quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Considerações a respeito da campanha #elenão, parte II: os verdadeiros questionamentos a serem feitos.



Foto – Bolsowyllys, as duas faces de Janus contrapostas entre si: a unidade contraditória.

No último fim de semana, vimos inúmeras manifestações Brasil afora de repúdio a Bolsonaro através da campanha #elenão. Mas, como a campanha em questão não faz a crítica a Bolsonaro pelos motivos certos e apenas por frivolidades como o que ele pensa sobre gays, lésbicas, mulheres e negros, deixo a essa campanha a seguinte hashtag: #nãocontemcomigo. Não contem comigo até que se comece a ser feitos os verdadeiros questionamentos que devem ser feitos:
1 – O fenômeno Bolsonaro, antes de tudo, é fruto do conluio Lava Jato-Globo e de todo o processo de criminalização da política dele decorrente feito em nome de um suposto combate à corrupção. Algo análogo ao que se viu na Itália com a Operação Mãos Limpas, que abriu o caminho para Silvio Berlusconi subir ao poder na nação peninsular. Em outras palavras, Bolsonaro é um sintoma, e não a doença do que se passa no Brasil no presente momento. E, enquanto direita e esquerda ficam se degladiando por ai e trocando farpas entre si, meganhas de toga como Luiz “peruca moradia” Fux (o mesmo Fux que restaurou o auxílio-moradia para juízes abolido por Lula em 2005), Carmen Lúcia (vulgo Bento Carneiro), Rosa Weber (a mesma Rosa Weber que condenou José Dirceu sem provas), Dias “fardão” Toffoli, Gilmar Mendes, os desembagrinhos do TRF4, Marcelo “duplo auxílio moradia” Bretas, Judge Murrow e Raquel Dodge (vulgo Raquel esquivar-se) continuam ai, achando que são deuses na Terra, mandando e desmandando do alto de seus cargos vitalícios e salários muito acima do teto permitido por lei e fazendo suas chantagens em busca de vantagens corporativas contra os políticos em conluio com a imprensa venal (e de brinde ainda rindo da cara dos otários, incluindo os otários que acham que essa gente está combatendo a corrupção e os aplaudem). Togados esses que, diga-se de passagem, podem muito bem se voltar contra Bolsonaro, tal qual aconteceu com Eduardo Cunha anteriormente. Bem provavelmente, usarão Bolsonaro como cão raivoso contra a esquerda se aproveitando da histeria hidrofóbica anticomunista dele até o momento em que o político carioca não mais ter serventia a eles. E, diga-se de passagem, não vejo esses mesmos que tanto falam “#elenão” escrever mensagens similares de repúdio à meganhagem de toga da Lava Jato. Não acham que tão importante quanto conter o Bolsonaro é colocar um ponto final em toda a palhaçada do esquema Lama Jato e todo o mal que tem causado ao país desde que se iniciou há quatro anos? A meu ver, o fim da meganhagem de toga e de farda é algo bem mais importante. Sem que seja colocado um freio à meganhagem de toga, esse processo se repetirá como se fosse um ciclo vicioso ad eternum.
2 – E, como Marilena Chauí falou em recente palestra, a atual situação de meganhagem togada na política brasileira nada mais é que uma consequência do neoliberalismo, que trata o Estado (ou seja, a coisa pública) como se fosse uma empresa privada. Em outras palavras, advoga um agigantamento do setor privado e toda sua lógica econômica e um encolhimento do setor público. Como já dito anteriormente, essa história de ameaça fascista nada mais é que um espantalho para desviar a atenção da verdadeira ameaça que paira no ar, que atende pelo velho neoliberalismo de Reagan, Thatcher, Pinochet, FHC, Carlos Menem, Carlos Andrés Peréz, Boris Jel’cin, Alberto Fujimori, Bill Clinton, Tony Blair e tantos outros. O mesmo neoliberalismo que é a ideologia oficial do mundo das finanças de Wall Street e da City londrina e que o próprio Jair Bolsonaro advoga em sua política econômica junto com seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes.
