quarta-feira, 29 de julho de 2020

Quem chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro? (Resumo do livro "A guerra contra o Brasil", de Jessé Souza, 4/6).



Foto - Dudu Bananinha e Steve Bannon juntos.
- A relação da família Bolsonaro com Steve Bannon e sua turma é envolta em mistérios. Conhecem-se desde no mínimo 2017, quando o lobista Gerald Brandt convidou os Bolsonaro para um tour de apresentação à extrema direita dos EUA. Em agosto de 2018, 03 confirmou a participação de Bannon na campanha do pai, admitindo seu papel como “conselheiro” e que “nada de financeiro” houve (páginas 174-175).
- Para a extrema direita dos EUA, que já faz algum tempo se preparava para uma expansão internacional, Bolsonaro representava a figura ideal de exportação para o sul global, tal qual o Brexit representou sua inserção na Europa (página 175).
- A campanha bolsonarista foi um perfeito exemplo das táticas de Bannon, antes usadas na eleição de Trump e no Brexit, só que aplicada às colônias. No Brasil não se podia falar em ameaça islâmica e nem em orgulho nacional de potências imperialistas que se olham como racialmente superiores. A ênfase teria que estar nos costumes e na segurança pública, ao passo que o nacionalismo teria que entrar como bandeira vazia, mera alusão a símbolos nacionais sem qualquer significado econômico (páginas 175-176).
- Tanto nos EUA quanto no Brasil, a emancipação de minorias do progressismo neoliberal é elegida como o inimigo comum da vez (página 176-177).
- Do mesmo modo que os valores do neoliberalismo progressista defende nos EUA foram transformados nos culpados pela pobreza e pelo desemprego americano, a defesa de minorias perseguidas foi criminalizada pelo bolsonarismo. A partir disso, todos os ressentimentos privados e todos os desejos reprimidos do eleitorado puderam ganhar expressão política (páginas 180-181).
- Como forma de ameaçar e chantagear a elite brasileira e sua imprensa, Bolsonaro usa outra tática de Bannon e Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa): posa-se perante a população como o lutador contra o “sistema”, abstrato e nunca definido exatamente para ganhar o rosto do inimigo da vez (páginas 186-187).
- O WhatsApp possui uma lógica distinta de outras redes sociais: as conversas são privadas, restritas a grupos de amigos e familiares. Como a fonte das notícias é desconhecida, a credibilidade de cada notícia é atestada por quem a enviou primeiro para o grupo, geralmente um parente de confiança (página 190).
- O segredo da eficácia dessas redes é o anonimato das fontes. Assim, torna-se possível opor a credibilidade da imprensa tradicional ou de fontes alternativas à credibilidade familiar, do pastor da Igreja ou dos amigos mais próximos. Foi nessas redes que a vitória eleitoral (fraudada previamente de várias maneiras) do miliciano carioca foi obtida. É por meio delas que as bolhas de contrainformação de Igrejas e milícias blindam grupos sociais inteiros contra qualquer reflexão crítica (páginas 190-191).
Reflexão XIX – Como já dito na introdução, Nildo Ouriques diz que a ascensão de Bolsonaro ao poder nada teve haver com Bannon e o sistema de comunicação Cambridge Analytica. Mas, só para começo de conversa, como Bolsonaro, que foi um Deputado inexpressivo do baixo clero durante 27 anos chegaria à Presidência da República sem um massivo sistema de comunicação nas redes sociais, em especial o Facebook, o WhatsApp e o YouTube? Segundo Thiago dos Reis, do canal do YouTube “Plantão Brasil”, o sistema de comunicação o Bolsonaro atua da seguinte maneira: pega as narrativas que a imprensa tradicional veicula em seus telejornais, e em seguida a distorce criando a própria narrativa. Exemplo claro dessa forma de distorção da realidade pode ser visto nos eventos das manifestações do “Ele não”, ainda em 2018, na qual o sistema de comunicação de Bolsonaro nas redes sociais utilizou-se de fotos de manifestações ocorridas em outros lugares como forma de desmoralizar as mulheres que saíram às ruas para protestar contra a possibilidade do miliciano carioca tornar-se Presidente da República. E é graças a tal sistema que Bolsonaro ainda se mantem no poder, embora precariamente. E isso sem contar com o gabinete do ódio dos filhos mafiosos do Presidente, que exerce o papel de destruir a reputação dos rivais políticos e ex-aliados do Presidente nas redes sociais (vide o finado Bebbiano, Dória, Joice Hasselmann e Moro). Sem toda essa estrutura de comunicação (que agora está migrando para o cirismo) que Bolsonaro adquiriu por meio da assessoria recebeu de Bannon, o miliciano carioca jamais sairia do ponto em que estava até então.
Reflexão XX – Além disso, Nildo Ouriques parece subestimar Steve Bannon, que comanda ao lado do belga Mischael Modrikamen um movimento de Extrema Direita mundial, o The Movement, espécie de Internacional fascista dos dias de hoje, que atua principalmente na América do Norte e na Europa. Bannon não apenas ajudou Trump a se eleger presidente dos EUA (com os dois rompendo posteriormente), como também alavancou o Brexit na Inglaterra e políticos como o húngaro Viktor Órban, o italiano Matteo Salvini (ao qual o Evo Morales entregou o Cesare Battisti), o holandês Geert Wilders e assessorou Marine Le Pen na última eleição francesa. Além disso, Bolsonaro tentou indicar seu terceiro filho, o Dudu Bananinha, como embaixador em Washington não por mera questão de nepotismo (típico da familícia Bolsonaro), mas para uma criar uma ponte de comunicação direta com a extrema direita norte-americana, com Bannon e Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa). Ele, que foi indicado pelo próprio Bannon como o embaixador do The Movement na América Latina.
Reflexão XXI – Falando em América Latina, Nildo Ouriques, Waldir Rampinelli e outras figuras do IELA (Instituto de Estudos latino-americanos), que com razão criticam o eurocentrismo (que, diga-se de passagem, mesmo em termos de Europa é bem excludente, na medida em que privilegia muito a parte ocidental do Velho Continente e marginaliza as demais) no ensino de ciências humanas no Brasil, parecem padecer de certo latinoamericanocentrismo. Haja vista que o Presidente do IELA já chegou a dizer que não há uma ascensão de governos de direita. Se ele desse uma olhada a leste do Atlântico, veria a ascensão dos populistas de direita na Europa como Matteo Salvini na Itália, Viktor Órban na Hungria, Adrzej Duda na Polônia, Marine Le Pen na França, Boris Johnson na Inglaterra e Geert Wilders na Holanda. Na Alemanha, o AfD tornando-se a segunda força política do país de Goethe, Nietzsche e Wagner e ocupando o lugar antes ocupado pelo SPD, o partido político alemão mais antigo em atividade e fora do poder desde 2005. E mais o golpe de Estado que levou à queda de Viktor Janukovyč na Ucrânia em 2014 que a Sara Winter quer trazer para o Brasil. Na Ásia, governos como o de Rodrigo Duterte nas Filipinas e de Narendra Modi na Índia. No mundo muçulmano, queda de Muammar al-Kaddafi na Líbia em 2011, sucessivos golpes de Estado no Egito a partir de 2011, guerra civil síria a partir de 2011, Estado Islâmico em países como Iraque, Síria, Líbia e Nigéria, Boko Haram na Nigéria. Como não dizer que há uma onda reacionária em várias partes do mundo?

