segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Bolsotucanismo - Tucanos e aves do terror.



Foto – Moro e Bolsonaro (vulgo Zobo): as duas faces de Janus contrapostas entre si.
Recentemente, o juiz Sérgio Moro (vulgo Judge Murrow) aceitou o convite para fazer parte de seu governo. Ao que tudo indica, Moro (que poucos antes do primeiro turno das eleições presidenciais soltou uma delação de Antônio Palocci na qual o ex-prefeito da cidade de Ribeirão Preto acusa Lula e Dilma de ter conhecimento de todas as tramas de corrupção da Odebrecht e da Petrobrás durante seu governo. Delação essa que foi recusada pelo Ministério Público por falta de provas) será ministro da Justiça do governo Bolsonaro (cargo esse que foi ao oferecido ao juiz paranaense pelo vice de Bolsonaro, General Hamilton Mourão, faz algumas semanas). Em minha opinião, isso é um escárnio. Trata-se da consolidação da meganhagem de toga e de farda na política brasileira. Fazendo uma analogia, é o mesmo que em uma final da Copa do Brasil (ou do Campeonato Brasileiro nos tempos em que ainda havia o sistema misto, antes da adoção do sistema de pontos corridos. Que espero que um dia volte, diga-se de passagem), em um jogo entre Vasco e Flamengo o juiz anular dois ou três gols legítimos e expulsar metade do time de São Januário, marcar três ou quatro pênaltis inexistentes e não anular dois ou três gols em posição de impedimento a favor do Flamengo e ainda após o jogo ser agraciado com um alto cargo na diretoria do clube da Gávea. E de quebra também anunciarem que o juiz em questão recebeu o convite durante o jogo.
Mas isso por outro lado não é não de se surpreender, levando em consideração o fato de que Moro é um tucano e Bolsonaro nada mais é que um tucano de retórica truculenta e sem a pose de bom moço que políticos como Dória, Aécio Neves, José Serra, FHC, Alckmin e outros tucanos de alta plumagem não têm. Ou seja, no futuro governo Bolsonaro Moro estará em casa para continuar a fazer a politicagem que vem fazendo desde 2014. Em outras palavras, ele está assumindo ao Brasil o que ele realmente é: um político de toga a serviço da Casa Grande. Com a diferença que nessa posição terá ainda mais poder para fazer o que ele já faz no comando da camarilha do Paraná. Também se comenta em seu nome para ser candidato para a presidência da República em 2022.
Em seus vários artigos publicados na Revista Caros Amigos, Gilberto Felisberto Vasconcellos cunhou o termo “petucanismo”, referente às semelhanças de cosmovisões e narrativas discursivas entre petistas e tucanos. Posteriormente, o professor catarinense Nildo Ouriques também fez uso do termo, para referir-se aos pontos em comum entre os dois partidos nas políticas que ambos implementaram a partir de 1995.
Inspirando-me no petucanismo do ex-colunista da finada Revista Caros Amigos, aqui eu cunho o termo “bolsotucanismo” para referir-me a fenômeno similar, só que no tange a tucanos e a Jair Bolsonaro e seu entorno político-ideológico. Se os petistas padecem do problema de repetirem muitas das mesmas narrativas dos tucanos (em grande parte devido a suas origens uspianas), no essencial Bolsonaro e os tucanos defendem as mesmas coisas e também se utilizam das mesmas narrativas. Política externa de atrelamento às grandes potências (e nisso Bolsonaro apenas repete o discurso de Serra de quando o tucano paulista assumiu o Itamaraty no governo Temer), agenda econômica neoliberal (e o que é Paulo Guedes? Nada menos que o Armínio Fraga de Bolsonaro), estado mínimo, insensibilidade social, governo para o 1% mais rico do país, entre outros pontos em comum entre os dois. Além disso, tanto Bolsonaro quanto os tucanos olham a questão da corrupção de forma bem similar: como sendo um problema da elite política incrustrada no Estado que o privatiza para si, tendo como base leituras como a de figuras do conservadorismo liberal tupiniquim como Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda, e não da ingerência do “impoluto” mercado no Estado de que Marx já falou em 1848. O ódio ao pobre e aos desfavorecidos do sistema de modo geral igualmente os une. Com a diferença que em um é mais aberto e em outro mais velado.
Vemos também tanto em alguns tucanos como Dória quanto em Bolsonaro a criação de uma imagem de forasteiro do sistema, onde ambos surfaram na onda de criminalização da política e do antipetismo rábico iniciada pela Lava Jato em conluio com a Rede Globo a partir de 2014. Quando em realidade tal monólogo (parafraseando Robert Rams) não passa de um conto da carochinha, ainda mais tendo em vista que estamos falando de um lado de um sujeito que está na política há três décadas, já acumula sete mandatos como Deputado Federal e colocou seus filhos na política e de outro um sujeito que só para começo de conversa pertence a uma família poderosa na política e na economia brasileira desde os tempos coloniais. Moro não só deu início a tal monólogo aqui no Brasil como também dele se utilizou nesse tempo todo, passando ao país uma imagem de moralizador da política e de forasteiro do sistema sendo que ele, um sujeito que para começo de conversa pertence a um dos poderes mais corruptos da nação (onde salários muito acima do que a lei permite para funcionários públicos são muito comuns, geralmente turbinados por penduricalhos dos mais variados) e que protegeu os tucanos no caso Banestado, também é parte desse mesmo sistema.
Em artigo recente publicado em próprio blog pessoal, Alfarrábios, o próprio Gilberto Felisberto Vasconcellos diz o seguinte a respeito do fenômeno Bolsonaro:
“Os pruridos culturais serão desmanchados rapidamente em função do dinheiro e do poder. Dória, o trumpinho bandeirante, declara-se fervoroso adepto do bolsonarismo. É que no fundo em todo tucano existe um Jair Bolsonaro nadando nas águas do anticomunismo”.
Partindo dessa premissa, de que todo tucano em realidade é um Bolsonaro enrustido e que o Bolsonaro nada mais é que um tucano sem pose de bom moço e que por trás da bela plumagem dos tucanos (animal notório por sua predação dos ovos de aves como a arara-azul em lugares como o Pantanal) se esconde uma pavorosa e horrenda ave do terror (referência a um grupo de aves predadoras incapazes de voar que viveram entre 60 a 1,8 milhões de anos atrás nas Américas [entre o Paleoceno e Mioceno], e que compreendem vários gêneros, todos eles pertencentes à família Phorusracidae) esperando o momento certo para se revelar, nós chegamos à conclusão de que o bolsotucanismo nada mais é a expressão político-ideológica do velho reacionarismo de parte significativa da sociedade brasileira, atravessada pelo secular legado da escravidão que até hoje a molda, a despeito de a escravidão ter sido abolida formalmente há 130 anos. De um lado, temos a cara polida, refinada e elegante e a pose de bom moço representada não apenas pelos tucanos como também por outros partidos orgânicos da elite brasileira como o DEM e o PMDB. E de outro, o discurso mais abertamente truculento, escravocrata e reacionário representado por aves do terror como o holding familiar Bolsonaro e Wilson Witzel (governador do Rio de Janeiro eleito recentemente).
Não apenas os políticos em questão como também programas policiais como Cidade Alerta e Ratinho e filmes como Tropa de Elite (a despeito de ter tido méritos em questões como a exposição da hipocrisia da classe média universitária dos bairros nobres do Rio de Janeiro no que toca ao problema do tráfico de drogas no primeiro filme e as ligações do alto escalão da política com o tráfico no segundo filme) onde se reforça a ideia de que bandido bom é sinônimo de bandido morto (especialmente quando o indivíduo em questão é negro e/ou pobre morador de favela e não veste roupas chiques e caríssimas e não mora em condomínios fechados e/ou bairros nobres. Em outras palavras, gourmet or not gourmet, that’s the question) nada mais são que uma expressão dessa chaga secular. Eles são apenas a ponta do iceberg do problema, e enquanto o Brasil nunca questionar o legado de meio milênio de escravidão e abolir tal chaga de uma vez por todas, tais aves do terror (quer sejam elas travestidas de tucanos, araras, papagaios, cacatuas ou outras aves de exuberante plumagem, quer sejam elas aves do terror que se assumem enquanto tais) continuarão a aparecer na política com sua demagogia barata ad eternum.