3 – Também não podemos deixar de lado a crescente ingerência dos militares na política brasileira. A ponto de no presente momento termos um ministro do STF, Dias Toffoli, que é um serviçal dos fardados (a ponto de fazer revisionismo sobre o período civil-militar), e de um regime político cada vez mais tutelado pelos militares, com eles agindo de forma análoga a que agiram a Guarda Pretoriana agiu em diversos momentos da história do Império Romano, o general de origem visigótica Ricimero nos últimos anos de existência do Império Romano do Ocidente e os generais Nogaj (o mesmo Nogaj que foi um dos líderes das malfadadas campanhas contra a Hungria em 1285/1286 e contra a Polônia em 1287/1288), Mamaj (o mesmo Mamaj que foi vencido por Dmitrij Donskoj na batalha do campo de Kulikovo, em 1380) e Edigej (comandante do ataque à Moscou em 1408) na Horda Dourada (o primeiro no final do século XIII, o segundo em meados do século XIV e o terceiro e último na virada do século XIV para o XV): como o poder por trás do trono que dita as regras e depõe e entrona soberanos-fantoches conforme seus desígnios. Assim, enquanto esquerda e direita ficam nesse circo interminável, o general Etchegoyen continua sendo o homem-forte do governo Temer e exercendo seu papel de eminência parda e outros meganhas de farda continuam mandando e desmandando por trás das cortinas. E assim como os meganhas de toga rindo das caras dos otários (entre eles os otários que foram às ruas nas manifestações pela queda de Dilma pedir intervenção militar). E assim, independente de quem ganhe as farsescas eleições 2018, terá ao seu lado um general mandando por trás das cortinas e lhe chantageando sempre que o presidente em questão sair da linha. Caso Bolsonaro se eleja presidente, bem provavelmente será um joguete nas mãos deles.
4 – Bolsonaro não apenas é o filho bastardo do conluio Lama Jato-Globo como também fruto do crescimento da esquerda lacradora nesses últimos anos. Esquerda essa que prioriza muito mais pautas como direitos GLBT, ideologia de gênero e liberação das drogas e que deixa de segundo plano para baixo os reais dilemas que afligem a maior parte da população. E que ao contrário do que os histéricos bolsonaristas pensam, essa new left ideologicamente muito mais próxima se encontra do Partido Democrata dos EUA que do velho marxismo soviético. Ou seja, o burro democrata é bem mais condizente a essa esquerda que a foice e o martelo do marxismo soviético. E o mais grave de tudo: essa esquerda, que foi chamada carinhosamente de “esquerda chave de cadeia” pelo PCO, acha que vai resolver problemas como o racismo, a misoginia e a homofobia dando mais poder para delegados da PF como Igor Romário de Paula (o mesmo Igor Romário que em 2014 fez postagens ofensivas à Dilma Rousseff e elogiosas a Aécio Neves no Facebook), para juízes como Sérgio Moro e Marcelo Bretas e procuradores como Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot, que cedo ou tarde irão usar os mesmos dispositivos legais para coloca-los em suas masmorras (a PF que é um órgão com alta infiltração bolsonarista e reacionária até a medula, diga-se de passagem). No fim terão destino análogo ao que tiveram em Dragon Ball o Doutor Maki Gero teve nas mãos dos mesmos androides que ele criou para matar Goku e seus amigos, que o mago Babidi teve nas mãos do Mažin Buu gordo e que o Doutor Mjuu teve nas mãos de Baby: atacados, presos e/ou mortos pelos mesmos cachorros raivosos que eles criaram e alimentaram para morder terceiros. E para Bolsonaro, Alckmin ou qualquer outro político de sua laia colocar essa gente toda nas cadeias superlotadas de pobres e negros do Brasil vai ser a coisa mais fácil do mundo, graças ao conjunto de leis punitivistas que a banda podre do PT, o famigerado PT jurídico (o mesmo PT jurídico que segundo o Duplo Expresso sequestrou o partido de Lula e vem o rifando esse tempo todo) criou nesses anos todos. Entre eles a lei da ficha limpa que no presente momento está sendo usada para impugnar a candidatura de Lula.