domingo, 26 de julho de 2020

Quem chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro? (resumo do livro "A guerra contra o Brasil", de Jessé Souza, 3/6).



Foto - A hidra.
- Em associação com a mídia venal (Globo à frente), a Lava Jato forma uma frente extraparlamentar nas ruas formada basicamente pela classe média branca e estabelecida, retirando qualquer possibilidade de continuação do governo eleito nas urnas, que já se via às voltas com as pautas-bomba (vindas de parlamentares como Eduardo Cunha e Aécio Neves) destinadas a tornar inviável seu governo (página 171).
- Com a Lava Jato, cria-se um clima de um crescente sentimento de que todo o processo era conduzido segundo um complô elitista contra os interesses da população e à revelia do voto popular que esgarça o consenso democrático construído a duras penas a partir de 1985 (página 172).
- A Lava Jato opera uma ofensiva que criminaliza não só o PT, mas a própria classe política enquanto tal. O aparato jurídico-policial atua no sentido de estigmatizar toda a atividade política para ocupar o vácuo de poder em seu benefício, ao passo que o interesse da elite era defenestrar o PT do poder para colocar seus representantes orgânicos no poder (página 172).
- A ideia era primeiro exercer o poder sem a necessidade do voto para em seguida montar um fundo partidário com o saque da Petrobrás e da Odebrecht. Para isso, valendo-se do falso moralismo do combate à corrupção (página 172).
- A Lava Jato avança e se torna fiadora de todo um arranjo de poder viável, valendo-se de expedientes como chantagens, extorsões e intrigas que contamina toda a atividade política. Que por sua vez conta não apenas com a blindagem da grande mídia, como também apoio do Departamento de Estado norte-americano (páginas 172-173).
- A Lava Jato começa a almejar sua perpetuação e institucionalização duradoura por meio de dossiês e ameaças mais ou menos veladas a todas as instâncias de poder estatal e do dinheiro proveniente do acordo com os ianques. Ao que tudo indica, os termos desse “acordo” envolveram a destruição do setor de engenharia civil de ponta brasileiro e a entrega da Petrobrás, do mercado de petróleo, gás e gasolina e sua capacidade de refino via criminalização e estigmatização das empresas brasileiras. Em troca de dinheiro e “parceria técnica” para o projeto privado de poder de Moro, Dallagnol, Palludo e companhia limitada (página 173).
- A Lava Jato tentou colocar o PSDB, partido orgânico da elite brasileira, de volta ao poder. O antipetismo reinante na mídia hegemônica almejou localizar o descontentamento só no PT, intentando mata-lo de vez. Só que a caixa de Pandora foi aberta, e o público passou a desconfiar de todos os políticos e de toda a política. Assim, os brasileiros chegam à eleição de 2018 com ódio da política, que, para eles, é a causa de sua pobreza crescente e falta de esperança (página 174).
- Assim se dá o pulo do gato Lava Jato-Bolsonaro. Dado o desgaste dos políticos da direita tradicional, Bolsonaro, até então um Deputado Federal do baixo clero inexpressivo e ligado a milicianos cariocas, se mantem como o único candidato capaz de fazer frente ao Partido dos Trabalhadores. Com Lula convenientemente preso para não disputar a eleição, Bozo desponta como a única opção do campo conservador para tentar vencer Fernando Haddad (página 174).
Reflexão XIII – A meu ver, toda essa ofensiva da Lava Jato contra o sistema político brasileiro também foi possível em grande medida não apenas pela blindagem da grande mídia, como também o desconhecimento a respeito do Moro de antes da Lava Jato, quando foi convivente com a corrupção tucano em episódios como a Operação Maringá e o caso Banestado e suas ligações um tanto nebulosas de longa data com doleiros tais como Dario Messer (o rei dos doleiros), Nelson Belotti e Alberto Yousseff (cujos nomes apareceram tanto no Banestado quanto na Lava Jato). Assim como o silêncio em torno do caso Tacla Duran, envolvendo o submundo da indústria das delações premiadas e da própria Operação Lava Jato.  Caso esse que agora Augusto Aras, atual Procurador-Geral da República, tirou da gaveta. Assim Moro pode criar a imagem de paladino da honestidade e da moralidade que veio passar o país a limpo e acabar com o flagelo da corrupção. Vide o caso de José Padilha, diretor dos dois filmes Tropas de Elite e do seriado do Netflix “O mecanismo”, que até Moro virar ministro de Bolsonaro achava que ele era uma espécie de samurai ronin (algo que ele nunca foi, visto que no Japão pré-moderno ronin era o termo usado para samurais que não serviam a senhor feudal algum, sendo que Moro sempre foi ligado aos tucanos do Paraná desde que se tornou juiz).
Reflexão XIV – Hoje muito se fala do gabinete do ódio do governo Bolsonaro, comandado pelo 02 e pelo 03 e que agora, visto que o barco bolsonarista está afundando, gradativamente migra para o cirismo (quem será o Carluxo e o Allan dos Santos do cirismo?). E o que foi a Lava Jato, que acusou Lula de ser o chefe supremo dos esquemas de corrupção do país por meio do procurador da República Deltan “Mister Power Point” Dallagnol, divulgou ilegalmente grampos de uma conversa de Dilma com Lula na imprensa, ajudou a derrubar a Dilma, matou a Dona Marisa indiretamente, prendeu Lula sem provas com claro intento politiqueiro e atuou como juiz ladrão nas eleições 2018, se não a predecessora direta do gabinete do ódio dos filhos mafiosos do Presidente e indireta do gabinete do ódio dos ciristas? A esquerda precisa abir o olho a respeito do novo aspirante a Bolsonaro, o Cirão da Massa.

