sábado, 16 de agosto de 2025

Freeza e Rei Vegeta, parte XII

 

Foto – Rei Vegeta no meio, com o jovem Vegeta à esquerda, Nappa e mais três guerreiros saiyanos à direita.

E com vocês a parte XII da série de artigos Freeza e Rei Vegeta. E o assunto da vez é a visão distorcida da história que grande parte da direita brasileira, geralmente identificada com a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros políticos reacionários, manifesta em relação a episódios históricos como a conquista islâmica do norte da África e da Ibéria e as cruzadas.

Como vemos, mudaremos de lado dentro do espectro político. Deixaremos de falar do pessoal da esquerda pós-moderna e a idealização que eles fazem do passado de certos povos e vamos falar sobre as ilações que o pessoal da direita faz a respeito de eventos como as Cruzadas levantinas strictu sensu e as relações entre o mundo cristão europeu e o mundo muçulmano ao longo dos séculos latu sensu. Em outras palavras, dos chamados “zé cruzadinhas”. Afinal, como já dito em outras oportunidades, essa gente de direita mais reacionária e tacanha é a cara metade político-ideológica desse pessoal da esquerda pós-moderna.

Originalmente, Zé Cruzadinha era um personagem que aparece em algumas histórias da Turma da Mônica, criadas por Maurício de Souza. Amigo do Cebolinha, ele é um menino de cabelos espetados meio maluco que gosta muito de resolver revistas de palavras cruzadas e usa óculos circulares (fundo de garrafa), camisa amarela, bermuda preta e tênis lilás (ou marrom) com meias. Ele surgiu em 1963, nas tiras do Cebolinha, e desde então tem sido personagem recorrente nas histórias da Turma da Mônica.

Foto – Zé Cruzadinha.

Mais recentemente, o nome do personagem da Turma da Mônica ganhou um novo significado. Ele passou a designar, de forma pejorativa, certos tipos que vemos na Internet e em redes sociais, geralmente direitistas, que bradam por ai frases como “Deus Vult” (“Deus o quer”, em latim) e afins.

Em linhas gerais, tais tipos geralmente explicam que as Cruzadas na Terra Santa foram uma guerra de resposta tardia por conta de séculos de invasões de califados e sultanatos islâmicos a regiões outrora sob domínio cristão, incluindo Síria, Palestina, Egito, noroeste da África, Península Ibérica, França e Itália. E ainda chegam ao ponto de dizer que “as cruzadas salvaram a Europa de se tornar islâmica” e conversas similares.

Este tipo de explicação pode ser encontrado até mesmo no vídeo de Thiago Braga sobre o tema no canal Brasão de Armas, como também por parte de figuras de extrema direita católica como Marcelo Andrade e Raphael Tonon.



Só que há um buraco BEM grande na explicação que eles dão. Primeiro de tudo que as cruzadas começam em 1095, passados já quase 400 anos da conquista islâmica da Ibéria sob o califado omíada de Damasco e quase 500 anos das conquistas islâmicas iniciais na Síria, no Levante e no Egito ainda sob os primeiros califas. Como explicar eventos ocorridos entre os séculos XI a XIII por conta de eventos ocorridos meio milênio antes? Para mim não faz sentido algum. A conta não fecha.

E segundo que o contexto europeu e mediterrânico da segunda metade do século XI era bem diferente daquele dos séculos VII a IX, que é quando o grosso dessas invasões e conquistas se dá.

O contexto do Medievo inicial era o da Europa pós-romana, no qual o Império Romano do Ocidente deixou de existir e em seu lugar surgiu uma miríade de reinos bárbaros, entre eles os reinos visigodo e suevo na Ibéria, reino ostrogodo na Itália, reinos franco e burgúndio na Gália (atual França), reino alamano na Germânia, reino vândalo no norte da África, reinos anglo-saxônicos nas ilhas britânicas, reino frísio na atual Holanda e outros, todos eles oriundos da grande migração de povos (em alemão Volkerwanderung) da Antiguidade Tardia e Medievo inicial.

Era um contexto de fragilidade política e social que eventualmente acabou sendo explorado por terceiros. E os muçulmanos não foram os primeiros e nem os únicos a se aproveitarem dessa situação.

Ainda no século VI houve as invasões dos ávaros, povo das estepes ao norte do Mar Negro, provavelmente oriundo dos Žužan (os quais de suas bases na atual Mongólia e sul da Sibéria causaram problemas aos chineses entre os séculos IV a VI).

Sob a liderança de Bayan (r. 562 – 602), os ávaros se estabeleceram na Panônia (atual Hungria) por volta de 562 e assim preencheram o vazio deixado pela debacle do Império Huno um século antes, após a morte de Atila. De suas bases na Panônia os ávaros lançaram invasões à Itália, Gália, Turíngia e Península Balcânica na segunda metade do século VI e começo do século VII. Em 626 os ávaros sitiaram Constantinopla junto com a Pérsia Sassânida. O poder ávaro na Panônia só veio a ser destruído no começo do século IX por Carlos Magno.

Também no século VI o Império Bizantino, durante o reinado de Justiniano I, lançou suas guerras de conquista sobre partes da Europa Ocidental pós-romana, vide a guerra vândala de 533/534 contra o reino vândalo no norte da África, a guerra gótica de 535 a 554 contra o reino ostrogodo na Itália e a conquista de parte da Ibéria visigótica em 552.

E os zé cruzadinhas que choram as pitangas pelo Império Bizantino por conta das conquistas islâmicas do século VII em momento algum falam sobre os dias de conquistadores do mesmo. Conquistas essas que se deram à custa de outros estados cristãos (ainda que da vertente ariana) e que tiveram lugar antes mesmo de o profeta Maomé nascer.

Foto – Império Bizantino por volta de 555, após as conquistas do reinado de Justiniano I (r. 527 – 565).

Mais adiante, já nos séculos VIII e IX, em especial após a morte de Carlos Magno (r. 768 – 814) e a subsequente fragmentação de seu império em três partes, junto com as invasões árabes pelo sul também temos as invasões vikings pelo norte e magiares pelo leste. Os vikings, oriundos das atuais Dinamarca, Noruega e Suécia, promoveram a partir de 793 (ataque ao mosteiro de Lindsfarne na Inglaterra) incursões de pirataria às Ilhas Britânicas, à França e até mesmo a partes da Ibéria, do norte da África e da Itália. Chegaram a estabelecer seu senhorio sobre partes da atual Inglaterra, o chamado Danelaw (c. 878 – 954), e com a anuência do rei francês Carlos o simples (r. 898 – 922) alguns deles se estabeleceram na França em regiões como a Normandia e a Bretanha, mediante conversão ao cristianismo.

Já os magiares, antes vassalos dos khazares, após migrarem das estepes ao norte do Mar Negro e se estabelecerem no atual território húngaro a partir de 896 sob a liderança do chefe Arpád Álmos e assim preencher o vácuo de poder deixado na Panônia com o fim do poder ávaro, concentraram seus esforços no leste, na França, Germânia e Itália. Em 942 hostes magiares avançaram a oeste até a Ibéria islâmica.

Foto – invasões árabes, vikings e magiares na Europa entre os séculos VII a X.

A partir dos séculos X e XI tais invasões não apenas chegam ao fim, como também nórdicos e magiares passam a fazer parte do mundo cristão europeu.

Os magiares são vencidos em 955 pelo imperador germânico Otto II na batalha de Lechfeld e por volta do ano 1000 a Hungria se converte ao cristianismo sob o rei São Estevão I (r. 997 – 1038). Junto com a Polônia, a Hungria se tornou o bastião oriental da cristandade ocidental.

Já os vikings se convertem ao cristianismo primeiro nas regiões colonizadas por eles como as ilhas britânicas e a Normandia (vide a conversão do chefe viking Rollon em 911), depois, dentro dos marcos da formação das monarquias nacionais escandinavas, houve a conversão das nações escandinavas sob a liderança de monarcas como o dinamarquês Harald dente azul (r. 958 – 986) e os noruegueses Olaf Tryggvasson (r. 995 – 1000) e Olaf II (r. 1015 – 1028), o segundo posteriormente canonizado pela Igreja Católica como Santo Olavo.

A integração de nórdicos e magiares ao mundo cristão medieval foi tal que monarcas escandinavos e húngaros participaram de cruzadas na Terra Santa, vide a cruzada de peregrinação do rei norueguês Sigurd I (r. 1103 – 1130) entre 1107 a 1111 e a participação do príncipe húngaro Geza na terceira cruzada (1189 – 1192) e do rei húngaro André II (r.1205 – 1235) na quinta cruzada (1217 – 1221). Além disso, as monarquias escandinavas, junto com ordens militares germânicas como os Cavaleiros Teutônicos e os Cavaleiros Livonianos da Espada, lançaram suas próprias cruzadas dentro da própria Europa, as cruzadas do norte, contra os povos ainda pagãos do Báltico oriental, entre eles os vendos, os prussianos e os lituanos, e até mesmo contra estados cristãos ortodoxos oriundos da fragmentação da Rus de Kiev a partir de 1054 como a República de Novgorod.

