sábado, 18 de junho de 2016

Da esquerda para trás (ou como dividir a classe trabalhadora)

Por Marcus Valerio XR (com adaptações)
Não é de hoje que conservadores tem apontado o financiamento de projetos de esquerda por parte de elites bilionárias. Tais atos não são secretos e são facilmente localizáveis na internet, sendo difícil negar sua ocorrência.
Exemplos:
FUNDAÇÃO FORD, criada pelos Ford, que se proclama uma instituição com interesses filantrópicos a fim de ajudar a combater a desigualdade em redor do mundo. Mas é sabidamente uma fachada de operações da CIA, financiadas e gerida por banqueiros e associada aos Rockefeller.
GEORGE SOROS NETWORK, que entre muitas organizações, financia várias instituições nos EUA associada aos Democratas, em especial grupos feministas e de imigrantes.
BILL & MELINDA GATES FOUDATION, que possui uma lista variada de mais de mil órgãos financiados ao redor do mundo, em geral focados no combate à pobreza e liberdade de expressão, bem como desenvolvimento agrícola e planejamento familiar.
Obs: É de se notar uma grande ênfase em movimentos pelo aborto, por minorias raciais, mulheres, homossexuais, imigração e outros temas relevantes, mas uma ausência praticamente total de auxílio à entidade sindicais de base, exceto em alguns casos relativas a questões indigenistas ou de áreas rurais isoladas. Ou seja, não há qualquer financiamento a iniciativas que tenham por foco a luta de classes ou a emancipação da classe trabalhadora como um todo.
Tais denúncias pretendem desqualificar todo o movimento progressista, em especial por mostrar que tais financiamentos se direcionam sempre para políticas que afetam a tradição, costumes, a família ou os valores morais.
E o que tais plutocracias têm a ganhar com tais iniciativas? As explicações tradicionais sugerem a desestabilização propositada da sociedade, corrupção das tradições, especialmente a cristã, construção de um Metacapitalismo global ou de uma Nova Ordem Mundial, um governo de alcance planetário quase sempre associado ao Anticristo.
Mas há uma explicação muitíssimo mais clara e provável do que qualquer uma das anteriores, que não precisa apelar a seitas místicas secretas com objetivos incognoscíveis, conspirações hollywoodianas ao estilo Arquivo-X, ou profecias apocalípticas arcaicas que já falharam há muito tempo sobrevivendo somente por curiosos artifícios teológicos. É simples:
As revoluções dos últimos séculos, sempre de esquerda, deixaram a clara lição de que não é possível, nem mesmo às mais poderosas elites do mundo, bater aberto e de frente contra a classe trabalhadora. A maioria populacional pode ser manipulada, corrompida, confundida ou ludibriada. Mas qualquer tentativa de oprimi-la num nível além do tolerável só pode ter como resultado uma revolta de massas devastadora, capaz de destruir em questão de dias impérios erguidos há séculos.
Assim, ocorre a esses setores elitistas a solução óbvia de se infiltrar nesse processo histórico, de modo a minimizar seu impacto, conter os extremismos e, participando de seu desenrolar, manter seus privilégios intocados. Para isso lançam mão da mais elementar lição da Arte da Guerra.
DIVIDIR PARA CONQUISTAR!
Considero aqui como pertencente à Classe Trabalhadora qualquer pessoa que tenha que trabalhar para viver, ao invés de poder viver somente à base de Ativos Econômicos. Isto é, o trabalhador precisa produzir, sustentar ou servir à alguma coisa, e não apenas manipular valores na especulação financeira.
E como dividir a massa trabalhadora?
Simplesmente fornecendo privilégios para uns, tentando empurrá-los uma parte contra a outra e fazendo-os gastar demasiado tempo com questões parcialmente relevantes, mas que têm como principal objetivo apenas confundir e enfraquecer. Sendo a humanidade heterogênea, sempre é possível encontrar nichos com especificidades, e então explorando essas diferenças, incitar animosidades e subdivisões, realizando o nunca pronunciado, mas axiomático ditado: “A Desunião Faz A Fraqueza”.
Divididos por raças, religião, preferência sexual ou meramente sexo, espera-se que os trabalhadores briguem entre si, prestem menos atenção às questões realmente primordiais sem as quais o mundo jamais deixará de manter o modelo “minoria numericamente ínfima detendo a maioria economicamente imensa dos recursos”.
Vejamos essa citação, que já data de mais de meio século antevendo este problema.
