Foto
– Roger Garaudy (1913 – 2012).
Em
1941, Yitzhak Šamir cometeu um crime imperdoável desde o ponto de vista moral:
recomendar uma aliança com Hitler, com a Alemanha nazista contra a Grã-Bretanha
(Bar Zohar, Ben Gurión, O Profeta armado, Paris, 1966, p. 99)
Quando
começou a guerra contra Hitler, a quase totalidade das organizações judaicas
colocaram-se ao lado dos aliados e inclusive alguns de seus mais destacados
dirigentes, como Weizmann, tomaram posição em favor dos aliados, mas o grupo
sionista alemão, que naquela época era muito minoritário, adotou uma atitude
inversa e de 1933 a 1941 esteve vinculado à uma política de compromisso e
inclusive de colaboração com Hitler. As autoridades nazistas a princípio, ao
mesmo tempo em que perseguiam aos judeus, afastando-os, por exemplo, da função
pública, dialogavam com os dirigentes sionistas alemães e estabeleciam tratamento
especial distinguindo-os dos judeus integracionistas a quem se perseguia. A acusação
de conluio com as autoridades hitleristas não se dirigia a imensa maioria dos
judeus, alguns dos quais nem se quer esperou a guerra para lutar contra o
fascismo. O fizeram nas Brigadas Internacionais na guerra civil espanhola entre
1936 e 1939 (1). Outros, mesmo no gueto de Varsóvia, criariam um Comitê judaico
de luta e eles sabiam como morrer combatendo. Mas essa acusação é aplicável a
minoria fortemente organizada dos dirigentes sionistas cuja única preocupação
era a de criar um Estado judaico poderoso. Sua preocupação exclusiva de criar
um Estado judaico poderoso e inclusive sua visão racista do mundo os faziam
muito mais antibritânicos que antinazistas. Depois da guerra Menachem Begin ou
Itzhak Šamir chegaram a ser dirigentes de primeiro escalão no Estado de Israel.
Datada
de cinco de setembro de 1939 – dois dias depois da declaração de guerra da
Inglaterra e França contra a Alemanha – Chaim Weizmann, Presidente da Agência
Judaica, escrevia a M. Chamberlain, Primeiro Ministro de Sua Majestade o Rei da
Inglaterra, uma carta na qual lhe informava que nós os judeus,
“estamos
ao lado da Grã-Bretanha, e combateremos pela Democracia, precisando que os
mandatários judeus estavam dispostos a firmar imediatamente um acordo para
permitir a utilização de todas as suas forças em homens, de suas técnicas, de
sua ajuda material e de todas as suas capacidades”.
Reproduzida
no Jewish Chronicle de oito de setembro de 1939, esta carta constituía uma
autêntica declaração de guerra do mundo judeu contra a Alemanha. Expunha o
problema do internamento de todos os judeus alemães em campos de concentração
como súditos de um povo em estado de guerra com a Alemanha, igual ao que
fizeram os americanos com seus próprios súditos de origem japonesa que
internaram enquanto durou a guerra contra o Japão.
Os
dirigentes sionistas deram provas, na época do fascismo hitlerista e
mussoliniano, de um comportamento equívoco que ia desde a sabotagem da luta
antifascista a tentativa de colaboração. O objetivo essencial dos sionistas não
era o de salvar vidas judaicas, mas o de criar um Estado judaico na Palestina.
O primeiro dirigente do Estado de Israel, Ben Gurion, proclamava em linguagem
simples, em sete de dezembro de 1938, ante os dirigentes sionistas do Labour:
se eu soubesse que era possível salvar todas as crianças da Alemanha
trazendo-as para a Inglaterra, e somente a metade delas transportando-as para
Eretz Israel, escolheria a segunda solução. Já que devemos levar em conta não
apenas a vida dessas crianças, mas também a história do povo de Israel (2). A
salvação dos judeus na Europa não figurava inicialmente da lista de prioridades
da classe dirigente. Era a fundação do Estado o que era primordial ante seus
olhos (3).
“Devemos
ajudar a todos os que tenham necessidade sem levar em conta as características
de cada um? Não deveríamos dar a esta ação um caráter nacional sionista e
intentar salvar prioritariamente aos que podem ser úteis à Terra de Israel e ao
judaísmo? Sei que pode parecer cruel expor a questão desta maneira, mas desgraçadamente
devemos estabelecer claramente se somos capazes de salvar 10.000 pessoas entre
as 50.000 que puderam contribuir para a construção do país e ao renascimento
nacional ou para um milhão de judeus que puderam chegar a ser para nós um
fardo, ou melhor, dizendo um peso morto. Neste caso nos limitaremos a salvar os
10.000 que puderam ser salvos apesar das acusações e dos clamores do milhão
abandonado a sua própria sorte (4)”.
