sábado, 11 de junho de 2016

A real natureza político-ideológica de Jair Bolsonaro, parte 2.


Foto – Jair Bolsonaro (esquerda) e Aécio Neves (direita).
O que Jair Bolsonaro e políticos como José Serra, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso têm em comum? À primeira vista, eles parecem muito diferentes entre si e até mesmo antagônicos. Porém, um exame mais profundo de seus perfis político-ideológicos e do que eles defendem em suas respectivas plataformas nos revela o contrário. E não são poucos os pontos de convergência entre eles. São eles:
1 – Elitismo: Como já dito na primeira parte, Bolsonaro (assim como seus filhos) é, acima de tudo, um político que defende o establishment liberal-burguês vigente no mundo ocidental (tanto que vemo-lo em seus periódicos pronunciamentos exaltar as qualidades democráticas do regime civil-militar brasileiro ao qual ele é simpático). Portanto, ele é um político de corte típico burguês e não defende nenhuma mudança revolucionária da sociedade brasileira. Assim sendo, ele é um político tão (ou mesmo mais elitista e reacionário) quanto José Serra, Ronaldo Caiado, Moreira Franco ou Aécio Neves. Ele não advoga nada como o que Vargas fez em 1930 quando apeou do poder as velhas oligarquias cafeeiras que tratavam o estado brasileiro como seu balcão de negócios particular ou tirar as reformas de base do presidente João Goulart da gaveta. Em outras palavras, não propõe nenhum enfrentamento com a classe dominante e os outros parasitas da sociedade brasileira. Com a diferença que enquanto o elitismo dos tucanos tende a uma coloração mais próxima à de Mujica[1] no Uruguai, de Sarkozy na França e do Partido Democrata dos Estados Unidos (ou seja, um elitismo mais no campo político e ao mesmo tempo em que no campo social é aberto a pautas como liberação dos direitos GLBT, das drogas e do aborto), o de Bolsonaro já tem uma coloração mais similar ao ideário neoconservador do Partido Republicano (conservadorismo elitista social e político ao mesmo tempo, ao mesmo tempo em que em termos econômicos é extremamente liberal).
2 – Dependência ao norte: que diferença há entre o discurso de posse proferido por José Serra quando tomou posse do Ministério das Relações Exteriores e o discurso proferido por Jair Bolsonaro (publicado no YouTube no dia 2 de maio de 2016) na Câmara dos Deputados a respeito da Base de Alcântara (onde ele critica as posturas da então presidente Dilma quanto as relações com os Estados Unidos e Israel, que os brasileiros tem que reconhecer sua real posição na geopolítica mundial e que a base de Alcântara foi um grande desperdício de dinheiro, entre outras coisas)? Em sua essência, nenhuma, a não ser a retórica mais agressiva do segundo. Uma fala como a de que o Brasil deve reconhecer sua posição dentro do cenário geopolítico mundial parece algo saído do livro “Dependência e Desenvolvimento da América Latina”, que Fernando Henrique Cardoso escreveu junto com o finado sociólogo chileno Enzo Falletto em 1967. Diferente do que teóricos como André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini (com o qual FHC e Serra travaram uma polêmica em 1978), Teotônio dos Santos, Vânia Bambirra e outros propunham, a teoria da dependência de Fernando Henrique Cardoso não almejava uma ruptura dessa situação, e sim o oposto: justificava a situação de dependência e subalternidade do Brasil (e por tabela da América Latina) dentro da engrenagem capitalista mundial, assim como o projeto de poder das classes dominantes associadas ao capital multinacional.
Tanto Bolsonaro quanto tucanos como José Serra vivem alegando que a política exterior do Brasil durante os governos Lula e Dilma era movida por uma suposta cartilha ideológica da parte do Partido dos Trabalhadores e que não era o real interesse nacional (como se as ideias deles sobre a política externa brasileira também não carecessem de orientação ideológica, o que eles hipocritamente não assumem perante a população), assim como advogam uma política externa de “dependência ao norte”. Ou seja, uma política exterior voltada aos países centrais da engrenagem capitalista mundial. Em outras palavras, Estados Unidos, União Europeia e Japão (e isso para não falar que Bolsonaro, assim como seus colegas de partido, advoga que Israel deve ser um dos principais parceiros do Brasil. Isso nada mais é que a extensão dessa política de “dependência ao norte” no Mundo Islâmico que invariavelmente relegaria as relações com países como Irã e Síria a um plano secundário para baixo). E isso sob a alegação de que esses países em questão são democracias (e o que é pior: sem saber que a política externa desses países não é pautada pela democracia. Países como Estados Unidos, Inglaterra, França e Israel não tem o menor pudor em se relacionar com as mais grotescas e espúrias ditaduras, entre elas as petro-monarquias do Golfo Pérsico e os regimes civil-militares latino-americanos, assim como grupos terroristas como a Al Qaeda e o Estado Islâmico). Assim sendo, Bolsonaro (que certamente ignora o fato de que no governo Geisel, o quarto e penúltimo presidente militar, houve um distanciamento diplomático do Brasil em relação aos Estados Unidos, onde, entre outras coisas, não fez coro ao boicote econômico mundial contra o Iraque depois que Saddam Hussein nacionalizou o petróleo iraquiano) poderia muito bem estar no lugar de FHC na charge abaixo:

