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– .Petucanismo em ação.
Reflexão
XVI – Será que em algum momento o PT
quis de fato desafiar a hegemonia burguesa no Brasil?? Ainda mais levando em conta que o
PT é um partido que sempre foi refratário às experiências do chamado socialismo
real, como as vistas em países como a União Soviética, a Mongólia, a Coréia do
Norte, a China, o Vietnã, a Albânia e a Iugoslávia. E que foi gestado
ideologicamente na mesma USP de onde saíram os tucanos. Além disso, é um
partido que ingenuamente acreditou que a burguesia industrial é a boa
burguesia, crença essa hoje professada também por Ciro Gomes (ao qual Nildo
Ouriques também tece críticas). Talvez, essa propensão à socialdemocracia por
parte do PT fosse algo que já estava posta antes mesmo de Lula tornar-se
Presidente da República, agravando-se depois, uma vez no poder, na medida em
que foi abrandando o radicalismo de antes.
Reflexão
XVII – É só lembrar-se do contexto internacional dos anos 1980, a época da
fundação e primeiros anos do PT: era um momento em que o bloco soviético
agonizava, no que culminou com a vitória dos EUA na Guerra Fria e a debacle da
União Soviética em 1991 e da Iugoslávia alguns anos mais tarde. Além disso, há
a abertura econômica da China iniciada após a morte de Mao Zedong, o
fortalecimento da Alemanha com a reunificação de 1989 e o arranque neoliberal
mundial com os governos de Pinochet no Chile nos anos 1970 e Ronald Reagan nos
EUA e Margaret Thatcher na Inglaterra nos anos 1980. Falava-se na época que
chegou o “fim da história”. Dessa forma, o PT concebeu uma estratégia política
não de tomada de assalto do Estado pela via revolucionária (não havia clima
para isso na época, afinal), mas de subida ao poder pela via eleitoral, dentro
dos marcos da democracia burguesia e assim operar uma série de transformações
sociais e políticas em favor da classe operária. O que de fato conseguiu em
2002, e depois em 2006, 2010 e 2014, até ser apeado do poder em 2016. Mas para
tal teve que fazer uma série de alianças com partidos como o PMDB.
Reflexão
XVIII – Dadas as semelhanças de cosmovisões entre os dois partidos, a
acomodação dos dois no sistema político brasileiro não era uma situação cujas
condições já existiam antes mesmo do PT subir ao poder? Mas, por mais que tenha
havido tal acomodação, isso não tornou o PT em um partido orgânico da elite
brasileira como o PSDB ou o PMDB. A elite brasileira jamais irá aceitar um
partido com histórica ligação com sindicatos e alta capilaridade social como o
PT como um de seus partidos orgânicos. E os eventos vistos de 2016 em diante
mostram claramente isso. Ou será que tudo o que foi feito contra o PT nesses
anos todos foi mero acaso do destino?
Reflexão
XIX – A “digestão moral da pobreza” de que Nildo Ouriques fala seria, em meu
entendimento, uma situação na qual a pobreza se torna algo aceitável para o
indivíduo, ao mesmo tempo em que a secular abissal desigualdade social não
sofre grandes abalos. Errou-se ao integrar o pobre através apenas do consumo,
mas isso não muda o fato de que os programas sociais dos governos Lula e Dilma tocaram
em determinados vespeiros da sociedade brasileira. Vide a reação aos rolezinhos
e queixas do tipo “aeroporto virou rodoviária”.
Reflexão
XX – Se o PT, desde o início, tivesse colocado em pauta temas espinhosos como
reforma agrária, regulação dos meios de comunicação e taxação de grandes
fortunas, teria sido derrubado logo de cara, ainda no mensalão, quiçá não teriam
deixado Lula tornar-se Presidente em 2002. Ou será que foi por mera casualidade
que a ação golpista que levou à derrubada de Dilma se iniciou logo depois que
ela tentou baixar as taxas de juro, em 2012? E assim atacando a verdadeira
mamata, a do sistema financeiro?
Reflexão
XXI – Lembro-me muito bem que em meu tempo de estudante universitário (tanto na
graduação quanto na pós-graduação) tive um contato próximo ao nulo com autores
como Ruy Mauro Marini, Alberto Guerreiro Ramos, André Gunder Frank e outros
expoentes da Teoria Marxista da Dependência, ao passo que tive grande contato
com autores prestigiados no meio acadêmico como Fernand Braudel, Immanuel
Wallerstein, Perry Anderson, Sérgio Buarque de Holanda e outros. Um bom exemplo
de como senti na pele toda essa situação descrita por Nildo Ouriques não apenas
no livro como também em várias palestras dele. Muito embora tais autores da
Teoria Marxista da Dependência nem ao menos conhecesse na época. Só fui saber
que eles existem a partir de 2015, quando comecei a ver palestras de Nildo
Ouriques e outras figuras do IELA na Internet.