Este
fanatismo inspira, por exemplo, a atitude da delegação sionista na Conferência
de Evian, em julho de 1938, na qual 31 nações se reuniram para discutir a
absorção dos refugiados da Alemanha nazista. A delegação sionista exigiu, como
única solução possível, a de admitir a 200.000 judeus na Palestina. O Estado
judeu era mais importante para eles que a vida dos judeus. O inimigo principal
para os dirigentes sionistas era a assimilação. Centravam nisso a preocupação
fundamental de todo racismo, incluso o hitleriano: a pureza do sangue. É por
isso que, em função do antissemitismo sistemático que os animava nesse buraco o
propósito monstruoso de dar caça a todos os judeus da Alemanha e depois aos da
Europa quando chegar a hora, os nazistas consideravam os sionistas como
interlocutores válidos posto que eles também serviam a este propósito.
Desta
conclusão existem provas evidentes. A Federação Sionista da Alemanha dirigia ao
Partido Nazista em 21 de junho de 1933 um memorando no qual expressamente se
declarava:
“Na
fundação do Novo Estado, que proclamou o princípio da raça, desejamos adaptar
nossa comunidade às novas estruturas nosso reconhecimento da nacionalidade
judaica nos permite estabelecer relações claras e sinceras com o povo alemão e
suas realidades nacionais e raciais. Precisamente porque nós não queremos
subestimar estes princípios fundamentais, é por isso que também nos
pronunciamos contra os matrimônios mistos e a favor da manutenção da pureza do
grupo judeu. Os judeus conscientes de sua identidade, em nome dos quais
falamos, podem encontrar lugar na estrutura do Estado alemão, pois estão livres
do ressentimento que os judeus assimilados devem experimentar; cremos na
possibilidade de relações leais entre os judeus conscientes de sua comunidade e
o Estado alemão. Para alcançar seus objetivos práticos, o sionismo espera ser
capaz de colaborar inclusive com um governo fundamentalmente hostil aos judeus.
A realização do sionismo não está mais incomodada que pelo ressentimento dos
judeus no exterior, contra a atual orientação alemã. A propaganda para o
boicote – atualmente dirigida contra a Alemanha – é por definição, não sionista
(5). O memorando acrescenta: no caso de os alemães aceitaram esta cooperação,
os sionistas se esforçaram em convencer aos judeus do estrangeiro que
renunciaram a participar no boicote contra a Alemanha (6). Os dirigentes
hitlerianos acolheram favoravelmente a orientação dos mandatários sionistas
que, por sua preocupação exclusiva por constituir seu Estado na Palestina,
juntavam seus esforços para se livrarem-se dos judeus. O principal teórico
nazista, Alfred Rosenberg, escreve: ‘o sionismo deve ser vigorosamente apoiado
a fim de que um contingente anual de judeus alemães seja levado à Alemanha (7)”.
Reinhardt
Heydrich, que mais tarde foi o protetor na Tchecoslováquia, escrevia em 1935,
durante o tempo em que era chefe dos Serviços de Segurança das SS no Das
Schwarze Korps, órgão oficial das SS, um artigo sobre o inimigo visível no que
se estabeleciam distinções entre os judeus: “nós devemos dividir os judeus em
duas categorias – os sionistas e os partidários da assimilação. Os sionistas
professam uma concepção estritamente racial, e, para a imigração na Palestina,
ajudam a edificar seu próprio Estado judeu nossos melhores votos e nossa boa
vontade oficial para eles (8)”.
O
Betar alemão recebeu um novo nome: Herzlia. As atividades do movimento na
Alemanha deveriam certamente obter a aprovação da Gestapo; em realidade,
Herzlia atuava sob a proteção desta última. Um dia, um grupo das SS atacou um
acampamento de verão do Betar. O chefe do movimento então se queixou a Gestapo
e, alguns dias mais tarde, a polícia secreta lhe comunicou que os SS em questão
foram castigados.
1.
Mais de 30% dos americanos da Brigada Abraham Lincoln eram judeus, os quais a
imprensa sionista denunciava, porque combatiam na Espanha, em lugar de ir à
Palestina. Na Brigada Dombrovski, de 5.000 poloneses, 2.250 eram judeus. A
estes judeus que lutaram em todas as frentes do mundo com as forças
antifascistas, os dirigentes sionistas, em um artigo de seu representante em
Londres, intitulado: “Devem participar os judeus nos movimentos
antifascistas?”, respondia: “Não!” e fixaram o único objetivo: a construção da
Terra de Israel (Jewish Life, abril de 1938, p. 11).
2.Yvon
Gelbner, Zionist policy and the fate of European Jewry», em Yad Vašem studies. Jerusalén.
vol. XII, p. 199.
3.
Tom Segev. Le Septième Million. Ed. Liana Levi, Paris 1933, p. 539.
4.
Memorando do Comitê de Salvação da Agência Judaica. 1943. Citado por Tom Segev.
(op. cit).
5.
Lucy Dawidowicz, A Holocaust reader, p. 155.
6.
Lucy Dawidowicz, The war against Jews (1933-1945) Ed. Penguin books, 1977, p.
