Resistência terceiro-mundista: A hipocrisia e os impropérios de Jair Bolsonaro.

Foto – “Estes cavalheiros são os equivalentes morais dos pais fundadores da América”. Assim Ronald Reagan classificou os membros do Taliban em 1985 durante encontro na Casa Branca.

Na última semana, Jair Bolsonaro afirmou que se eleito pretende retirar a Embaixada da Palestina no Brasil, uma vez que não reconhece a Palestina como país e ainda alegou que a instalação do prédio na capital federal, no ano retrasado, seria fruto de uma negociação da então presidente com terroristas, numa espécie de puxadinho. Aproveito o momento para aqui postar um texto que eu mesmo publiquei em 2014 nas minhas notas do perfil do Facebook, com algumas modificações em relação ao texto original.

Em 2014, na sequência das condenações da então presidente Dilma Rousseff a Israel após a crise na Faixa de Gaza, Jair Bolsonaro, notório por sua simpatia ao Regime Civil-Militar que reinou no Brasil entre 1964 a 1985, escreveu uma nota para o então embaixador de Israel. Nesse documento ele falou uma série de impropérios, além de se mostrar um grande hipócrita. Aqui serão transcritos alguns dos trechos do documento em questão:

“Parte da história de vida da Senhora Dilma Roussef está materializada em processo que se encontra no cofre da Presidente do Supremo Tribunal Militar, sem acesso público, inclusive da imprensa (Jornal Folha de São Paulo, de 17/08/2010).

Entretanto é de domínio público que, desde cedo, ela militou em grupos terroristas no Brasil, como o VAR Palmares, Colina e VPR que, dentre outros ‘feitos’, em 10/05/1970, torturaram e executaram no vale do Ribeira, o jovem tenente Alberto Mendes Júnior, da Força Pública de São Paulo e lançaram, no dia 26/06/1968, um carro-bomba no QG do II Exército, causando a morte do soldado Mário Kozel Filho, cujo corpo ficou completamente mutilado. Também, em 12/10/1968, sob a acusação de representar o ‘imperialismo americano’, executaram, na frente da esposa e dos 4 filhos pequenos – Darryl (9 anos), Jeffrey (4 anos), Todd (3 anos) e Luanne (3 meses) –, o Capitão do Exército dos EUA Charles Rodney Chandler (Herói da Guerra do Vietnã).

Seu primeiro companheiro, Claudio Galeno, cedeu sua residência a terroristas do Grupo Colina para planejamento e execução do Capitão Boliviano Gary Prado (acusado de ser o responsável pela morte do guerrilheiro Che Guevara), operação que culminou com a morte do Major Alemão Edward Von Westernhagen, em 01/07/1968”.

Pelo visto você adora encher a boca para falar do passado de quem pegou em armas para lutar contra a Ditadura Civil-Militar. Mas se esquece de que houve também episódios de terrorismo de extrema direita no mesmo período, a exemplo da Operação Cristal em 1980, onde a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro sofreu um atentado a bomba que vitimou a advogada Lyda Monteiro da Silva. Ou mesmo o fracassado ataque ao Riocentro no dia do trabalhador no ano seguinte. Vocês milicos também aprontaram das suas naquela época, quer seja como torturadores, quer seja como terroristas.

[...]

“No passado, o Brasil também enfrentou o seu terror quando a esquerda, pelas armas e financiada pelo comunismo, tentou chegar ao Poder e a justa reação do Estado está sendo contestada, assim como Israel o está ao se defender do Hamas.

Os brasileiros – civis e militares – que lutaram por democracia e liberdade também sofreram, e ainda sofrem, ataques da mídia semelhantes aos que hoje são praticados contra o povo de Israel por sua resposta às agressões sofridas pelo Hamas.

Fique certo, Senhor Embaixador, que a maioria dos brasileiros dotados de cultura, dignidade e bom senso está com o povo de Israel e contra o terrorismo, sempre ao lado da democracia, da liberdade e do respeito aos verdadeiros direitos humanos.”