E a coisa não para por ai. De suas bases na Normandia no noroeste da França, os normandos, descendentes cristianizados dos vikings, lançaram-se no século XI à conquista de territórios como a Inglaterra, Gales, Malta e sul da Itália, incluindo o emirado da Sicília entre 1061 a 1091. Participaram ativamente das cruzadas levantinas e no século XII, mais precisamente entre 1146 a 1160, a Sicília normanda chegou a estender seu domínio sobre partes do norte da África, sobre a atual Tunísia e noroeste da Líbia, até perder a região para os almoadas.

Foto – conquistas normandas entre os séculos XI a XV.

Como podemos muito bem ver, na segunda metade do século XI o contexto já era totalmente diferente daquele do Medievo inicial. As invasões que os reinos cristãos europeus sofriam antes por parte de povos como árabes, nórdicos e magiares já era coisa do passado. O máximo que houve ao final do século XI foram as invasões dos cumanos a partes dos domínios do estado Rus de Kiev (vide os ataques cumanos a Kiev em 1096, 1097, 1105 e 1107) e os atritos dos reinos cristãos ibéricos com o califado almorávida. Ou seja, atritos localizados nas fronteiras dos reinos que estavam bem longe de representar a mesma ameaça aos reinos cristãos europeus que as invasões das centúrias anteriores.

As fronteiras do mundo cristão medieval europeu eram outras. Se por volta de 700 as fronteiras desta não passavam do Reno e do Danúbio, por volta de 1100 essas fronteiras, por contas das sucessivas de conversões de nações e reinos europeus tais como Polônia, Rus de Kiev, Hungria, Noruega, Suécia e Dinamarca, agora se estendem das margens do Oceano Ártico ao norte às ilhas gregas e Itália ao sul e das ilhas britânicas ao oeste às fronteiras orientais da Rus de Kiev (a essa altura já fragmentada em vários principados) ao leste. E isso a despeito da divisão entre Igreja Católica Romana e Igreja Ortodoxa Bizantina advinda do cisma do oriente de 1054.

E a situação dos potentados islâmicos na Europa também era outra. De todos os potentados que os muçulmanos, em sucessivas ondas de conquista, estabeleceram na Europa nos séculos VIII e IX só restava o sul da Ibéria sob a jurisdição de estados muçulmanos na virada do século XI para o XII. Os emirados de Bari e Taranto na Itália continental foram riscados do mapa em 871 e 883, respectivamente. O Fraxinetum no sul da França deixou de existir em 973 após 85 anos de existência. O emirado de Creta na Grécia foi conquistado pelo Império Bizantino em 961. O emirado da Sicília foi conquistado pelos normandos entre 1061 a 1091. Em 1091 os normandos também expulsam os muçulmanos de Malta.

Foto – A expansão do Islã sob os primeiros califas e depois sob a dinastia omíada (661 – 750), em alemão.

E mesmo na Ibéria o outrora poderoso califado omíada de Córdoba (929 – 1031) se estilhaçou nos reinos de taifas em 1031 por conta de uma série de guerras intestinas iniciadas ainda em 1009 (fitna de Al-Andalus) e importantes praças já estavam sob a jurisdição dos reinos cristãos do norte, incluindo Toledo, a antiga capital visigótica, tomada em 1085 pelo rei de Castela Afonso VI. Ante essa situação, os soberanos dos reinos taifas pedem auxílio aos almorávidas do noroeste da África.

Apenas no século XIII com as invasões mongóis e mais adiante com o Império Otomano a partir do final do século XIV é que novas ondas de invasões extracontinentais em larga escala a reinos europeus ocorrem.

Ao escutar falas como a de que as cruzadas foram uma resposta tardia aos avanços de hostes islâmicas dos séculos VIII a X passa-se a impressão de que antes das cruzadas os reinos europeus nunca reagiram aos avanços dos invasores vindos do sul. Em outras palavras, passa-se a impressão de que batalhas tão celebradas por eles, como a batalha de Poitiers na qual Carlos Martel venceu os muçulmanos em 732, não ocorreu. Muito menos, por exemplo, a batalha de Tourtour que colocou fim à existência do Fraxinetum em 973. Ou mesmo os avanços de Carlos Magno sobre o norte da Ibéria ainda no final do século VIII, onde ele estabeleceu no que hoje é o nordeste da Espanha a marca hispânica.

Mas, se o que esses zé cruzadinhas geralmente falam não tem fundamento histórico algum, de onde vem isso? Um dos principais divulgadores da tese que eles defendem é o ex-professor de física e escritor norte-americano Bill Warner.

Segundo Bill Warner, houve 548 batalhas provocadas pelo Islã contra o que ele chama de civilização cristã. Vídeos de Bill Warner no You Tube podem ser encontrados e vistos em canais de direita, onde ele mostra um mapa onde ele faz uma comparação entre a quantidade de batalhas daquilo que ele convém chamar de cruzada e jihad.

Nessa comparação, Warner, entre outras coisas, faz um verdadeiro cherry picking e não menciona, por exemplo, as já citadas cruzadas do norte contra os povos pagãos do Báltico oriental, ou mesmo outras cruzadas contra poderes não-islâmicos, vide a cruzada dos cátaros no sul da França entre 1209 a 1229.

Foto – Bill Warner.

Isso sem contar com os mapas cheios de erros bem crassos, como o abaixo:


Foto – Europa e o mundo mediterrânico entre 1900 a 1920, segundo as ilações de Bill Warner.

No mapa acima, Bill Warner, para além de apresentar o mundo muçulmano como se fosse um bloco monolítico do ponto de vista geopolítico, ele coloca dentro das fronteiras do Islã entre 1900 a 1920 regiões como os baixos Volga e Ural, as margens do mar de Azov, o Cáucaso e a Ásia Média, regiões essas que foram conquistadas pela Rússia, um império cristão ortodoxo, entre os séculos XVI a XIX. Também coloca dentro do mundo muçulmano o subcontinente indiano, a época sob o controle colonial britânico, e a Argélia, o Marrocos e a Tunísia, a época sob o controle colonial francês. Sem contar ainda com o Oriente Médio, sobre o qual França e Inglaterra estabeleceram mandatos coloniais após o fim da Primeira Guerra Mundial por meio do acordo de Sykes-Picot.

E por que falar a esse respeito? Por que isso não é coisa de meia dúzia de gatos pingados de Internet, como a primeira vista pode parecer. Pelo contrário, pessoas influentes, que ocupam altos cargos em governos ocidentais professam esse tipo de pensamento.  Além disso, esse é o tipo de retórica que justifica, por exemplo, as sucessivas intervenções do Ocidente “livre e democrático” sobre países do muçulmano que só tem trazido instabilidade e caos a região, derrubando regimes e em seu lugar abrindo caminho para o surgimento de grupos salafistas como o Estado Islâmico, o Boko Haram e outros afins. E mesmo o que Israel vem fazendo na Palestina e outras partes do mundo árabe desde 1948, incluindo a atual guerra do governo Netanyahu contra a faixa de Gaza.

E, além disso, pode-se dizer que esses zé cruzadinhas e a esquerda pós-moderna tem seus pontos em comum. Se a segunda cria todo um passado idealizado de povos como os africanos e os ameríndios de antes da chegada dos europeus e início do processo de colonização, os primeiros enxergam a Europa medieval de maneira similar, para não dizer análoga.

Eles tratam a Europa medieval como se fosse um mundo idílico e monolítico, onde não havia conflitos entre os diversos reinos cristãos que surgiram após o fim do Império Romano Ocidental. Como se antes mesmo do surgimento do Islã não houvesse episódios como as já citadas conquistas bizantinas do reinado de Constantino II, as guerras entre os reinos franco e visigodo entre 496 a 511, a guerra entre francos e burgúndios entre 523 a 533, guerras entre francos e frísios nos séculos VII e VIII, a conquista do reino suevo pelo reino visigodo em 585 e outras tantas. Ou mesmo guerras civis dentro dos reinos, incluindo a guerra civil dentro do reino visigótico às vésperas da conquista islâmica da Ibéria. Tanto que a conquista islâmica tanto da Ibéria quanto da Sicília se dá com o apoio de setores da nobreza e do exército locais, vide o caso do general bizantino Eufêmio, que movido por ambições pessoais convidou os aglábidas do norte da África em 827 para auxiliá-lo em sua querela com o governo imperial baseado em Constantinopla.

Assim, podemos dizer que até nisso a esquerda pós-moderna e esses zé cruzadinhas de direita se completam um ao outro. Kami Sama e Piccolo Daimaoh, o yin e o yang, o alfa e o ômega, as duas faces de Janus contrapostas entre si. Podem ter certeza que se um cavaleiro dos tempos medievais visse um desses zé cruzadinhas atuais, no mínimo ficaria envergonhado.

