domingo, 21 de janeiro de 2024

Freeza e Rei Vegeta, parte X

 

Foto – Freeza e Rei Vegeta

No mês passado houve uma polêmica no You Tube entre os canais “Sessão Quatro” e “Orgulho Saiyajin”, a respeito da nova versão do Bardock, o pai de Goku e Raditz, que pode ser vista tanto no filme “Dragon Ball Super: Broly”, de 2018, como também na saga do Granola (até agora exclusiva do mangá). O canal “Sessão Quatro” se posicionou a favor da nova versão do pai de Goku, ao passo que o “Orgulho Saiyajin” não compartilha do mesmo posicionamento e prefere a versão de Bardock vista no OVA de 1990 “Bardock – o pai de Goku” em pequenos flashbacks que podem ser vistos principalmente no primeiro anime no arco do Freeza. A polêmica entre as duas partes se arrastou por vários vídeos.




E, como não poderia deixar de ser, na trilha da polêmica entre os dois canais, outros canais especializados em Dragon Ball também entraram na polêmica e postaram vídeos, tanto se posicionando a favor de um quanto do outro lado.




Já faz algum tempo que temos postado artigos com o presente título, os quais geralmente tratam a respeito da hipocrisia de certas pessoas quanto ao passado de conquistadores dos povos que elas olham como “bons selvagens”, ao passo que satanizam os europeus e o passado de conquistadores e construtores de impérios destes, debaixo de alegações como a de que estes são “representantes de uma história falsa”. A estupidez desta gente chega a tal ponto que eles acham que apenas europeus é que podem ser racistas e imperialistas. E no afã de atacar os europeus, chegam ao ponto de exaltar e enaltecer os conquistadores “provincianos” por eles vencidos. E nisso até mesmo esquecem que tais povos um dia foram conquistadores.

E o pior de tudo: geralmente são essas pessoas que estão lá pichando e derrubando estátuas e monumentos dedicados a figuras históricas controversas e até mesmo queimando livros e revistas antigas sob o pretexto do combate ao racismo (que no fim das contas não passa de iconoclastia barata e combate a moinhos de vento bem ao estilo de Dom Quixote).

Por meio da décima parte de “Freeza e Rei Vegeta” vim daqui dar o meu parecer a respeito desta polêmica, visto que se trata de um assunto relacionado com a proposta desta série de artigos. Ainda mais tendo em vista que o próprio título faz alusão a dois personagens da obra criada e escrita por Akira Toriyama a partir dos anos 1980.

Em minha humilde opinião, eu também fico com a versão original do Bardock. Ou como alguns falam por aí, o Bardock do Z. A começar pelo visual. O Bardock do Z transmite mais imponência e altivez, é o tipo do cara que você bate o olho e vê que impõe respeito só pelo olhar. Algo que o Bardock do Super não transmite. Visualmente falando, o Bardock do Super nada mais é que um Goku com o uniforme do exército do Freeza (e mais a cicatriz em forma de cruz no rosto similar à do Yamča e à do Kenšin Himura de Samurai X), até parece um clone do Goku.

De tal modo que quando vejo o Bardock do Z, a voz que imagino saindo da boca dele é a voz do Wellington Lima, que não apenas dublou o pai de Goku na franquia Dragon Ball (tanto no OVA de 1990 quanto nos flashbacks do anime e em Dragon Ball Super: Broly), como também emprestou sua forte voz ao Raditz, ao Madžin Buu, ao Taopaipai (este último apenas na redublagem do primeiro Dragon Ball, feita na finada Álamo em 2002) e a outros personagens menores dentro da franquia Dragon Ball. Ao passo que quando olho para o Bardock do Super a voz que imagino saindo da boca dele é a do Wendell Bezerra, o dublador do Goku (lembrando que na versão original japonesa quem dubla o Bardock é a veterana seiyuu Masako Nodzawa, que por sua vez também emprestou sua voz fina ao Goku, ao Gohan e ao Goten).

Foto – Bardock do Z x Bardock do Super.

