quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Freeza e Rei Vegeta, parte IX

 

Foto – Freeza e Rei Vegeta III (episódio 78 de Dragon Ball Z).

E com vocês, depois de um grande hiato, trago a nona parte da série de artigos Freeza e Rei Vegeta, iniciada no ano retrasado. Só que dessa vez, ao invés de tratar sobre questões relativas aos povos indígenas das Américas como nos artigos anteriores, no presente artigo irei falar a respeito da escalada de tensões no Oriente Médio entre Israel e Palestina. Um problema que se arrasta desde a criação do Estado de Israel, em 1948, e a nakba (tragédia) da população palestina que fez com que muitos árabes palestinos fossem expulsos de suas terras e deslocados para países vizinhos como Síria, Egito, Jordânia e Líbano.

Nos últimos dias, a situação na Palestina vem passando por uma escalada de tensões por conta de ataques do grupo Hamas à Israel no dia sete de outubro do presente ano. Como não poderia deixar de ser, esse ataque ensejou uma declaração de guerra da parte do premiê de Israel, Benjamin Netanyahu.

Ao que tudo indica, trata-se de uma operação de false flag da parte dos israelenses, talvez até uma armadilha preparada pela própria inteligência israelense na qual os atacantes no fim das contas ajudaram a armar a arapuca que depois será usada para apanhá-los. Um ataque do qual até se tinha conhecimento prévio e do qual nada foi feito para impedi-lo, com vistas a eventuais ganhos e dividendos da parte de Netanyahu e as forças políticas a ele ligadas com vistas a justificar, por exemplo, anexações de mais territórios por parte de Israel e estabelecimentos de colônias judaicas em terras palestinas. Tudo o que ele precisava para sair do lamaçal no qual se debatia e posar perante a população como o salvador da pátria. Mas este não é o ponto sobre o qual pretendo discorrer no presente artigo.

O que mais me chama a atenção a respeito de toda a repercussão do recente ocorrido no Oriente Médio é a maneira como muitas pessoas olham a questão do terrorismo, quando chamam grupos como o Hamas e outros afins de terroristas. Em especial os grupos e políticos da direita neocon brasileira, os quais se aproveitaram da situação para querer vincular Lula ao Hamas, principalmente depois que o petista se manifestou a respeito dos ataques com as seguintes palavras: “Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, ele disse. Lula também endossou que para a solução do conflito deve ser buscada uma solução na qual “garanta a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados”.

Entre esses políticos, Eduardo Bolsonaro, o 03 (vulgo Dudu Bananinha), lembrou o fato de que o Hamas felicitou Lula pela vitória nas eleições presidencial do ano passado. Sendo que o político pernambucano também recebeu felicitações de muitos outros políticos e chefes de Estado, entre eles o francês Emmanuel Macron, a italiana Giorgia Meloni, o inglês Riši Sunak, o alemão Olaf Scholtz, o estadunidense Joe Biden, o russo Vladimir Putin, o ucraniano Volodymyr Zelenskij, o português Antônio Costa, o canadense Justin Trudeau, o mexicano Andrés Manuel Lopes Obrador, o húngaro Viktor Órban, o chinês Xi Jinping, entre tantos outros.

Também é digno de nota o bate-boca recente entre Lindbergh Farias (PT – RJ) e Carla Zambelli (PL – SP), na qual a antiga membra do Femen acusa o petista de não responder se o Hamas é ou não é terrorista e de complacência de setores da esquerda brasileiro com o terrorismo de grupos islâmicos como o Hamas.

Nikolas Ferreira também postou vídeo sobre os últimos ocorridos, no qual do alto da demagogia tão típica de elementos como ele acusa a esquerda brasileira como um todo de ser cúmplice do terrorismo do Hamas.

E de cereja do bolo, o pronunciamento do ex-presidente Bolsonaro em marcha contra o aborto em Belo Horizonte, com as seguintes palavras: “Quando se fala de terroristas, nós nos lembramos do que aconteceu no dia de ontem em Israel. Lá sim, não aconteceu uma tentativa de golpe de Estado, mas um ataque terrorista patrocinado pelo Hamas, que são aliados do PT e de Lula aqui no Brasil”. No X (antigo Twitter), o ex-presidente também se lembrou dos elogios do Hamas a Lula após a vitória dele no pleito eleitoral do ano passado ser anunciada.