Foto – Cavaleiro cruzado medieval vs zé cruzadinha dos dias hodiernos.

Fontes:

As cruzadas derrotaram o Islã? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/as-cruzadas-derrotaram-o-isla-o-que-ninguem-te-contou-sobre-isso/

As cruzadas salvaram a Europa de se tornar muçulmana? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/as-cruzadas-salvaram-a-europa-de-se-tornar-muculmana/

Jihad vs Cruzadas: quem agrediu mais, e pior? Disponível em: https://lepanto.com.br/jihad-vs-cruzadas-quem-agrediu-primeiro-mais-e-pior/

List of wars involving Francia (em inglês). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_wars_involving_Francia

O fenômeno dos zé cruzadinhas da Internet. Disponível em: https://sadclaps.medium.com/o-fen%C3%B4meno-dos-z%C3%A9-cruzadinhas-da-internet-2b71734e493

Por que e como os muçulmanos tomaram a Sicília? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/por-que-e-como-os-muculmanos-tomaram-a-sicilia/

Quando os visigodos eram os conquistadores e a reconquista ibérica era bizantina. Disponível em: https://historiaislamica.com.br/quando-os-visigodos-eram-os-invasores-e-a-reconquista-iberica-era-bizantina/

Quem foi Tariq Ibn Zyiad e como ele tomou a Hispânia dos visigodos? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/quem-foi-tariq-ibn-ziyad-e-como-ele-tomou-a-hispania-dos-visigodos/

Zé Cruzadinha. Disponível em: https://turmadamonica.fandom.com/pt-br/wiki/Z%C3%A9_Cruzadinha

terça-feira, 18 de março de 2025

Freeza e Rei Vegeta, parte XI

 

Foto – Vegeta (esquerda) e Rei Vegeta (direita).

E com vocês a parte XI da série de artigos “Freeza e Rei Vegeta”, iniciada em 2021.

Em São Paulo, no último carnaval, presenciamos uma cena bem repulsiva e nojenta: a escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi apresentou um carro alegórico que retrata um índio tupinambá que parece um zumbi caótico saído da capa de um álbum da banda Iron Maiden carregando na mão direita a cabeça decapitada do imperador Dom Pedro II.

Foto – Dom Pedro II decapitado no carro alegórico da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi.

A escola de samba apresentou o enredo “Assojaba – a busca pelo manto”. Tal enredo conta a respeito dos povos indígenas do Brasil e o manto Assojaba, pertencente ao povo tupinambá, vestimenta sagrada para alguns dos povos nativos do Brasil.

O carro alegórico em questão foi chamado de “O Ritual Ibirapema”, o qual desfilou com 93 integrantes tingidos de vermelho para representar o morticínio dos indígenas durante o processo de colonização do que veio a se tornar o Brasil. Na frente do carro, pessoas vestidas de índio seguravam arcos e flechas para defender suas terras.

No fim das contas, a escola em questão, antes tida como favorita, foi rebaixada ao grupo de acesso I junto com a Mancha Verde por conta das baixas notas que recebeu dos jurados.

Raphael Machado postou o seguinte texto a respeito desse lamentável episódio:

Carnaval 2025: Celebração do Anti-Brasil?

Não sou dos puritanos de espírito vitoriano que demonizam o Carnaval como um todo e já verti linhas suficientes sobre o simbolismo da festa e sobre suas potencialidades catárticas de fundo dionisíaco.

Vou, portanto, me limitar a comentar algo um pouco mais objetivo dizendo que o Carnaval e, especificamente, o desfile das escolas de samba poderiam ter uma função social e pedagógica (como muitas vezes já teve) de estetizar de forma lúdica diversos temas interessantes da história brasileira (e geral).

Sempre com um olhar popular, é mais uma maneira pela qual símbolos e heróis nacionais poderiam se espalhar pela cultura brasileira e recuperar presença no imaginário das massas.

Mas hoje em dia estamos muito longe dessa potencialidade, e creio que a causa é a ‘onguização’ do Carnaval, que acompanha a própria ‘onguização’ das favelas brasileiras. Hoje, não há um m2 de uma favela que não contenha uma ONG ou projeto social, sempre bem financiada e operada por universitários ou recém-formados de universidades. E sempre carregados com uma bagagem ideológica hostil ao Brasil.

São as narrativas de sempre: ‘o Brasil é dos índios’, ‘os portugueses roubaram o Brasil’, ‘a escravidão no Brasil foi causada pelo racismo, que permanece hegemônico’, e por aí vai.

O resultado são samba-enredos antinacionais, apontando para a desconstrução do Brasil, para a negação do caráter unitário de seu povo e para a dissolução do seu tecido social.

Caso emblemático é o do desfilo da Acadêmicos do Tucuruvi, que teve a ideia (em si, legítima), de celebrar a herança tupi brasileira (particularmente a tupinambá), mas o fez não pela síntese, mas pela oposição entre uma mítica e ilusória ‘Pindorama’ e o ‘Brasil’, simbolizada na alegoria da decapitação do Imperador Pedro II.

Agora, não sendo monarquista, posso apontar quão ridícula é a cena. Fundamentalmente porque Pedro II, fluente em tupi, recebeu a vassalagem de praticamente todos os caciques legítimos de sua época. Ele era bem quisto pelos índios, que apelavam diretamente a ele contra autoridades locais de tendências tirânicas. Mais ridículo é esse negócio de ‘Pindorama’, que nunca foi nome do Brasil, e sempre apenas designou uma região do leste brasileiro.

Esse samba-enredo, feito em ‘homenagem aos índios’, em nada ajuda aos índios. Ao contrário, os instrumentaliza contra o Brasil, fragilizando ainda mais a sua posição no país.

Outros sambas-enredos também demonstram origens ongueiras, basta ver o samba-enredo da Estrela do Novo Milênio e da Paraíso do Tuiuti. Ademais, é impressionante como quase todos os sambas-enredos desse ano foram sobre macumba.

O Carnaval sempre foi macumbeiro e não há problema algum nisso. É da natureza da festa. Mas não é normal que a maioria dos sambas-enredos seja especificamente sobre macumba, é como se houvesse uma padronização temática do desfile, o que só se explica pelas influências comuns que perpassam as escolas de samba e as favelas hoje, e que visam insuflar artificialmente um identitarismo negro de cariz antinacional.

Em conclusão, a realidade é que a festa vendida como a ‘mais brasileira’ tornou-se aquela que é a mais hostil à Brasilidade”.

Não há o que discordar do que foi dito acima. Aliás, vale lembrar que isso que vimos no carnaval do presente ano não é nenhuma novidade: no Chile, em 2019 incidentes similares aconteceram em cidades como La Serena e Valparaiso envolvendo depredações de estátuas de conquistadores espanhóis e militares chilenos, sobre os quais falamos na parte I.

Saindo um pouco do Brasil, também ficamos sabendo de umas notícias um tanto quanto similares, só que vindas do México. Mais precisamente, da atual mandatária da nação asteca, Claudia Sheinbaum, no exercício do cargo desde 1 de outubro do ano passado, após suceder Andrés Manuel López Obrador.

Foto – Claudia Sheinbaum, atual presidente do México.

Recentemente, mais precisamente em 28 de fevereiro do presente ano, aconteceu na praça da constituição da Cidade do México (também conhecida como Zócalo) os funerais de Estado em comemoração aos 500 anos da morte do último tlatoani asteca, Cuauhtémoc, executado pelos espanhóis em 1525, durante o processo da conquista da Mesoamérica. Sheinbaum lá estava encabeçando a cerimônia, além de integrantes do Exército, Aeronáutica e Guarda Nacional.

Sheinbaum, do alto de sua brincadeira de tlatoani asteca, chegou ao ponto de dizer nessa e em outras oportunidades que a Espanha deve-se desculpar por abusos durante o processo a conquista do Império Asteca aos chamados povos originários. Sendo tal conquista se deu com massivo apoio de povos insatisfeitos com o domínio asteca sobre a Mesoamérica, entre eles os tlaxcaltecas, e de figuras como La Malinche, indígena da etnia Nahua que serviu de intérprete para os exércitos espanhóis durante a conquista, foi batizada e se converteu ao catolicismo romano sob o nome Marina.

No fim das contas, o que se vê tanto no caso do desfile da Acadêmicos do Tucuruvi quanto nas falas e atitudes de Claudia Sheinbaum é que no afã de atacar a figura do conquistador espanhol e português das Américas, eles se ancoram em uma imagem idílica, idealizada e irreal dos povos que viviam nas Américas antes da chegada de exploradores como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Leif Erikson. Imagem essa baseada no famigerado mito do bom selvagem.

E vejam só o grande paradoxo: no afã de atacar a figura do conquistador ibérico das Américas e defender aquilo que eles chamam de os povos originários, exaltam a figura de... povos que antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus ao continente americano também tinham todo um passado de guerreiros, conquistadores e forjadores de impérios e reinos.