Foto – Reconstituição de uma Titanis, uma das chamadas “aves do terror”. De origem sul-americana, foi o único grupo dessas aves predadoras que durante o Grande Intercâmbio Americano que se seguiu à formação do istmo da Panamá que colonizou a América do Norte.
Não é a toa que boa parte daqueles que antes votavam nos tucanos transferiram seu voto para o político carioca (especialmente as alas mais reacionárias da classe média nacional) em 2018. E não é à toa também que Bolsonaro não apenas pediu votos para Aécio Neves como também disse que gostaria de ser o vice-presidente do político mineiro de alma carioca em 2014. Que esse ano o tucano João Dória se aproximou da ave do terror Jair Bolsonaro durante o pleito eleitoral. Que a classe dominante nacional, ao ver que seus candidatos de predileção não decolaram nas pesquisas de intenção de voto, apostou suas fichas em Bolsonaro. E que agora Moro aceitou fazer parte do governo Bolsonaro. Tudo isso nada é que expressões daquilo que eu chamo de “bolsotucanismo”, as duas faces de Janus no âmbito político-ideológico do velho reacionarismo das elites e alas mais reacionárias da classe média tupiniquim de matiz escravagista.

Foto – Moro junto de tucanos e Michel Temer.
Fontes:
Aves do terror. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aves_do_terror
Darcy Ribeiro, na visão de Gilberto Vasconcellos: pensador rebelde e anti-imperialista. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias/noticias-2015/546955-darcy-ribeiro-na-visao-de-gilberto-vasconcellos-pensador-rebelde-e-anti-imperialista
JAIR BOLSONARO criou um personagem no The Economist e a falsa bandeira do Judiciário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OMfL5GvTbyo&ab_channel=InternationalPostResearchOk
Se a Rede Globo não for à missa, o Cristo Redentor será jairedirevangélico. Disponível em: http://gilbertofelisbertovasconcellos.blogspot.com/2018/10/se-rede-globo-nao-for-missa-o-cristo.html

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