“Se os empregadores acolheram com interesse as mulheres por causa dos baixos salários que elas aceitavam, o mesmo fato provocou resistências entre os trabalhadores masculinos. Entre a causa do proletariado e a das mulheres, não houve uma solidariedade tão imediata quanto o pretendiam Bebel e Engels. O problema apresentou-se mais ou menos da mesma maneira que o da mão-de-obra negra nos Estados Unidos. As minorias mais oprimidas de uma sociedade são, amiúde, utilizadas pelos opressores como arma contra o conjunto da classe a que pertencem. Em consequência, elas são consideradas inicialmente inimigas e é preciso uma consciência mais profunda da situação para que os interesses dos negros e dos brancos, das operárias e dos operários se coliguem, em vez de se oporem uns aos outros. Compreende-se que os trabalhadores masculinos tenham, primeiramente, visto nesta concorrência uma temível ameaça e se tenham mostrado hostis. Somente quando as mulheres se integraram na vida sindical, é que puderam defender seus próprios interesses e deixar de pôr em perigo os da classe operária em seu conjunto. ” [ Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo Livro I, Capítulo III, Parte V.]
NOVOS SATÂS
Todas essas iniciativas têm em comum a construção de fantasmagóricos inimigos que precisam ser combatidos a todo custo, mas tal esforço de combate, nada podendo fazer contra meras abstrações, só pode afetar os segmentos populacionais que são relacionados a tais fantasmas. Ataca-se o mito, fere-se as pessoas, e o mito continua intocado, apenas podendo mudar de aparência.
Inevitavelmente não pode haver outro resultado do que a divisão dos trabalhadores por meio de categorias que no fundo elas não representam realmente, mas que fatalmente as levará a alguma forma de retaliação, dando início a um clico revanchista, que move humanos reais numa tragédia samsariana girando em torno de miragens.
Com elas, inventou-se posturas perspectivas que veem na pura e simples inércia social, e no fato puramente físico de que melhorar é sempre mais difícil e lento do que piorar, um tipo de conspiração oculta com o objetivo de manter as desigualdades intrínsecas entre os trabalhadores como são. Como se o fato evidente de que os descendentes de etnias mais abastadas ainda carreguem vantagens socioeconômicas por mais que essas venham histórica e comprovadamente diminuindo, seja na verdade implementada por artifícios deliberados que fazem com que qualquer regularidade tola seja um ato consciente e deliberado de manutenção ativa de privilégios, demandando em, contrapartida, ações afirmativas que beneficiam um grupo em detrimento de outros que não necessariamente estão de fato em situação melhor.
Também se criou novas fobias e misonias que fazem com que a estranheza natural das pessoas para com os comportamentos menos comuns seja vista como uma atitude ativa de discriminação e ódio, ligando-as aos casos isolados de ataques reais contra minorias ou segmentos mais fragilizados, e fazendo com que se veja uma conspiração de maiorias ativamente trabalhando na repressão de condutas privadas ou libertárias.
Nenhum desses 'satãs' é criado do nada. Todos eles apontam para entes reais que indicam problemas que merecem ser enfrentados, mas todos, TAMBÉM são hiperdimensionados ao ponto de se tornarem não apenas males, mas o maior dos males, e são frequentemente redefinidos para que, mesmo quando as condições históricas esvaziem por completo sua credibilidade, mudem de forma passando a encarnar novas aparências, mantendo-se perpetuamente como um alvo a ser combatido.
O MICRO PELO MACRO
Assim, o foco da exploração da classe trabalhadora, que é a esmagadora maioria da humanidade, por uma elite minoritária e indiscutivelmente privilegiada em todos os níveis, é deslocado para elementos secundários. O problema deixa de ser a exploração dos trabalhadores pelos poderosos para ser dos negros pelos brancos, das mulheres pelos homens, de uma nação pela outra e até de homossexuais por heterossexuais.
Se isso não for uma ofensiva de uma mega elite bilionária, ao menos funciona muito bem como uma estratégia reativa da direita popular, que com a colaboração espetacular de neoesquerdistas, consegue esvaziar a imagem da defesa da classe trabalhadora e substituí-la por lutas progressistas mais diversas e pitorescas.
No Brasil, as últimas décadas de governo foram bem-sucedidas em melhorar as condições da vida da maioria esmagadora da população, e sem prejudicar significativamente as minorias privilegiadas. Por esse serviço prestado, a Situação dificilmente poderia, ou deveria deixar de ser agraciada com a perpetuação. Não existe compra de apoio mais eficiente do que beneficiar efetivamente as vidas dos que mantém a sociedade funcionando.
Se esse estado de coisas, ou projetos similares, vierem a perder para projetos mais tradicionais que colocam a defesa incondicional do privilégio das elites acima de qualquer coisa, o será não apenas por ter deixado de atender aos trabalhadores, mas sobretudo por desviar-se disso para atender privilégios de minorias, ou maiorias, em detrimento de outras.
A receita certa para o fracasso da esquerda é que ela deixe de ser considerada como a defesa dos trabalhadores, que são a maioria esmagadora, para ser reduzida a defensora do Aborto, da Parada Gay, da Marcha das Vadias ou da Marcha da Maconha.
Texto original em:
Vídeo da palestra:
https://www.youtube.com/watch?v=-Q0mfpvrFf4 

Nenhum comentário:

Postar um comentário