Foto
– Letícia Sabatella.
Em 12 de agosto de 2016,
Letícia Sabatella, a qual foi agredida por uma turba da direita raivosa na
Praça Santos Andrade em Curitiba durante uma manifestação a favor do
impeachment de Dilma que teve lugar no dia 31 de julho, publicou uma carta onde
ela repudia o golpe judiciário-policial-midiático desse ano e faz toda uma
defesa da democracia. Ao final da mesma carta, ela disse que “A democracia é
nossa única chance de convivência saudável. Ninguém precisará ser impedido de
caminhar na rua de sua casa, de conversar com um adversário de ideias, ninguém
precisará mais sumir, ser exilado, preso, assassinado por seus posicionamentos,
na história de nosso país, se a democracia for preservada”.
Em que mundo será que a
atriz global vive para ter dito algo assim? As falas dela nos sugerem que ela
não entende o país onde vive. Para começo de conversa, a atriz global não deixa
claro que tipo de democracia ela defende: se é a democracia ocidental vigente
nos dias de hoje (democracia essa que aqui no Brasil é defendida tanto por
gente como Jair Bolsonaro e seus filhos quanto por gente como José Serra), que
Alain Soral define como o “governo dos mais ricos” e onde a participação do
povo se limita a votar em um candidato em eleições que acontecem a cada quatro
ou cinco anos (e que quando o mesmo chega ao poder acaba governando muito mais
para os reais donos do poder que para seu eleitorado) ou se é uma democracia
participativa, como a que os finados Hugo Chávez e Muammar al-Kadaffi
defendiam, onde o peso da decisão popular no exercício do poder de um país é
muito maior?
As falas da atriz global
também nos sugerem que ela ignora o fato de que vivemos em um país atravessado
por um dos mais terríveis e ferozes conflitos de classe da face da Terra (se
não o mais) entre o andar de cima e o andar de baixo da sociedade, que remonta
desde os tempos coloniais. Tal conflito o PT escamoteou nesses anos todos
através de sua política de conciliação de classes e agora está ressurgindo sob as
mais diversas formas, tais como as manifestações de rua da direita raivosa a
favor do impeachment de Dilma (incluindo aquela em que a atriz foi agredida), o
Escola sem Partido (que é usado por muitos políticos conservadores como
instrumento para fazer valer suas agendas político-ideológicas), a maneira
extremamente seletiva como a equipe do juizeco provinciano Sérgio Moro tem
agido desde o início das investigações da Operação Lava Jato, as vaias e
xingamentos à presidente Dilma no jogo de abertura da Copa 2014, a crescente
popularidade de figuras como Marco Feliciano, Jair Bolsonaro, Magno Malta e
Marcel van Hattem e outros tantos. Fazendo uma analogia, tal conflito é como se
fosse um vulcão que durante muitos anos esteve adormecido e que agora está
expelindo lava, cinzas e fumaça para todo lado e em grande quantidade. Esse é o
contexto de onde surge a onda conservadora que o país tem vivido nos últimos
anos, e assim sendo tais manifestações não surgem do nada como muitos ingênuos
pensam (onde ela certamente se enquadra).
No andar de cima, há uma
elite dominante que historicamente sempre tratou o Estado brasileiro como seu
balcão de negócios particular (a ponto de usar os endividamentos interno e
externo do país como forma de assalto ao Estado), é e sempre foi mancomunada
com negócios internacionais e que em 1964, ante as reformas de base do
presidente João Goulart, não hesitou em se valer dos militares para a
salvaguarda de seu status quo
privilegiado. E que mesmo após o fim do regime civil-militar continuou sendo o
poder por trás do trono da política nacional (ou seja, a redemocratização dos
anos 1980 não passou de uma troca dos fantoches que estão à vista de nossos
olhares). Agora que a política de conciliação de classes dos governos Lula e
Dilma não mais interessa a essa elite (que foi classificada por Darcy Ribeiro
em entrevista ao programa Roda Viva em 1988 com adjetivos tais como azeda, ranzinza,
medíocre e cobiçosa e como a responsável pelo atraso do Brasil em relação às
Grandes Potências), está se valendo dos juízes e promotores da Operação Lava
Jato (vulgo República de Curitiba), tão ou mais reacionários quanto os
militares que deram o golpe civil-militar de 1964, para tirar o PT do poder.