Eu sou uma pessoa dotada de cultura e dignidade e nem por isso estou do lado de Israel nessa questão. Não mesmo. E já que está falando em terrorismo do Hamas, por um acaso você nunca ouviu falar em Irgun, Lehi, Stern ou Haganah, grupos que antes da criação do Estado de Israel promoviam atentados terroristas contra as autoridades britânicas estabelecidas na Palestina, assim como contra as populações árabes que lá viviam há séculos? Líderes israelenses como Menachem Begin, Itzhak Rabin, Ariel Šaron, Moše Dajan e Itzhak Šamir participaram desses grupos. Um desses grupos, o Irgun, esteve envolvido no atentado do hotel King David, ocorrido em 1946, que resultou em 91 mortos. Menachem Begin, o qual depois se tornou Primeiro-Ministro de Israel, participou desse atentado. Dois anos mais tarde, o grupo sionista Lehi assassinou o diplomata sueco Folke Bernadotte (a título de curiosidade, Folke Bernadotte é trineto por via paterna de um marechal de Napoleão, Jean Baptiste Bernadotte, o qual se tornou rei da Suécia ao fim das Guerras Napoleônicas com o nome de Carlos XIV. Sua dinastia até hoje reina na Suécia), o qual tinha sido escolhido pela ONU para mediar o conflito entre árabes e judeus. Um dos envolvidos nesse atentado, Yitzhak Šamir, anos mais tarde tornou-se Primeiro-Ministro de Israel. Isso sem contar com muitos outros atentados similares.

Foto – Discurso de Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel entre 1977 a 1983, ao Knesset (parlamento israelense). Pela lógica que Bolsonaro aplicou à Dilma nos idos de 2009 e 2010, Begin não poderia ter sido primeiro-ministro de Israel por seu passado de guerrilheiro antes da fundação de Israel.

Quer dizer, você em seus discursos vive enchendo a boca batendo na tecla de que muitos dos membros do PT como José Dirceu, José Genoíno e a própria presidente Dilma participaram da luta armada nos tempos da Ditadura (como também já vi discursos seus falando que o finado Brizola teria supostamente recebido dinheiro cubano para iniciar um movimento guerrilheiro na Serra de Caparaó e que o Fidel o chamava de "El Ratón") e você chega ao ponto de comparar isso com o Hamas. Mas não faz o mesmo com as lideranças israelenses, talvez achando isso legal por que Israel é supostamente um estado democrático. Ou seja, para você tudo bem se os primeiros líderes israelenses estiveram envolvidos em luta armada e atentados a bomba nos anos anteriores a fundação do Estado de Israel. Você não os condena pelo visto. Mas o mesmo não vale para os militantes de esquerda que na época pegaram em armas contra o Regime Civil-Militar. Pela tua lógica, figuras como Menachem Begin, Ariel Šaron, Yitzhak Šamir e outros que participaram de grupos de guerrilha antes da fundação de Israel nunca poderiam ter sido primeiros-ministros da nação. Não sei como você até hoje nunca foi cassado.

Isso sem contar o fato de que os sionistas, em seus primeiros anos de existência, colaboraram com alguns dos piores antissemitas europeus, a exemplo dos encontros do fundador do movimento sionista, Theodor Herzl, com o ministro do interior russo Vjačeslav Konstantinovič von Plehve, um dos principais incitadores de pogroms da Rússia durante o reinado do último tsar, Nicolau II. Assim como os acordos entre o líder sionista revisionista Vladimir Žabotinskij com o líder ucraniano Symon Petljura, o qual segundo o jornal americano The American Hebrew teria promovido um massacre de 6 milhões de judeus na Ucrânia (número esse para lá de fantasioso; quando na verdade não mais que 100 mil foram mortos pelas forças de Petljura). O mesmo Petljura que na guerra soviético-polonesa de 1919 a 1921 tentou tomar Kiev junto com o polonês Jozéf Piłsudski, mas que foi derrotado pelas forças do general soviético Semën Budënyj. Durante a Guerra da Argélia, o líder israelense David Ben Gurion tinha muitos aliados entre os antissemitas franceses, os quais por sua vez eram contra a presença dos judeus na França e não fora dela. E hoje em dia, na Ucrânia governada pelos herdeiros político-ideológicos de Symon Petljura e Stepan Bandera, sionistas e fascistas estão juntos na guerra da Kiev maidanita contra as Repúblicas Populares de Lugansk e Donetsk, assim como contra as populações russas das demais regiões do sul e do leste do país. Haja vista que um dos principais oligarcas do país, Igor Kolomojskij, tem cidadania israelense e tem financiado grupos neonazistas lá, assim como batalhões de extermínio como o Azov, o Dnipro e outros (obviamente se aproveitando do ódio que essa gente nutre em relação à Rússia e assim os usando como peões descartáveis para atingir seus intentos).

