terça-feira, 31 de maio de 2022

O caso Carolina Cimenti e o ataque à língua portuguesa

Foto – Carolina Cimenti, correspondente da Globo nos Estados Unidos.

Mais uma vez, recordar é viver.

Quem acha que o ataque que hoje vemos à língua portuguesa é um fenômeno isolado do resto do mundo está muito enganado. Como também muito enganado está quem acha que isso começou agora, com a famigerada linguagem neutra. E igualmente enganado está quem acha que isso terminará nesse ponto.

Recentemente, a jornalista da Globo News Carolina Cimenti, correspondente da emissora da família Marinho nos Estados Unidos desde 2016, teve que se desculpar em rede nacional por usar a palavra denegrir (uma palavra de origem latina, que nada tem de racista) durante a transmissão do “Globo News em pauta” do dia 24 de maio de 2022.

Ela usou a palavra em questão ao falar sobre o ministro Damien Abad, recém-nomeado por Emanuel Macron para o cargo do ministério da Solidariedade, Autonomia e Pessoas com deficiência, sobre o qual recaem acusações de violência sexual por parte de duas mulheres.

Ao usar a palavra em questão, ela tomou uma corrigida do apresentador Marcelo Cosme. Ele chamou a atenção da colega com as seguintes palavras: “Nós cometemos escorregões às vezes, e precisamos lembrar para não acontecer. Você usou uma palavra que nós não usamos mais: denegrir. Como nós temos essa liberdade, quis chamar sua atenção para você se desculpar e não comentaremos mais sobre isso”. A jornalista em seguida pediu perdão, certamente temerosa de um eventual cancelamento dela em redes sociais por parte de certas militâncias de justiceiros sociais.

Mas as coisas não param por ai.

Um pouco antes disso, em sete de maio de 2022, tivemos um bizarro discurso durante o lançamento da chama Lula-Alckmin. Pérolas dignas de vestibular foram proferidas pela apresentadora:

“Quero aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento. Como nós respeitamos as leis, a legislação e as instituições, é importante avisar e deixar claro ou escuro que hoje nós não estamos lançando candidaturas, nós estamos lançando sim um movimento (...) estou aqui para dizer que vamos juntas, vamos juntos, vamos todas e todos em busca da felicidade de fazer esse país sorrir de novo (...) e garantir que todas, todos e todes brasileiros tenham o direito (...)”.

Além disso, antes disso vi um pouco da nova novela do SBT, “Poliana Moça” (novela estilo Violetta estrelada por Sophia Valverde e continuação de “As Aventuras de Poliana”, produzida entre 2018 e 2020), e fiquei abismado de ver que a favela que lá aparece é chamada de comunidade.

Recuando mais no tempo, em 2020, a renomada historiadora Lilia Schwarcz (a mesma a qual nós respondemos em “Freeza e Rei Vegeta – parte VIII”, mas por conta de um vídeo mais recente por ela publicado), autora de obras sobre o Império e a Primeira República Brasileira, postou um vídeo com o seguinte título: “16 termos racistas para abolir de seu vocabulário”. Entre essas palavras e expressões estão inclusas denegrir, mulata, lista negra, mercado negro, boçal, criado mudo e a “coisa está preta”.


Hoje muito se fala na (suposta) necessidade de implantação da famigerada linguagem neutra (também conhecida como não binária) no idioma português sob o pretexto da criação de uma linguagem inclusiva para determinadas minorias sexuais (em especial o pessoal da sopinha de letras).

Levando em consideração todo esse histórico de ataques sutis ao idioma sob o pretexto do combate ao racismo que já vem de muitos anos atrás, enfim chegou a hora de ligarmos os pontos.

Em minha humilde opinião, essa história toda a respeito da linguagem neutra (que pode ser vista na novela da Rede Globo “Cara e Coragem”) nada mais é que o escalonamento natural e inexorável do fato de que lá atrás, há uns 10, 15 anos, uma série de malabarismos linguísticos começou a ser feita em nome do combate ao racismo secular da sociedade brasileira.

Segundo tais malabarismos, uma língua limpinha e cheirosa, um arremedo de novilíngua a la 1984, foi criado na qual favela passou a ser chamada de comunidade. Negro virou afrodescendente. Índio virou povo originário. É errado utilizar palavras e expressões como denegrir, criado mudo e “as coisas estão pretas”. Entre tantas outras coisas.