Foto – O fim do Doutor Maki Gero (Androide nº 20) nas mãos de uma de suas criações, o Androide nº 17. Esse é o destino que aguarda a esquerda chave de cadeia caso leve adiante seus anseios punitivistas.
5 – Igualmente não se questiona a crescente americanização do pensamento político brasileiro, onde temos uma esquerda lacradora que veste o figurino do Partido Democrata e uma direita que veste o figurino do Partido Republicano. Em outras palavras, a passos largos o Brasil caminha para se tornar uma cópia mal acabada da metrópole norte-americana e assim perder a nossa identidade e a capacidade de entender nosso lugar na história. Tanto uma quanto a outra importam da gringolândia questões que aqui não têm a mesma relevância que lá. A esquerda do figurino do Partido Democrata, por exemplo, discute “racismo” em um país em que quase não há brancos ou negros, e sim uma massa de mestiços inclassificáveis racialmente falando. Além de ao falar em temas como ideologia de gênero (vulgo ideologia da sodomia) causar repulsa na maior parte da população e assim os jogando no colo do discurso demagógico dos Bolsonaros, dos Malafaias, dos MBLs, dos Felicianos e dos Magnos Maltas da vida (incluindo moradores das regiões periféricas das cidades). E a direita do figurino do Partido Republicano, além de querer armar o povo brasileiro sem levar em consideração que aqui o povo não tem o mesmo grau de instrução que há em países como os EUA e a Suíça (no que invariavelmente fará com que se multipliquem Brasil afora casos como o que ceifou a vida do empresário Marcos Kitano Matsunaga em 2012), defende “menos Estado” em um país com um histórico problema de infraestrutura precária, onde são comuns lugares com ausência de saneamento básico.
6 – E sem esquecer, obviamente, da pilhagem de recursos naturais da qual o Brasil está sendo objeto no presente momento (pré-sal e Aquífero Guarani inclusos). E assim, tal qual os meganhas de toga e de farda, os gringos igualmente rindo das nossas caras estão e faturando rios de dinheiro com a liquidação do país sob os auspícios do governo Temer (governo esse que Bolsonaro pretende dar continuidade com sua política econômica neoliberal, diga-se de passagem). Os gringos igualmente só têm a agradecer com essa rinha de galo interminável entre esquerda e direita.
7 – Que luta contra o fascismo é essa que essa esquerda lacradora quer conduzir na base de micaretas, carnavais, bundaços, beijaços e palhaçadas afins, e não os enfrentando nas ruas? Esquerda essa que faz micareta contra o Bolsonaro por suas abomináveis posições contra certos grupos minoritários, mas não se solidariza (ou não defende com tanta gana) quando, por exemplo, sob a cobertura da Polícia Federal grupos de Extrema Direita pró-Bolsonaro atacam o acampamento Marisa Letícia em Curitiba. E não tem a mesma gana para lutar pela bandeira da liberdade de Lula (mas para defender beijo GLBT em novela da Rede Globo, em desenho da Disney, em animes e mangás do gênero yaoi ou em sitcom do Netflix essa gente tem e de sobra, não tenha dúvida). Bem provavelmente, boa parte desses elementos estavam do lado da Disney quando o pastor Silas Malafaia condenou o monopólio estadunidense por causa da presença de uma cena de um beijo gay em um de seus desenhos recentes. Com uma esquerda dessas, quem precisa de Malafaia, Feliciano, Bolsonaro, Moro, Edir Macedo, Dallagnol, MBL, Bretas, Fux, Magno Malta, Carlos Fernando dos Santos Lima, Alckmin, Serra, Dória, FHC, Aecim do pó branco, general Mourão, família Marinho e companhia limitada?