E ainda mais paradoxal é o fato de que a própria Sheinbaum, a julgar pelo sobrenome dela, não descende de povos ameríndios que ela diz tanto defender. Não só ela como também seu antecessor e padrinho político, Andrés Manuel López Obrador (vulgo AMLO). Todos eles descendentes dos colonos e conquistadores espanhóis e de imigrantes europeus que aportaram no México a partir do século XVI, e que uma vez em solo mexicano lá ficaram, não retornando a Espanha ou a qualquer outro país europeu.

E são esses mesmos descendentes de colonos, conquistadores e imigrantes que nos dias hodiernos apontam o dedo para Portugal e Espanha e chegam ao ponto de pintar a já citada Malinche como uma espécie de Quisling ou marechal Pétain do século XVI. Mal sabendo eles que o México (assim como os demais países americanos falantes do espanhol) que nós conhecemos hoje não existia antes da conquista e colonização espanhola, assim como o Brasil também não existia antes da conquista e colonização lusitana.

Falar que o México, o Brasil ou a Venezuela existiam antes da chegada dos colonizadores e conquistadores ibéricos faz tanto sentido quanto dizer, por exemplo, que a Hungria existia na época dos impérios huno e ávaro. Ou seja, antes da chegada e estabelecimento dos magiares no atual território húngaro, no final do século IX.

E, como já disse em outras oportunidades nesse mesmo espaço, o que pessoas como a Claudia Sheinbaum e os ongueiros por trás do carro alegórico da Acadêmicos da Tucuruvi fazem no fim das contas é, fazendo uma analogia com Dragon Ball, derrubar as estátuas e monumentos dedicados ao Freeza, ao Cooler e ao Rei Cold para no lugar erguer estátuas e monumentos dedicados ao Bardock e ao Rei Vegeta. O qual, por seu turno, pretendia se tornar o senhor do universo no lugar da lagartixa após vencê-lo em combate (o episódio 78 de Dragon Ball Z mostra isso).

Resumindo a ópera: os grandes conquistadores passam a ser vistos como demônios e pintados com piores cores possíveis, ao passo que os conquistadores provincianos vencidos no passado por espanhóis e portugueses são exaltados e admirados. A tal ponto que se demoniza os primeiros precisamente por conta do que eles fizeram sobre os segundos.

Aliás, falando em Dragon Ball, falemos um pouco dos desatinos do Super, que foi criado pelo Akira Toriyama ainda em vida em parceria com Toyotaro (ou seja, algo canônico dentro da obra), em especial no que diz respeito das relações entre os saiyanos e o império de Freeza.

Parte do fandom não apenas de Dragon Ball como também de outras obras derivadas de mangás tais como Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, One Piece, Fly o pequeno guerreiro, Sailor Moon, Samurai X, Rosa de Versalhes e outras tantas chega ao ponto de achar que para determinada história ou arco dentro de obra x, y ou z ser boa ou não tem que ter sido escrita pelo autor da obra. No caso específico de Dragon Ball, Akira Toriyama, finado no ano passado aos 68 anos de idade.

Mas eu não sou assim, e acho isso uma estupidez muito grande essa história de ficar muito preso ao que é ou não é canônico dentro da obra para avaliar a qualidade das histórias da mesma. Parece que para essa gente o mangaká é um ser supremo e iluminado que não comete erros e nem pisa na bola. Sendo que o próprio Toriyama, ainda na saga Buu, em minha opinião pisou bem feio na bola ao misturar o humor do Dragon Ball clássico (o qual foi relegado a um papel mais secundário a partir da saga do Piccolo) com a pancadaria do Z.

Como já falei na parte anterior, o Super, para muito além da questão envolvendo Bardock (o pai de Goku e Raditz), promoveu uma espécie de branqueamento da história dos saiyanos. Até meio que os apresenta como um grupo de guerreiros que não tiveram outra escolha a não servir ao Rei Cold uma vez que estabeleceram contato com o conquistador espacial. E mais toda aquela história de saiyanos malvados e bons no planeta Sadala, Yamoši e tal. Só que algumas dessas coisas para mim, que já tenho 40 anos e sou formado em história, não colam.

O Z (em cenas exclusivas do anime), assim como o GT, mostram que os saiyanos não apenas já eram conquistadores ANTES mesmo de conhecerem o Rei Cold, como também que o atrito destes com Freeza que levou à destruição do Planeta Vegeta e à quase extinção dos saiyanos foi uma briga de poder. De poder e por poder.

O Super chega e muito do que foi dito sobre os saiyanos no Z e no GT é jogado para debaixo do tapete, incluindo a questão dos tsufurianos. Talvez, não por acaso, que na saga Granola os produtores do mangá optaram por mostrar parte do passado dos saiyanos como mercenários a serviço de Freeza envolvendo o pai de Goku, e não um caso de vingança por conta do que os saiyanos fizeram antes mesmo de conhecerem o Rei Cold, como o GT fez na saga Baby. E eu, particularmente, acho a vingança do Baby bem mais interessante que a do Granola. Por uma série de motivos, incluindo a inversão de papéis que há em relação à saga do Freeza.

Foto – Rei Vegeta sobre uma cidade tsufuriana devastada (Dragon Ball GT).

Fontes:

Carnaval 2025: Celebração do anti-Brasil? Disponível em: https://novaresistencia.org/2025/03/06/carnaval-2025-celebracao-do-anti-brasil/

Escola de samba mostra Dom Pedro II decapitado por indígena. Disponível em: https://pleno.news/brasil/escola-de-samba-mostra-dom-pedro-ii-decapitado-por-indigena.html

Mancha Verde e Tucuruvi são rebaixadas para grupo de acesso de SP. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/mancha-verde-e-tucuruvi-foram-rebaixadas-para-o-grupo-de-acesso-em-sp/

Presidenta do México insiste que Espanha deve pedir desculpas pelas “atrocidades” da conquista. Disponível em: https://desacato.info/presidenta-do-mexico-insiste-que-espanha-deve-pedir-desculpas-pelas-atrocidades-da-conquista/?fbclid=IwY2xjawJFtAdleHRuA2FlbQIxMQABHXJEYjDGTKsP6KXS9gRRb7M6SlDZ8Kt9XEXjFXV7g3MqGCS801J9HtBWdw_aem_Gcgf4AmAEjaPCwerURJFEQ9

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O jacaré de Brizola e o caso Deolane Bezerra. Ou da decadência moral do Brasil.

 

Foto – Leonel de Moura Brizola (1922 – 2004).

Certa vez, o velho Brizola, do alto de sua sabedoria, disse as seguintes palavras: “Se algo tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré, como é que não é jacaré?”.

Esta atualíssima frase se aplica perfeitamente ao recente caso da influenciadora digital e advogada Deolane Bezerra, recentemente presa em Pernambuco. No presente momento, ela, que é alvo de uma operação contra lavagem de dinheiro e prática de jogos ilegais, está presa preventivamente na colônia penal de Buíque. Junto com Deolane também foi presa a mãe dela, Solange Bezerra, por envolvimento com tráfico de narcóticos e lavagem de dinheiro.

Deolane Bezerra se tornou famosa principalmente por ter participado da 14ª edição da Fazenda (reality show veiculado pela TV Record). Vale também lembrar que nas eleições presidenciais do ano retrasado Deolane prestou apoio a Lula e até tirou foto ao lado do petista.

Foto – Da direita para a esquerda: Janja, Lula e Deolane, 2022.

Esse inclusive foi um dos motivos pelo qual eu anulei meu voto para presidente no ano retrasado. Lula ficar aparecendo e tirando foto ao lado de tipos no mínimo bem duvidosos como Felipe Neto (vulgo Blaze Boy) e Deolane, para mim foi o fim da picada. Como alguém pode passar credibilidade a amplos setores da população se envolvendo com esses tipos para lá de degenerados e envolvidos com todo tipo de trambique? Mas sabem como é. Para certos setores da esquerda brasileira tudo vale em nome do combate daquilo que eles chamam de fascismo. Incluindo aparecer e tirar foto ao lado de tais tipos.

Pois bem. Quando penso em Deolane uma das primeiras coisas, se não a primeira, que me vem à mente é precisamente a metáfora do jacaré de Brizola. O fato é que Deolane veio do submundo do crime. Vive no submundo do crime. Anda ao lado de pessoas do submundo do crime. Tem ligação com gente do PCC e com a família do Marcola. Disse certa vez que gosta de advogar para bandido. Fala e se expressa como se fosse bandida. Ela é envolvida com uma série de esquemas no mínimo nebulosos. Como dizer que ela não é bandida diante desse quadro todo?


Mas a questão envolvendo Deolane não é apenas uma questão a respeito da lisura dela, dos esquemas nos quais ela está envolvida até o pescoço ou com quem ela se envolve ou deixa de se envolver. Essa é apenas a ponta do iceberg da questão.

