quarta-feira, 22 de agosto de 2018

A hipocrisia e os impropérios de Jair Bolsonaro, parte 2 - A política externa do Brasil e do "mundo livre e democrático".

Foto – Mito para quem?
Como visto na primeira parte, há quatro anos, na carta endereçada ao embaixador de Israel Bolsonaro fez críticas à política externa que o Brasil adotou entre 2003 a 2016, durante os governos Lula e Dilma, em especial no que tange às relações do Itamaraty com países como Cuba, Venezuela, Irã, Bolívia e Coreia do Norte. Hoje, em sua campanha, Bolsonaro fala que o Brasil “precisa fazer comércio com o mundo inteiro independente de viés ideológico”. Como falar em viés ideológico, sendo que a política externa que o político carioca propõe, de alinhamento preferencial com o dito “mundo livre e democrático” (em especial EUA e Israel), igualmente tem seu colorido ideológico? E nesse ponto Bolsonaro adota o mesmo discurso que José Serra (vulgo Nosferatu) adotou quando foi empossado como ministro das relações exteriores do governo Temer. Ou seja, um ponto de convergência do dito “mito” para com os tucanos que hoje mandam no país em conluio com a quadrilha do governo Temer.
Com a política externa que Bolsonaro propõe, caso o político carioca e cara-metade político-ideológica de Jean Wyllys seja eleito, não será nenhuma surpresa vermos o Brasil se envolvendo em guerras a reboque dos Estados Unidos, endossando sanções comerciais contra países como Venezuela, Cuba, Nicarágua, Irã, China e Rússia e o país ganhando antipatia crescente mundo afora, principalmente no Mundo Islâmico. Cenas como queimas de bandeiras brasileiras e de bonecos do próprio Bolsonaro vão se tornar comuns nas ruas de cidades como Aleppo, Beirute, Cairo, Damasco, Istambul, Argel, Bagdá, Isfahan, Teerã, Širaz, Tripoli e Benghazi caso Bolsonaro resolva fechar a embaixada palestina e reconhecer Jerusalém como capital de Israel. E igualmente ganhando a antipatia da comunidade árabe aqui estabelecida desde o século XIX. Com uma política externa dessas, a tendência do Brasil é se tornar cada vez mais um anão diplomático (que já vem demonstrando ser desde o golpe de 2016).
Aproveito o momento para postar aqui no blog mais um dos textos que escrevi em 2014 e que postei nas notas do meu perfil do Facebook, com algumas alterações e adições em relação ao texto original. Há quatro anos, descobri bem por acaso o blog Friendly Dictators (cujo texto foi escrito em 1990), que fala a respeito das relações dos Estados Unidos com vários ditadores ao redor do mundo em tempos recentes, entre eles o chileno Augusto Pinochet, o taiwanês Čiang Kai-Šek, o filipino Ferdinando Marcos, o rodesiano Ian Smith, o grego George Papadopoulos, o paraguaio Alfredo Stroessner, o dominicano Rafael Trujillos e outros tantos. São 35 ditadores no total. Vamos falar de alguns deles.
Foto – Fulgencio Batista.
Cuba – Antes de Fidel Castro lá reinava Fulgencio Batista. Fulgencio tornou-se em 1933 o homem-forte de Cuba indicado por Franklin Delano Roosevelt para conter os esquerdistas que derrubaram Gerardo Machado. Batista entre 1933 a 1940 governou Cuba por trás das cortinas, exercendo por trás dos presidentes. Isso até que em 1940 tornou-se o presidente de Cuba, cargo esse que exerceu até 1944, depois voltando em 1952 derrubando através de um golpe o presidente eleito Carlos Prio Socorras. Durante os anos em que reinou em Cuba, Havana foi transformada em um entreposto internacional de drogas, onde americanos ricos e famosos se encontravam com mafiosos locais, a exemplo de Meyer Lansky. Entretanto, as desigualdades sociais em Cuba eram cada vez mais crescentes. Em 1953 Fidel Castro liderou um grupo armado de rebeldes no fracasso assalto ao quartel de Moncada, fugindo em seguida para o México. O governo Batista se tornou cada vez mais repressor, a ponto de despedir de seus empregos professores, advogados e oficiais públicos tidos como “subversivos”, e esquadrões da morte mataram milhares de pessoas tidas como “comunistas”. Até sua deposição final na Revolução de 1959 Batista era um amigo fiel de Washington.
