sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Considerações sobre a campanha "#elenão": os cachorros que latem e os cachorros que mordem.



Foto – Bolsowyllys, as duas faces de Janus contrapostas entre si: a relação dialética entre a esquerda lacradora e a direita neocon.
Diante da possibilidade de Jair Bolsonaro se eleger presidente do Brasil, foram lançadas na Internet hashtags tais como “#Elenão” e outras similares. Todas elas na onda do repúdio ao político que outrora era membro do partido de Maluf. Nessa toada, surgem páginas no Facebook e em outras redes sociais (entre eles a Mulheres contra Bolsonaro, recentemente hackeada por partidários do político carioca). O que falar sobre essa campanha? Duas palavras a meu ver muito bem a define: inútil e inócua.
Primeiro, que não se faz a crítica correta a Bolsonaro, o filho bastardo do conluio Rede Globo-Operação Lava Jato e do crescimento da esquerda lacradora no Brasil nos últimos anos. Não se critica o político carioca por seu receituário econômico neoliberal (que é inspirado na política econômica de Ronald Reagan nos EUA, a reaganomics), por sua política externa de atrelamento às grandes potências (no que pode fazer com que o Brasil se envolva em guerras contra países como a Venezuela e o Irã e em sanções contra a Rússia e a China a reboque dos EUA. Guerras essas cujo ônus humano invariavelmente será pago pelo Brasil e não por seus senhores anglo-americanos na forma de ondas de refugiados buscando asilo), a omissão dele em questões como a regulação do monopólio dos meios de comunicação (que certamente se voltará contra ele caso se torne presidente) e a auditoria da dívida pública, entre outras. Também não se critica Bolsonaro por ter votado a favor do farsesco impeachment de Dilma, ter se posicionado a favor da entrega do pré-sal, da reforma trabalhista, do congelamento de gastos sociais por 20 anos e outras das maldades do governo Temer. Apenas ficam nessas frivolidades sobre o que ele pensa sobre mulheres, negros, gays, lésbicas e outros. No fim das contas, é mais uma manifestação da relação dialética entre a esquerda lacradora e a direita de matiz ideológica neocon.
Segundo, que não é a primeira vez que tal expediente é utilizado na história. Foi assim na eleição para governador do Estado de São Paulo de 1998, onde os tucanos, liderados por Mário Covas, utilizaram esse mesmo expediente contra Paulo Maluf. Mais recentemente, também foi utilizado na França para atacar Marine Le Pen em favor de Emanuel Macron e nos Estados Unidos pelos democratas para atacar Donald Trump (vejam em “a birra de Hollywood contra Trump”). Na prática, isso nada mais é que criar um espantalho para abrir o caminho para que os verdadeiros demônios cheguem ao poder para fazer maldades ainda piores e desviar a atenção para qual é a verdadeira ameaça que no ar paira. Haja vista, por exemplo, que o foram as administrações tucanas no estado de São Paulo com suas privatizações, arrochos e corrupção colocada para debaixo do tapete (vide trensalão, Dersa e outros tantos). Que na França o governo Macron está fazendo os mais rígidos ajustes e ataques ao Estado de bem-estar social francês. E que nos Estados Unidos atacam Trump ao mesmo tempo em que passam a mão na mesma Hillary Clinton que, entre outras coisas, comandou a destruição da Líbia junto com Sarkozy e que riu da morte do coronel Kadaffi em 2011. E se esquecem, por exemplo, que quem começou a construção do muro na fronteira entre México e Estados Unidos foi Bill Clinton e que o democrata Barack Obama deportou mais mexicanos que Bush II (e achar que Trump começou com as separações entre crianças e seus pais na fronteira é ser no mínimo muito ingênuo).