O caso da influenciadora pernambucana é também, acima de tudo, revelador de um mal-estar profundo, uma decadência não apenas moral, como também econômica, cultural e política, que o Brasil vem vivendo há vários anos. E podemos dizer não apenas do Brasil, como também do mundo todo. Afinal, nós não vivemos em uma grande bolha isolada das outras partes do globo.

Como dito no começo do artigo, Deolane foi presa não apenas por envolvimento com lavagem de dinheiro, como também com prática de jogos de azar e suspeita de envolvimento em organização criminosa que atua em jogos ilegais e lavagem de dinheiro que teria movimentado o montante de cerca de R$ 3 bilhões. Por ter descumprido medidas cautelares estabelecidas pela Justiça voltou a ser presa no dia 10 do presente mês.

Nos últimos anos, proliferaram no Brasil como ervas daninhas coisas como jogo do tigrinho, cassinos online e Blaze. Por conta do tanto de dinheiro que se perde nesses jogos de azar proliferam casos de pessoas que se matam depois de chegarem ao ponto de contrair altas dívidas, vender seus bens e até a fugir de casa com medo dos credores. Alguns chegam ao ponto de tirar a própria vida, tamanho o buraco em que se enfiam. 



Situação essa que lembra muito um episódio do desenho noventista Capitão Planeta, “Poluição Mental”, o primeiro da segunda temporada, que mostra os efeitos perniciosos dos narcóticos nas vidas das pessoas.

Entretanto, os jogos de azar em questão não são os únicos: outras ervas daninhas tais como, por exemplo, o OnlyFans (vulgo local onde as gurias pensam que são as cafetinas de si mesmas) também tem se proliferado entre nós, infelizmente. Diga-se de passagem, tais mazelas não surgem do nada. Pelo contrário, são sintomas de um país cuja economia há vários anos vem passando por um processo brutal de desindustrialização e sucateamento de sua estrutura produtiva.

Até meados dos anos 1990, o Brasil tinha cerca de 36% de seu PIB atrelado à atividade industrial. Mas, principalmente a partir do governo FHC, adotou-se uma política econômica baseada no tripé macroeconômico (superávit primário, cambio flutuante e metas de inflação) e a paridade do real com o dólar. Segundo Jessé Souza em sua obra “a classe média no espelho”, o governo FHC promoveu uma espécie de ressurreição da Primeira República (1889 – 1930). O Estado brasileiro foi reduzido a um orçamento a ser repartido pela chamada elite dos proprietários, a taxa SELIC foi elevada a 45%, e em decorrência disso a indústria foi gradativamente perdendo o papel relevante de outrora. Ao mesmo tempo, é promovido um brutal endividamento do Estado brasileiro, que FHC deu início após o estabelecimento do pacto de classes que deu origem ao Plano Real e que seus sucessores (Lula e Dilma inclusos) continuaram. Nesse contexto também surgem esquemas de corrupção como o do Banestado, a privataria tucana, mensalão tucano, Alstom, Dersa, Rodoanel e tantos outros, assim como personagens tais como Alberto Yousseff, Dario Messer, Nelma Kodama, Marcos Valério, o finado Manfred von Richthofen, Paulo Preto e tantos outros.

Atualmente, segundo dados da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), cerca de 10,8% do PIB brasileiro é ligado à atividade industrial. Ou  seja, um retraimento de um terço em relação aos anos 1980. Trata-se daquilo que o Doutor Enéas (citando o professor Adriano Benayon) chamava de “economia de cemitério”. A consequência da política econômica iniciada pelo príncipe da privataria e continuada por seus sucessores, além de no longo prazo desindustrializar o país, foi promover uma primarização da economia brasileira. Em outras palavras, uma volta aos tempos da Primeira República, mas com uma roupagem moderna.

Foto – Deolane, sem maquiagem e com cabelo amarrada, presa.

Diante dessa situação toda, com a estrutura econômica do país primarizada e prejudicando de toda forma possível quem produz de fato e o Estado brasileiro cada vez mais anêmico de um lado e de outro influenciadores digitais divulgando tais jogos, às pessoas parece bem tentador que vale muito mais a pena tentar a sorte nestes jogos de apostas acreditando que terá um enriquecimento fácil e rápido do que trabalhar honestamente e produzir, em um esforço de longo prazo. A ilusão é vendida e ela parece tentadora, mas não passa disso: uma ilusão, um canto da sereia. Infelizmente há os tolos que caem no conto do vigário. Como diz o ditado, o peixe morre pela boca.

No plano cultural, temos uma sociedade que bate palmas para coisas como as piadas de mau gosto como aquelas que o Porta dos Fundos faz para com a figura de Jesus Cristo, o profeta da religião majoritária no Brasil (e o que Porta dos Fundos faz é nada mais faz que trazer para cá a zombaria que lá fora revistas pútridas como o Charlie Hebdo e artistas decadentes gringos como o Madonna fazem). Chega ao ponto de aplaudir a zombaria da fé cristã que a Madonna faz nos shows dela, em nome do combate ao fascismo e à extrema direita. Na abertura dos últimos jogos olímpicos, o show de horrores que vimos. Isso só para ficarmos em exemplos mais recentes.

E, de cereja do bolo, temos mídia de massa e influenciadores de You Tube que promove, entre outras coisas, funk ostentação importado de fora. Uma ode à futilidade e ao consumismo. Onde é passado ao público a mensagem de que vencer na vida e se superar é sinônimo de ter uma mansão em Orlando, dezenas de carros de luxo, iate, joias caras e toda sorte de luxo inimaginável para a maioria da população. Sujeitos que muitas vezes vêm da favela, mas a favela nunca sai da mente deles, mesmo eles morando em uma casa luxuosa em um bairro nobre. É verdadeiro tapa na cara de todos nós, ainda mais em se tratando de um país com desigualdade social historicamente abissal.

Por fim, uma pergunta – a vez da Deolane está sendo agora. E os outros influenciadores digitais que também divulgaram casas de apostas, jogo do tigrinho, Blaze e afins, será que não vão cair também uma hora, ou será que a Deolane no fim das contas vai ser uma vaca de piranha?

E mais uma pergunta: Deolane pode ter sido presa agora, junto com a mãe dela, e segundo previsões da vidente Lene Sensitiva, a vez das irmãs dela também irem ao xilindró é uma questão de tempo. Mas quem não me garante que daqui um tempo, no longo prazo, novas Deolanes, tão ou mais fúteis, venais e perniciosas para a nossa juventude quanto a original, não apareçam? Tipos como Deolane nada mais são que um sintoma, e não a doença em si, da sociedade apodrecida até as fundações que nós temos nos dias de hoje.

Fazendo uma analogia, é que nem na história do Batman. O Homem Morcego pode agora ajudar a colocar atrás das grades ou mesmo (em um caso mais extremo) matar o Coringa com as próprias mãos, ou mesmo outros bandidos como o Duas Caras, o Pinguim, o Charada, o Bane e o Mister Freeze. Mas será questão de tempo aparecer em Gotham um novo Coringa, com outro nome e tão ou mais perigoso quanto o original. Visto que Gotham, como as histórias do Homem Morcego mostram, é um terreno fértil para o surgimento de tais bandidos.

Talvez, o Brasil esteja precisando de fato de uma revolução cultural, como vejo alguns falarem por ai. Uma revolução cultural que, entre outras coisas, ponha um fim à bandidolatria que vemos hoje na sociedade brasileira e da qual Deolane é um de seus sintomas. Sem essa grande limpeza da sociedade brasileira, podemos muito bem colocar a Deolane e as irmãs dela atrás das grades, assim como outros influenciadores envolvidos até o pescoço nesses esquemas, mas será questão de tempo novas Deolanes surgirem. Como também será questão de tempo o jogo do tigrinho, a Blaze e flagelos afins ressurgirem, mas com novos nomes.

E mais uma pergunta: será que a hora do Felipe Neto vai chegar? Afinal, o menino do cabelo colorido, entre outras coisas, divulgou Blaze para menores de idade. Entre outros trambiques e malfeitos da parte dele.

Foto – o jacaré, segundo Brizola.

