Foto – A esquerda que a direita gosta
e suas pérolas de vestibular.
Como
dito em artigo anterior publicado aqui no blog, uma das grandes fragilidades da
esquerda brasileira é o fato de que não possui narrativas próprias, a ponto de
falar como se fosse direita ao pensar os problemas do país com base em
conceitos tais como patrimonialismo, populismo e homem cordial (algo do qual
Jessé Souza fala em suas obras, incluindo “A radiografia do golpe”, “A elite do
atraso” e “A classe média no espelho”). Ideias essas que surgiram dentro do
contexto da disputa ideológica que se desenrolou no Brasil após a Revolução de
1930 e que defendem em essência os interesses da classe proprietária (que até
1930 controlava diretamente o Estado brasileiro como se fosse uma espécie de
clube privado deles) e ao mesmo tempo em que soam como se fossem crítica social
e boa ciência de vanguarda.
Indubitavelmente,
isso foi o que deu margem para não apenas Darcy Ribeiro e Leonel Brizola em
vida classificarem o Partido dos Trabalhadores como a “esquerda que a direita
gosta” e de “galinha que cacareja pela esquerda e bota ovos na direita” nos
anos 1980 como também para Gilberto Felisberto Vasconcellos criar o tema
petucanismo. Hoje em dia, o mesmo pode ser dito a respeito de partidos como o
PSTU, o PSOL e tantos outros da esquerda brasileira. Ou mesmo de figuras do
próprio Partido dos Trabalhadores como Fernando Haddad e Tarso Genro, os quais
fazem parte da ala direita do partido. E a maneira como esses partidos de
esquerda se comportam na questão da Venezuela é bem paradigmática disso.
Luciana
Genro, apoiadora não apenas de revoluções coloridas e golpes de Estado mundo
afora como também da Operação Lava Jato, criticou Gleisi Hoffmann, atual presidente
do PT, por ter comparecido à posse de Nicolas Maduro na Venezuela. A política
gaúcha soltou a seguinte pérola digna de vestibular em sua conta no twitter:
“Gleisi vai representar o PT na posse
de Maduro. Dando uma mãozinha para aqueles que querem liquidar a esquerda. Mas
só uma esquerda mofada para apoiar o Maduro a estas alturas. Há muito tempo
deixou de ser um governo progressista. E o pior é que a oposição forte é
burguesia e elitista”.
Luluzinha
diz defender uma “terceira via”, ou seja, um apoio irreal à esquerda
pequeno-burguesa venezuelana que talvez não por acaso também defende a queda de
Maduro. Só que o que ela não sabe é que a possibilidade dessa esquerda assumir
o lugar de Maduro é nula, uma vez que carece do apoio popular e penetração nas bases
populares que o chavismo tem. Posteriormente, ante a enxurrada de críticas
sofridas por sua posição direitista, a própria Luluzinha tentou passar panos
quentes em mensagem posterior, só que mantendo o mesmo posicionamento que no
mínimo faz o jogo do imperialismo contra a Venezuela. “Mas ninguém pense que
porque estou contra Maduro daria apoio a uma intervenção imperialista”,
escreveu. “Não cabe ao imperialismo demovê-lo”, continuou em sua pérola de
vestibular.
Luluzinha
mal se dá conta de que o que se vê na Venezuela é uma luta entre a classe
operária venezuelana (que por sua vez está do lado do governo chavista,
inclusive o pressionando para que tome uma posição cada vez mais à esquerda) e
o imperialismo anglo-americano, interessado não apenas em apoderar-se do
petróleo venezuelano como também reafirmar sua posição senhorial no continente
americano e fazer todo um reordenamento geopolítico da região em favor de seus
interesses. Ou seja, é uma luta de vida ou morte entre o povo venezuelano, que
está do lado do regime chavista, e o imperialismo, que almeja derrubar o regime
chavista desde no mínimo o fracassado golpe de 2002. E estar contra o governo
Maduro, nesse momento de assédio imperialista, é estar a favor do imperialismo.
E na prática o que a postura de “nem, nem” que Luluzinha e outras figuras da
esquerda brasileira adotam faz é fazer o papel de inocentes úteis do poder
imperial anglo-americano.