Foto – Quem votou a favor da PEC 95. Esse é um verdadeiro motivo para se criticar Bolsonaro, não certas frivolidades.
Um que cai nessa esparrela é Leonardo Stoppa, onde ele, em recente vídeo bate na tecla da ameaça fascista, que é preciso uma união entre as ditas forças democráticas e chega a citar um episódio (o de número 75, para ser mais exato) de He-Man onde o He-Man e o Esqueleto unem suas forças para vencer um mal maior, o demônio Sh’Gora. Com uma esquerda como essa que cai nesses contos do vigário, quem precisa de direita? Quem precisa de Bolsonaro, de Pinochet, de Macron, de Patria y Libertad e afins?
E, como era de se esperar, as comparações da ascensão de Bolsonaro com a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha nos anos 1930 se tornaram lugar comum nas redes sociais da parte dos partidários do “#elenão”. Entretanto, a meu ver a analogia com Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 a 1989, faz muito mais sentido. Primeiro pelo fato já citado aqui várias vezes de que Bolsonaro ideologicamente muito mais próximo estar dos republicanos norte-americanos que dos nazistas e fascistas europeus dos anos 1920 a 1940. Ou seja, é um sujeito que veste o figurino do Partido Republicano na Terra Brasilis (de onde será que ele traz pautas como a do armamento civil?). E segundo que Bolsonaro ascendeu politicamente no Brasil com o mesmo discurso de Ronald Reagan, que alia o mais demagógico conservadorismo social (o chamado neoconservadorismo) e neoliberalismo na economia. E que a ascensão de Bolsonaro coincide justamente com o crescimento da esquerda lacradora no Brasil de uns anos para cá, tal qual aconteceu nos Estados Unidos a partir dos anos 1970. Como também em menor medida do italiano Silvio Berlusconi, que em decorrência da criminalização da política feita pela Operação Mãos Limpas foi alçado ao poder.
Toda essa história de ameaça fascista, democracia x fascismo, Bolsonaro fascista e afins é a cobertura perfeita para o fato de que está se desenrolando um crescente processo de americanização da política brasileira, com a esquerda vestindo o figurino do Partido Democrata e a direita vestindo o figurino do Partido Republicano. E, ao contrário do que Stoppa e outros pensam, a verdadeira ameaça que no ar paira não está no fantasma do nazi-fascismo de Benito Mussolini, Adolf Hitler, Ante Paveliċ, Vidkun Quisling, Francisco Franco, padre Jozef Tiso, marechal Miklós[1] Horthy e outras lideranças da época, mas no neoliberalismo de Reagan, Thatcher, Pinochet, Bill Clinton, Tony Blair, Carlos Menem, Collor, FHC, Boris Jel’cin, Carlos Salinas de Gortari, Carlos Andrés Pérez, Gonzalo Sánchez de Lozada, Michel Temer, Mauricio Macri e tantos outros. Em realidade, Bolsonaro é parte dessa ameaça neoliberal (que por um acaso do destino não raro acaba vindo com um verniz mais autoritário sempre que necessário. Afinal, foi sob o regime autoritário de Augusto Pinochet no Chile que o neoliberalismo teve sua primeira experiência). E o que Bolsonaro, junto com Paulo Guedes, pretende com sua agenda econômica neoliberal é nada mais que dar continuidade ao que Michel Temer vem fazendo desde o farsesco impeachment de 2016.