E não é só isso: a
serviço dessa mesma classe e seus interesses também estão órgãos como a mídia
de massa (incluindo a Rede Globo onde ela trabalha, a Bandeirantes, o SBT, a
rádio CBN, a Revista Veja e jornalões como o Estado de São Paulo e a Folha) e
os tribunais, os quais como a própria história mostra nunca tiveram simpatia
alguma por governos de caráter mais popular. Haja vista o que foi feito com
Getúlio Vargas em 1954, com Jango em 1964, com Brizola em seus dois mandatos
como governador do estado do Rio de Janeiro e mais recentemente o que tem sido
feito com Lula e Dilma desde que estourou o escândalo do mensalão em 2005 (e é
essa mesma mídia que no tocante à corrupção passa a mão em partidos como o PSDB
e ao mesmo tempo joga todas as pedras possíveis e imagináveis no PT, pois o
tucanato, na condição de um partido de caráter elitista, é mais afinado com
seus interesses de classe). Ou mesmo o já mencionado comportamento extremamente
seletivo da Operação Lava Jato (e o pior de tudo é ver os partidários do Escola
sem Partido acharem que só há direcionamento ideológico na pregação ideológica
de um professor de esquerda que dá aula em escolas e universidades). Resumindo
a ópera: o PT, em algum momento de sua história, renunciou a luta ideológica contra
os elementos reacionários da sociedade brasileira e agora está tomando uma bela
punhalada nas costas desses mesmos elementos com os quais colaborou nesses anos
todos. Ou seja, está colhendo o que plantou.
Foto
– Alain Soral sobre a democracia dos dias de hoje.
Um pouco mais abaixo da
pirâmide social, temos a classe média. Diferente do que muitos podem pensar, não
é a classe dominante, e sim a classe média (ao menos parte significativa dela) que
realmente tem ojeriza em relação aos estamentos menos abastados da sociedade
brasileira, que costuma classificar programas sociais como o Bolsa Família com
adjetivos tais como esmola e fábrica de vagabundos e vaiou a Dilma na abertura
da Copa 2014. Também é essa mesma classe que periodicamente vai às ruas vestida
de verde e amarelo protestar contra a corrupção (e ainda usando camisa da
seleção brasileira, que carrega o emblema da CBF [Confederação Brasileira de
Futebol], uma entidade extremamente corrupta e que através de seus desmandos e
péssima administração tem arruinado com o futebol brasileiro) e bradar mantras
como “a minha bandeira jamais será vermelha” e “não à Cubanização do Brasil”, que
pensa que a corrupção mostrada na grande mídia é o maior problema que aflige o
Brasil (sendo que esse é o mais baixo nível do problema), tem como heróis
figuras como o político Jair Bolsonaro (não raro por eles chamado de Bolsomito)
e o juiz Sérgio Moro, vaia médicos cubanos em aeroportos e que faz panelaços nos
horários de programa eleitoral do PT. Segundo Marilena Chauí, tal classe tem
como grande sonho, além de poder desfrutar de um padrão de consumo from United States, se tornar parte da
classe dominante (o que obviamente eles jamais serão) e como grande pesadelo se
tornar proletária. Ideologicamente, ela é extremamente abobada e alienada, já
que vive do senso comum que a grande mídia e seus sequazes (entre eles Raquel
Sheherazade, Marco Antônio Villa, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Joice
Hasselmann, Miriam Leitão, Arnaldo Jabor e outros tantos) destilam. Em outras
palavras, tais elementos da classe média se comportam como se fossem o cão de
guarda daqueles que estão na copa da árvore.
E mais abaixo estão os
pobres, aqueles que os elementos mais reacionários da classe média gostam de
taxar de burros, alienados, analfabetos e curral eleitoral do Partido dos
Trabalhadores. Tal estamento social teve certa ascensão social nesses anos
todos graças aos programas sociais dos governos Lula e Dilma, entre eles o
Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida (a tal ponto de o governo ter inventado
o conto falso de uma nova classe média, assim como de ter feito alguns desses
elementos da classe média acharem que “aeroporto virou rodoviária” e conversas
afins). Entretanto, tais programas em momento algum mexeram com os privilégios
da classe dominante, bem diferente das reformas de base de Jango. E esse é um
dos motivos pelos quais durante os primeiros anos de governo petista não houve
clima para um golpe como o que houve em 1964. E, além disso, a inclusão social
promovida pelas gestões Lula e Dilma não foi pautada pela educação e o
exercício da cidadania das massas, e sim pelo consumo (dai que nascem fenômenos
como os rolezinhos em Shopping Centers – os quais de contestação ao sistema
vigente nada tem, diga-se de passagem).