Essa
não é a primeira vez que os ursinhos morenistas demonstraram apoio às ações do
imperialismo das nações centrais em seus golpes de Estado mundo afora, as
chamadas revoluções coloridas (muitas vezes patrocinadas por multimilionários
como George Soros e os irmãos Koch). Assim foi na Ucrânia, na Líbia, no Egito,
na Síria e no próprio Brasil. Como também já dito anteriormente, a dinastia
Bush fez o que fez no Iraque pelo fato de que os mitos criados pelos veículos
da grande mídia ocidental a respeito da nação mesopotâmica tais como o de que o
país era governado por uma brutal ditadura unipartidária e da opressão da
minoria sunita sobre a maioria xiita e curda foram aceitos acriticamente e
ecoados por amplos setores de esquerda. O mesmo certamente também se pode dizer
a respeito do que Helmut Kohl e Bill Clinton fizeram com a finada Iugoslávia
nos anos 1990. E como temos uma esquerda que chega ao ponto de reverberar as
mentiras midiáticas que circulam por ai mitos como o do Holodomor, gás do
Saddam, fome e falta de produtos na Venezuela chavista e tantos outros.
Foto – “Eu estou com Maduro!”: nossa posição
no que tange à situação venezuelana.
Outro
que também andou fazendo o jogo da direita no que tange à Venezuela é Fernando
Haddad. O mesmo Haddad que durante a campanha presidencial do ano passado fez o
jogo da direita no que tange à Venezuela na contramão da posição oficial do
Partido dos Trabalhadores a respeito do que se passa no país caribenho, a ponto
de dizer, entre outras coisas, que a Venezuela está a beira de uma guerra
civil, que há uma tradição golpista em ambos os lados da contenda, que Hugo
Chávez se manteve fechando o regime e que em uma situação de conflito aberto um
país não pode ser classificado como democrático. Tudo isso sem levar em conta não
apenas as situações de instabilidade interna como também toda a ingerência
imperialista anglo-americana no país que remonta desde bem antes do nascimento
do próprio Hugo Chávez. Mais recentemente, em
entrevista ao El País, soltou pérolas similares. Incluindo, por exemplo, que o
PT deveria ajudar a buscar “um caminho no qual possamos restabelecer o ambiente
democrático na Venezuela” e fez críticas ao comparecimento de Gleisi Hoffmann à
posse de Maduro. Haddad disse que “existe uma questão que considero importante,
que é da mensagem que você passa ao tomar qualquer decisão. É preciso cuidar
não só do gesto que você considera mais adequado, mas da comunicação desse
gesto para a opinião pública mundial” e que a situação da Venezuela é grave “do
ponto de vista democrático”.
Ou
seja, para o mesmo Haddad que elogiou Bolsonaro e Sérgio Moro o ideal é baixar
a cabeça para a quadrilha Bolsonaro, fazer todos os seus ditames e agradá-los o
máximo possível. O negócio para o nosso ilustre petucano pelo visto é agir
passivamente como se fosse um animal prestes a ir para o abate. Mesmo que as
milícias bolsonaristas apareçam em sua casa ou o encontrem na rua e o intimidem
bem ao estilo dos grupos neonazistas ucranianos que saíram da toca a partir de
2014. Provavelmente, essa troca de farpas entre Gleisi Hoffmann e Fernando
Haddad pode estar inserida dentro da luta interna do próprio Partido dos
Trabalhadores entre a ala lulista e ala direita do partido, que quer fazer do
PT uma espécie de PSDB repaginado, de forma a expurgar o PT de seu conteúdo
popular e assim torna-lo um partido palatável ao sistema político vigente (ou
seja, fazer do PT um partido de verniz esquerdista e conteúdo de direita e
assim tornar-se o que algo similar ao que o PTB se tornou depois que caiu nas
mãos de Ivete Vargas).
Tarso Genro também soltou pérolas
similares sobre a questão da Venezuela. O pai de Luciana Genro (que é um dos
que falam que o PT precisa fazer autocrítica e baboseiras afins), em entrevista
ao jornal Zero Hora no dia 11 de janeiro, alfinetou a atitude de Gleisi
Hoffmann de comparecer a posse de Maduro, sob a alegação de que “a ida do PT à
posse não ajuda à reconstrução da imagem do PT” e que o governo Maduro seria
“parecido com o nosso aqui no Brasil”, já que na Venezuela não haveria
“projetos consistentes para o enfrentamento da miséria e da fome” e que, tal
qual Bolsonaro, também que o governo da nação caribenha estaria desconsiderando
as “regras republicanas” e promovendo uma “militarização da política” (sendo
que para começo de conversa a Assembleia Nacional Constituinte venezuelana
destinada mais de 70% dos recursos do “Orçamento da Nação” para investimentos
sociais como saúde, moradia, educação, trabalho e cultura).