Algo digno a respeito do OVA de 1990 é que Bardock passa a usar uma faixa na testa, que após a morte de seus companheiros na tocaia armada por Freeza e seus capangas fica vermelha após drenar o sangue de um de seus companheiros mortos. Essa cena é uma clara referência a um trecho do segundo filme do Rambo (1985), no qual o personagem interpretado por Silvester Stallone vê a mulher vietnamita Co Bao (pela qual se apaixonou) ser morta por soldados. Para vingar a morte dela, Rambo corta uma faixa do vestido vermelho dela, o coloca em sua testa como uma bandana, e então ataca os soldados.

Também se pode dizer que o fato de Bardock sofrer com os agouros sobre o futuro dele e de seu povo após a expedição ao Planeta Kanassa seja mais uma referência ao Rambo, vinda mais precisamente do livro escrito por David Morell em 1972 que 10 anos mais tarde deu origem ao primeiro filme, visto que tanto no livro quanto no filme Rambo sofre com os traumas da guerra no Vietnã. Em resumo, o Bardock do OVA de 1990 é um verdadeiro Rambo de Dragon Ball.

E por fim, chegamos ao arco do Granola. No arco de Granola, é mostrado que na invasão ao Planeta Cereal pelos saiyanos (quando estes já atuavam como mercenários a serviço de Freeza) lá Bardock estava, e este salvou não apenas a mãe de Granola, como também o próprio Granola e o velho Monaito de serem mortos pelos heeters. Para mim isso foi ridículo, o fim da picada. Se tivesse os salvo por vaidade ou se tudo não tivesse sido uma grande coincidência (que nem o Cavaleiro Ladrão Kiroz em relação à garota Erika no episódio 33 de Maskman) ainda dava para engolir. Mas tê-los salvo por piedade e bondade foi ridículo, o fim da picada. E a impressão que me passa é que quiseram fazer de Bardock como uma espécie de predecessor do Goku.

A meu ver, o ideal para o Bardock e a personalidade do pai de Goku teria sido mostrá-lo como uma personagem bem, digamos, duas caras. Ou seja, como se fosse o Vegeta da saga do Cell (o qual a despeito de amar e estimar seus familiares em algumas oportunidades colocou sua paixão por lutas, típica de seu povo, em detrimento da segurança de sua família), ou mesmo o Caçador Kaura, o personagem de meio de série do seriado tokusatsu do gênero Super Sentai Comando Estelar Flashman. O qual, por sua vez, não tinha o menor remorso em açoitar terceiros com seu chicote elétrico e até mesmo de participar de sequestros de crianças recém-nascidas por um lado, mas por outro era leal a seus companheiros de armas a tal ponto que no final da série se levantou contra o Cruzador Imperial Mess quando o Doutor Keflen resolveu utilizar-se de seus caçadores espaciais como cobaias para fortalecer os monstros mutantes de Mess.

A questão envolvendo não só o Bardock do Super, como também dos saiyanos como um todo, é que o Super vem por meio de retcons porcos (não tem palavra melhor para descrever isso) promovendo uma espécie de branqueamento da história antes estabelecida do povo ao qual pertencem importantes personagens de Dragon Ball, entre eles Goku, Vegeta, Broly, Nappa e Raditz.

Como a própria obra mostra, os saiyanos são um povo de guerreiros que antes mesmo de se aliar ao Rei Cold já eram conquistadores, visto que eles tomaram e conquistaram o Planeta Plant dos tsufurianos após uma longa guerra na qual foram liderados por ninguém menos que o Rei Vegeta III, o pai do Vegeta que nós conhecemos. E uma vez conquistado o Planeta Plant, este foi renomeado como Planeta Vegeta. Tanto que tanto no OVA “Plano para destruir os saiyanos” (1993), quanto na saga Baby de Dragon Ball GT (em minha humilde opinião o ponto alto do GT) vemos intentos vingadores dos tsufurianos para se vingarem dos saiyanos pelo seu extermínio.

Foto – Rei Vegeta sobre uma cidade tsufuriana arrasada (Dragon Ball GT).