Reflexão XV – E a própria Lava Jato, nesses anos todos, atuou como se fosse uma espécie de milícia jurídico-policial. Primeiro criando uma ordem jurídica paralela, literalmente rasgando a Constituição de 1988, algo visível principalmente no processo politiqueiro que levou à prisão de Lula. Depois usando métodos análogos aos que milicianos cariocas usam, como chantagens e extorsões. Agiu como uma espécie de poder paralelo, tal qual as milícias na periferia da antiga capital federal hoje em dia. Não é de se surpreender que tenham não apenas ajudado, como também se imiscuído com um miliciano, a despeito do posterior rompimento entre os dois blocos de poder.
Reflexão XVI – E quem acha que o Sérgio Moro não ia agir como juiz ladrão (parafraseando o deputado psolista Gláuber Braga) em um eventual segundo turno entre Ciro e Bolsonaro igualmente muito iludido está. Certamente puxaria algum podre pregresso do pedetista para desmoralizá-lo e favorecer Bolsonaro (incluindo o dinheiro que o político sobralense teria recebido de Marcos Valério, sobre o qual o DCM recentemente noticiou). Afinal, ele não conspirou dia e noite a partir de 2014 para que um esquerdista volte ao poder pela via eleitoral e execute uma agenda diferente daquela dos golpistas que derrubaram a Dilma em 2016. Caiu assim por terra o argumento cirista de que o Cirão da Massa era o candidato mais indicado para enfrentar o miliciano carioca no segundo turno das eleições 2018 por causa do antipetismo.

Reflexão XVII – O que os ciristas não percebem é que o tal do sentimento antipetista de que eles falam é uma meia-verdade. Na verdade, o que houve nas eleições de 2018 é um sentimento de ódio e repulsa não apenas ao PT, como também a todos os políticos e siglas partidárias, inoculado na população pelas intrigas da Operação Lava Jato. Algo evidente quando vemos que os políticos da direita tradicional não apenas foram repudiados em manifestações a favor do impeachment de Dilma (vide a manifestação de 2016 em São Paulo na Avenida Paulista, na qual Alckmin e Aécio Neves foram xingados e hostilizados pelos manifestantes), como também nenhum deles emplacou e foi ao segundo turno das eleições 2018. Políticos esses que a Lava Jato e a elite brasileira originalmente queriam colocar no poder e que foram os verdadeiros perdedores de 2018 (diga-se de passagem, os ciristas se prendem muito ao resultado do segundo turno e se esquecem do desempenho pífio dos políticos da direita tradicional no primeiro turno). Bolsonaro simplesmente capitalizou tal situação em seu favor, surfou na onda da Lava Jato e criou para si uma imagem de forasteiro do sistema que veio moralizar a coisa toda (isso e mais a ajuda da facada e da assessoria de Steve Bannon e do esquema de comunicação Cambridge Analytica).

Reflexão XVIII – Nildo Ouriques diz que a ascensão de Bolsonaro se deu por causa do desgaste do sistema petucano. Mas o que foi o desgaste do sistema petucano de que fala, se não a terra arrasada da Operação Lava Jato sobre o sistema político brasileiro e assim reproduzindo aqui o desastre político que a Operação Mãos Limpas legou à Itália nos anos 1990? Mais precisamente, uma consequência do jogo politiqueiro da Lava Jato em conluio com a mídia venal?

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Quem chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro? (resumo do livro "A guerra contra o Brasil", de Jessé Souza, 2/6).