Foto – De um lado Ronald Reagan, o patrono da Al Qaeda e do Taliban, e de outro Jair Bolsonaro.
Segundo Marilena Chauí em recente palestra, o neoliberalismo em realidade não é uma mutação histórica do capitalismo por meio da passagem da hegemonia econômica do setor produtivo para o setor financeiro, mas uma mutação sócio-política que a filósofa paulista classifica como a “nova forma do totalitarismo”. Em outras palavras, um totalitarismo de mercado, essencialmente individualista (dai que vem contos da carochinha tais como o do sujeito que erroneamente pensa que é empresário de si mesmo, self-made-man e meritocracia) promovido por aquilo que o professor Gilberto Felisberto Vasconcellos chama de o capital vídeo-financeiro. Além disso, ao operar no sentido de destruir as instituições e substitui-las por organizações e de privatizar os direitos das pessoas transformando-os em serviços, concebe o Estado não como uma entidade pública, mas como uma empresa privada que tem que dar lucro para seus acionistas. E não só isso como também na mesma palestra afirma que o processo de judicialização da política que o Brasil assiste nada mais é que uma consequência da maneira como o neoliberalismo concebe a política, já que os conflitos entre empresas ou dentro das próprias empresas geralmente são resolvidos na esfera judicial.
Também é digna de nota a recente propaganda de Geraldo Alckmin, verdadeiro ode ao cinismo e à hipocrisia política, onde se ataca ao mesmo tempo tanto Haddad quanto Bolsonaro. Vemos Alckmin e os tucanos em uma posição constrangedora tendo que lidar com o mesmo monstro que eles ajudaram a criar. Ou seja, na mesma posição que em Samurai X o governo Meiži esteve quando recorreu à Kenšin para que o espadachim ruivo fosse à Kjoto para deter seu sucessor no posto de retalhador das sombras a serviço dos monarquistas, Makoto Šišio (o qual era visto como um sujeito perigoso por seus superiores, que por sua vez armaram uma emboscada contra Šišio e o queimaram vivo. Milagrosamente, Šišio sobreviveu e anos mais tarde virou um fantasma do passado a assombrar o governo Meiži, a ponto de querer tomar o Japão para si).
Chega-se a se dizer cinicamente nessa propaganda que Alckmin e sua vice têm uma vida ficha limpa, são relembradas algumas das polêmicas em que o político carioca se envolveu, são feitos ataques à proposta tributária de Bolsonaro (sendo que os tucanos invariavelmente farão algo análogo no poder e omitindo a todos o fato de que isso é uma realidade secular do Brasil, do qual o pato amarelo da FIESP muito bem simboliza) e que votar em Alckmin é votar contra a volta do comando da corrupção (omitindo que o PSDB é envolvido em escândalos como o Banestado e a privataria tucana e que o mensalão começou em Minas Gerais com o tucano Eduardo Azeredo em 1998) e que é contra os radicais de esquerda e de direita. Na prática, essa história de “elenão” serve para beneficiar Geraldo Alckmin. Aos verdadeiros donos do jogo não interessa ver Jair Bolsonaro presidente, mas pessoas como Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, João Amoedo e outros representantes orgânicos da banca financeira no poder, que por sua vez irão colocar em prática as mesmas ideias que Bolsonaro advogam e continuar com a agenda das reformas neoliberais de Michel Temer, só que com a pose de bons moços e a fala mansa que falta ao político carioca.
Para eles (que certamente tem o medo de serem assombrados pelo fantasma de Ernesto Geisel depois de certo tempo de governo militar. Ou seja, de guinadas nacionalistas que contrariem seus interesses) Bolsonaro é muito mais interessante fazendo papel análogo ao que Eduardo Cunha e Aécio Neves exerceram entre 2014 a 2016: o de cachorro louco que ataca a esquerda raivosamente. Com o sistema o usando da mesma forma a que os oligarcas ucranianos usam os grupos neonazistas locais (entre eles o Svoboda e Pravyj Sektor) se aproveitando da ódio que eles sentem pela Rússia, a que Hilda de Polaris usou o Guerreiro Deus das sombras Bado de Alkor se aproveitando do ódio que ele sentia por seu irmão Syd de Mizar na saga de Asgard de Cavaleiros do Zodíaco (exclusiva da animação) e a que o cardeal Kaijou usou Šogo Amakusa se aproveitando do ódio que o espadachim cristão sentia pelo Japão por causa das perseguições ao cristianismo entre os séculos XVI a XIX na saga dos cristãos de Samurai X (exclusiva da animação). Em outras palavras, aos verdadeiros donos do jogo Bolsonaro é muito mais interessante como peão que como rei ou rainha. E talvez essa seja a mensagem que quiseram passar para Bolsonaro tanto no atentado quanto nessa propaganda eleitoral recente dos tucanos: que os reis do jogo somos nós e não você. Com as recentes acusações da parte de sua ex-esposa de que Bolsonaro teria sido muito agressivo com ela e de ele teria furtado um cofre servindo de bala de prata contra o político carioca (que em nada é diferente de todas as manobras que tentaram fazer nesses anos todos contra Lula e Dilma desde 1989, diga-se de passagem) igualmente fazendo parte desse jogo. Talvez seja questão de tempo essa gente exumar as questões da propina da JBS e sua presença na lista de Furnas em futuras investidas contra o político carioca e até mobilizem a Lama Jato contra ele.