Pelo que eu estou vendo, esse pessoal da direita que tanto fala em terrorismo do Hamas e palavras de ordens afins não sabe que antes da criação do Estado de Israel em 1948 os sionistas também se organizaram em grupos de guerrilha e luta armada tais como o Haganah, o Irgun, o Palmach, o Lehi (grupo esse que chegou a propor uma aliança militar com o Terceiro Reich) e o Stern. Em outras palavras, Israel é um Estado que foi fundado sob o signo do terrorismo.

Um dos poucos que vi falar sobre os dias de terroristas dos sionistas foi o dono da página História Islâmica, Mansur Peixoto. O qual postou a seguinte mensagem na comunidade de sua página no You Tube:

“Quem introduziu e disseminou no Oriente Médio o conceito da guerra urbana via atentados terroristas e mesmo grupos terroristas foi a própria vanguarda sionista. Organizações terroristas sionistas como o Irgun, Lehi, Haganah e o Palmach, visando pressionar as autoridades britânicas para que não mediassem mais a vinda de imigrantes judeus europeus, bem como para aterrorizar árabes palestinos a fugirem, fizeram dezenas de atentados e massacres em todo território do Mandato Britânico da Palestina após a tomada do território otomano na Primeira Guerra Mundial, atiçando ainda mais a revolta árabe com a crescente presença sionista na região. Inúmeros soldados e oficiais britânicos, membros das Nações Unidas, combatentes e civis árabes foram vítimas dessas ações terroristas sanguinárias.

Após a criação do Estado de Israel em 1948, diversas lideranças desses grupos terroristas passaram a formar a chefia do governo israelense, podendo agora dar continuidade aos massacres de árabes e tomada de território palestino sem a condenação pública por terrorismo, já que este fora transferido para a autoridade estatal sionista, reconhecida e apoiada internacionalmente, e claro, sob o pretexto de combater o Hamas (grupo militante originalmente criado por Israel para minar o poder de Yasser Arafat, e terem uma justificativa para continuas ''retaliações'' coordenadas). Talvez o exemplo mais famoso desta transformação de "terroristas em políticos oficiais'' seja o caso de Ytzhak Shamir, antigo líder do grupo Lehí, responsável não só pela morte de centenas de árabes em ataques terroristas, como também de membros da ONU, que após a criação do Estado de Israel se tornou Primeiro Ministro”.

Foto – Em cima: treinamento de radicais do grupo Irgun em 1947 (esquerda), escombros do Hotel King David após o atentado que ceifou a vida de 91 pessoas em 1946 (direita). Abaixo: oficiais britânicos enforcados por militantes do Irgun. Créditos: Comunidade da Página História Islâmica no You Tube.

E o que eu quero é aqui é isso, lembrar às pessoas que os sionistas que hoje se queixam do terrorismo do Hamas também tiveram os dias de terroristas deles.

Em 2018 postei aqui mesmo alguns textos que eu mesmo traduzi do inglês e do espanhol a respeito desse assunto, textos não apenas sobre o passado dos sionistas e das primeiras lideranças do Estado de Israel como membros de grupos terroristas paramilitares, como também sobre o histórico de conchavos e colaboração dos sionistas desde os tempos de Theodor Herzl com a fina flor do antissemitismo europeu. Do caso Dreyfuss na França e dos pogroms da Rússia Imperial tardia aos nazistas (e até mesmo um pouco mais além). Textos estes publicados dentro do contexto da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.

Voltemos a Bolsonaro pai. Nos idos de 2009 e 2010, Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ), então o deputado federal do baixo clero que ele durante muito tempo foi, disse em pronunciamentos que Dilma Rousseff, à época candidata petista para a Presidência da República, não poderia se tornar Presidente da República por conta do passado dela como membra de grupos de guerrilha e luta armada no período do regime civil-militar brasileiro (1964 – 1985), entre eles o Colina e o VAR-Palmares. Até chegou a fazer uma leitura da ficha corrida dela em um desses pronunciamentos. 

Uma ficha que inclui atos tais como o assalto à residência de Adhemar de Barros (então governador de São Paulo) e assassinatos em decorrência de ações armadas como o do oficial do exército brasileiro Mário Kozel Filho e o do capitão norte-americano Charles Rodney Chandler, ambos ocorridos em 1968.

