Figura 1 - Integrantes do grupo 'Panteras Negras" em
protesto na capital americana contra a proibição do livre porte de armas.
Por Lucas Novaes
Um
dos debates políticos reacendidos nos últimos anos está relacionado à questão
da legalização do porte e posse de armas para cidadãos “comuns” (isto é,
aqueles que não as utilizam como ferramenta essencial para a realização do seu
trabalho). Afinal, deveríamos ter acesso às armas de fogo ou elas devem ser
monopólio das forças do estado? Essa questão tem sido levantada por alguns
parlamentares, gerando a mobilização de certos setores do congresso brasileiro.
Nas eleições presidenciais de 2014, apenas dois dos candidatos declararam-se a
favor do direito ao porte de armas. Foram eles Levy Fidelix (do Partido
Renovador Trabalhista Brasileiro) e Rui Costa Pimenta (do Partido da Causa
Operária): dois nomes diametralmente opostos no espectro político (um de direita
e o outro de esquerda).
O
reavivamento dessa discussão vem com o intuito de fazer “justiça” ao chamado “referendo
sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições” ocorrido em
2005, no qual mais de 59 milhões de brasileiros manifestaram sua rejeição ao
impedimento na comercialização, mas que na prática, não tiveram seus desejos
atendidos. O referendo mobilizou diversos partidos políticos e grupos
midiáticos e colocou, de um lado, partidos como o PT e o PSDB, a Rede Globo e,
do outro, o PSTU e colunistas da Revista Veja, tais como Reinaldo Azevedo e
Diogo Mainardi. Percebe-se, portanto, que não há uma posição previsível se
formos nos pautar na auto intitulação dentro do espectro político tradicional,
especialmente se formos compará-la com temas muito mais polarizados como é o
caso da legalização do aborto e do casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.
Na
situação política atual do Brasil, não há como negar que os parlamentares mais atuantes
na defesa do armamento civil são parte da nossa chamada “direita”. Mas essa
direita não é a oposição tradicional ao Partido dos Trabalhadores, representeada
pelos tucanos mais populares do PSDB e grandes setores midiáticos. Os
parlamentares favoráveis à legalização estão no campo mais “radical”, ligados a
Bancada da Bala (família Bolsonaro sendo seu maior expoente) e ruralistas que
desejam ter o porte de armas legalizado pelo estado para que possam atacar os
movimentos sociais dos sem-terra quando estes invadirem suas terras.
Figura 2 - Típica propaganda direitista contra o desarmamento.
O
desprezo, tanto dos intelectuais de esquerda como da grande mídia monopolista,
pela ideia de pessoas comuns pegando em armas é uma característica cultural do
liberalismo pacifista que acredita que um governo moderado é capaz de suprir as
necessidades do povo e, por questão de ordem, deve possuir o monopólio da
força. Esse pensamento de parte significativa da esquerda é até compreensível
considerando que a narrativa dos pró-armamentistas mais famosos está recheada
de ideias que visam o “fortalecimento do cidadão de bem contra os bandidos
vagabundos”. Nos Estados Unidos, por exemplo, os republicanos (representantes
do conservadorismo nos EUA) são os maiores promotores do armamento de sua
população e, ao mesmo tempo, também defendem ideais econômicas elitistas
desejadas pelas grandes empresas. A posse de armas nos EUA está bastante
concentrada dentro de uma demografia limitada da população norte-americana:
homens brancos conservadores. Os brancos de esquerda não possuem grande
interesse no armamento pois são moderados e confiam no estado. As minorias
étnicas, por sua vez, possuem maiores dificuldades em ter acesso às armas por
fatores econômicos e sociais. Presenciando essa situação, os democratas
(esquerda americana), ao invés de usufruir de sua influência no país para armar
outros grupos demográficos (mulheres, negros, latinos, pobres etc.) acaba por
defender uma maior regulação, não sendo muito diferente da esquerda europeia
nesse sentido (e a esquerda brasileira principal age da mesma forma que seus
mentores ideológicos ocidentais). Esse é um dos poucos conflitos eleitorais e
judiciais onde os republicanos se posicionam na contramão das grandes
corporações.