Foto – Cena do Caracazo, 1989.
Venezuela – antes da subida de Hugo Chávez ao poder em 1999 (e lembremos que Chávez foi eleito quatro vezes democraticamente), o país sofreu com as políticas neoliberais (com direito a privatizações do patrimônio nacional) em governos como o de Carlos Andrés Pérez e o de Rafael Caldera. Tais políticas em 1989 levaram aos eventos que desembocaram no Caracazo, uma grande manifestação popular contra as políticas neoliberais que vinham sendo adotadas e que acabou em grande banho de sangue. Estima-se que entre 300 a 2000 pessoas morreram no Caracazo.
Chávez (o qual em 1992 tentou assumir o poder através de um golpe militar) assumiu o poder em um momento que a Venezuela vivenciou um contexto de crise nos níveis institucional e econômico-financeira. E, além disso, havia na Venezuela uma elite para lá de corrupta que se locupletava com os lucros do petróleo (a grande riqueza do país) e muitas vezes mandava o dinheiro para o exterior. Diga-se de passagem, é a mesma elite que durante o governo Chávez fez tentativas de golpe como em 2002 e que mais recentemente, principalmente durante os distúrbios desse ano, fazem coisas como sumir com os produtos das prateleiras dos supermercados e depois culpar falsamente o governo por esses problemas, de forma similar a feita contra Allende durante o golpe Civil-Militar do Chile. E foi justamente com Chávez que essa desigualdade social toda pode ser reduzida. Para se ter ideia, antes de Chávez a Venezuela tinha 70% de sua população abaixo da pobreza e 40% na pobreza extrema. Índices esses que foram reduzidos para 21% e 7,3% em 2010, respectivamente. Como não poderia deixar de ser, os oligarcas da mídia nacional e internacional difamaram Chávez em vida e agora fazem o mesmo com Maduro. O que as elites venezuelanas que tanto conspiraram contra Chávez e Maduro nada mais querem é que a Venezuela volte a ser o mesmo país desigual e corrupto que era antes da ascensão de Chávez ao poder.
Foto – Hugo Banzer.
Bolívia – A Bolívia, governada desde 2006 por Evo Morales, também sofreu com o neoliberalismo e suas políticas no decorrer das décadas de 1990 e 2000. Um dos governantes que a Bolívia teve nesse período foi Hugo Banzer. Hugo Banzer governou a Bolívia de 1971 a 1978 e de 1997 a 2001. Banzer assumiu o poder ao derrubar o general Juan José Torres Gonzáles em um golpe de estado. Torres nacionalizou o petróleo boliviano, assim como as minas de estanho um ano antes. Não só isso como também queria estabelecer relações amigáveis com a União Soviética e Cuba. Uma vez alçado ao poder, Hugo Banzer instalou sua própria ditadura, com direito ao banimento de partidos de oposição, fechamento de escolas tidas como potenciais ameaças a nova ordem, fechamento da embaixada soviética e um empréstimo para ressarcir a empresa norte-americana Gulf Oil. Saldo da brincadeira: em apenas dois anos, 2 mil pessoas foram presas e torturas sem julgamento.
Banzer ainda tentou promover uma política de branqueamento na Bolívia, e para isso seduziu dezenas de milhares de imigrantes brancos da África do Sul (que a época vivia sob o regime do Apartheid) para povoarem as terras até então pertencentes aos povos indígenas. O clero católico boliviano tentou ajudar os índios, e o regime banzerista respondeu com ataques terroristas contra eles com apoio da CIA. Em 1978 Banzer foi derrubado por Juan Pereda Asbún, mas isso não significou o seu fim na política boliviana. Em 1997 Hugo Banzer volta ao poder através de eleição direta. Assim como no mandato anterior exerceu um governo acusado de corrupção e em 8 de abril de 2000 decretou estado de sítio, com o intuito de debelar as ondas de protestos sociais e trabalhistas. Medida essa que não teve sucesso. Em 7 de agosto de 2001 renunciou por motivos de saúde (pois sofria de câncer) e passou o cargo para Jorge Quiroga Ramírez. No dia 5 de maio do ano seguinte veio a falecer, com 84 anos. Hugo Banzer foi brevemente sucedido por Jorge Quiroga e depois por Sanchez de Lozada. Este último teve que fugir para os EUA sob os gritos de “assassino” por ter, entre outras coisas, chegado ao ponto de privatizar os recursos hídricos do país para multinacionais dos EUA e da França. Apenas com a ascensão de Evo Morales ao poder que toda essa instabilidade política na Bolívia chegou ao fim.