Depois de firmada a aliança com o Rei Cold, os saiyanos passaram a fazer parte do exército dele, participando das expedições militares nas quais eles invadiam planetas, os conquistavam e exterminavam os habitantes dos mesmos, e uma vez limpos os planetas eram vendidos a clientes ricos. E não apenas isso: eles também enviavam bebês a planetas com a intenção de conquistá-los. E um desses bebês foi ninguém menos que Kakarotto (vulgo Son Goku), enviado ao Planeta Terra logo após nascer.

E isso continuou depois que o Rei Cold se aposentou e Freeza passou a ser o imperador do universo no lugar de seu pai. Podem ter certeza de uma coisa: não acho que o Rei Vegeta firmou a aliança com o Rei Cold como se fosse alguém que passivamente não teve outra escolha a não ser submeter-se ao pai de Freeza e Kooler. Pelo contrário. Ele tinha os interesses dele nisso. Como, por exemplo, usou-se das batalhas no espaço não apenas como uma forma de controle demográfico dos excedentes populacionais do Planeta Vegeta (algo que a obra, ao que tudo indica, corrobora quando fala sobre os bebês saiyanos de classe baixa enviados a outros planetas com fins de conquista), como também de se livrar de sujeitos potencialmente perigosos a sua autoridade ou que não sabiam fazer outra coisa a não ser lutar. Tudo isso, obviamente, inserido dentro dos jogos de poder dentro do próprio Planeta Vegeta (vide a questão envolvendo Paragas e seu filho Broly tanto no filme de 1993 “Broly – o lendário Super Saiyano” quanto no filme “Dragon Ball Super: Broly”, que terminou com o desterro de pai e filho). Além disso, é razoável supor que o Planeta Vegeta, após a guerra vitoriosa contra os tsufurianos, ficou arrasado e com a infraestrutura muito danificada. Dessa forma, os recursos angariados por meio da venda de planetas a clientes ricos seria uma forma de ajudar na reconstrução do Planeta.

A aliança do Rei Vegeta com Freeza ia bem, até que em determinado momento a aliança entre as duas partes começou a desandar até chegar à fatídica destruição do Planeta Vegeta por Freeza, quando este lançou a Supernova sobre o Planeta Vegeta.

E não só isso: a briga entre os saiyanos e Freeza, que levou à quase extinção dos primeiros por meio da destruição do Planeta Vegeta, nada mais foi que uma briga de poder. De poder e por poder, nada mais. Visto que eles não queriam simplesmente se livrar do jugo de Freeza e dali em diante levar a vidinha deles. Queriam se livrar do jugo de Freeza para eles mesmos se tornarem os senhores do universo no lugar dele, e fazer as mesmas coisas que Freeza até então fazia. E a fala do Rei Vegeta de quando ele se encontra com Freeza no Cruzador Imperial dele deixa bem claro a intenção ulterior dele.

Tendo em mente este fato, podem ter certeza que caso o Rei Vegeta tivesse tido sucesso em sua rebelião contra Freeza, o vencido em combate e se tornado o senhor do Universo no lugar da lagartixa, Bardock seria um dos mais ardorosos apoiadores da política expansionista do Rei Vegeta e seria um dos primeiros a se alistar para poder tomar parte em expedições militares a outros planetas (talvez ele até poderia entrar em atrito com o soberano do Planeta Vegeta por questões secundárias, mas no essencial os dois estariam de acordo). E caso ele fosse rei do planeta natal dos saiyanos, ele daria continuidade à política de conquistas interplanetárias do Rei Vegeta. E isso ajuda a tornar o branqueamento do Bardock e da história dos saiyanos ainda mais lamentável.

Olhando para trás, pode-se dizer que o branqueamento da história dos saiyanos começa com o fato, mencionado no filme “A Batalha dos Deuses”, de 2013, de que Yamoši, aquele que foi o primeiro lendário Super Saiyano e que deu origem à lenda do mesmo, junto com cinco companheiros, deu início a um levante contra os assim chamados saiyanos malvados, mas que no fim das contas foi vencido e morto por eles. Ou seja, pode-se dizer que a introdução de Yamoši e o Deus Super Saiyano na história foi o balão de ensaio do branqueamento da história dos saiyanos que hoje vemos em Dragon Ball. Só que para mim, um fã de Dragon Ball de longa data (mais precisamente, desde 1999, quando o Cartoon Network trouxe para cá a fase Z), e alguém de quase 40 anos e que se formou em história, esse tipo de narrativa não cola.