Foto – Bado de Alkor (à esquerda) e Hilda de Polaris (à direita).
Ao invés de entrarmos nessa histeria de “democracia x fascismo” e afins, também penso eu está mais que na hora de começarmos a questionar em massa não apenas a crescente ingerência dos militares na política brasileira como também a criminalização da política feita pela farsa da Operação Lava Jato (vulgo Lama Jato) desde que se iniciou há quatro anos, análoga ao que se viu na Itália nos anos 1990 com a Operação Mãos Limpas. Afinal Bolsonaro foi um fruto da criminalização da política feita pelo Judge Murrow e sua camarilha. Se esse questionamento não for feito (e sem também que seja feito uma CPI da Lama Jato e seus esquemas escusos ao mesmo tempo), dentro de alguns anos veremos todo esse processo se repetindo como um círculo vicioso, em especial sempre que algum governo de corte popular ocupar o Palácio do Planalto. A mesma Lama Jato que muitos dos eleitores do Bolsonaro aplaudem, sem levar em consideração que o esquema do Paraná poderá mais cedo ou mais tarde também se virar contra o político carioca na hora em que for conveniente a eles. Não só isso, como também questionar a existência da própria Lama Jato e os desastrosos resultados que trouxe ao Brasil.
Por fim, gostaria de deixar aqui registrado a aqueles que eventualmente pedirem nossa presença nessa campanha: Não contem conosco para isso!
Fontes:
#Elenão – Alckmin “adere” à própria campanha, “Eusim”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yJg1Cp7JtW8&ab_channel=CausaOperariaTV
Ex-mulher acusou Bolsonaro de furto e cofre e agressividade. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/ex-mulher-acusou-bolsonaro-de-furto-de-cofre-e-agressividade.shtml
Macron está quebrando o estado de bem-estar social francês. Disponível em: http://www.revistamissoes.org.br/2018/07/macron-esta-quebrando-o-estado-social/
Marilena Chauí explica o ódio no Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GsuQIAwImsU&ab_channel=TV247
Plano de governo de Bolsonaro inspirado em Ronald Reagan. Disponível em: https://renovamidia.com.br/plano-governo-bolsonaro-ronald-reagan/
Quem botou a cabeça de Bolsonaro para fora? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V9e3YkFCIy8&ab_channel=ConversaAfiadacomPauloHenriqueAmorim
Resumo do dia – nº 90 | 21/9/2018 – “#ELENÃO” é disfarce para frente pró-Alckmin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MXGuCX3BOKE&ab_channel=CausaOperariaTV
SOBRE A CAMPANHA “Elenão”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SL0QW1B4MeM&ab_channel=LeonardoStoppa

NOTA:


[1] Leia-se “Mikloch”. No húngaro, o s tem o mesmo valor do ch no português e no francês, do sh no inglês, do sch no alemão, do sz no polonês e do š em idiomas como o tcheco, o eslovaco, o servo-croata, o lituano, o letão, o esloveno e outros da Europa centro-oriental.


2 comentários:

  1. Eu concordo contigo. Um dos problemas do bolsonaro é o seu neoliberalismo e sua equipe econômica neoliberal. Mas o seu autoritarismo tb preocupa. As duas coisas devem ser atacadas.

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