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– Slogan do Escola sem Partido.
Na terceira parte da
minha série de artigos sobre o Escola sem Partido quero falar sobre a dupla
moral de ao menos parte expressiva da direita brasileira, que se comporta como
uns leões ante a pregação ideológica que o professor de esquerda faz em sala de
aula, mas ao mesmo tempo fecha os olhos quando o assédio ideológico não vem do
professor de esquerda que eles tanto satanizam e chegam até a culpar como o
responsável pela lastimável situação em que o ensino brasileiro se encontra, e
sim do capital.
Em 12 de dezembro de
2001, Luís Carlos Hauly, deputado do PSDB pelo estado do Paraná, apresentou o
projeto de lei 5921/2001 no Plenário da Câmara Federal. Essa lei acrescenta
parágrafo ao artigo 37 da lei número 8078 de 11 de setembro de 1990, que criou
o Código de Defesa do Consumidor (CDC), e em sua explicação o projeto de lei em
questão proíbe a publicidade e a propaganda para a venda de produtos infantis. Em
2008 foi aprovado um texto substitutivo na Comissão de Defesa do Consumidor
(CDC) e outro texto no ano seguinte na Comissão de Desenvolvimento Econômico,
Indústria e Comércio (CDEIC) e em 2013 na Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática (CCTCI). De acordo com o Instituto Alana, o texto
aprovado em 2008, de autoria da então deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), é o
que melhor protege a criança brasileira, e prevê a regulação de qualquer
comunicação com finalidade mercadológica dirigida ao público com menos de 12
anos de idade. No presente momento, o PL 5921/2001 se encontra pronta para
pauta no Plenário. A questão da veiculação da publicidade infantil também serviu
de tema para a redação da prova do ENEM 2014. E como não poderia deixar de ser essa
questão na ocasião dividiu opiniões, com argumentos tanto a favor quanto contra
a medida, tal qual acontece com o Escola sem Partido atualmente.
Um dos argumentos
utilizado pelos partidários dessa lei para justificar sua implantação é a de que
a criança, por ser uma pessoa ainda em formação, deve ser protegida das
tentações oferecidas pelas propagandas veiculadas na mídia de massa. E o
curioso é que Marcel van Hattem (o mesmo Van Hattem que em 10 de novembro de 2014
postou uma mensagem em sua página no Facebook dizendo que o ENEM é o teste para
avaliar a situação da doutrinação de esquerda nas escolas) utilizou argumentação
similar (só que não aplicada às tentações do capital, e sim à pregação do
professor de esquerda em sala de aula) para justificar a necessidade da
implantação do Escola sem Partido em seu vídeo-resposta à Leandro Karnal.
Entre os refratários
dessa lei, muitos diziam que isso inviabilizaria a vida de programas infantis (entre
eles cartoons e animes) nos canais de televisões brasileiros e até mesmo
impediriam e inviabilizaria o surgimento de grandes estúdios de animação em
solo tupiniquim. O site odezinformado descreveu a lei em questão como “uma lei
que pode salvar as crianças do consumismo, mas tirar uma das melhores partes da
infância, que é o desenho animado”.
Um dos que se posicionaram
contra essa lei na ocasião foi Rodrigo Constantino. Segundo o economista e
desafeto de Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim), a lei 5921/2001 é o
ovo da serpente de uma medida extremamente perigosa para a liberdade das
pessoas e que a lei ignora que a criança tem pai e mãe, os responsáveis por sua
criação, e que assim estaria transferindo para o estado a educação das crianças,
assim como classificou os partidários da medida como “filhotes de Rousseau”. É
o mesmo Constantino que hoje em dia é favorável ao Escola sem Partido, sob a
alegação de conversas verborrágicas tais como o combate a uma suposta
doutrinação de esquerda nas escolas e universidades e que muitos dos docentes
de esquerda são em realidade militantes disfarçados que querem fazer pregação
ideológica em seus alunos. Dois pesos, duas medidas. Na primeira situação, ele
se demonstra contrário à implantação de uma lei, algo que obrigatoriamente necessita
da ação estatal, para resolver determinado problema e que a resolução do
problema em questão é de responsabilidade dos indivíduos. E na segunda
situação, a conversa é totalmente diferente, afinal o programa ideológico do
Escola sem Partido, para sua implementação, também necessitará obrigatoriamente
de uma ação do Estado que liberais como ele tanto demonizam. E agora, cadê a
liberdade das pessoas para resolver seus próprios problemas? Cadê o respeito às
liberdades individuais dos professores se expressarem da forma que quiserem em
sala de aula para alguém que tanto preza na defesa das liberdades individuais
diante do poder do Estado? Os professores e as escolas também não poderiam
resolver por si mesmos esse problema? Por que será que a ação do Estado é
válida em um caso e inválida no outro?