Luluzinha
Genro, Haddad e Tarso Genro, a julgar por suas falas, parecem viver em um
mundinho cor-de-rosa de fantasias e contos de fadas no qual o mundo é um lugar
democrático no verdadeiro sentido da palavra, onde não existe o senhorio que
desde o século XIX EUA, França e Inglaterra exercem sobre o planeta (que,
diga-se de passagem, trata-se de uma política não do governo de plantão, mas do
Estado dessas nações) e toda a ingerência por essas potências feita em diversas
partes do globo, incluindo a África, o Mundo Islâmico e a nossa América Latina.
E que esse mesmo imperialismo quer a todo custo reafirmar sua posição
hegemônica global nesse momento de constantes atritos com Rússia e China e
manter tal posição ad eternum. Também parecem viver em mundo colorido onde
atualmente não está acontecendo uma ascensão de governos de extrema direita
como o de Bolsonaro no Brasil, Viktor Órban na Hungria, Matteo Salvini na
Itália (o mesmo Salvini ao qual Evo Morales entregou de bandeja a cabeça de
Cesare Battisti), Mauricio “tarifazo” Macri na Argentina, Lenin “Gorby” Moreno
no Equador, Bibi Netanyahu em Israel e Petro Porošenko na Ucrânia, entre outros
dessa estirpe. Muito menos Estado Islâmico, Al Qaeda, milícias do Rio de
Janeiro e grupos afins. Ou mesmo os monopólios midiáticos que países como o
Brasil, o Chile, o México e a Argentina têm. Mas o que esperar de gente que
apoia a Lava Jato e acha que a Mãos Limpas tupiniquim está de fato combatendo a
corrupção, faz elogios rasgados aos mesmos juízes que os olham como pessoas que
devem apodrecer atrás das grades e que mais cedo ou mais tarde irão coloca-los
na cadeia e que chega ao ponto de desejar boa sorte a Bolsonaro?
Com
uma esquerda como essa que não apenas repete os chavões como também fala como
se fosse direita, quem precisa de Bolsonaro, Mourão, Rede Globo, El Clarín, La
Nación, RCTV, Silas Malafaia, Deltan “Power Point da Convicção” Dallagnol, Edir
Macedo, Luis “peruca moradia” Fux, Sérgio “APAE” Moro, Marcelo “duplo
auxílio-moradia” Bretas, TFP, Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim
Isa) e companhia limitada? É uma esquerda que sabota a si mesmo e que será
feita de gato e sapato pelas forças reacionárias enquanto continuar a falar como
se fosse direita. O petucanismo de que Gilberto Felisberto Vasconcellos e Nildo
Ouriques falam, em meu entendimento, a nível ideológico trata-se disso: a
esquerda que diz ser esquerda, mas que fala como se fosse direita e dessa forma ajudando a fazer seu jogo. Esquerda
essa que na hora que a situação complicar-se para seu lado pouca ou nenhuma
resistência terá a oferecer a seus inimigos. E fica aqui nossa solidariedade
para com o povo da Venezuela, ao governo bolivariano que esse ano completou 20
anos no exercício do poder e nosso repúdio as tentativas de agressão da parte
do imperialismo anglo-americano contra a nação caribenha. Avante, Maduro!
Foto – A esquerda que a direita gosta
e suas pérolas de vestibular, parte II.
Fontes:
A
esquerda foi incapaz e burra, segundo Jessé Souza. Disponível em: https://blogdacidadania.com.br/2018/11/a-esquerda-foi-incapaz-e-burra-segundo-jesse-souza/
A
esquerda que a direita gosta: 5 posições direitistas do PSOL. Disponível em: https://www.causaoperaria.org.br/acervo/blog/2016/10/30/a-esquerda-que-a-direita-gosta-5-posicoes-direitistas-do-psol/#.XEkYDFVKiHs
Haddad,
o petucano: a esquerda brasileira e suas narrativas. Disponível em: https://resistenciaterceiromundista.blogspot.com/2018/08/haddad-o-petucanismo-esquerda.html
Haddad:
“não sei o que levou Gleisi a Caracas. É preciso cuidar do gesto, mas também da
comunicação do gesto”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/16/politica/1547642566_811137.html
Luciana
Genro, a esquerda que Trump gosta. Disponível em: https://www.causaoperaria.org.br/luciana-genro-a-esquerda-que-trump-gosta/
Os
sete mitos criados pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque.
Disponível em: http://www.correiocidadania.com.br/colunistas/ramez-philippe-maalouf/72-artigos/imagens-rolantes/10086-submanchete250914
Tarso
Genro ataca Gleisi e “quer reconstruir a imagem do PT” para transformá-lo em um
partido de direita.
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