Reflexão
XXII – Uma vez, Nildo Ouriques fez críticas a Jessé Souza, a ponto de dizer que
o sociólogo potiguar é um “falso profeta”. Também apresentou críticas a ele no
Duplo Expresso. Mal ele sabe que foi depois de ler a obra de Jessé Souza que eu
comecei a compreender melhor o petucanismo de que ele e Gilberto Felisberto
Vasconcellos tanto falam. Passei a compreender o petucanismo como um fenômeno
ideológico no qual o discurso da esquerda é muito influenciado pelo discurso da
direita e que não está circunscrito apenas a duas legendas partidárias em
específico. Pelo contrário: é um fenômeno que abarca praticamente todo o
espectro político nacional, tanto a esquerda quanto a direita. Também foi
depois de ler os livros de Jessé Souza que passei a entender o motivo pelo qual
em vida Brizola e Darcy Ribeiro classificavam o PT como “esquerda que a direita
gosta” e “galinha que cacareja pela esquerda e bota ovos pela direita”. Quando
você junta todos esses pontos, as coisas ficam claras.
Reflexão
XXIII – Jessé Souza pode ter suas lacunas, mas em suas obras ele traz uma
discussão muito importante, mais até que a discussão que ele traz em torno do
tema da escravidão e seu legado nos dias atuais: a respeito da práxis política
de grande parte da esquerda brasileira e a influência do discurso direitista
nela. E é ai que está a importância de nos atermos a respeito do tema do
petucanismo. Sem uma radical reformulação discursiva da parte de grande parte
da esquerda brasileira, a Revolução Brasileira de que Nildo Ouriques tanto fala
será uma mera vã utopia. Nildo Ouriques faz parte de uma ala do PSOL, ainda que
minoritária dentro do partido. E como nós sabemos o PSOL é o típico partido da
chamada esquerda pequeno-burguesa, com uma plataforma ideológica influenciada
pelo identitarismo do Partido Democrata dos EUA. E um partido desses que se
importa mais com o fato de que o gay ou o travesti pode ou não casar a Igreja,
o homem transexual pode ou não jogar na liga feminina de basquete, de vôlei ou
de MMA ou se o travesti pode ou não poder ter nome social está muito mais para
uma ONG de direitos humanos que um verdadeiro partido político de esquerda. Uma
esquerda assim, convenhamos, nasceu para ser pisada a torto e direito não
apenas pelos Bolsonaros, Felicianos e Crivellas da vida, como também pelos
chamados populistas de direita comandados por Steve Bannon, entre eles o
húngaro Viktor Órban, o italiano Matteo Salvini, o inglês Boris Johnson, o
estadunidense Donald Trump, o polonês Jaroslaw Kaczynski[1] e a francesa Marine Le
Pen.
Uma
coisa é certa: a Revolução Brasileira não irá se concretizar com cirandinhas
típicas da esquerda pequeno burguesa, muito menos gritando “o Lula tá preso,
babaca”, “o PT precisa de autocrítica” e discursos similares que soam como se
fossem palavras proferidas por partidários de Bolsonaro e outros figurões da
direita. Ou quem sabe votando a favor de reforma da previdência e de
privatização da água ou surfando na onda do antipetismo raivoso insuflado pela
Operação Lava Jato, como tem feito certo pedetista ultimamente.
Reflexão
XXIV – Falando em Steve Bannon (o qual Nildo Ouriques parece subestimar quando
diz que a ascensão de Bolsonaro nada teve haver com Bannon e o esquema de
comunicação Cambridge Analytica, apenas o desgaste do petucanismo – sendo que
Bannon alavancou não apenas a eleição de Trump nos EUA, como também na Europa
políticos como Matteo Salvini na Itália, Viktor Órban na Hungria e Nigel Farage
na Inglaterra e o Brexit na Inglaterra), recentemente vi um vídeo dele, no qual
diz que existem Martins Bannons (o nome do pai dele) em todo o mundo e que
agora está se desenrolando uma revolução do cidadão comum. E é essa a
perspectiva que grande parte da esquerda nesses anos todos perdeu ao embarcar na
onda do identitarismo inspirado pelo Partido Democrata dos EUA e assim fazendo
desses partidos verdadeiras ONGs de direitos humanos. E o que os populistas de
direita hoje no mundo inteiro fazem não é outra coisa se não preencher e ocupar
esse espaço que a esquerda, principalmente a partir do fim da Guerra Fria,
deixou para trás. E enquanto não recuperarmos essa perspectiva, de a esquerda
voltar a fazer o trabalho de massas que antes fazia, nada de Revolução
Brasileira. Ou quem sabe até terá Revolução Brasileira, mas comandada por algum
populista de direita estilo Salvini ou Órban.
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