23 1232.
7.
A. Rosenberg: Die Spur des Juden im Wandel der Zeiten, Munich 1937, p. 153.
8.
Hohne. Order of the Death's Head, p. 333.
Comentários
Esse
é mais um texto que eu encontrei no portal em espanhol do site Radio Islam e
por mim traduzido para o português.
O
autor desse texto é o francês de origem católica Roger Garaudy, notório por ter
legado ao mundo cerca de 50 livros publicados sobre religião e política. Na
Segunda Guerra Mundial integrou a resistência francesa contra o nazismo, tendo
sido preso e depois se filiando ao Partido Comunista depois da guerra (pelo
qual foi deputado quatro vezes antes de ser expulso em 1970). Em 1982
converteu-se ao islamismo.
Garaudy
também se notabilizou por ter sido em vida um crítico contundente do sionismo e
das políticas do Estado de Israel em relação aos palestinos. Como era de se
esperar, foi por causa de tal postura acusado e rotulado de “anti-semita” e
processado em seu país natal por esse motivo. Em 1996 publicou seu livro mais
contundente e notório sobre o tema, “Les Mytheus fondateurs de la politique
israelienne”, que depois foi publicado em inglês com o título “The Founding
Myths of Modern Israel”.
Esse
é mais um texto que fala sobre o passado sombrio do movimento sionista antes da
fundação do Estado de Israel, em especial sobre os conchavos dos sionistas com
o Terceiro Reich. Podemos ver que desde os tempos de Herzl os sionistas não
tiveram o menor pudor em conchavar com a fina flor do antissemitismo europeu
para atingir seus intentos, sem ter lá muita consideração pelas vidas judaicas
daqueles que sofreram nas mãos primeiro dos pogroms da Rússia tzarista durante
os reinados dos dois últimos tzares e depois nos campos de concentração da
Alemanha nazista.
Chega
a mencionar também, ainda que bem de passagem, sobre os campos de concentração
para japoneses nos Estados Unidos durante os anos da Segunda Guerra Mundial.
Estiveram nesses campos os familiares do ator Pat Morita (falecido em 2005),
notório por ter interpretado o Senhor Miyagi na tetralogia Karatê Kid. Como
todos nós sabemos, tais campos de concentração, assim como os primeiros campos
de concentração da história, aqueles feitos para os bôeres na Guerra dos Bôeres
(1899 – 1902) pela Inglaterra, não têm a mesma publicidade e notoriedade que
campos de concentração da Alemanha nazista como Auschwitz, Dachau e Majdanek
possuem, ou mesmo os gulags da União Soviética e e em menor escala os laogais
da China e da Coreia do Norte.
Como
no caso dos textos anteriores e antes que venham com acusações de
antissemitismo e afins, o traduzi tendo em vista o fato de que Bolsonaro (assim
como parte de sua entourage, em especial aqueles ligados à denominações
religiosas neopentecostais) é um fanático filo-sionista a tal ponto que
pretende não apenas direcionar a política externa brasileira para uma política
de alinhamento com os Estados Unidos e Israel (algo do qual ele já advogou anos antes de ser eleito presidente; https://www.youtube.com/watch?v=ehyDH0hFAbM&ab_channel=ocastilhista)
como também reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel e transferir
a embaixada do Brasil para a Cidade Sagrada das três grandes religiões
monoteístas.
Tendo
em vista o contexto atual e a roubada na qual o político carioca quer enfiar o
país, é muito importante sabermos sobre o passado negro do movimento sionista
antes mesmo da fundação do Estado de Israel. Pois como dito em texto anterior,
uma das coisas que temo quanto ao governo Bolsonaro é uma eventual
implementação de uma “religião do Holocausto” no Brasil, vindo dentro do mesmo
pacote da criminalização do comunismo e do nazismo por meio do PL 5358/16, onde
o questionamento do holocausto e posições contrárias a Israel seriam
penalizadas por lei (a ponto de serem criadas leis específicas para isso), ou se
não amplamente alvos de violência simbólica e retórica por meio da acusação de que
quem é anti-sionista é também anti-semita e afins.
Diga-se
de passagem, só o passado negro do movimento sionista pré-1948 e todo seu
histórico de conchavos com a fina flor do antissemitismo europeu o último
decênio do século XIX mostra quão falsa e absurda é a acusação de que ser anti-sionista
é sinônimo de hostilidade ao povo judeu e à religião judaica. Pois se
anti-sionismo é sinônimo de antissemitismo, então grupos judaicos como o Neturei
Karta, judeus ortodoxos contrários ao sionismo, são antisemitas? Pois a meu
juízo não. Como dizia Roberto Avallone, uma coisa é uma coisa, outra coisa é
outra coisa. E se anti-sionismo é sinônimo de antissemitismo, então Plehve,
Pletjura, Zubatov e os nazistas que colaboraram com o sionismo no período entre
1933 a 1939 não eram anti-semitas?
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