Fontes:

‘A indústria virou pó’ – como agro e mineração já superam manufatura no Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxr0vlvqdgqo

De casa vendida a suicídio – como o jogo do tigrinho destrói famílias. Disponível em: https://www.metropoles.com/sao-paulo/suicidio-jogo-do-tigrinho-familias

Deolane no presídio – saiba por que influenciadora está em cela especial. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2024/09/11/deolane-no-presidio-saiba-por-que-influenciadora-esta-em-cela-especial.ghtml

Fiesp – participação da indústria no PIB cai para 10,8% em 2023. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2024/03/01/fiesp-participacao-da-industria-no-pib-cai-para-108-em-2023.htm

Indústria de transformação brasileira – à beira da extinção. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/industria-transformacao-brasileira-beira-extincao

Irmãs de Deolane também serão presas, diz famosa vidente. Disponível em: https://www.meionews.com/colunas/andre-moura/irmas-de-deolane-bezerra-tambem-serao-presas-diz-famosa-vidente-368421

Por que Deolane foi presa novamente? Entenda porque influenciadora voltou para cadeia. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/09/11/por-que-deolane-foi-presa-novamente-entenda-por-que-influenciadora-voltou-para-cadeia.ghtml

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Polônia está prestes a dar um passo perigoso no conflito ucraniano (texto da página Nova Resistência + meus comentários)


 “Vladimir Zelensky afirmou que, nos termos de um pacto recentemente assinado entre Kiev e Varsóvia, o país da OTAN poderia usar as suas forças militares para deter mísseis e drones russos no espaço aéreo ucraniano. Tal situação poderia ser considerada pelos russos como um caso de participação direta, conduzindo a uma guerra aberta entre a Rússia e um país da OTAN.

O pacto, segundo Zelensky, estabelece as condições necessárias para que Varsóvia tenha posições dentro da Ucrânia e participe diretamente no papel de defesa aérea, ajudando assim Kiev a superar uma das suas principais dificuldades estratégicas atuais. Durante muito tempo, o espaço aéreo na zona de conflito foi quase completamente controlado pela Rússia, o que tornou os tanques e veículos militares da Ucrânia, fornecidos pelo Ocidente, alvos fáceis para drones, mísseis e aeronaves russos. Kiev está a fazer o seu melhor para tentar resolver este problema, pois é impossível para um lado obter quaisquer ganhos militares sem uma forte capacidade de defesa aérea.

Neste sentido, procurando formas de reverter o colapso das suas defesas aéreas, Kiev tem procurado a cooperação direta com os parceiros ocidentais. Perante a impossibilidade de aderir à OTAN ou de trazer a aliança atlântica para o conflito, a Ucrânia aposta atualmente na assinatura de acordos bilaterais com o maior número possível de membros da OTAN, dando passos significativos para que estes países iniciem uma espécie de “intervenção direta” a nível individual . Neste sentido, o pacto de defesa entre Kiev e Varsóvia pode ser visto como uma forma de a Ucrânia utilizar ainda mais software e tropas da OTAN para melhorar as suas posições no terreno, sem, no entanto, envolver oficialmente a aliança.

“[O acordo] prevê o desenvolvimento de um mecanismo [para a Polônia] para abater mísseis e drones russos disparados no espaço aéreo da Ucrânia na direção da Polônia (…) [Nós] trabalharemos juntos para descobrir como podemos rapidamente implementar este ponto”, disse ele.

O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, confirmou as expectativas de Zelensky e afirmou que os termos do acordo estabelecem de facto os termos para a cooperação direta, com a Polônia sendo autorizada a utilizar publicamente o seu equipamento militar em solo ucraniano contra os russos. No entanto, Tusk parece preocupado com o nível de participação da OTAN em tais manobras, temendo que a Polônia possa ser responsabilizada individualmente pelo ataque a alvos russos.

Tusk espera que os parceiros da OTAN cheguem a um consenso com Varsóvia e Kiev sobre como agir na atual fase do conflito. Ele espera que todas as ações tomadas pela Polônia e outros países membros sejam vistas como um ato conjunto da aliança, gerando assim responsabilidade coletiva. Ou seja, Tusk teme as consequências que o uso de militares polacos na Ucrânia poderá gerar para o país e espera que a OTAN proteja Varsóvia no caso de um conflito direto com Moscou.

‘Precisamos de uma cooperação clara dentro da OTAN aqui, porque tais ações exigem uma responsabilidade conjunta da OTAN (…) Incluiremos outros aliados da OTAN nesta conversa. Portanto, tratamos o assunto seriamente como aberto, mas ainda não finalizado’, disse Tusk.

Deve sublinhar-se que a Polônia participa de facto no conflito há muito tempo. É através da fronteira polaca que a maioria das armas ocidentais chega à Ucrânia. Militares polacos, tanto comandos como tropas comuns, serviram em grande número na Ucrânia e há muita informação pública sobre polacos mortos em combate durante confrontos com forças russas. É ingênuo pensar que estes polacos estão meramente a agir como “mercenários” individualmente interessados ​​em “ganhar dinheiro” ou “ajudar” Kiev. Obviamente, tratam-se de tropas regulares enviadas com o apoio do próprio Estado polaco, sendo o rótulo de “mercenários” e “voluntários” apenas uma forma de disfarçar a participação direta de Varsóvia na guerra.

Para piorar a situação, a Ucrânia está cada vez mais dependente da intervenção estrangeira na situação atual. Incapaz de se defender dos ataques aéreos russos e com pouca força para impedir o progresso terrestre, Kiev está focada na criação de pactos de defesa com parceiros da OTAN para aumentar a sua força militar e tentar sobreviver ao conflito. Para Kiev, quanto mais internacionalizado e escalado for o conflito, melhor. O país espera criar uma situação que torne impossível para a OTAN não intervir, razão pela qual está a tentar trazer a Polônia para a guerra.

No entanto, muitos analistas duvidam que a OTAN iria realmente intervir em defesa da Polônia ou de qualquer outro membro europeu. Embora exista uma cláusula de defesa coletiva no tratado da OTAN, este artigo nunca foi realmente testado. Além disso, se a Polônia intervir na guerra e atacar alvos russos, pode ser considerada o agressor, o que elimina a responsabilidade da OTAN de intervir em caso de retaliação russa em território polaco.

Na verdade, só a paciência e a racionalidade dos estrategistas russos estão a impedir que a guerra se transforme num conflito de magnitudes catastróficas.

Você pode seguir Lucas Leiroz em: https://x.com/leiroz_lucas e https://t.me/lucasleiroz

Fonte: Infobrics”

Fonte: https://novaresistencia.org/2024/08/02/polonia-prestes-a-participar-diretamente-no-conflito-ucraniano/

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um texto bem interessante que achei no site da Nova Resistência, lá postado faz alguns dias, e que resolvi trazer para cá com comentários meus, que fala a respeito do papel que a Polônia, atualmente governada pelo partido Lei e Justiça, vem exercendo no presente conflito russo-ucraniano.

É sabido e notório que desde tempos medievais, mais precisamente dos tempos da Rus’ de Kiev e do Primeiro Principado Polonês, há a rivalidade russo-polonesa (https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_armed_conflicts_involving_Poland_against_Russia).

Segundo a Wikipédia, o primeiro destes enfrentamentos se deu ainda no século X, mais precisamente no ano de 981, com a expedição militar do grão-príncipe de Kiev Vladimir Svjatoslavič (o mesmo Vladimir que sete anos mais tarde converteu a Rus’ ao cristianismo e entrou para a história como São Vladmir de Kiev) nos domínios orientais do Principado Polonês (https://ru.wikipedia.org/wiki/%D0%9F%D0%BE%D0%BB%D1%8C%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D0%BF%D0%BE%D1%85%D0%BE%D0%B4_%D0%92%D0%BB%D0%B0%D0%B4%D0%B8%D0%BC%D0%B8%D1%80%D0%B0_%D0%A1%D0%B2%D1%8F%D1%82%D0%BE%D1%81%D0%BB%D0%B0%D0%B2%D0%B8%D1%87%D0%B0). E com as diferenças religiosas ajudando alimentar a rivalidade entre os dois países: os poloneses são católicos romanos, e os russos ortodoxos.

Digno de nota é o fato de que ao longo da história a Polônia se mostrou mais próxima e amigável a nações como a Hungria e a Lituânia que com a própria Rússia, a despeito de ambas as nações serem etnicamente eslavas. A ligação da Polônia com a Hungria era tal que quando os mongóis invadiram a Europa central em 1241, foi feito um ataque simultâneo aos dois países como forma de impedir que os poloneses viessem em auxílio aos húngaros. Tal plano foi ideia do general Subotai, um dos líderes da expedição mongol à Europa e um dos principais e mais eminentes generais do Império Mongol inicial, ao saber sobre as ligações entre as nobrezas de ambos os reinos.

A ligação entre os dois países é tal que há até uma canção proverbial a respeito da secular amizade polaco-húngara, que tem texto tanto em polonês quanto em húngaro, cuja tradução seria algo como “polonês e húngaro irmãos são” (https://en.wikipedia.org/wiki/Pole_and_Hungarian_brothers_be).

Além disso, durante séculos a Polônia foi unida à Lituânia, formando a partir de 1569 a Comunidade Polaco-Lituana. Em seu apogeu, a Comunidade Polaco-Lituana dominou grande parte dos atuais territórios de Ucrânia e Belarus, e até mesmo partes da Rússia ocidental. Na esfera religiosa, a comunidade Polaco-Lituana (também conhecida como a República das Duas Nações), por meio de uma política de polonização de seus domínios orientais, criou denominações tais como a Igreja Greco-Católica Ucraniana e a Igreja Greco-Católica Bielorrussa através da união eclesiástica de Brest em 1596, ambas as denominações de rito e liturgia bizantina, mas em comunhão com a Santa Sé Romana. No longo prazo a política religiosa da Comunidade Polaco-Lituana ajudou a criar as divisões da etnos russa.