8 – Mas o que esperar de uma esquerda que após a morte de Marielle Franco praticamente só ficou batendo na tecla de palavras de ordem como misigionia e não se deu conta de que o assassinato da política carioca do PSOL foi sintomático do fato de que o país caminha a passos largos para se tornar um novo México ou uma nova Colômbia? É por causa de uma esquerda dessas, que muito mais interessada está em lacrar e que quando critica Bolsonaro o critica por certas frivolidades e não pelo essencial, que mais cedo ou mais tarde teremos um neocon da laia do político carioca eleito presidente do Brasil. Pois foi com o mesmo discurso de Bolsonaro que combina neoliberalismo no plano econômico e neoconservadorismo no plano social que Ronald Reagan chegou ao poder nos EUA. E assim a política brasileira caminha a passos largos para sua transformação em manicômio a céu aberto.
9 – Uma palavra sobre política externa: algo bem curioso é que no que tange à política exterior tanto a direita dos valores sem a esquerda do trabalho quanto a esquerda lacradora (incluindo partidos como o PSTU e o PSOL) estão de acordo. Ambas na prática apoiam as ações do imperialismo das nações hegemônicas sobre nações mais fracas (incluindo na Líbia, na Síria, na Venezuela e outras). Uma mais ostensivamente, outra mais veladamente. A tal ponto que vemos tanto Jair Bolsonaro quanto o ex-BBB Jean Wyllys, um dos ícones dessa esquerda e que tanto ajudou a impulsionar a popularidade de Bolsonaro por meio de pautas como o kit gay, abominarem e pedirem pela queda da Venezuela bolivariana e serem a favor de Israel.
10 – Criticar Bolsonaro por causa, por exemplo, por ter votado a favor das maldades do governo Temer, do impeachment fraudulento de Dilma Rousseff, a favor da entrega do pré-sal aos gringos, por seu plano de governo voltado ao 1% mais rico do país, por sua omissão em questões como a auditoria da dívida pública e a regulação dos meios de comunicação, de sua política econômica neoliberal e política externa de atrelamento para com as grandes potências (em especial EUA e Israel – e nisso ele, diga-se de passagem, apenas repete o discurso proferido pelo Serra em 2016, quando o político paulista foi empossado no Itamaraty na sequência do fraudulento impeachment de Dilma Rousseff) é legítimo. Mais do que isso: são os motivos certos pelos quais o político carioca pode e deve ser criticado. Já criticá-lo só por causa de certas frivolidades simplesmente não dá. Nunca que o fenômeno Bolsonaro, que é um sintoma da ferida que o conluio Globo-Lama Jato está legando ao país, será contido só batendo na tecla do machismo, da misoginia, da homofobia, transfobia e porretes linguísticos afins. Pelo contrário, vai ficar nessa rinha de galo, com os dois lados se retroalimentando entre si ad eternum. Por isso que é imperativo tanto à esquerda quanto à direita tupiniquim abandonarem seus respectivos figurinos gringos.
Fontes:
As forças que golpearam Dilma Rousseff e a eleição de 2018. Disponível em: https://duploexpresso.com/?p=99685
Coiso x Coisa? O debate é sobre pré-sal, Eletrobrás, CLT, 13º salário, aposentadoria, democracia... Disponível em: https://duploexpresso.com/?p=99639
Marilena Chauí explica o ódio no Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GsuQIAwImsU&ab_channel=TV247
Quem botou a cabeça do Bolsonaro para fora? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V9e3YkFCIy8&ab_channel=ConversaAfiadacomPauloHenriqueAmorim
Pr. Silas Malafaia: Protesto! Disney quer erotizar as crianças! Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kcMd91V5gEk&ab_channel=SilasMalafaiaOficial
PSTU e a esquerda chave de cadeia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=n387256JC-8&ab_channel=CausaOperariaTV

Um comentário:

  1. Muito bom. essa esquerda "moderninha" esqueceu-se do que é mais importante: a soberania do país e o bem estar do povo. Ficam aí batendo cabeça com essa direita conservadora, com discussões intermináveis de cunho moral (não é que não deva ser discutido, mas são coisas irrelevantes perto de outros problemas que temos) e esquecem-se de fazer a lição de casa, aquilo que transformou a esquerda em força política e levou o PT a ganhar 4 eleições seguidas.

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