Foto – Xá Reza Pahlevi.
Irã – Sobre o Irã e Mahmoud Ahmadinežad, lembremos que o Irã, durante o reinado do xá Reza Pahlevi, foi um dos mais fortes aliados do Ocidente na região do Oriente Médio. Em 1942, com a abdicação de seu pai, Reza Pahlevi tornou-se o xá do Irã. Em 1951, o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh, nacionalizou o petróleo iraniano, até então explorado por companhias americanas e britânicas. Dois anos mais tarde, Mossadegh foi derrubado na infame Operação Ajax, organizado pela CIA e pelo MI6. O xá ganhou poderes totais com a derrubada de Mossadegh, o qual foi condenado a três anos de prisão. Muitos dos partidários de Mossadegh também tiveram destinos similares. Nos anos subsequentes, mais precisamente em 1957, foi instituída uma polícia, a SAVAK, cujos métodos de tortura incluíam choques elétricos, açoitamento, inserção de vidros quebrados e extração de dentes e unhas, entre outros.
Em 1971, o xá celebrou os 2500 anos de fundação da Monarquia Iraniana (festa essa que segundo o New York Times custou 100 milhões de dólares) e nas proximidades das ruínas de Persépolis o xá ordenou a construção de uma cidade-tenda com 160 acres de extensão. Isto tornou-se um escândalo enorme diante do contraste entre as pompas e os luxos da celebração e a miséria das vilas próximas. O xá justificou tais gastos alegando que isso poderia melhorar as relações do Irã com outros países e dar um maior reconhecimento externo à nação persa. O Irã sob o xá era um dos mais devotos aliados dos EUA, a ponto de sua fronteira norte ser base de operações de espionagem contra a União Soviética.
Esses e outros escândalos foram tornando a figura do xá cada vez mais impopular perante a população iraniana, a ponto de em 1979 ter sido derrubado do Trono do Pavão pela Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini. A monarquia milenar iraniana foi abolida e em seu lugar proclamada uma República Islâmica, que até hoje governa o Irã. E a política iraniana em relação aos EUA, por sua vez, mudou da água para o vinho, a ponto de naquele mesmo ano a embaixada dos EUA em Teerã ter sido palco de um sequestro e de em 2002 o presidente Bush ter colocado o Irã, junto com o Iraque e a Coreia do Norte, como membros do “Eixo do Mal”. Entre outras coisas.
Foto – À esquerda, Park Čung Hee em uniforme japonês; À direita, sua filha Park Geun Hye, primeira presidente mulher da Coréia do Sul, recentemente deposta em processo de impeachment.
As duas Coreias – A Coréia do Norte muitas vezes ela é pintada pela grande mídia internacional como uma terrível ditadura stalinista repressora. Mas pelo visto poucos lembram que a Coreia do Sul, que é vista como um exemplo de democracia e de país moderno na região do Extremo Oriente, foi uma ditadura desde sua fundação em 1948 até 1987. Isso mesmo, uma ditadura. E um de seus mais notáveis líderes dessa época foi Park Čung-Hye, o qual governou a Coreia do Sul entre 1962 a 1979 e que é o pai da atual presidente da Coreia do Sul, Park Geun-Hye. Park Čung-Hye foi implacável com seus oponentes políticos, a ponto de submetê-los a torturas e execuções. E antes mesmo de se tornar líder da Coreia do Sul, Park Čung-Hee foi colaborador dos japoneses (os quais dominaram a Península Coreana entre 1910 a 1945 e impuseram um brutal domínio sobre as terras coreanas, a ponto de incentivar os coreanos a adotarem nomes japoneses e a reduzir muitas das mulheres coreanas a escravidão sexual) durante a Segunda Guerra Mundial. No artigo da Wikipedia em inglês sobre o líder sul-coreano tem até uma foto dele com uniforme japonês. Isso ao mesmo tempo em que Kim il-Sung, o fundador da Coreia do Norte e avô paterno de Kim Čong-Un, teve que fugir da Coreia para a China e depois para a União Soviética por causa da opressão que o Japão impunha as terras coreanas, só voltando para a Coreia em 1945 acompanhando as forças soviéticas que ajudaram a libertar o norte da Península Coreana do jugo nipônico.