Foto – Charge de Fernando Henrique Cardoso, em que o ex-presidente do Brasil empunha uma espada com a mão esquerda e segura um chapéu com a mão direita e trajando um uniforme com as cores da bandeira dos Estados Unidos.
3 – Que democracia? Tanto Bolsonaro quanto os tucanos defendem o mesmo tipo de democracia, a democracia eletiva vigente no Ocidente nos dias de hoje. Uma democracia onde a participação do povo se resume ao voto na eleição e que Alain Soral definiu como “o governo dos mais ricos”, onde esses mandam por trás das cortinas e usam os partidos políticos como um biombo que esconde seu poder. E o que é pior: trata-se de uma ditadura (nesse caso, a do poder econômico) que não se assume enquanto tal. Ambos de forma alguma defendem uma democracia participativa como a que os finados Muammar al-Kadaffi e Hugo Chávez defendiam.
4 – Economia: Como todos nós sabemos os tucanos, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003), privatizaram e venderam várias empresas de importância vital para a economia do país, entre elas a Companhia Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce a preço de banana para a agiotagem nacional e internacional. E isso sob a alegação de “acabar com a era Vargas”. Similar ao que foi feito por Boris Yeltsin na Rússia, Alberto Fujimori no Peru, Carlos Menem na Argentina, Carlos Andrés Pérez na Venezuela, Carlos Salinas de Gortari no México, Hugo Banzer e Sanchez de Lozada na Bolívia, entre outros privatas da década retrasada.
Bolsonaro, por seu turno, em entrevista concedida no ano passado, apresenta propostas econômicas liberais, a ponto de dizer que mais estado é sinônimo de mais corrupção e tristeza (e assim vomitando a falácia liberal-conservadora de que o estado é sinônimo de ineficácia e corrupção e o mercado é o espaço detentor da virtude por excelência. Ou seja, que não há corrupção no setor privado e que essa é endêmica do estado e dos políticos. Segundo Jessé de Souza, há um projeto de uma minoria cujo interesse é mercantilizar todas as esferas da sociedade e assim deslegitimar perante a população qualquer tentativa do Estado de controlar as atividades desses grupos). Não só isso. Também chegou a se posicionar a favor da privatização da Petrobrás (a mesma Petrobrás que durante o governo FHC foi afetada pela lei 9478/97, que dela retirou o monopólio da exploração e prospecção do petróleo nacional), uma empresa de valor estratégico muito grande para o Brasil. Assim sendo, o PL 131 (que permite a petroleiras internacionais explorar o petróleo brasileiro sem precisar fazer parceria com a Petrobrás) poderia muito bem ter como redator Jair Bolsonaro ou qualquer um de seus filhos.
5 – Espírito de 1932: Quando a votação do impeachment de Dilma ainda estava na Câmara dos Deputados, um dos filhos de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, deputado federal do PSC (Partido Social Cristão) pelo Estado de São Paulo, fez menções ao Movimento Constitucionalista de 1932 (que como já dito anteriormente foi uma tentativa da oligarquia cafeeira que até então mandava no país de retomar o poder e restaurar a velha política do Café com Leite que vigorou no Brasil durante o período da República Velha [1889 – 1930]. Entretanto, esse movimento passou para a história como um movimento de defesa da democracia e dos direitos individuais contra a suposta tirania varguista, já que a mesma oligarquia paulista que esteve por trás desse movimento retomou o poder com o golpe de 1964, um status quo que mantêm até hoje), que ocorreu em São Paulo em julho daquele mesmo ano. Ele afirmou que o povo do estado de São Paulo tem como lema “não sou conduzido, conduzo” e que o espírito dos líderes desse movimento (Dráuzio, Miragaia, Martins e Camargo) continua presente em todos aqueles que não se curvam a ditadores (e o curioso é que se trata dos mesmos paulistas que muito se queixam dos 13 anos de PT no governo federal, mas que ao mesmo tempo fecham os olhos para os 21 anos de PSDB no Palácio do Bandeirante). E o próprio Bolsonaro pai, diga-se de passagem, em julho do ano passado esteve presente em um evento relacionado ao movimento de 1932, organizado pelo grupo MMDC Rio Preto (composto por militares da ativa e da reserva que preservam a memória desse episódio da história do estado de São Paulo), em que ele recebeu a medalha Capitão Sinésio de Melo e Oliveira.
Serra, por sua vez, também já esteve presente em eventos relacionados ao movimento de 1932. Em 2008, quando ainda era governador do estado de São Paulo, Serra recebeu o colar “Carlos de Souza Nazareth” (homenagem prestada pela Associação Comercial de São Paulo a pessoas que se destacam na prática de ações relevantes em prol do bem comum), e manifestou orgulho em receber tal condecoração. Também disse nessa ocasião que os eventos de 1932 foram a maior revolução da história do Brasil. E no nove de julho daquele mesmo, ele publicou um artigo na Folha de São Paulo onde disse que “recordar 1932 não é só remexer no velho baú da história. É mais que isso: é uma bela data da história do Brasil e de São Paulo” e disse o disparate que essa foi a maior guerra travada em território brasileiro (como comparar um conflito interno que nem 100 dias durou com as guerras de expulsão dos holandeses no Nordeste no século XVII, que teve batalhas tanto em território brasileiro quanto na África e na Ásia? Ou a Guerra do Paraguai [1864 – 1870], em que quatro países estiveram diretamente envolvidos e onde no começo do conflito o Brasil teve que defender suas fronteiras das investidas paraguaias? Ou com a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul que se arrastou por uma década [1835 – 1845]?).