Segundo Jessé de Souza,
a verdadeira origem do Brasil não está na corrupção existente em Portugal[1], e sim na escravidão. E o
que o sociólogo potiguar quis dizer com isso? O Brasil passou quase 400 anos de
sua história debaixo de escravidão legalizada e institucionalizada, e isso
obviamente deixou suas marcas na mentalidade principalmente das elites
dominantes (que, diga-se de passagem, é a verdadeira quadrilha-mor do Brasil),
a ponto de tratar o povo como se fosse carvão a ser queimado em um forno da
forma mais descartável possível. Já se passaram 127 anos desde que a Princesa
Isabel assinou a Lei Áurea, e recentemente vimos o presidente da CNI
(Confederação Nacional da Indústria), Robson Braga de Andrade, propor aumentar
a carga horária do trabalhador brasileiro de 44 para 80 horas semanais. Diga-se
de passagem, o ataque que o governo Temer está promovendo aos direitos
trabalhistas nada mais é que uma manifestação do pendor escravocrata da parte
da classe dominante nacional, que em nome de seus lucros pode até jogar no lixo
a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e a lei Áurea.
Entendam uma coisa:
quando a nossa classe dominante está decidida a derrubar um governante que não é
de seu agrado, ela irá fazer todo o possível para defender seu status quo privilegiado, nem que para
isso tenha que usar militares, juízes, promotores, jornalistas ou o que mais
tiver a seu dispor. E nem que para isso ela tenha que instituir um estado de
exceção como o que foi feito em 1964, com direito a censura da imprensa,
tortura, Operação Condor, prisões e perseguições de seus inimigos de classe. E
não serão os apelos por democracia como os de Letícia Sabatella que irão
impedir que um episódio como o que aconteceu no Brasil em 1º de abril de 1964 ou
no Chile em 11 de setembro de 1973 se repita.
Foto
– Jessé de Souza a respeito do conflito de classes inerente à sociedade
brasileira.
Fontes:
As abominações da classe
média – Marilena Chauí. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3MX5b3EfMAw
Darcy Ribeiro, sobre a
elite. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SX5O-IAyO38
Coxinhas – quem são e o
que pensam. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ytTcp6s8Zno
Jessé de Souza:
impeachment é mentira das elites para enganar pobres e classe média. Disponível
em: http://www.ocafezinho.com/2016/04/13/jesse-de-souza-impeachment-e-mentira-das-elites-para-enganar-pobres-e-classe-media/
Nildo Ouriques – os três
níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xbgVmPeVn08
Para Jessé de Souza,
classe média é sadomasoquista ao apoiar as elites. Disponível em: http://jornalggn.com.br/noticia/para-jesse-de-souza-classe-media-e-sadomasoquista-ao-apoiar-elites
Sabatella – democracia é
nossa única chance de convivência saudável. Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/249297/Sabatella-democracia-%C3%A9-nossa-%C3%BAnica-chance-de-conviv%C3%AAncia-saud%C3%A1vel.htm
[1] Segundo Jessé de Souza, tal mito se originou
na sequência da derrota de São Paulo para Vargas em 1932 e o posterior intento
da elite paulista em criar uma intelectualidade liberal que batesse de frente
com o pensamento nacionalista varguista, e teve entre seus principais difusores
figuras como Sérgio Buarque de Holanda. Objetiva, acima de tudo, demonizar o
Estado quando ele é ocupado por seus inimigos de classe, assim como o desejo de
em detrimento do Estado montar a ideia igualmente falaciosa de que o mercado
reúne todas as virtudes enquanto que o Estado é o espaço das mazelas, de forma
a justificar o Estado enquanto balcão de negócios particular do poder econômico
(parafraseando Karl Marx) e assim demonizar toda e qualquer tentativa deste de
colocar rédeas curtas nas atividades dos grandes capitalistas. Dai que nasce a
falácia de que muitos propagam de que corrupção existe apenas no Estado (sendo
que em realidade os grandes corruptores não estão no Estado e sim no setor
privado).
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