Não só ela, como também muitos outros futuros membros do Partido dos Trabalhadores participaram de tais grupos à época, entre eles José Dirceu, Franklin Martins, Carlos Minc, Diógenes de Oliveira e José Genoíno, e até fizeram treinamento de guerrilha em Cuba. Grupos esses que estiveram envolvidos em sequestros de embaixadores, assassinatos de militares estrangeiros (como foi o caso do major alemão Edward von Westernhagen, assassinado em 1968 pelo grupo COLINA depois de ter sido confundido com Gary Prado, o responsável pela captura e morte de Che Guevara na Bolívia um ano antes), assaltos a bancos para financiar grupos armados e outros. Além de terem participado de episódios como a Guerrilha do Araguaia.

Nessa mesma época, Bolsonaro também se posicionou a favor da extradição (a qual veio a se concretizar anos mais tarde, em 2019) de Cesare Battisti, membro do grupo armado italiano PAC (Proletários Armados pelo Comunismo) nos anos 1970 que depois de passagens pela França e pelo México recebeu asilo político no Brasil em 2009 por decisão do então ministro da justiça Tarso Genro, de volta à Itália com uma retórica bem similar, batendo na tecla do passado dele nos anos de chumbo da história da Itália (nos quais também atuavam grupos de extrema direita egressos do fascismo tais como o Terza Posizione, o Ordine Nuovo e a Vanguarda Nacional) e os quatro crimes imputados a ele (os quais ele veio a admitir depois de ser enfim preso e extraditado).

Como nós sabemos muito bem, Bolsonaro é um notório apoiador do Estado de Israel, e no tempo de baixo clero dele periodicamente tecia críticas à política externa dos governos petistas por conta dos relacionamentos destes com países como Cuba, Venezuela, Bolívia, Líbia, Irã e outros (sendo que nos governos petistas o Brasil nunca deixou de se relacionar com as democracias ocidentais, como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Alemanha e outras. E que estas nunca tiveram o menor pudor em se relacionar com as mais abjetas ditaduras e regimes repressivos mundo afora, tais como o Zaire de Mobutu, o Haiti da Dinastia Duvalier, as Filipinas de Ferdinando Marcos, a África do Sul no tempo do apartheid e o Irã do xá Reza Pahlevi). Há uma foto de dois dos filhos dele, Carlos e Eduardo (vulgo 02 e 03), andando pelas ruas de Jerusalém com camisas do Mossad e da IDF.

Foto – 02 e 03 nas ruas de Jerusalém com camisas do Mossad e da IDF.

Depois que Dilma tornou-se Presidente da República, em 2014 a política gaúcha condenou as ações de Israel na Faixa de Gaza após mais uma crise na conturbada região, lá estava Jair Messias Bolsonaro para escrever e enviar uma nota para o então embaixador de Israel no Brasil em 25 de julho do mesmo ano. Na nota em questão, Bolsonaro prestou solidariedade e apoio moral a Israel e comparou a luta que Israel vem travando com o Hamas (grupo esse que na verdade foi uma criação do próprio Estado de Israel, como forma de criar uma oposição controlada pelo sistema e ao mesmo tempo criar dentro dos palestinos um contraponto a Yasser Arafat – uma estratégia similar a que a ditadura civil-militar brasileira, na figura do general Golbery do Couto e Silva, teria usado em seu ocaso para conter Brizola dentro da esquerda ao promover e criar a figura de Lula) com a luta que o regime civil-militar em seu apogeu travou contra grupos guerrilheiros de esquerda. E pede desculpas ao povo israelense por aquilo que classificou como “manifestação destrambelhada, inoportuna, hipócrita e covarde manifestação do Governo Brasileiro”.

Foto – Carta de Bolsonaro ao então embaixador de Israel. 25 de julho de 2014.

Ainda em 2014, mais precisamente em 15 de julho, Bolsonaro teve um breve bate-boca com a deputada Jandira Feghali (PCdoB – RJ) a respeito da questão Israel x Palestina. A esquerdista manifestou-se contrária às políticas de Israel, ao lado de outros deputados com pequenos cartazes escritos “Palestina Livre”, quando eis que foi cortada por Jair Bolsonaro com gritos de ordem como “abaixo o terrorismo na Palestina” e “chega de terrorismo”.