Foto – Igor Kolomojskij, oligarca judeu ucraniano que tem cidadania israelense e governador biônico da província de Dnipropetrovsk. Patrono dos batalhões de extermínio de extrema direita da Ucrânia, tais como o Azov e o Dnipro.

“O atual Governo brasileiro ao longo dos últimos anos sempre esteve ao lado do que há de pior no mundo, como Fidel Castro, Hugo Chavez, Ahmadinejad, Evo Morales, Kim Jong-un, entre outros, na contramão do pacífico e trabalhador povo brasileiro. Reforça tal afirmativa a edição do Decreto 8.243, de 23/05/2014, que anula o Legislativo Brasileiro.

Em nome destes é que peço desculpas ao povo israelense pela destrambelhada, inoportuna, hipócrita e covarde manifestação do Governo Brasileiro

Rio de Janeiro, 25 de julho de 2014.

Cap R/1 Jair Bolsonaro

Deputado Federal PP-RJ”.

Foto – Sarkozy ao lado de Ali Bongo, filho e sucessor de Omar Bongo, o ditador do Gabão entre 1967 a 2009.

Bolsonaro, se você acha ruim o Governo do nosso país se relacionar com tais líderes, o que me diz do fato de um dito democrata, o francês Nicolas Sarkozy, ter recebido dinheiro do Kadaffi em sua campanha eleitoral de 2007? Eu, particularmente, não tenho dúvidas de que um dos objetivos da intervenção na Líbia há sete anos foi, digamos, queimar arquivo comprometedor antes que a m**** fosse espalhada no ventilador. Ou mesmo as relações que a França mantém com as ditaduras de suas ex-colônias na África (vulgo Françafrique. Que foi a verdadeira vencedora da Copa 2018, diga-se de passagem) e que os Estados Unidos manteve com gente nem um pouco democrática como Augusto Pinochet, Park Čung-Hee (o qual antes de se tornar líder da Coreia do Sul foi colaborador dos japoneses na Segunda Guerra Mundial e pai de Park Geun Hee, a primeira presidente mulher da Coreia do Sul e recentemente deposta após escândalo de corrupção envolvendo seu nome), Franjo Tudjman (o mesmo Tudjman que exterminou com os sérvios que viviam no sul da Croácia na Operação Tempestade em 1995 sob os auspícios da OTAN), o xá Reza Pahlevi (o mesmo xá que foi derrubado na Revolução Iraniana de 1979), os šeiks das monarquias do Golfo Pérsico (os mesmos šeiks que financiam terrorismo dessa estirpe em locais como o norte do Cáucaso na Rússia, a Líbia e o grupo ISIS na Síria), Ferdinando Marcos, Rafael Trujillo[1], entre tantos outros. Sem contar ainda que os Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, não levou a julgamento o imperador japonês Hirohito. Pelo contrário, Hirohito morreu em 1989 em seu trono. E Ronald Reagan, nos anos 1980, chamou os membros do futuro Taliban como “equivalentes morais dos pais fundadores da América” em encontro na Casa Branca. Ou vai me dizer que esses líderes são “gente do bem” enquanto que os que você citou são “gente do mal”? E mais uma: Israel era um dos grandes aliados da África do Sul nos tempos do apartheid, Bolsonaro. E também é em Israel que militantes do Estado Islâmico recebem tratamento médico depois que são feridos em combate. Você não tem moral nenhuma para dizer uma coisa dessas. Pelo visto você acha que o que pauta a política exterior de países como os Estados Unidos, Israel, França e Inglaterra é a democracia. Quanta ingenuidade da tua parte. O que pauta a política exterior dos países do dito “mundo livre e democrático” não é outra coisa senão os interesses geoestratégicos e geopolíticos dessas nações. E no exercício desses interesses não importa se o país em questão é uma ditadura ou uma democracia, desde que ele seja amigável e servil aos interesses ocidentais. A coisa na verdade não é tão simples quanto você pensa.