E o que é isso, se não um terraplanismo linguístico? Visto que, por exemplo, palavras como denegrir nada têm haver com racismo, e dessa forma distorcendo os significados das palavras de forma a levar adiante a agenda deles?

Uma das poucas vozes que se posicionaram contra esses malabarismos linguísticos foi o professor José Paulo Netto. Em uma palestra datada de 2012, o professor de Juiz de Fora e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) ele se queixa disso e classifica isso como uma “hipocrisia pequeno-burguesa”.

Anos mais tarde, mais precisamente, em 2018, o professor e comentarista político Marco Antônio Villa também se queixa desses malabarismos linguísticos. Chama isso de uma farsa montada por intelectuais da zona sul do Rio de Janeiro, entre outras pessoas.

Também digna de nota é a música “Favela vive 2”, de MV Bill. Na música do rapper carioca, este também critica esse tipo de malabarismo linguístico. Segundo um trecho da música do rapper, “não dá para acreditar que vai mudar se trocar o nome de favela para comunidade. Pouco importa a nomenclatura se falta cultura”.

Na trama de Poliana Moça, pelo que eu vi, na favela em questão atua um bandido chamado Cobra (e antes dele no mesmo local atuava um bandido chamado Rato em “As aventuras de Poliana”). E então lhes pergunto: acaso mudando o nome de favela ou cortiço para comunidade bandidos como o Rato e o Cobra (assim como qualquer um que tenha reinado por lá antes deles e que vier a reinar depois deles) vão deixar de extorquir, chantagear e pisar em cima das pessoas que lá moram? E também irá mudar as condições de vida das pessoas que lá moram? Fará com que as residências dessa localidade deixem de ser precárias? Acabará também com os surtos de doenças que periodicamente por em locais como esses? Os moradores da favela enfim terão acesso a bens como água encanada e esgoto? A resposta para todas essas perguntas é um sonoro não.

Ontem, a língua portuguesa foi acusada de ser racista por conta da presença de palavras como denegrir, criado mudo e outras que supostamente fazem alusão ao período da escravidão negra no Brasil. Hoje, a aposta está sendo dobrada por meio de acusações de que a mesma língua portuguesa é sexista, machista por causa da divisão de gêneros e até mesmo transfóbica por não comportar gênero neutro (um gênero que geralmente é usado para se referir a coisas e objetos nos idiomas que a usam, como o alemão, o russo, o grego, o romeno, o polonês e o tcheco). E amanhã, o que mais virá? Não sei o que virá depois, mas uma coisa é certa: está se criando uma situação na qual será errado você falar o idioma pátrio corretamente. Não só errado, como também passível de estigma e cancelamento em redes sociais por zelotes justiceiros sociais e até mesmo de multa ou prisão, na pior das hipóteses. Da mesma forma que, por exemplo, um dia será errado você ser heterossexual, cis-gênero ou comer carne de verdade. Entre tantas outras coisas.

Em 1991, Enéas Carneiro fez uma pequena participação na Praça É Nossa, no SBT. Na ocasião, ele dividiu a bancada com Carlos Alberto da Nóbrega e o finado Borges de Barros (que interpretou o Mendigo Milionário no programa em questão e que se tornou notório por dublar personagens como o Doutor Smith em Perdidos no Espaço, Moe Howard em Três Patetas, Pinguim em Batman anos 1960, Edin em Jaspion, Gigars em Cavaleiros do Zodíaco e Mestre do Haduko em Street Fighter II Victory). Lá, o pronista, finado em 2007, expressou indignação com pequenos erros de português que à época podiam ser vistos em ruas de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Uma coisa é certa: ele deve estar se revirando do túmulo vendo o que está acontecendo agora. Pois o que ele viu à época é café pequeno perto do que vemos hoje.


Fontes:

Comentarista se desculpou após usar o termo “denegrir” ao vivo. Disponível em: Comentarista se desculpou após usar o termo 'denegrir' ao vivo (uol.com.br)

Correspondente da Globo nos Estados Unidos usa termo racista e é corrigida por apresentador ao vivo. Disponível em: Carolina Cimenti usa termo racista e é corrigida por apresentador ao vivo

Denegrir – origem da palavra denegrir. Disponível em: Origem da palavra DENEGRIR - Etimologia - Dicionário Etimológico (dicionarioetimologico.com.br)

Jornalista da Globo é obrigada a pedir desculpas por usar a palavra “denegrir”. Disponível em: Jornalista da Globo é obrigada por apresentador a pedir desculpas por usar a palavra "denegrir" - YouTube

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