Foto – Humberto Castelo Branco.
Brasil – Outro ditador listado no blog é Humberto Castelo Branco. É o mesmo Castelo Branco que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e deu início ao Regime Civil-Militar que Bolsonaro tanto idolatra. Regime esse que em seus primeiros anos contou no plano interno com o apoio de vários setores da sociedade civil brasileiro, incluindo empresários (a exemplo do dano-brasileiro Henning Albert Boilesen) e alguns setores da Igreja Católica ligados à TFP (Tradição, Família e Propriedade), entre outros. Todos eles temerosos com as reformas de base que o presidente João Goulart propunha, a qual incluía reforma agrária, política, urbana, fiscal e educacional. Por causa disso, Jango foi chamado de “comunista” pelos partidários do golpe civil-militar. O regime de Castelo Branco deu proteção a traficantes de drogas (muitos dos quais eram oficiais do governo), por que eles mantinham os “interesses da segurança nacional”. Assim como proibiu sindicatos, baniu a liberdade de expressão, muitos opositores do regime foram presos e torturados e muitas terras indígenas foram roubadas. Castelo Branco ficou no poder até 1967, quanto deu lugar a Artur da Costa e Silva.
Foto – Augusto Pinochet e Margareth Thatcher.
Chile – Por fim dos ditadores listados no blog falaremos de Augusto Pinochet, o ditador militar chileno entre 1973 a 1990. Pinochet assumiu o poder no Chile em um golpe militar ocorrido no dia 11 de setembro de 1973 (embora antes mesmo do golpe já houvesse agitação golpista apoiada pela CIA). Golpe esse que custou a vida do ex-presidente Salvador Allende, morto no assalto ao Palácio Presidencial. O mesmo Allende que antes mesmo do golpe o colocou no comando do Exército, substituindo o general legalista Carlos Prats. Allende achou que fazendo algumas concessões os militares de direita golpistas acalmariam. Ledo engano. Essas atitudes custaram ao próprio Allende a sua vida. Pinochet e seus órgãos de repressão caçaram implacavelmente os opositores de seu regime, a ponto de ter se unido as demais ditaduras militares da América Latina através da Operação Condor e ter usado o estádio Nacional de Chile (o mesmo estádio onde o Brasil ganhou a Copa de 1962) nos primeiros dias do golpe como centro de detenção e tortura de opositores políticos. Em 1988 uma eleição foi feita e os chilenos demandaram em massa que ele saísse do poder, mas isso só foi acontecer em 1990. Ao longo de seu governo Pinochet foi um grande amigo dos Estados Unidos e da Inglaterra. Isso ao ponto de o próprio Chile ter sido o laboratório do neoliberalismo e em 1980 a premiê inglesa Margareth Thatcher ter desfeito o embargo de armas contra o ditador chileno, o qual dois anos mais tarde apoiou a Inglaterra na Guerra das Malvinas contra a Argentina. A partir de então, Pinochet e sua família todo ano faziam uma espécie de peregrinação privada para Londres onde as famílias Thatcher e Pinochet se encontravam com direito a refeições e whisky. E a amizade de Thatcher com Pinochet não parou por ai não: em 1998 sob ordens do juiz espanhol Baltasar Garzón, Pinochet, que se encontrava em Londres, recebeu um mandato de prisão. Nesse episódio, Thatcher mostrou-se solidária a Pinochet, a ponto de ter dito que foi ele que trouxe a democracia ao Chile.