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– Meme ironizando a típica hipocrisia dos liberais no que tange ao Estado.
O ranço que essa gente
demonstra em relação ao Estado, diga-se de passagem, nada mais é que uma
roupagem moderna do discurso do pensador britânico do século XVII John Locke,
que em seu livro “Dois tratados sobre o governo” definia como despótico todo e
qualquer governo que atenta contra a propriedade privada, e dessa forma, a
liberdade dos homens de negócio. Assim sendo, na concepção de Locke, esses tem
todo o direito de castigar da forma mais brutal possível seus opositores. Esse
é o discurso liberal por excelência, onde o mercado é mostrado como o espaço
das virtudes por excelência, ao passo que o Estado é o espaço das mazelas, no
que dá margem a muitas pessoas pensarem que só existe corrupção no segundo. De
acordo com o professor Ramez Maalouf, essa mesma lógica oriunda do pensamento
de John Locke da qual os liberais bebem esteve presente nas invasões
anglo-americanas que o Iraque sofreu em 1991 e 2003, que sob o pretexto de
levar a democracia para a nação mesopotâmica depôs Saddam Hussein e a levou a
ruína e o caos dos quais até hoje nunca se recuperou.
A publicidade infantil,
como todo e qualquer tipo de publicidade, é um negócio que se encontra dentro
do contexto e da lógica de acumulação capitalista. Assim sendo, na condição de
negócio multimilionário, zela pelos interesses de classe dos grandes
capitalistas ligados ao negócio. Em outras palavras, a publicidade infantil tem
seu partido e sua orientação ideológica (muito embora aparente neutralidade quanto
a esse assunto). Quando, por exemplo, uma empresa que vende brinquedos divulga
seus produtos na televisão, no rádio, na Internet, em outdoors ou qualquer
outro lugar sua principal finalidade não é outra senão vender seus produtos e,
portanto ganhar dinheiro com isso, ainda mais levando em consideração que
vivemos em mundo cuja economia é movida justamente pelo consumo de massa (vulgo
consumismo). Fenômeno esse que Karl Marx previu ainda em 1867 em sua obra “O
Capital” com as seguintes palavras: “os donos do capital incentivarão a classe
trabalhadora a adquirir, cada vez mais, bens caros, casas e tecnologia,
impulsionando-as cada vez mais ao caro endividamento, até que sua dívida se
torne insuportável”.
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– A profecia de Karl Marx sobre o consumismo em “O Capital” (1867).
Como já foi mencionado
no artigo “A farsa do conservadorismo da Rede Globo”, existe outra modalidade
de exploração que os grandes capitalistas promovem, que o marxista venezuelano
Ludovico Silva chamava de mais valia ideológica, que é a extensão da exploração
que o trabalhador sofre na fábrica em casa e que é levada a cabo pela mídia de
massa (a mesma mídia de massa que veicula a maior parte dos anúncios envolvendo
publicidade infantil). Portanto, isso que os grandes capitalistas fazem através
de sua máquina de propaganda não se configura como assédio ideológico? Pois
pelo que as falas dos partidários do Escola sem Partido sugerem, assédio
ideológico é apenas a pregação do professor de esquerda em sala de aula
(profissional esse que muitas vezes trabalha sob péssimas condições de trabalho
e ganha um salário miserável, geralmente não mais que R$ 2415,89, ou seja, muito
abaixo do salário mínimo necessário segundo o DIEESE[1] para sustentar uma família
de quatro pessoas, que em junho de 2016 foi calculado em R$ 3940,24).
Já os grandes
capitalistas, por seu turno, possuem do seu lado órgãos como a mídia de massa,
que muitos chamam de o quarto poder (assim Lima Barreto, em Memórias do
Escrivão Isaías Caminha, descreveu a imprensa na década de 1900) e que ajudam a
perpetuar e a manter seu status quo
privilegiado. E os professores de esquerda, por um acaso tem aparato similar do
seu lado? Não, não tem e nunca tiveram. Ou seja, o poder que o professor de
esquerda tem de produzir alienação e assédio ideológico nas pessoas é
infinitamente inferior ao que os grandes capitalistas possuem. E o curioso é
que até hoje nunca vi nenhum partidário do Escola sem Partido cobrar isenção
ideológica, por exemplo, da mídia de massa e da República de Curitiba e seu
capitão-mor Sérgio Moro nas investigações da Operação Lava Jato (que como todos
nós sabemos se mostraram extremamente seletivas e partidárias ao atacar apenas os
políticos ligados ao PT e partidos da base).