Foto - Moro chocando o ovo da serpente.
Reflexão IV – Hoje a Globo, que foi a ponta de lança midiática do golpe contra Dilma, fala em pedir perdão ao PT. O mesmo PT que encheu a Globo de dinheiro por meio de investimentos em verba publicitária nos 13 anos em que ficou no poder. Será que a Globo falaria em pedir as pazes com o Partido dos Trabalhadores caso Bolsonaro continuasse a encher as burras da Rede Globo, que nem os governos anteriores a ele fizeram? Óbvio que não. Bem feito para a emissora da família Marinho, que agora se encontra em uma situação de contingenciamento financeiro a tal ponto que vem fazendo uma série de demissões e cortes de salários dos funcionários.
Reflexão V – Imaginemos o seguinte cenário: suponhamos que o golpe de 2002 contra Hugo Chávez na Venezuela tivesse triunfado, e no caos gerado por esse mesmo golpe surgisse um coronel de Extrema Direita, uma espécie de Órban venezuelano, que com o tempo resolvesse tomar medidas contra a RCTV. A mesma que foi o braço midiático do fracassado golpe de 2002 contra Chávez e que em 2007 não teve sua concessão renovada pelo mesmo Chávez. E ai a RCTV, no desespero, resolve pedir perdão a Chávez. O que a Globo faz hoje no Brasil é a mesmíssima coisa. No desespero, resolve pedir perdão até mesmo para aquele que ela derrubou lá atrás, da forma mais cínica possível.
Reflexão VI – Nos últimos anos, não foram poucos os partidos e/ou políticos de esquerda que chegaram ao ponto de prestar apoio à Lava Jato, como o caso da psolista Luciana Genro. A mesma Luciana Genro que chegou ao ponto de apoiar o golpe de Extrema Direita na Ucrânia e a se posicionar a favor da queda de Maduro na Venezuela. Também tivemos o caso de Fernando Haddad, que chegou a dizer que Moro vinha fazendo um bom trabalho a despeito de erros na prisão de Lula. Isso foi o que me motivou a anular meu voto no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Como uma esquerda que, salvo raras exceções, não viu desde o início todo o jogo politiqueiro da Lava Jato e não enfrentou Moro, Dallagnol, Palludo e companhia limitada em seu campo, o campo da política, é que o golpe aconteceu como aconteceu e Lula ficou preso por um ano e meio. Quem precisa de Moro e Dallagnol com uma esquerda como essa que se auto-sabota, só para começo de conversa?
Reflexão VII – Muitos dos quadros que atuaram na Lava Jato também atuaram no caso Banestado no tempo do FHC. Que foi o maior esquema de desvio de divisas para o exterior da história do Brasil, que movimentou um montante de dinheiro muito maior que qualquer mensalão do PT – cerca de R$ 124 bilhões (valores da época) foram para o ralo por meio das contas CC5. Tal escândalo foi abafado por Sérgio Moro quando lá apareceram tucanos de alta plumagem como FHC e Serra e empresas de mídia. Isso para não falar dos esquemas denunciados por Rodrigo Tacla Duran, ex-advogado da Odebrecht, comandados por figuras como Carlos Zucolotto (padrinho de casamento de Sérgio Moro e ex-sócio da esposa de Moro) e Marlus Arns e as boladas bilionárias da Petrobrás e da Odebrecht (que Lula chamou de “criança esperança do Dallagnol”). O que mostra muito bem que Moro, Dallagnol, Palludo e companhia limitada têm seus corruptos de estimação. Seria o Zucolotto e Arns o Queiroz e o Wasseff da família Moro, respectivamente? E o DD, seria o (ou um dos) Queiroz da Lava Jato como um todo?
Reflexão VIII – Os partidários da Lava Jato volta e meia falam que ela recuperou cerca de R$ 1 bilhão aos cofres públicos, sendo que os prejuízos foram centenas de vezes maiores, fora os milhões de desempregados. E mesmo que tais coisas sejam ditas a eles, ainda assim defendem as ações da Lava Jato, sob a alegação de que isso foi culpa dos corruptos investigados por Moro, Dallagnol, Palludo e companhia limitada. E ainda te acusam de ser conivente com a corrupção, sendo que uma coisa não tem nada haver com a outra. Por causa dessa brincadeira toda, muitos engenheiros viraram motoristas de Uber e a economia brasileira cada vez mais se desindustrializa. Custava a Lava Jato ser cirúrgica e punir apenas os culpados, deixando o corpo das empresas intacto (como se faz em países sérios como os EUA, a França e a Alemanha)? Haja vista que na Alemanha, por exemplo, muitas das empresas que na época colaboraram e apoiaram Hitler estão até hoje no mercado, tais como a Hugo Boss, a BMW e outras tantas.
- A Lava Jato teve seu ovo chocado graças a um aparato legal que a ela permitiria posteriormente, com a conivência da imprensa elitista, pavimentar o caminho eleitoral para a queda do PT. Nisso desempenha papel importante idéias do pseudomoralismo da elite brasileira e a influência que estas exercem até mesmo na esquerda brasileira (página 142).
- Zé da Justiça chegou a dizer em artigos de jornal, na época dos protestos que levaram à queda de Dilma, que o povo brasileiro é culturalmente corrupto e que a corrupção é generalizada no Brasil. Um prato cheio para a Lava Jato, na medida em que legitima suas narrativas (página 143-144).
- O governo Dilma enfiou no próprio ventre a faca envenenada da balela da corrupção patrimonialista criada para criminalizar os partidos populares. Com o apoio do Ministério da Justiça petista, foram criadas leis de exceção que transformaram a Lava Jato em uma máquina golpista. O golpe tornou-se questão de tempo dado a fragilidade do campo popular, desprovido de uma narrativa que fizesse contraponto ao moralismo de fancaria da Lava Jato (página 144).
Reflexão IX – Ciro Gomes, na UNE no ano passado, proferiu um discurso no qual falou como se fosse um bolsominion. Disse “o Lula tá preso, babaca” e fez coro ao moralismo de fancaria da Lava Jato ao dizer que não foi preso por ser honesto – e assim não vendo toda a politicagem que a prisão do ex-Presidente envolveu. Depois dessa, perdi todo o respeito que tinha pelo político cearense, hoje do PDT. 

Um ano antes, o irmão de Ciro Gomes, Cid Gomes, em encontro do PT no Ceará que ocorreu logo após a vitória de Bolsonaro, também disse “o Lula tá preso, babaca” e repetiu mentiras ventiladas pela grande imprensa e pela direita, como a de que o PT precisa fazer autocrítica e que aparelhou o Estado brasileiro em seu favor. Como sair do pesadelo bolso-lavajatista falando como se fosse um deles e com retóricas que legitimam as ações deles (incluindo um processo de lawfare contra os próprios irmãos Gomes), só para começo de conversa?

Reflexão X – Se a Lava Jato chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro, o Governo Dilma, por meio de uma série de leis de exceção criadas sob os auspícios do então ministro Zé da Justiça, chocou o ovo da serpente chamada Operação Lava Jato. Portanto, pode-se que dizer que o Zé da Justiça indiretamente chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro e que essa foi a verdadeira contribuição do PT para a ascensão de Bolsonaro ao poder, ao contrário do que grupos como a Nova Resistência, a Legião Nacional Trabalhista ou os ciristas falam.
Reflexão XI – Ainda em 2010, no ocaso do segundo governo Lula, foi promulgada a Lei da Ficha Limpa, e o único partido de esquerda que posicionou-se contrário a lei foi o PCO, para o qual tal lei não é para caçar corruptos, mas para punir, encarcerar e perseguir a esquerda. Não deu outra, pois tal foi usada em 2018 para impugnar a candidatura Lula. O que é o juiz, senão um político que veste toga, que comumente ganha salários muito acima do teto legal e que geralmente vem de famílias abastadas, por vezes até de dinastias jurídicas? É de não entender tais coisas elementares que a esquerda brasileira chegou ao ponto em que se encontra hoje.

Reflexão XII – A adesão de setores expressivos da esquerda brasileira ao identitarismo inspirado pelo Partido Democrata dos EUA, por si só, não criou as condições necessárias para a ascensão de Bolsonaro ao poder. E o mesmo pode ser dito, por exemplo, a respeito do IBOPE que apresentadores como Danilo Gentili (hoje p* da vida com o Bozo) e programas como o CQC deram a ele nesses anos todos, ou mesmo a maneira como José Padilha retratou políticos como Lula no seriado do Netflix "O mecanismo" (onde atribuiu a Lula uma fala que na verdade foi proferida por Romero Jucá). Isso tudo jogou lenha na fogueira, mas as condições para a ascensão do miliciano carioca ao poder foram criadas pela Lava Jato: primeiro, inoculando na população um ódio visceral à política e a ela atribuindo toda sorte de mazelas (em conluio com a grande imprensa, obviamente). E segundo, prendendo Lula sem provas, com clara intenção politiqueira. Portanto, a narrativa da Nova Resistência e da Legião Nacional Trabalhista é uma meia-verdade. Pois se a adesão da esquerda ao identitarismo e o IBOPE na TV jogaram lenha na fogueira, a Lava Jato jogou gasolina na mesma fogueira. A mesma fogueira que virou um incêndio e agora, ironicamente, a consome.