Como o texto do blog foi escrito em 1990, ele não inclui tiranetes mais recentes. Mas mesmo assim falaremos de alguns desses não listados. No processo de desintegração da Iugoslávia, o dito “mundo livre” (em especial os EUA e a Alemanha) apoiou líderes como o neoustaše Franjo Tudjman na Croácia, o fanático islâmico Alija Izetbegović na Bósnia e mais recentemente Haşim Thaçi (o qual segundo um relatório do Conselho Europeu liderava um grupo mafioso albanês envolvido em atividades como tráfico de armas, de drogas e de órgãos humanos de sérvios mortos em conflitos como a guerra de Kosovo em 1999) em Kosovo (uma área que por direito é da Sérvia). O primeiro, na primeira audiência da União Democrática Croata perante a audiência de mais de 100 antigos membros da Ustaša ocorrida em 26 de janeiro de 1990, disse o seguinte descalabro: “O Estado Independente da Croácia não foi uma mera criação Quisling, mas também uma expressão das aspirações históricas do povo croata por um estado independente próprio e reconhecimento dos fatores internacionais – O governo da Alemanha de Hitler neste caso”. Com uma declaração dessas Tudjman simplesmente reabilitou a Ustaša na Croácia. E os países ocidentais nem ligaram para isso. Tudjman também em alguns momentos questionou o Holocausto, mas isso não causou a mesma celeuma que ocorreu quando o iraniano Mahmoud Ahmadinežad fez questionamento similar. Os líderes citados promoveram bestiais chacinas contra os sérvios que viviam em locais como o sul da Croácia (região de Krajina), na Bósnia e em Kosovo. E o pior de tudo é ver que estes líderes não foram julgados e condenados em Haia que nem o sérvio Slobodan Milošević (inocentado apenas postumamente), assim como o fato de que o mesmo tribunal inocentou nomes como os generais croatas Ante Gotovina e Mladen Markač ao mesmo tempo em que nomes como Radovan Karadžić e Ratko Mladić foram presos pelo mesmo tribunal. E, através do apoio a grandes agitações nacionalistas em várias partes do país, a Iugoslávia pode ser estilhaçada em várias partes. Isso para não falar da impunidade a lideranças do “mundo livre e democrático” como Helmut Kohl (falecido ano passado), Nicolas Sarkozy, Tony Blair, Bill Clinton, Bush II e tantos outros.
Mais a leste, o "mundo livre" se relaciona de forma espúria com gente como o georgiano Michail Sakašvilli e com as várias monarquias da região do Golfo Pérsico. E na América Latina se relacionam com líderes como o colombiano Álvaro Uribe, entre tantos outros exemplos. E hoje em dia o dito “mundo livre” que o Bolsonaro olha como exemplo de democracia apoia o atual presidente ucraniano, Petro Porošenko (o mesmo Porošenko que fez fortuna fazendo negócios com a Rússia), em seu esforço de guerra contra as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk e a limpeza étnica contra os russos étnicos que vivem no sul e no leste da Ucrânia. Como também apoia os países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia. Países esses que fazem parte da União Europeia e da OTAN) e sua russofobia (lembremos que na Letônia e na Estônia existe uma forte discriminação para com a minoria russa que lá vive), a ponto de fazer vistas grossas para os desfiles periódicos de colaboradores locais dos nazistas que periodicamente lá ocorrem.
Por fim, há um discurso do próprio Bolsonaro feito no dia 5 de maio de 2011 falando de um suposto dinheiro que o PT recebeu de Muammar al-Kadaffi, o ditador líbio de 1969 a 2011, durante a época do Regime Militar e que isso era algo que deveria ser apurado em uma comissão da verdade tida por ele como “verdadeira”. Se o PT recebeu dinheiro de Kadaffi, uma coisa é certa: ele não foi o único. Em 2014 na França estourou o escândalo do dinheiro que Nicolas Sarkozy teria recebido de Kadaffi durante a campanha eleitoral de 2007. Em seus últimos anos de governo na Líbia, Kadaffi se relacionou com várias lideranças ocidentais, a exemplo de Tony Blair, George W. Bush, Silvio Berlusconi (lembremos que no caso Battisti o Bolsonaro apoiou a iniciativa do governo italiano de deportá-lo, alegando a Itália se tratar de um estado democrático de direito), Obama, o próprio Sarkozy, David Cameron e o rei da Espanha Juan Carlos, entre outros. Fotos desses encontros abundam na Internet. Mas, na hora em que a situação apertou para o lado de Kadaffi, esses mesmos líderes foram os primeiros a apunhalar Kadaffi pelas costas, a ponto de mandar tropas para a Líbia com o intuito de derrubar o velho amigo deles.