E ai vocês perguntar-me-ão: para que serve este branqueamento da história dos saiyanos nas novas histórias de Dragon Ball? Porque esse branqueamento da história dos saiyanos que vemos em Dragon Ball Super não veio do nada. Talvez é uma forma de deixar a história dos saiyanos mais, digamos, palatável ao mundo de politicamente correto e de cultura woke dos dias hodiernos. Para isso eles eliminam da história dos saiyanos os elementos mais indigestos e inconvenientes ao politicamente correto dos dias de hoje e a branqueiam e a reescrevem para adequá-la segundo os ditames e tendências atuais. Dão uma maquiada por meio de contos da carochinha como os saiyanos bons e os malvados. E assim sai o saiyano conquistador de planetas que na hora do combate não tinha o menor remorso em matar terceiros visto no Z e entra o novo saiyano mais limpinho e cheirosinho que vemos no Super (vide o Bardock apresentado no arco do Granola). No caso específico de Bardock, tiraram as referências que remetem ao Rambo, um dos grandes personagens dos filmes de ação dos anos 1970, 1980 e 1990. Filmes esses que tinham como principais estrelas atores como o próprio Sylvester Stallone, além de outros como Charles Bronson, Mister T, Jet Li, Jackie Chan, Bruce Lee, Bruce Willis, Arnold Schwarzenegger, Robert De Niro, Mel Gibson, Dolph Lundgren, Chuck Norris, Jean Claude Van Damme e outros tantos. Resumindo a ópera, sai o brucutu de outrora, entra o frangote sensível, limpinho e cheirosinho dos dias hodiernos que o sistema promove.

O fato é que com o branqueamento da história dos saiyanos o Super destruiu com o grande plot twist, a grande ironia do destino, da história de Dragon Ball. Goku foi enviado do Planeta Vegeta prestes a ser destruído por Freeza, e de lá enviado ao Planeta Terra com a intenção de destruir e conquistá-lo. Mas ele bateu a cabeça em um rochedo, foi criado pelo velho artista marcial Son Gohan e no fim das contas se tornou o grande protetor da Terra. Tudo isso foi eliminado nos retcons do Super, no qual uma nova história foi escrita na qual Goku foi enviado ao Planeta Terra pelos pais para que ele lá chegasse em segurança e fosse salvo da iminente destruição do Planeta Vegeta por Freeza.

E isso não é tudo. O meu desgosto com os rumos que Dragon Ball vem tomando desde o início do Super não se limita apenas a essa questão do branqueamento da história de Bardock e dos saiyanos de modo geral. Começa pelo fato que as transformações do Super mais parecem o Felipe Neto (vulgo Blaze Boy) pintando o cabelo dele a cada hora de uma cor diferente. Até mesmo as transformações do Freeza e do Piccolo estão nessa vibe de recolor.

O último filme, “Dragon Ball Super – Super Hero”, lançado no ano retrasado, também não me agradou nem um pouco. E o que é pior: ficou com uma vibe bem de segunda divisão. Ao deixarem o Goku, o Vegeta e o Broly de lado para focar no Gohan, Piccolo e outros, literalmente fez um nivelamento por baixo. E para piorar ainda mais as coisas, transformaram o Cell, o meu vilão favorito da obra, em um monstro burro e irracional saído de seriados tokusatsu (até teve luta do Piccolo gigante contra o Cell Max que claramente faz referência aos seriados tokusatsu mais antigos).

E pelo que eu vi dos scans do vindouro capítulo 101 do mangá de Dragon Ball Super, parece que Dragon Ball foi relegado à terceira divisão, visto que no novo capítulo Goten e Trunks parece que vão brincar de Grande Saiyaman. Toyotaro, Akira Toriyama, não sei o que vocês têm na cabeça, mas é melhor endireitarem e pensarem melhor na história de Dragon Ball, ou deem por concluído a história da obra para não passar por mais papelão.

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