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Quem chocou o ovo da serpente chamada Jair Bolsonaro? (resumo do livro "A guerra contra o Brasil", de Jessé Souza, 1/6).



Foto - A serpente chocando seus ovos.
- Alguns grupos como a Nova Resistência (https://www.facebook.com/novaresistenciabrasil/photos/a.504357659741639/1329929323851131/?type=3&theatere a Legião Nacional Trabalhista (http://lntbrasil.com.br/a-esquerda-vai-acabar-reelegendo-jair-bolsonaro/?fbclid=IwAR1SdDm_4cvNO1wSPHEeOteC-iIj1QQl_rEy7xX7GhNBEYEK-YUhp7TMhJkatribuem o triunfo de Bolsonaro em 2018 à adesão do PT e outros partidos de esquerda ao identitarismo inspirado pelo Partido Democrata dos EUA. Os partidários de Ciro Gomes (assim como o próprio), do alto da verborragia deles, atribuem o triunfo do miliciano carioca a uma suposta má vontade do PT para com ele. E Nildo Ouriques diz que o triunfo do miliciano se deveu ao desgaste daquilo que ele chama de sistema petucano e que nada teve haver com Steve Bannon e o esquema de comunicação Cambridge Analytica (http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/586304-o-governo-bolsonaro-trara-mais-violencia-e-desigualdade-mas-a-esquerda-liberal-nao-tem-respostas-a-altura-entrevista-com-nildo-ouriques). Será que tais narrativas fazem sentido? (Introdução).

- A partir de 2013, tanto a elite brasileira quanto a norte-americana se irmanam contra a hegemonia popular petista (página 99).
- Segundo denúncias do WikiLeaks, desde meados de 2009 juízes e procuradores brasileiros têm sido treinados por agentes americanos por meio de diversas formas de “cooperação informal”. Moro é uma figura carimbada desses “cursos de capacitação” (página 100).
- Por conta da prévia colonização da esquerda brasileira pelo discurso do moralismo de fancaria da direita, foi o próprio governo Dilma, por meio de seu Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (a quem Paulo Henrique Amorim em vida carinhosamente chamava de “Zé da Justiça”), que criou em 2013 as condições legais para o lawfare da Lava Jato (página 100).

- Isso por meio da lei 12.850/13, que tipifica os crimes de organização criminosa e obstrução da justiça, dessa forma permitindo expedientes como “delações premiadas” e “prisões cautelares”. Por meio dessas armas, a Lava Jato pratica, de forma legalizada, tortura psicológica com prisões cautelares, extorsão e fraude (página 100).
- E soma-se a isso o apoio da imprensa venal, Globo à frente (que passa a dar total apoio a tais narrativas por mais mentirosas que fossem) (página 100).
- A partir daquele momento, a Lava Jato entra em ação, se transformando em uma espécie de “bomba atômica” da guerra híbrida dos EUA no Brasil. E sua ação logo começa a reverberar na vida política brasileira (página 101).
- Com a Lava Jato, criou-se uma espécie de “legalidade paralela”, na qual o Estado passa a ser dominado não mais por uma lógica que tende a ser impessoal, a da lei. Em seu lugar, entram interesses privados e corporativos de toda espécie, que agem como “partidos privados” que colonizam o falso moralismo do combate à corrupção (página 101).
- Isso tudo feito em aberta cooperação ilegal com os órgãos americanos de espionagem no comando da Operação (página 101).
- Moro e Dallagnol, em conjunto com sua máfia de procuradores no MP e juízes coniventes, passam a atuar de forma aberta como partido político e grupo de pressão autônomo. Assim, o dito combate à corrupção é só uma fachada para legitimar a mudança de governo no tapetão, que era de interesse tanto de forças internas quanto externas (páginas 102-103).
- Entretanto, a maioria da esquerda não se dá conta dos reais objetivos da Lava Jato. É exigida blindagem da Lava Jato até mesmo por movimentos populares e sindicatos. A Lava Jato passa a agir como partido privado e como organização criminosa, colonizando a justiça e adaptando os procedimentos legais a seus interesses políticos. Por meio de dossiês, ameaças e extorsões, passa a ter o poder de condenar e absolver e mantem os tribunais subservientes (página 103).
- A corrupção começa a ser usada, de novo, como arma simbólica contra a população. Esse é o combustível da Lava Jato e das figuras abjetas que ela ajudou a levar ao poder (páginas 103-104).
- A Lava Jato exerce influência política decisiva por meio do serviço sujo da delação de Palocci em pleno clima eleitoral e da prisão ilegal e forjada de Lula, o que permitiu a eleição de Bolsonaro. A história mostra que, no fim das contas, os ditos paladinos da lei da moralidade são os maiores corruptos (página 104).
- Na ficha suja da Lava Jato consta: milhões de desempregados e a destruição de ramos industriais inteiros, que outrora exportavam tecnologia e eram competitivos a nível internacional (página 104).
Reflexão I – Sobre a Lava Jato, penso eu que Jessé Souza, nesse livro, deveria ter dedicado pelo menos uns 2 ou 3 parágrafos à Operação Mãos Limpas (italiano Mani Pulite), ocorrida na Itália entre 1992 a 1994. Não apenas pelo fato de a Lava Jato ter sido inspirada na Mãos Limpas (vide o texto que Moro escreveu em 2004 sobre a Mãos Limpas - https://www.conjur.com.br/dl/artigo-moro-mani-pulite.pdf), como também o fato de que aqui no Brasil a Lava Jato repetiu o desastre político que a operação comandada por Antonio de Pietro legou à Itália: a Mãos Limpas abriu o caminho para Silvio Berlusconi, então magnata da mídia e presidente do AC Milan que anos antes sabotou os esforços da Rede Globo de entrar no mercado italiano via Tele Montecarlo (Paulo Henrique Amorim fala sobre isso no livro “O Quarto Poder”), tornar-se premiê da Itália. Ao passo que no Brasil a Lava Jato, por meio de uma série de manobras, criou as condições para que Jair Bolsonaro, um militar expulso do Exército nos anos 1980 e que durante 30 anos foi um Deputado inexpressivo do baixo clero, tornar-se Presidente da República.
Reflexão II – As passagens acima elencadas mostram que a narrativa que Ciro Gomes e seus partidários vendem não fazem sentido algum. Que a ascensão de Bolsonaro é um processo bem mais complexo do que eles imaginam e que Bolsonaro nada mais é que o fruto podre que a Lava Jato legou ao Brasil. Para ser mais preciso, Bolsonaro é o verdadeiro legado da Lava Jato ao Brasil, depois de toda a terra arrasada sobre o sistema político brasileiro nesses últimos seis anos e toda a ação politiqueira dela visando beneficiar aos tucanos. E, além disso, Ciro Gomes foi ministro da integração nacional no 1º governo Lula, manteve certa proximidade com o PT nesses anos todos, se posicionou contra o impeachment de Dilma e dizia que sequestraria o Lula em uma embaixada para que não fosse preso. Achar que em um eventual segundo turno entre Ciro e Bolsonaro o sistema de comunicação de Bolsonaro não ia usar isso para desmoralizar o pedetista é ser no mínimo ingênuo. Isso para não falar do fato de que inventariam toda sorte de histórias cabeludas para desmoralizá-lo do mesmo jeito, tal como foi feito com Haddad.
Reflexão III – Quem acha que as forças internas e externas que derrubaram Dilma em 2016 por meio daquele processo fraudulento iam deixar que alguém se elegesse dois anos depois com uma agenda sócio-político-econômica diferente da deles é ser no mínimo muito idiota. E isso não apenas os ciristas, como também praticamente toda a esquerda brasileira, não entende. Ou que na Bolívia vão deixar o Evo Morales ou algum político a ele ligado subir ao poder pela via eleitoral depois de tudo o que aconteceu no país andino no ano passado. Por isso que se diz que as eleições 2018 foram uma fraude. Fica evidente que essa gente articulou um golpe, investiu muito dinheiro sujo em um golpe e deu golpe para ficar só sair do poder escorraçada.