E para piorar ainda mais
a situação, esses elementos da direita raivosa, como de praxe, ignora o fato de
que no mundo em que vivemos quem de fato dá as cartas na política das nações
(em especial no Ocidente) não são os presidentes e primeiros-ministros, e sim
os grandes capitalistas que através de seu poder econômico mandam por trás das
cortinas do poder. Os presidentes e primeiros-ministros não passam de gerentes
que governam em nome dos grandes capitalistas e que cujo poder real muitas
vezes é praticamente nulo. Como Marx disse em um trecho do Manifesto do Partido
Comunista (1848), o estado moderno é o comitê de negócios da burguesia. Ou
seja, atende acima de tudo aos interesses de classe dos grandes capitalistas. E
a esse fato gente como Marcel Van Hattem e Rodrigo Constantino fecham os olhos da
forma mais rasteira possível.
Por que será que gente
como Van Hattem, Constantino e outros pensam e agem assim? Primeiro, percebe-se
que a dupla moral com que eles tratam essas questões exala a já citada
concepção de John Locke (consciente ou inconscientemente). Assim sendo, como
bons liberais que são, não tem interesse algum em mudar o status quo vigente. Segundo, talvez porque não querem mexer com
gente que tem muito mais poder que eles, e assim acabam fazendo os professores (tanto
da rede pública quanto da rede privada) de bode expiatório dos problemas que a
educação brasileira enfrenta. Terceiro talvez por ignorância e/ou má fé (o que
acho bem improvável).
No fim, o que se percebe
é que eles não querem resolver de fato com os problemas da educação brasileira,
e sim impor sua cartilha político-ideológica em sala de aula sob o pretexto de combater
a alegada doutrinação marxista nas escolas, ainda mais agora que a correlação
de forças na política nacional está em seu favor. Resumo da ópera: pela lógica
de gente como Marcel van Hattem e Rodrigo Constantino, se o Escola sem Partido
tem de ser implantando, então a lei 5921/2001 também tem que ser implantada, já
que ela também se propõe a proteger as crianças de um assédio ideológico, no
caso o assédio ideológico do capital. Assédio esse que no mundo em que vivemos
é muito mais forte e insidioso que o assédio de um professor de esquerda.
Foto
– Frase de George Orwell sobre o consumismo e seu funcionamento. Crédito:
Avante.
Fontes:
E ainda tem gente que é
contra o Escola sem Partido. Disponível em: http://rodrigoconstantino.com/artigos/e-ainda-tem-gente-que-e-contra-o-escola-sem-partido/
Escola com Partido ou
Sem Partido? Disponível em: http://rodrigoconstantino.com/artigos/escola-com-partido-ou-sem-partido/
Manifesto do Partido
Comunista. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm
Marcel van Hattem.
Disponível em: https://m.facebook.com/marcel11022/posts/820816707940240
Maurício de Sousa lidera
reação em defesa da publicidade infantil. Disponível em: http://economia.ig.com.br/empresas/2014-12-11/mauricio-de-sousa-lidera-reacao-em-defesa-da-publicidade-infantil.html
Os sete mitos criados
pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (2). Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10102:submanchete021014&catid=80:ramez-philippe-maalouf&Itemid=203
PL 5921/2001. Disponível
em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=43201
Publicidade Infantil –
Entenda o projeto de lei que cria regras claras para a publicidade dirigida a
crianças de até 12 anos de idade. Disponível em: http://publicidadeinfantilnao.org.br/2015/06/07/publicidade-infantil/
Propaganda infantil –
proibir ou não? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SXSt-JtXpS4
Propaganda menos
propaganda infantil = lei 5921/2001! Entenda o resultado dessa conta! Disponível
em: http://odezinformado.blogspot.com.br/2014/07/propaganda-menos-programa-infantil-lei.html
Resposta ao professor
Leandro Karnal sobre o Escola sem Partido – Marcel van Hattem. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W66pmP5x1io
Roda Viva – Leandro
Karnal (04/07/2016). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JmMDX42jOoE
Ruy Mauro Marini.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Mauro_Marini
Salário mínimo nominal e
necessário. Disponível em: http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html
Super-exploração do
trabalho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Superexplora%C3%A7%C3%A3o_do_trabalho
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