Foto – Petucanismo.
Dando
continuidade à minha série de resumos sobre a temática do petucanismo, trago
aqui um resumo que fiz do livro “O colapso do figurino francês: crítica às
ciências sociais no Brasil”, de Nildo Ouriques, reitor da UFSC (Universidade
Federal de Santa Catarina) e presidente do IELA (Instituto de Estudos
Latino-Americanos). Depois de trabalhar com “A classe média no espelho”, de
Jessé Souza (que em momento algum cita o termo petucanismo em suas obras, muito
embora dedique boa parte de seus livros à questão das similaridades ideológicas
entre a esquerda e a direita brasileira de modo geral, sem ficar preso a
determinadas legendas partidárias em específico), resolvi fazer o mesmo com o
livro de Nildo Ouriques, tendo em vista que ele, junto com Gilberto Felisberto
Vasconcellos, que é um dos principais usuários do termo petucanismo. O livro em
questão foi escrito em 2015, e dessa forma vocês não o verão falar nada sobre
bolsonarismo e outros fenômenos políticos mais recentes da política brasileira.
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Segundo Paulo Arantes, a experiência filosófica da USP era uma espécie de
“departamento francês de ultramar” (francês département
français d’outre-mer). Durante décadas, a missão francesa reproduziu
considerável dose de colonialismo como se fosse um grito de emancipação
intelectual (página 19).
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Segundo Gilda de Melo e Souza, o ambiente acadêmico uspiano em seus primórdios
era uma espécie de enclave francês em terras brasileiras. A tal ponto que a
música francesa era por lá muito popular (página 20).
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Inicialmente limitado ao ensino de filosofia, o figurino francês se expandiu
para todas as áreas de conhecimento da USP. Com o passar do tempo, valendo-se
da posição no centro econômico do país, seu padrão tornou-se exemplo para todo
o Brasil tão rapidamente quanto a consolidação do sistema de pós-graduação
nacional permitiu (página 21).
Reflexão
I – Obviamente que o “figurino francês” de que Nildo Ouriques fala se alimenta
de toda uma tradição de influência cultural francesa pré-existente dentro da
sociedade brasileira, que remonta aos primórdios da história brasileira, foi
muito forte no século XIX e primeira metade do século XX e que as altas classes
da época usavam como um sinal de distinção social em relação ao “populacho” (o
que mostra que já naquela época tais estamentos já agiam como uma espécie de
Bélgica no Congo, uma Holanda no Suriname ou uma França no Haiti, com uma visão
de mundo de costas para o Brasil profundo e de frente para a Europa, em
especial para Londres e Paris). Tal influência pode ser notada em várias
construções arquitetônicas em estilo art
nouveau ou art decot, reformas
urbanísticas baseadas na reforma feita pelo barão Haussmann em Paris (como a
feita no Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos nos anos 1900), lojas
comerciais com nomes em francês, entre outras manifestações. Ou seja, o dito “figurino
francês“ não surgiu do nada.
Reflexão
II – A partir de meados do século XX, a influência cultural francesa no Brasil
perde terreno e é suplantada pela influência cultural estadunidense. O fato é
que enquanto tivermos uma classe dominante e alta classe média que pensam que
são europeus, americanos e japoneses perdidos nos trópicos e não houver uma
afirmação do legal cultural íbero-afro-indígena, potências hegemônicas vêm e
vão e tal situação repetir-se-á como um círculo vicioso ad eternum. Se daqui um tempo a China suplantar os EUA em tal
posição, nossas elites vão começar a sonhar com Pequim, Šanghaj, Kaifeng, Hong
Kong, os templos Šaolin e Wudang, entre outros lugares do antigo Império do
Meio e a se acharem como chineses perdidos nos trópicos. E se depois de um
tempo suponhamos que a Índia suplante a China em tal posição. Vão começar a
sonhar com Varanasi, Nova Délhi, Bangalore, Bombaim, Boliwood, Ranthambore e
outros lugares da Índia. E assim sucessivamente. Culturalmente, o Brasil
continuará a ser como uma criatura sem uma coluna vertebral que o sustente e
que vive de acordo com as modas vindas de fora.
Reflexão
III – No dia 15 de fevereiro de 2019, Marcel van Hattem, deputado federal
eleito pelo partido NOVO, soltou a seguinte pérola: que o Brasil é pobre por
sua colonização ibero-católica, ao contrário do norte da Europa, que a partir
do século XVI aderiram à reforma protestante e suas várias vertentes (https://salveroma.com/2019/02/18/marcel-van-hattem-defende-que-brasil-e-pobre-por-sua-colonizacao-ibero-catolica-diferente-dos-paises-nordicos-protestantes/?fbclid=IwAR2TZBFwHRbwR44QXZIKir2w49450qA-9X91NQs34T4zyeyUeyq5dYUNWsI). Já
foi citado por aqui várias vezes que a colonização portuguesa tem sido culpada
pelo atraso do Brasil em relação às grandes potências desde o século XIX, com o
contexto geopolítico internacional que surgiu a partir da Revolução Industrial
criando um clima favorável para o surgimento de tais ideias e concepções
errôneas. E pelo visto o batavo Van Hattem, um dos partidários mais ardorosos
do Escola sem Partido, não leva em consideração que a calvinista Holanda deixou
para trás países miseráveis como Suriname e Indonésia. Isso para não falar do
fracasso que foi o Brasil holandês no século XVII.
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