6 – Desinteresse por questões importantes: Bolsonaro, principalmente depois que se tornou famoso, em momento algum demonstra interesse por questões de vital importância para o país. Em momento ele toca na ferida daquilo que Brizola em vida chamava de perdas internacionais (o montante de dinheiro que o país todo ano perde para o pagamento do serviço dos juros e amortizações das dívidas interna e externa e que beneficia apenas uma restrita camarilha de rentistas). Ou mesmo na espoliação que o país sofre nas mãos do capital multinacional que Vargas denunciou em sua carta-testamento. Também nada fala sobre reverter a privataria do governo FHC, reforma agrária, regulação da mídia (algo que ele olha como censura à imprensa) ou auditoria da dívida. E acima de tudo não denuncia as mazelas do sistema (o qual inevitavelmente irá cortar suas asas caso um dia resolva fazer isso). O comportamento de Bolsonaro nos sugere que ele está muito mais preocupado em bater boca com figuras como Jean Wyllys, Jandira Feghali e Maria do Rosário em seus pronunciamentos periódicos na Câmara dos Deputados do que discutir questões de importância vital para o país. Os tucanos, principalmente os de alta plumagem, muito menos tem interesse nessas questões. Que o diga José Serra, que segundo as investigações de Amaury Ribeiro Júnior foi a peça central da privataria tucana durante o governo FHC e que é um testa-de-ferro de grupos econômicos multinacionais.
7 – Integração latino-americana: tanto Bolsonaro quanto os tucanos (principalmente os de alta plumagem) são no mínimo indiferentes quanto ao tema da integração do Brasil com os demais países latino-americanos. Ambos defendem uma política externa brasileira de orientação atlantista. Ou seja, voltada para o além-mar e ao mesmo tempo de costas para o Brasil profundo e a América Latina. Bolsonaro, diga-se de passagem, periodicamente vocifera contra regimes como a Cuba castrista, a Venezuela bolivariana e da Bolívia de Evo Morales em seus discursos e pronunciamentos (como por exemplo, na carta enviada ao embaixador de Israel em 25 de julho de 2014, em que ele considerou esses regimes como parte da escória do mundo junto com outros países como o Irã e a Coréia do Norte).
8 – Redução da política à moral: Tanto Bolsonaro quanto os tucanos tratam o tema da corrupção da forma mais tacanha e rasteira possível. Ou seja, na base do senso comum que a grande mídia vende, sem tocar nas raízes profundas do problema, em momento algum falando a respeito das perdas internacionais (que também se dão através do comércio desigual do país com os países capitalistas centrais, vendendo para estes matérias primas a preço de banana e deles comprando produtos industrializados de valor agregado muito maior, e assim reproduzindo tratados comerciais como o de Methuen assinado entre Portugal e Inglaterra em 1703, o de Eden-Rayneval entre França e Inglaterra em 1786 e os acordos desiguais aos quais a China foi submetida no século XIX) e tratando a política como se fosse uma mera questão de moral, dissociando o político corrupto em questão do sistema em que ele está inserido. Jogam todas as pedras nos políticos que são pegos em operações policiais e que aparecem no noticiário, mas nada falam sobre o banqueiro, o especulador ou o empresário que também estão envolvidos nesses esquemas. Ou seja, só abordam a ponta do iceberg do problema e tratam o tema da mesmíssima forma com que Carlos Lacerda e a UDN (União Democrática Nacional) tratavam nos tempos de Vargas e Jango. É aquilo que Nildo Ouriques chama de “redução da política à moral”.
Conclusão
O que queremos mostrar com isso tudo? Que em termos políticos e ideológicos Jair Bolsonaro, a despeito de toda a sua verborragia que pode enganar a muitos incautos (que por sua vez vivem o adulando e o chamando de “Bolsomito”), está muito mais próximo de figuras tradicionais da política brasileira tais como José Serra, Aécio Neves, Ronaldo Caiado, Moreira Franco (o mesmo Moreira Franco que abandonou os CIEPs), Geraldo Alckmin, Aloísio Nunes, Eduardo Cunha e Fernando Henrique Cardoso que de verdadeiros nacionalistas como Miguel Arraes, Leonel Brizola, Enéas Carneiro, Bautista Vidal e Roberto Requião. E por que motivo falar a respeito disso? Pelo fato de esses pontos em comum com os políticos em questão dizerem muito a respeito da real natureza político-ideológica de Jair Bolsonaro. E isso também mostra que um coxinha de classe média pode muito bem trocar o tucanato (que por muitos adeptos da nova direita brasileira tem sido visto como uma oposição de mentira ao PT) por Bolsonaro sem estranhamento algum. Da mesma forma com que o mesmo Bolsonaro não teve estranhamento algum em dizer que no pleito presidencial de 2014 que seria uma honra ser o vice da chapa encabeçada por Aécio Neves e em pronunciamento na Câmara dos Deputados em 15 de outubro de 2014 ter pedido votos ao político mineiro.