sábado, 4 de julho de 2020

Petucanismo: o PSDB dentro do PT. Ou as limitações ideológicas do PT, parte II (resumo do livro "O colapso do figurino francês", de Nildo Ouriques, 5/5).



Foto – .Petucanismo em ação.
Reflexão XVI –  Será que em algum momento o PT quis de fato desafiar a hegemonia burguesa no Brasil?? Ainda mais levando em conta que o PT é um partido que sempre foi refratário às experiências do chamado socialismo real, como as vistas em países como a União Soviética, a Mongólia, a Coréia do Norte, a China, o Vietnã, a Albânia e a Iugoslávia. E que foi gestado ideologicamente na mesma USP de onde saíram os tucanos. Além disso, é um partido que ingenuamente acreditou que a burguesia industrial é a boa burguesia, crença essa hoje professada também por Ciro Gomes (ao qual Nildo Ouriques também tece críticas). Talvez, essa propensão à socialdemocracia por parte do PT fosse algo que já estava posta antes mesmo de Lula tornar-se Presidente da República, agravando-se depois, uma vez no poder, na medida em que foi abrandando o radicalismo de antes.
Reflexão XVII – É só lembrar-se do contexto internacional dos anos 1980, a época da fundação e primeiros anos do PT: era um momento em que o bloco soviético agonizava, no que culminou com a vitória dos EUA na Guerra Fria e a debacle da União Soviética em 1991 e da Iugoslávia alguns anos mais tarde. Além disso, há a abertura econômica da China iniciada após a morte de Mao Zedong, o fortalecimento da Alemanha com a reunificação de 1989 e o arranque neoliberal mundial com os governos de Pinochet no Chile nos anos 1970 e Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher na Inglaterra nos anos 1980. Falava-se na época que chegou o “fim da história”. Dessa forma, o PT concebeu uma estratégia política não de tomada de assalto do Estado pela via revolucionária (não havia clima para isso na época, afinal), mas de subida ao poder pela via eleitoral, dentro dos marcos da democracia burguesia e assim operar uma série de transformações sociais e políticas em favor da classe operária. O que de fato conseguiu em 2002, e depois em 2006, 2010 e 2014, até ser apeado do poder em 2016. Mas para tal teve que fazer uma série de alianças com partidos como o PMDB.
Reflexão XVIII – Dadas as semelhanças de cosmovisões entre os dois partidos, a acomodação dos dois no sistema político brasileiro não era uma situação cujas condições já existiam antes mesmo do PT subir ao poder? Mas, por mais que tenha havido tal acomodação, isso não tornou o PT em um partido orgânico da elite brasileira como o PSDB ou o PMDB. A elite brasileira jamais irá aceitar um partido com histórica ligação com sindicatos e alta capilaridade social como o PT como um de seus partidos orgânicos. E os eventos vistos de 2016 em diante mostram claramente isso. Ou será que tudo o que foi feito contra o PT nesses anos todos foi mero acaso do destino?
Reflexão XIX – A “digestão moral da pobreza” de que Nildo Ouriques fala seria, em meu entendimento, uma situação na qual a pobreza se torna algo aceitável para o indivíduo, ao mesmo tempo em que a secular abissal desigualdade social não sofre grandes abalos. Errou-se ao integrar o pobre através apenas do consumo, mas isso não muda o fato de que os programas sociais dos governos Lula e Dilma tocaram em determinados vespeiros da sociedade brasileira. Vide a reação aos rolezinhos e queixas do tipo “aeroporto virou rodoviária”.
Reflexão XX – Se o PT, desde o início, tivesse colocado em pauta temas espinhosos como reforma agrária, regulação dos meios de comunicação e taxação de grandes fortunas, teria sido derrubado logo de cara, ainda no mensalão, quiçá não teriam deixado Lula tornar-se Presidente em 2002. Ou será que foi por mera casualidade que a ação golpista que levou à derrubada de Dilma se iniciou logo depois que ela tentou baixar as taxas de juro, em 2012? E assim atacando a verdadeira mamata, a do sistema financeiro?
Reflexão XXI – Lembro-me muito bem que em meu tempo de estudante universitário (tanto na graduação quanto na pós-graduação) tive um contato próximo ao nulo com autores como Ruy Mauro Marini, Alberto Guerreiro Ramos, André Gunder Frank e outros expoentes da Teoria Marxista da Dependência, ao passo que tive grande contato com autores prestigiados no meio acadêmico como Fernand Braudel, Immanuel Wallerstein, Perry Anderson, Sérgio Buarque de Holanda e outros. Um bom exemplo de como senti na pele toda essa situação descrita por Nildo Ouriques não apenas no livro como também em várias palestras dele. Muito embora tais autores da Teoria Marxista da Dependência nem ao menos conhecesse na época. Só fui saber que eles existem a partir de 2015, quando comecei a ver palestras de Nildo Ouriques e outras figuras do IELA na Internet.
Reflexão XXII – Uma vez, Nildo Ouriques fez críticas a Jessé Souza, a ponto de dizer que o sociólogo potiguar é um “falso profeta”. Também apresentou críticas a ele no Duplo Expresso. Mal ele sabe que foi depois de ler a obra de Jessé Souza que eu comecei a compreender melhor o petucanismo de que ele e Gilberto Felisberto Vasconcellos tanto falam. Passei a compreender o petucanismo como um fenômeno ideológico no qual o discurso da esquerda é muito influenciado pelo discurso da direita e que não está circunscrito apenas a duas legendas partidárias em específico. Pelo contrário: é um fenômeno que abarca praticamente todo o espectro político nacional, tanto a esquerda quanto a direita. Também foi depois de ler os livros de Jessé Souza que passei a entender o motivo pelo qual em vida Brizola e Darcy Ribeiro classificavam o PT como “esquerda que a direita gosta” e “galinha que cacareja pela esquerda e bota ovos pela direita”. Quando você junta todos esses pontos, as coisas ficam claras.

