.
Ou seja, enquanto
os trabalhadores são absolutamente vitais para qualquer tipo de empreendimento,
os administradores podem ser públicos ou cooperados, o que significa que a
figura do proprietário dos meios produtivos é perfeitamente opcional, na melhor
das hipóteses, se não dispensável, e praticamente toda a ode liberal pode ser
resumida a um discurso infindável para nos convencer da absolutamente
necessidade e infinita vantagem dessa contingência questionável, tratando-a com
tamanha reverência e falsa importância que chega ao ponto de obscurecer por
completo o que há de mais importante, que é a base trabalhista.
A necessidade de um
sistema que vai ainda mais além na dispensabilidade, as elites financistas que
vivem da criação de um dinheiro inventado de forma arbitrária e abusiva, é na
verdade não apenas opcional, mas também claramente nociva! Um sistema
parasitário cuja eliminação resulta num resultado tão benéfico que parece um
milagre!
Estamos tão imersos
na fraude, na mentira e na sistemática corrupção da realidade que as coisas mais
simples soam como se fossem graças divinas. Quer seja um discurso que
literalmente diz apenas o óbvio, mas que em meio ao lamaçal de patifaria e
ignorância de nosso congresso brilha como a mais bela das revelações, ou num
sistema econômico tão corrupto, alienado e hipócrita que a simples eliminação
dos falsários que o controlam parece por si só miraculosa (milagre esse ao qual
não podemos ficar apenas esperando.)
MARCUS VALERIO XR
Referências
1 – Roberto Requião declara seu voto
contrário ao Impeachment da Presidente Dilma. O assunto em si é iniciado aos 38
segundos. E há também uma intervenção de Renan Calheiros totalmente dispensável
e que foi devidamente ignorada pelo senador Requião. Já no vídeo
Francamente, é o Brasil que está em jogo, Requião sintetiza o assunto que fora antes tratado em quase 14 minutos para menos de 4, no entanto, subtraindo as referências ao Milagre Econômico Germânico.
Francamente, é o Brasil que está em jogo, Requião sintetiza o assunto que fora antes tratado em quase 14 minutos para menos de 4, no entanto, subtraindo as referências ao Milagre Econômico Germânico.
2 – Alguns exemplos
de argumento liberal de “não existe neoliberalismo” podem ser vistos em Você
usa o termo neoliberal? Apenas pare., que como o próprio título sugere tem um teor
jovial, para não dizer adolescente, apesar de apresentar informações
interessantes dentre os típicos sofismas liberais. Já O conceito de neoliberalismo faz uma abordagem mais séria e sucinta,
advogando que melhor seria usar o termo ‘neointervencionismo’, o que de fato
seria totalmente acertado a não ser pelo fato que liberalismo algum existe no
sentido verdadeiramente preciso do termo! Ao menos não no terceiro planeta por
ordem de afastamento da estrela amarela de quarta grandeza conhecida como Sol.
Mas se você tiver estômago para experimentar o baixíssimo nível predominante do
discurso libertário / anarcocapitalista tente assistir ao vídeo O
Que É Neoliberalismo de um sempre péssimo canal liberalóide.
De qualquer modo, todas
essas argumentações podem ser resumidas num sofisma que confunde a precisão do
termo com o objeto em si, como se o fato de ‘vampiros’ no sentido tradicional
serem entidades lendárias fizessem o assassino serial conhecido como ‘Vampiro
de Niterói’ não existir! É fato que muitos dos que usam o termo
‘neoliberalismo’ realmente tem vaga ideia do que se trata, mas isso se aplica a
literalmente todos os conceitos teóricos! É até comum os próprios críticos do
neoliberalismo admitirem que no fundo ele nada tem de ‘novo’ e muito menos de
‘liberal’, mas isso também se aplica a praticamente tudo o que se rotula de
‘liberal’ na atualidade, compondo uma massiva fraude conceitual. Para um texto
curtíssimo de alguém que realmente entende e destrincha o histórico do
conceito, e se considera um liberal no sentido clássico, veja
Um Breve História do Neoliberalismo.
Um Breve História do Neoliberalismo.
3 – Dado fornecido
em The
Worst Hyperinflations in History: Hungary, apesar de tratar majoritariamente
da Hungria.
4 – Artigo
Wikipedia sobre Hjalmar Horace Greeley Schacht.
5 – Em Uma
Interpretação do Primeiro Milagre Econômico Alemão temos uma descrição bastante
detalhada do assunto, com um viés mais crítico.
Já Como Hitler Enfrentou o Desemprego há uma abordagem mais favorável ao modelos econômico do Terceiro Reich.
Já Como Hitler Enfrentou o Desemprego há uma abordagem mais favorável ao modelos econômico do Terceiro Reich.
Muita da
dificuldade de lidar com este tema deriva também do fato de outros responsáveis
pela recuperação e expansão econômica da Alemanha em plena retração da economia
mundial são figuras muito mais controversas, como Hermann
Goring, que foi ministro da economia do Reich, e foi condenado a morte no
julgamento de Nuremberg devido a seu envolvimento com o holocausto. Ou o
secretário de estado
Fritz Reinhardt, que inclusive deu seu nome a um dos planos econômicos, e embora não tenha qualquer envolvimento mais direto com crimes de guerra, é frequentemente confundido com Reinhard Heydrich, este sim um dos mais temidos nazistas e um dos principais responsáveis pelo holocausto.
Fritz Reinhardt, que inclusive deu seu nome a um dos planos econômicos, e embora não tenha qualquer envolvimento mais direto com crimes de guerra, é frequentemente confundido com Reinhard Heydrich, este sim um dos mais temidos nazistas e um dos principais responsáveis pelo holocausto.
6 – Descrevi melhor
esse tema num post em 8 de
junho de 2015, também disponível nos periódicos de JUNHO DE 2015 em meu site.
Nenhum comentário:
Postar um comentário