Os poloneses, aproveitando-se da situação de instabilidade interna dentro da Rússia advinda da morte do tsar Fëdor II em 1598, lograram ocupar Moscou entre 1610 a 1612 (ou seja, algo que nem Napoleão e nem Hitler lograram conseguir anos depois), até que por fim foram expulsos e a Rússia voltou a ter um tsar em 1613 com a eleição de Mikhail Romanov, no que deu início aos 304 anos de reinado dos Romanov na Rússia. Eventualmente, com o passar do tempo, os russos foram virando o jogo, começando a tomar terras até então sob a posse polaco-lituana (incluindo Kiev em 1667) até culminar com as três partilhas da Polônia entre Rússia, Áustria e Prússia (1772, 1793, 1795).

E a união com a Lituânia não foi a única da história polonesa – a nação eslava foi também unida à Hungria em dois momentos: de 1370 a 1382 sob o rei Luís I da Hungria e de 1440 a 1444 sob Wladyslaw III da Polônia. Como também foi unida à Suécia sob Sigismundo III Vasa entre 1592 a 1599.

Como a Polônia e a Hungria eram os bastiões orientais da cristandade ocidental, criou-se todo um mito segundo o qual as duas nações eram as muralhas da mesma contra os avanços das hostes vindas do leste e do sul, algo visível em episódios como as invasões mongóis do século XIII, as guerras contra o Império Otomano (incluindo a intervenção do rei polonês Jan Sobieski III no segundo cerco a Viena, em 1683) e contra o Império Russo (https://en.wikipedia.org/wiki/Antemurale_Christianitatis). Também surgiu a ideia messiânica baseada no Novo Testamento de que a Polônia é o Cristo da Europa (https://en.wikipedia.org/wiki/Christ_of_Europe).

Cristiano Alves, do canal Camarada Comissário, postou dois vídeos em seu canal a respeito da geopolítica polonesa dos tempos da Segunda República Polonesa (1918 – 1939) e que vem sendo retomados desde o fim da República Popular da Polônia, em especial a partir da ascensão do partido Lei e Justiça (o partido ao qual pertence o atual mandatário polaco, Andrzej Duda) na nação de Copérnico, Chopin e do papa João Paulo II.


A propósito, uma indagação de minha parte: em vídeo do canal Nova Resistencia a respeito do massacre de Srebrenica (datado de 1995), Raphael Machado levanta a seguinte bola – de que há uma página que embora traga bons conteúdos sobre a Palestina e outras partes do mundo muçulmano, essa mesma página está alinhada com a geopolítica da Turquia hodierna. No que implica em uma visão negativa da Sérvia no que tange aos conflitos que levaram ao fim da Iugoslávia (ainda mais levando em conta que a Turquia, junto com outros países islâmicos como o Irã, o Paquistão e a Arábia Saudita, apoiou a Bósnia na guerra de 1992 a 1995). Ainda segundo Machado, a Turquia tem uma rede de influenciadores que fazem coro à narrativa do projeto geopolítico neootomano (segundo o qual a Turquia busca exercer influência nos países balcânicos que outrora estiveram sob o tacão do Império Otomano).

Com base nessa afirmação e juntando os pontos, me faço a seguinte pergunta: será que a Polônia também não tem um esquema similar para com influenciadores católicos de extrema direita, e que a antipatia em relação à Rússia que pode ser vista em alguns círculos de extrema direita católica aqui no Brasil (incluindo figuras como Marcelo Andrade, Lucas Lancaster e Lorenzo Lazzarotto) vem não dos Estados Unidos e da Inglaterra, e sim da Polônia?

Fazendo uma busca pela Internet, encontrei algumas coisas nesse sentido. Segundo notícias de 2020, há sim ligações da extrema direita católica brasileira com a Polônia. Mais precisamente, com institutos religiosos tais como o Piotr Skarga e o Ordo Iuris. E que entre as organizações católicas da extrema direita católica brasileira que recebem dinheiro vindo da Polônia está o IPCO (Instituto Plínio Correa de Oliveira). (https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/12/28/os-milhoes-enviados-da-polonia-para-radicais-da-tfp-no-brasil-e-pelo-mundo.htm). Talvez, o IPCO seja apenas a ponta do iceberg disso tudo, e que haja mais dessas figuras e grupos católicos de extrema direita com alguma ligação com a Polônia. Quer seja com organizações reacionárias de lá, quer seja com o próprio governo polonês.

A Polônia é governada pelo partido de extrema direita Lei e Justiça desde 2015. E desde então tem não apenas tem demolido monumentos relacionados ao passado soviético do país (incluindo profanações de túmulos doexército vermelho mortos na Polônia e até mesmo o caso ocorrido no ano passado no qual o embaixador russo na Polônia foi impedido de levar flores ao túmulo de soldados do exército vermelho por manifestantes de extrema direita), e até mesmo a promulgação de uma lei em 2018 sancionada pelo próprio Duda que prevê pena de três anos para quem ousar falar sobre a participação de colaboradores poloneses dos nazistas no Holocausto. Lei essa que, sob o pretexto de proteger a reputação da Polônia, nada mais serve que para proteger e acobertar os colaboradores poloneses dos nazistas na guerra.

E, de cereja do bolo, o clã Bolsonaro é simpático à Polônia de Duda. Vide postagem do Facebook datada de 13 de julho de 2020 na qual Eduardo Bolsonaro (vulgo 03) felicita Duda por sua reeleição.

domingo, 25 de agosto de 2024

Sob as asas da ditadura e da democracia - a morte de Sílvio Santos e as omissões históricas de Pedro Cardoso

 

Foto – Pedro Cardoso (esquerda) e Sílvio Santos (direita).

O apresentador de televisão e antigo dono do canal televisivo SBT (Sistema Brasileiro de Comunicação) Sílvio Santos (vulgo Senor Abravanel) nos deixou no dia 17 do presente mês, aos 93 anos de idade, por conta de uma broncopneumonia após infecção pelo vírus H1N1.

Após Sílvio Santos nos deixar, muitos foram aqueles que homenagearam o recém-finado apresentador de televisão. Na contramão destes, o ator Pedro Cardoso, notório por ter interpretado o personagem Agostinho Carrara na série “A Grande Família”, disse que ele e Delfim Netto enriqueceram com a ditadura. Com o claro intuito de aparecer e causar polêmica, obviamente.

Por meio das redes sociais, Pedro Cardoso criticou as homenagens feitas a Sílvio Santos, afirmando que ele foi colaborador da ditadura militar no Brasil e que sua fortuna não foi fruto de mérito, mas de “fraquezas éticas”.

Ainda segundo o próprio Cardoso, Sílvio Santos “serviu à ditadura militar torturadora de 61, 64, 68. A ditadura que assassinou pessoas que a ela se opunham, como todas as ditaduras fazem”.

O ex-global, embora tenha feito questão de separar a opinião dele da dor dos familiares homenageados, afirmou sentir-se ofendido com as homenagens. “Mas quando a morte parece redimir automaticamente abusadores do Brasil, sinto-me ofendido”, afirmou o ator, atualmente residente em Portugal. Também argumentou que tanto Sílvio Santos quanto Delfim Netto fizeram fortuna graças ao apoio que deram ao regime civil-militar (1964 – 1985), e não por suas qualidades intelectuais. “Sílvio e Delfim foram empregados da ditadura militar. Enriqueceram porque serviram a ela”, ele afirmou.

Embora tenha dito algumas verdades, Pedro Cardoso, do alto da hipocrisia e salto alto de tipos como ele e mais uma pequena dose de malandragem, omite a outra parte da história.

É de conhecimento público que não apenas Sílvio Santos, como também outros grandes empresários do ramo da telecomunicação tais como Roberto Marinho (grupo Globo), João Jorge Saad (grupo Bandeirantes), Adolpho Bloch (Manchete) e outros ganharam concessões do poder público no período entre 1964 a 1985, fundaram seus canais televisivos e fizeram fortuna. Até ai tudo bem.

Só que há um detalhe: o regime civil-militar chegou ao fim há 39 anos. E o que Pedro Cardoso não fala (ou talvez omita por conveniência) é que esses mesmos magnatas da imprensa brasileira não apenas continuaram operando após o fim do regime civil-militar, como também mantiveram o patrimônio a época conquistado e continuaram enriquecendo sob as asas do regime democrático iniciado a partir de 1985. E após as mortes de João Jorge Saad em 1999 e de Roberto Marinho em 2003 os filhos destes passaram a administrar as empresas que até então eram comandadas por seus respectivos pais.