Geralmente, quando a nossa imprensa venal fala em líderes como Hugo Chávez, Vladimir Putin, Evo Morales, Fidel Castro, Muammar al-Kadaffi, Rafael Correa e tantos outros, trata-os como pessoas que do nada surgiram e que fizeram as tais maldades que fizeram. Só que isso não corresponde com a realidade. Da mesma forma que não dá para entender Hitler e o nazismo sem entender o que foi o período de 1918 a 1933 para a Alemanha, não dá para entender Hugo Chávez e o chavismo sem entender o que era a Venezuela nos tempos da Quarta República, o que foi o neoliberalismo na Venezuela e o que foi o Caracazo. Também é impossível entender Putin sem entender o que para a Rússia foi o fim da União Soviética e os anos 1990, em que o país foi submetido às políticas neoliberais do bêbado Boris Jel’cin (incluindo a privataria em massa das empresas que até então pertenciam ao Estado soviético) e onde os conselheiros americanos do presidente é quem de fato mandavam no país. Ou entender Evo Morales sem entender o que era a Bolívia antes dele, nos tempos em que estava submetida às políticas neoliberais impostas pelo Consenso de Washington, aonde se chegou ao ponto de privatizar a água do país para uma empresa francesa. Entre tantos outros exemplos que aqui podem ser mencionados.
A meu ver o grande problema de um jumento como o Bolsonaro ficar fazendo umas declarações como essa é que elas dão a impressão de que as nações que a viúva-mor do Regime Civil-Militar Brasileiro olha como exemplos de democracia para o mundo só se relacionam com democracias. Quando na verdade não é bem assim. Elas mesmas, como apontado acima, tem seus relacionamentos espúrios com várias ditaduras mundo afora. Se ele quer julgar Lula e o PT por causa desses relacionamentos, que ele julgue também os relacionamentos que países como Estados Unidos, França, Inglaterra, Holanda, Japão, Israel, Suécia, Noruega e tantos outros tem com ditaduras mundo afora. E o que todos esses ditadores que mencionados acima tem em comum? Foram (pelo menos em determinado momento) amiguinhos do Ocidente “livre e democrático” (e esse é mais um ponto em que ele se iguala a figuras como José Serra, Fernando Henrique Cardoso e outros tucanos de alta plumagem). E se ele acha nomes como Mahmoud Ahmadinežad, Hugo Chávez, Kim Jong-Un, Fidel Castro, Evo Morales e outros como Aleksandr Lukašenko, Vladimir Putin, Muammar al-Kadaffi, Bašar al-Asad e Cristina Kirchner pessoas com as quais o Brasil não pode se relacionar, o que dizer de nomes como Park Čung-Hee, os monarcas do Golfo Pérsico, Hugo Banzer, Franjo Tudjman, Alija Izetbegović, Haşim Thaçi, Augusto Pinochet, Jorge Videla, Leopoldo Galtieri, Manuel Noriega, Anastacio Somoza, xá Reza Pahlevi, Mobutu Sese Seko, Ian Smith, Peter Botha, Haile Selassie, Fulgencio Batista, Petro Porošenko, a dinastia Bongo, Blaise Campaoré, Teodoro Obiang e outros tantos tiranetes com os quais o dito “mundo livre” se relacionou e se relaciona a se forma para lá de espúria? Se o Brasil não pode se relacionar com os primeiros por que são “gente do mal”, então o dito “mundo livre” também não pode se relacionar com os segundos pelo mesmo motivo.
Fontes:
Bolsonaro – Cesare Battisti. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IWs2wa362mQ
Bolsonaro elogia Israel e pede desculpas por posicionamento brasileiro. Disponível em:
Chávez é fruto da abjeta iniquidade social que vigorava na Venezuela. Disponível em:
Friendly Dictators. Disponível em: http://friendlydictators.blogspot.fr/
Lula foi à Líbia pegar dinheiro com Kadafi durante Regime Militar Brasileiro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bkCaceFApUU
Kosovo prime minister is head of a human organ and arms ring, Council of Europe reports. Disponível em:
Neruda, Pinochet and the Iron Lady. Disponível em: http://www.newyorker.com/news/daily-comment/neruda-pinochet-and-the-iron-lady
O apoio da OTAN a um regime nazista em plenos anos 90. Disponível em:
O dinheiro de Kadaffi assombra Sarkozy. Disponível em:
Park Chung-Hee. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Park_Chung-Hee
Paulino, Leopoldo. Tempo de Resistência. 4. ed. Ribeirão Preto: Corpo Editorial, 2002.

Serra assume Itamaraty e apresenta nova política externa brasileira. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2016/05/serra-assume-itamaraty-e-lanca-nova-politica-externa

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