Dois anos depois disso, o mesmo Bolsonaro dedicou seu voto favorável ao impeachment de Dilma em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da ditadura civil-militar finado um ano antes disso. Também em 2016 Bolsonaro foi batizado pelo Pastor Everaldo no Rio Jordão, quando o processo de impeachment de Dilma ainda corria no senado.

E o mais curioso de todo é que o mesmo Bolsonaro não aplica essa mesma lógica para com os primeiros líderes de Israel. Pois pela lógica que Bolsonaro aplicou para com Dilma antes da petista tornar-se Presidente da República, figuras como Menachem Begin, Ariel Šaron e Itzhak Šamir, os quais foram membros de grupos como o Lehi e o Irgun, também não deveriam ter sido premiês de Israel (sendo que aquilo que Mansur Peixoto classifica como “transformação de terroristas em políticos oficiais” em Israel se deu inclusive antes mesmo da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1979). Dois e pesos e duas medidas? Cherry picking? Ou será que no fundo toda essa verborragia da parte de Bolsonaro e companhia limitada esconde o fato de que eles na verdade têm os terroristas de estimação deles? Em outras palavras, aqueles que, na visão deles, são os terroristas do bem. Os terroristas que, ao que tudo indica, não vêm ao caso para eles.

Que fique bem claro uma coisa: ao falar sobre os dias de terroristas dos sionistas não estou aqui para justificar nada do que o Hamas faz ou deixa de fazer. Atentados, matanças, nada disso. Não é esse o meu propósito, passa bem longe disso. E sim mostrar a hipocrisia (com uma pitada de cherry picking) da direita neocon brasileira (em especial Bolsonaro e seu clã mafioso) na questão do terrorismo. Por que eles se mostram uns leões quando falam não apenas do Hamas e do Hezbollah, como também dos grupos de luta armada no tempo da ditadura civil-militar brasileira como os já citados Colina e VAR-Palmares, do Cesare Battisti (hoje preso na Sardenha) e sua participação no PAC durante os anos de chumbo da Itália, do alemão Baader-Meinhof, das Farc na Colômbia, do Exército Zapatista de Libertação Nacional no México e outros similares, mas ao mesmo tempo se calam não só sobre Irgun, Stern, Haganah, Palmach e Lehi na Palestina sob o mandato colonial britânico, como também sobre Patria y Libertad no Chile durante o governo Allende (1970 – 1973), Triple A na Argentina pré-golpe de 1976, os grupos de extrema direita atuantes na Itália e na Alemanha nos anos 1970 e 1980, Batalhão Azov e Setor de Direita (cuja bandeira apareceu em manifestações pró-Bolsonaro no Brasil) na Ucrânia atual, os perpetradores do fracassado atentado do Riocentro em 1981 (um dos muitos episódios de terrorismo de extrema direita no Brasil entre 1964 a 1985), entre tantos outros que podem ser listados.

Aliás, o próprio Bolsonaro, à época paraquedista do Exército, chegou a elaborar um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio de Janeiro em reinvindicação por melhores salários para sua tropa. Ele até enviou uma cópia do plano do atentado à revista Veja um ano depois à revelia de seus superiores (letra essa que segundo laudo da Polícia Federal é do próprio Bolsonaro). Por conta disso foi afastado e exonerado do Exército. Em decorrência dessa brincadeira, Bolsonaro foi preso por 15 dias.

Foto – Cereja do bolo: o plano do atentado de 1986, segundo a revista Veja.

Fontes:

Bolsonaro diz que Hamas é aliado de Lula e do PT. Disponível em: Bolsonaro e mídia ligam Lula e PT ao Hamas - Eduardo Guimarães - Brasil 247

Bolsonaro e mídia ligam o PT ao Hamas. Disponível em: Bolsonaro e mídia ligam Lula e PT ao Hamas - Eduardo Guimarães - Brasil 247

Bolsonaro foi preso por 15 dias na década de 1980 após artigo para Veja. Disponível em: Bolsonaro já foi preso; entenda o motivo (uol.com.br)

Líderes internacionais dão parabéns a Lula por vitória na eleição. Disponível em: Líderes internacionais dão parabéns a Lula por vitória na eleição (poder360.com.br)

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