Reflexão XXIII – Jessé Souza pode ter suas lacunas, mas em suas obras ele traz uma discussão muito importante, mais até que a discussão que ele traz em torno do tema da escravidão e seu legado nos dias atuais: a respeito da práxis política de grande parte da esquerda brasileira e a influência do discurso direitista nela. E é ai que está a importância de nos atermos a respeito do tema do petucanismo. Sem uma radical reformulação discursiva da parte de grande parte da esquerda brasileira, a Revolução Brasileira de que Nildo Ouriques tanto fala será uma mera vã utopia. Nildo Ouriques faz parte de uma ala do PSOL, ainda que minoritária dentro do partido. E como nós sabemos o PSOL é o típico partido da chamada esquerda pequeno-burguesa, com uma plataforma ideológica influenciada pelo identitarismo do Partido Democrata dos EUA. E um partido desses que se importa mais com o fato de que o gay ou o travesti pode ou não casar a Igreja, o homem transexual pode ou não jogar na liga feminina de basquete, de vôlei ou de MMA ou se o travesti pode ou não poder ter nome social está muito mais para uma ONG de direitos humanos que um verdadeiro partido político de esquerda. Uma esquerda assim, convenhamos, nasceu para ser pisada a torto e direito não apenas pelos Bolsonaros, Felicianos e Crivellas da vida, como também pelos chamados populistas de direita comandados por Steve Bannon, entre eles o húngaro Viktor Órban, o italiano Matteo Salvini, o inglês Boris Johnson, o estadunidense Donald Trump, o polonês Jaroslaw Kaczynski[1] e a francesa Marine Le Pen.
Uma coisa é certa: a Revolução Brasileira não irá se concretizar com cirandinhas típicas da esquerda pequeno burguesa, muito menos gritando “o Lula tá preso, babaca”, “o PT precisa de autocrítica” e discursos similares que soam como se fossem palavras proferidas por partidários de Bolsonaro e outros figurões da direita. Ou quem sabe votando a favor de reforma da previdência e de privatização da água ou surfando na onda do antipetismo raivoso insuflado pela Operação Lava Jato, como tem feito certo pedetista ultimamente.
Reflexão XXIV – Falando em Steve Bannon (o qual Nildo Ouriques parece subestimar quando diz que a ascensão de Bolsonaro nada teve haver com Bannon e o esquema de comunicação Cambridge Analytica, apenas o desgaste do petucanismo – sendo que Bannon alavancou não apenas a eleição de Trump nos EUA, como também na Europa políticos como Matteo Salvini na Itália, Viktor Órban na Hungria e Nigel Farage na Inglaterra e o Brexit na Inglaterra), recentemente vi um vídeo dele, no qual diz que existem Martins Bannons (o nome do pai dele) em todo o mundo e que agora está se desenrolando uma revolução do cidadão comum. E é essa a perspectiva que grande parte da esquerda nesses anos todos perdeu ao embarcar na onda do identitarismo inspirado pelo Partido Democrata dos EUA e assim fazendo desses partidos verdadeiras ONGs de direitos humanos. E o que os populistas de direita hoje no mundo inteiro fazem não é outra coisa se não preencher e ocupar esse espaço que a esquerda, principalmente a partir do fim da Guerra Fria, deixou para trás. E enquanto não recuperarmos essa perspectiva, de a esquerda voltar a fazer o trabalho de massas que antes fazia, nada de Revolução Brasileira. Ou quem sabe até terá Revolução Brasileira, mas comandada por algum populista de direita estilo Salvini ou Órban.

NOTA:

[1] Leia-se “Iaroslav Katchynski”.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Petucanismo: o PSDB dentro do PT. Ou as limitações do PT, parte II (resumo do livro "O colapso do figurino francês", 4/5).