Essa
narrativa conservadora em favor do armamento do “cidadão de bem contra os
bandidos” é apenas uma das formas de enxergar a discussão da posse de armas.
Uma outra forma de vê-la, desta vez sob um prisma esquerdista, é realizar reflexões
com base na seguinte questão: você confia no estado burguês e capitalista o
monopólio do uso da força? Somos cientes quanto ao fato de que não estamos
vivendo sob um regime socialista e igualitário. Nossos governantes servem aos
interesses das elites nacionais e, principalmente, internacionais. Nenhuma
delas deseja ver massas trabalhadoras revoltadas e armadas para lutar contra a
submissão de seu próprio país aos preceitos do imperialismo. Quanto mais
enfraquecido e impotente é o povo, melhor para a ordem capitalista vigente. É
exatamente por causa desse fato que existe um raro momento de concordância
ideológica entre os principais representantes do nosso governo, da nossa
oposição e da nossa mídia corporativa. Todos eles foram cooptados para agir
dentro dos limites impostos pela democracia liberal.
Mas
nem todos na esquerda concordam com esse consentimento. A citação abaixo
(disponível no site oficial do partido) demonstra o PSTU em um de seus pouco
frequentes momentos de lucidez:
“Não se trata aqui de defender a indefensável
“bancada da bala” ou a indústria do armamento. Mas trata-se de entrar a fundo
no debate de quais devem ser as posições da esquerda diante desta polêmica.
Questionemos o seguinte: A violência deve ser um monopólio e um privilégio do
Estado opressor?
Os jagunços e
pistoleiros que matam indígenas usam armas legalizadas? Os grupos de
extermínio, muitas vezes compostos por policiais, usam armas legalizadas? As
chacinas contra os oprimidos são feitas com armas registradas? A legalidade ou
não do porte de armas pode impedir ou sequer dificultar tais chacinas? A
resposta é negativa.
Diante disto
perguntamos: Os trabalhadores e oprimidos têm ou não o direito à autodefesa? Os
Panteras Negras tinham ou não o direito à sua autodefesa diante da Ku Klux
Klan? Ou deveríamos dizer que não, que deviam confiar no Estado e na polícia
racista norte-americano? Os negros têm sim o direito à sua auto-organização e
autodefesa contra os ataques racistas.
”
O
Partido da Causa Operária é outro que demonstra uma visão “alternativa” sobre o
assunto:
Figura 3 - Na contramão da esquerda moderada e pacifista, Rui
Costa Pimenta defende o armamento do povo
CONCLUSÃO:
A
defesa de uma política de armamento da população que só beneficie uma parcela
restrita do povo é uma característica da direita neoconservadora. Do contrário, é uma característica populista
e revolucionária.
REFERÊNCIAS:
http://causaoperaria.org.br/filie-se-ao-pco-o-partido-que-defende-o-armamento-do-povo/
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/08/rui-pimenta-defende-populacao-armada-para-combater-o-crime.html
http://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/04/28/2005-BRASILEIROS-ESCOLHEM-O-NAO-NO-REFERENDO-DO-DESARMAMENTO.htm
http://spotniks.com/as-7-vezes-que-voce-nao-teve-vergonha-de-concordar-com-o-pco/
http://www.pstu.org.br/node/21771
https://www.thetrace.org/2015/11/gun-control-race-history-saul-cornell/
Muito interessante essa abordagem. Eu mesmo não sabia desse posicionamento do PSTU e do PCO. E senti aqui um espírito parecido com o do longo texto que escrevi sobre o assunto na época do Referendo, há mais de 10 anos.
ResponderExcluirhttp://www.xr.pro.br/Ensaios/Tiro.html