Eventualmente, novos atores surgiram no meio televisivo brasileiro e outros faliram de 1985 em diante: a Manchete, após a morte de Adolpho Bloch em 1995, veio à falência em 1999 por conta das dificuldades financeiras que a emissora à época passava, tendo sido sucedida em seu sinal pela Rede TV e deixando para trás grande acervo em seu prédio. Em 1989, o bispo neopentecostal Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, adquiriu a Rede Record, em operação desde 1953. E mais o surgimento da TV a cabo na primeira metade dos anos 1990.

Delfim Netto igualmente manteve-se influente nos anos que seguiram ao fim do regime civil-militar, a tal ponto que passou a aconselhar Lula em seu segundo mandato, além de ter artigos seus constantemente publicados pela mídia nacional e ter sido eleito como deputado federal cinco vezes seguidas entre 1986 a 2002 (também disputou em 2006 para o mesmo cargo, mas não logrou se reeleger).

E, para não ficarmos presos apenas às recém-finadas personalidades, não custa lembrar que políticos egressos da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de sustentação do regime civil-militar brasileiro, igualmente mantiveram-se influentes e ocuparam importantes cargos após o fim do mesmo, incluindo prefeituras, governos de estados e até presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e da República. Políticos tais como o maranhense José Sarney, o baiano Antônio Carlos Magalhães, o paranaense Carlos Massa (vulgo Ratinho), o catarinense Esperidião Amin, o carioca Jorge Bornhausen e os paulistas José Maria Marin, Paulo Maluf e Welson Gasparini.

Deixe eu lhe fazer uma pergunta básica, Pedro Cardoso: acaso os presidentes civis que ocuparam o Palácio do Planalto desde a saída dos generais fizeram alguma revisão das concessões que todos estes magnatas das comunicações receberam no período civil-militar? A resposta a essa pergunta é um rotundo não. Nem Sarney, nem Collor, nem Itamar Franco, nem Fernando Henrique Cardoso, nem Lula, nem Dilma, e muito menos Bolsonaro. Apenas Leonel Brizola, que travou altos embates com a Rede Globo nas duas vezes em que foi governador do estado do Rio de Janeiro, é que falou em rever a concessão da Rede Globo caso fosse eleito presidente da República (tal qual Hugo Chávez fez na Venezuela em 2007 com a RCTV).

O próprio Sílvio Santos, diga-se de passagem, disse certa vez, mais precisamente em entrevista ao jornal Folha de São Paulo datada de 1988 as seguintes palavras, a respeito de sua relação com o poder: “Eu sou um concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”.

Ou seja, ele sempre esteve ao lado dos presidentes de plantão tanto sob o regime civil-militar quanto sob o regime democrático, independente da coloração político-partidária deles. Incluindo nessa lista os governos Lula e Dilma.

Em algumas oportunidades o dono do SBT se encontrou com Lula e Dilma. O primeiro se encontrou com Sílvio Santos em 2008, o qual gravou uma mensagem para a abertura do Teleton daquele ano, e depois em 2010, no qual Sílvio Santos foi ao Palácio do Planalto pedir ajuda ao presidente na questão da falência do Banco Pan-americano, um dos negócios de Sílvio Santos.

Dilma, por sua vez, se encontrou com Sílvio Santos no dia do debate com Aécio Neves no segundo turno da eleição presidencial de 2014. Da então presidente Sílvio Santos foi condecorado com a Ordem do Mérito das Comunicações. E o próprio Lula homenageou Sílvio Santos em suas redes sociais, diga-se de passagem.

Foto - Lula e Sílvio Santos.

Além disso, os governos petistas encheram os cofres não só do SBT, como também de outras emissoras de TV aberta através dos investimentos em verba publicitária.

Segundo notícia de 2015 que pode ser encontrada no site de uma fonte insuspeita, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o SBT recebeu do governo de verba publicitária no período entre 2003 a 2014 (ou seja, governos Lula e Dilma) o montante de R$ 1,6 bilhão. Dos canais de TV aberta o SBT foi o terceiro que mais recebeu verba publicitária dos governos petistas anteriores ao golpe de 2016, perdendo apenas para a Rede Globo e a Rede Record, que receberam respectivamente o montante de R$ 6,2 bilhões e R$ 2 bilhões. Depois do SBT vem a Bandeirantes (R$ 1 bilhão) e a Rede TV (R$ 408 milhões).

São visíveis na fala de Pedro Cardoso as típicas dicotomias, muito comuns em amplos setores da esquerda brasileira, baseadas nas oposições binárias constitutivas da sociologia uspiana, tais como o moderno e o atrasado e o democrático e o autoritário. Dicotomia essa que também pode ser vista, por exemplo, na maneira como Lula justificou o apoio a Macron nas eleições francesas do ano retrasado. Ou quando até mesmo setores da esquerda brasileira demonizam a Venezuela a ponto de chamarem o presente mandatário venezuelano Nicolás Maduro de ditador (como também Hugo Chávez antes dele).

Trata-se de algo sobre o qual Nildo Ouriques fala em sua obra “O colapso do figurino francês” (2015), e que a meu ver está na raiz do comportamento dessa mesma esquerda quando grita mantras tais como “fora Maduro”, “Assad tem que cair”, “abaixo Kadaffi” e outros similares, em situações em que determinado regime se fecha por uma questão de sobrevivência e se utiliza da força para tal.

E a própria história de vida tanto de Delfim Netto quanto de Sílvio Santos e outros magnatas da imprensa e políticos egressos da Arena no Brasil mostra que o dualismo que a sociologia uspiana advoga é no mínimo uma imprecisão. Visto que os recém-finados não apenas transitaram entre a ditadura e a democracia e foram influentes em ambos os regimes, como também o fato de que a sociologia uspiana, ainda segundo o professor catarinense, trata tais dicotomias como se fossem elementos estanques entre si, e não o que eles realmente são: elementos opostos entre si, mas que ao mesmo tempo formam uma unidade contraditória. Tal qual, por exemplo, o yin e o yang do taoísmo, as faces de Janus na mitologia romana e os personagens Kami Sama e Piccolo de Dragon Ball (obra essa que chegou à televisão brasileira pela graça de Sílvio Santos, no longínquo ano de 1996).

Aliás, vale lembrar que no filme “O ditador” (2012), estrelado por Sacha Baron Cohen, na cena em que o ditador Aladeen de Wadiya profere o discurso no qual fala sobre as vantagens que um país como os EUA teria caso fosse uma ditadura aberta, ele cita precisamente coisas que já acontecem sob as asas da democracia. Incluindo mentir sobre as razões porque se entra em guerra (os casos do Iraque e da Líbia são paradigmáticos disso), encher as prisões com um único grupo racial específico e os meios de comunicação serem na verdade feudos familiares a despeito de parecerem livres. Talvez, não foi à toa que o próprio Aladeen ao final do filme transformou Wadiya em uma democracia.

E de cereja do bolo, para pregar o último prego do caixão, não vamos nos esquecer de que o próprio Pedro Cardoso por muitos anos trabalhou na Rede Globo, cujo fundador e proprietário, Roberto Marinho, não só apoiou o regime civil-militar como também ele mesmo ganhou concessão pública e fez fortuna no período em que os generais ocuparam o Palácio do Planalto. Tal como Sílvio Santos Roberto Marinho continuou a fazer fortuna sob as asas da democracia. E sob os governos petistas a Globo, já sob o comando dos filhos dele, foi de longe a emissora que mais recebeu verba publicitária do governo federal. Apenas sob Bolsonaro é que a verba publicitária da Rede Globo foi reduzida, voltando a aumentar no terceiro governo Lula.

Pois bem, enquanto trabalhou na emissora do clã Marinho Pedro Cardoso nunca se incomodou com isso e só foi começar a criticar o fundador do Grupo Globo após sair do mesmo. Portanto, Pedro Cardoso, eu só lhe digo uma coisa: menos, menos. Acho que você, depois dessa, precisa colocar um sapato na boca e baixar um pouco a bola.

Fontes:

Globo é quem mais recebeu verba publicitária de governos petistas. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/globo-e-quem-mais-recebeu-verba-publicitaria-de-governos-petistas-f28f

Lula declara apoio a Macron para derrotar “extrema direita” e “discurso de ódio”. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/22/lula-declara-apoio-a-macron-para-derrotar-extrema-direita-e-discurso-de-odio

Pedro Cardoso critica homenagens a Sílvio Santos: “abusadores do Brasil”. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/pedro-cardoso-critica-homenagens-a-silvio-santos-abusadores-do-brasil,83e2b6d707bf0ff648c415b51ab2e1eboxm936vk.html

Publicidade Federal – Globo recebeu R$ 6,2 bilhões dos governos Lula e Dilma.  Disponível em: https://nucleopiratininga.org.br/publicidade-federal-globo-recebeu-r-62-bilhoes-dos-governos-lula-e-dilma/

Silvio Santos apoiou todos os presidentes e se dizia “office boy de luxo do governo”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/silvio-santos-apoiou-todos-os-presidentes-e-se-dizia-office-boy-de-luxo-do-governo/