Foto – Haddad e FHC.
- FHC e Serra (vulgo Nosferatu) lograram por meio de sua influência e prestígio obstaculizar a difusão da versão crítica da Teoria da Dependência a tal ponto que falsificações grotescas prosperaram durante muito tempo (p. 99).
- O fato é que a Teoria Marxista da Dependência foi um poderoso programa de pesquisa que as letras paulistas evitaram com sucesso, e a ditadura civil-militar foi sem dúvida a grande responsável pela derrocada do pensamento crítico pré-1964. A partir de 1964, criou-se um ambiente universitário avesso ao compromisso político com as classes subalternas e submetido aos programas de pesquisa vindos dos centros metropolitanos, assim como hostil às iniciativas de inspiração e tradição crítica. É a partir desse ponto que se verifica todo um processo de ocultamento, ou mesmo falsificação, do pensamento de figuras como Marini e Gunder Frank (p. 99).
- Os governos Lula e Dilma reproduziram, com algumas diferenças aqui e ali, a política econômica de FHC. Não romperam com a lógica estabelecida em 1994 no Plano Real e que fez do Estado Brasileiro um mero orçamento a ser dividido e saqueado pela elite do dinheiro, uma espécie de Nova República Velha (apud Jessé Souza). Daí o petucanismo, expressão condensada dos interesses das classes dominantes tupiniquins, cuja consolidação impele o pensamento crítico a uma radical revisão do programa de pesquisa de todos os interessados ou comprometidos com a superação do capitalismo dependente. Nesse contexto está inserido o colapso do assim chamado “figurino francês” (página 100).
- Após chegar à Presidência da República, o petismo lentamente renuncia em enfrentar a hegemonia burguesa na periferia capitalista e se converte à socialdemocracia tucana, no que ajuda a consolidar a hegemonia intelectual na qual ambos participam (página 100).
- Mas, na medida em que o petucanismo consolida um consenso onde a única diferença “importante” é quem dirige com mais “competência” o aprofundamento da dependência e aquilo que Gunder Frank em vida chamava de “o desenvolvimento do subdesenvolvimento”, mas também a teoria necessária para grandes transformações sociais, a chamada Revolução Brasileira. Assim a teoria marxista da dependência ganha nova relevância (página 100).
- A partir do momento em que até mesmo a resposta à “questão social” não constituiu motivo de divisão entre as distintas frações do capital e por tabela todos os partidos da ordem (em especial PT e PSDB) estão de acordo com a necessidade de continuar “programas sociais” destinados a manter os pobres na condição de condição de pobres, não sobra outra coisa a não a ser a “digestão moral da pobreza” representada pela ideologia da emergência de um país de classe média garantida por políticas públicas de transferência de renda. É nesse contexto que surge um novo espaço para a tradição crítica da teoria marxista da dependência para afirmar seus postulados principais e avançar naqueles pontos e temas que não foram suficientemente abordados e desenvolvidos no período anterior (página 101).
- Segundo Nildo Ouriques, Alberto Guerreiro Ramos (1915 – 1982) foi o mais importante sociólogo que o Brasil produziu ao largo de sua história. Junto com tantos outros nomes da chamada tradição crítica, seu nome caiu no limbo do esquecimento a partir de 1964 e quando mencionado era classificado como apenas pálida expressão do “nacionalismo populista” e/ou como expressão de um tempo e uma perspectiva “ultrapassada”. Pensava-se, no tempo em que o professor de Joaçaba e presidente do IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos) foi estudante da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que o essencial se aprendia com a sociologia uspiana, sempre em sintonia com as modas vindas da Europa e EUA (página 104).

- A ditadura venceu o pensamento crítico, e ao mesmo tempo alavancou a perspectiva “progressista” que o regime precisava para não parecer fascista. O que abriu caminho para o crescimento e vitalização da chamada “Escola Paulista de Sociologia” (página 105).
- Para a geração universitária do começo dos anos 1980, o nome do alemão André Gunder Frank sempre aparecia como sinônimo de polêmica, e por meio dessa palavra o pensamento dominante tentava (e logrou) bloquear o conhecimento de um autor tão importante (página 147).

- Desde 1994 a política econômica em curso no Brasil expressa um pacto de classes que se manteve vigente tanto sob FHC quanto sob Lula e Dilma, baseado no tripé taxa de inflação, taxa de juros e taxa de câmbio (página 167).
- Independente de quem seja o ministro da Fazenda, os “fundamentos” são respeitados por ambos os partidos (página 168).
Reflexão XIII – Sem sombra de dúvidas, pode-se dizer que o silenciamento e posterior exílio de figuras como Ruy Mauro Marini, Guerreiro Ramos, Gunder Frank e outros por parte da ditadura abriu o caminho para que ideias e conceitos como jeitinho brasileiro, patrimonialismo, homem cordial e outras dos epígonos do liberalismo conservador vira-lata (apud Jessé Souza), convenientes ao sistema, adquirissem a popularidade que adquiriram, a ponto de que o pensamento de figuras como Buarque e Faoro influenciaram, grosso modo, tanto a esquerda quanto a direita que emergiram no Brasil no pós-ditadura. Pode-se dizer que inclusive foi condição sine qua non para tal.
Reflexão XIV – Se o petucanismo, do ponto de vista político, é a expressão condensada dos interesses das classes dominantes do Brasil, então poderíamos muito bem dizer que nos EUA existe um demorepublicanismo, já que em muitas coisas os dois partidos de acordo estão: apoio a Israel e Arábia Saudita no Médio Oriente, hostilidade a Rússia, China e Irã na Eurásia, fazem as vontades de Wall Street, promovem políticas neoliberais, aumentam os gastos militares, entre outros. Obama, que em sua primeira campanha eleitoral tanto falava em “Yes que can change” e não raro era saudado por setores da esquerda brasileira pelo simples fato de ser um negro na Presidência dos EUA, não apenas continuou com as invasões aos países do Mundo Islâmico iniciadas por Bush II, como também invadiu a Líbia em 2011 e deu início a partir de 2009 a uma nova escalada golpista na América Latina (e mais o golpe de 2014 na Ucrânia), além de ter deportado mais mexicanos que Bush. Peguemos o exemplo do muro da fronteira EUA-México: Bill Clinton deu início à construção de tal muro, que foi continuada por seus sucessores e só veio a receber alarde sob Trump. Ou que na França existe um socialrepublicanismo. Enquanto que Sarkozy invadiu a Líbia em 2011 junto com Cameron e Obama, o socialista Hollande invadiu o Chade em 2013. Além do fato de que Macron continua com muitas das políticas econômicas neoliberais de Hollande.

Foto - O diagrama de Venn: os pontos nos quais democratas e republicanos estão de acordo na política dos EUA.
Reflexão XV – Nildo Ouriques muito fala em Revolução Brasileira. Periodicamente viaja pelo Brasil e dá palestras em vários lugares do país sobre esse tema. Em meu entendimento, uma das tarefas da Revolução Brasileira da qual o presidente do IELA tanto fala é colocar abaixo a estrutura de poder existente no Brasil que gestou o petucanismo a nível político-econômico. Ou seja, colocar abaixo o Estado profundo brasileiro, com o qual o PT teve que assinar certos compromissos em 2002. Para que numa próxima vez em que um político de esquerda suba ao poder não seja uma mera troca de gabinete. E assim drenar o pântano, como dizia Trump em 2016.