Foto – FHC (esquerda) e Jair Bolsonaro (direita).
Fontes:
A Privataria Tucana. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-9mflDtyue0
Alain Soral et Dieudonné sur la democratie (2mm) (em francês). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PLdiYcDmgDM
Bolsonaro: um discurso para Aécio Neves. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zAVANk1mQ0w
Bolsonaro, conexão Israel-EUA, entrega da base de Alcântara. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ehyDH0hFAbM
Bolsonaro “nacionalista?” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7lz7PX5tXw0
Eduardo Bolsonaro faz o discurso mais importante de sua vida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T8XOU4APMsc
Em homenagem, Serra lembra heróis da Revolução de 1932. Disponível em: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=96544
Estrella, o geólogo que descobriu o futuro do Brasil. Disponível em: http://www.conversaafiada.com.br/economia/estrella-o-geologo-que-descobriu-o-futuro-do-brasil
Jair Bolsonaro apoia liberalismo econômico e privatização da Petrobrás. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u7oF6R-PRPs
Jair Bolsonaro e o liberalismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RbJcaAKHH9Y
Jessé de Souza – corrupção e ingenuidade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z2yTT6_u5l8
“Seria uma honra ser vice de Aécio”, diz Bolsonaro. Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/seria-uma-honra-ser-vice-de-aecio-diz-bolsonaro.html
Verdadeiras da razão da demonização do Estado do papel do Estado no Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CAziJ-yIRUs

NOTA:


[1] Leia-se “Murrica”, pois no espanhol a partícula j e o g quando sucedido por e ou i tem o mesmo valor do ch no alemão e no polonês, do h no inglês e do kh no russo, no mongol, no árabe e no persa: r aspirado.

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