segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A birra de Hollywood contra Donald Trump.


Foto – Donald Trump (foto ilustrativa).
Recentemente, a atriz Meryl Streep, após ter sido premiada na cerimônia do Globo de Ouro 2017 com um prêmio honorário de carreira, fez um longo discurso onde, entre outras coisas, teceu críticas a Donald Trump (que por sua vez respondeu que ela é uma atriz superestimada pelo público e que ela é bajuladora de Hillary Clinton), futuro presidente dos Estados Unidos. Tal discurso foi elogiado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Além disso, o grupo U2 cancelou o lançamento dos próximos álbuns da banda em protesto contra a ascensão de Donald Trump a presidência dos Estados Unidos. E não é só isso: 21 artistas de Hollywood (entre eles Natalie Portman, Emma Stone, Andrew Garfield, Felicity Jones, Dakota Fanning, Amy Adams e Greta Gerwig) gravaram uma nova versão de “I Will Survive”, famosa música de Gloria Gaynor, como uma forma de ataque a Trump. Artistas como o tenor Andrea Bocelli, o grupo Kiss, os cantores Elton John e Garth Brooks e a cantora Celine Dion se recusaram a participar da posse de Trump no dia 20 de janeiro. E para o dia seguinte à posse de Trump, uma passeata feminista que contará com a presença das cantoras Katy Perry, Zendaya Coleman, Lady Gaga, Amy Schumer e Cher terá lugar em Washington. Qual será que é a desses artistas?
Vejo isso como birra da parte dessa gente, que do alto de seus salários e contratos publicitários milionários e mansões luxuosas vive em uma realidade completamente diferente da realidade de desespero e fome da maior parte da população estadunidense atingida e empobrecida pelos efeitos nocivo da globalização e da crise econômica dos últimos 10 anos. Ninguém que tenha pelo menos um pouco de bom senso pode cair no canto da sereia dessa gente, que não entende que o trabalhador arruinado pela crise não quer saber de empoderamento feminino e GLBT, em liberar casamento entre pessoas do mesmo sexo, maconha, cocaína, ativismo pedófilo e zoófilo, aborto, ações afirmativas e outras dessas perfumarias ideológicas que em nada acrescentam a vida dele. O trabalhador arruinado pela crise e que foi despejado de sua casa por não dar mais conta de pagar suas dívidas a algum banco quer é emprego, um salário decente e o devido amparo do Estado para poder viver normalmente, não desses ativismos de esquerda liberal que são inofensivos para o sistema vigente. A proposta de Trump, caracterizada por, entre outras coisas, seu protecionismo da indústria estadunidense (o mesmo protecionismo que ajudou a levar os Estados Unidos para o patamar aonde chegou), conquistou o eleitorado norte-americano, o eleitorado do verdadeiro Estados Unidos e não da redoma onde esses artistas vivem, justamente por trazer ao trabalhador estadunidense uma esperança de dias melhores.
É de conhecimento geral que os artistas de Hollywood, de modo geral, são muito mais simpáticos aos Democratas que aos Republicanos dentro da política partidária norte-americana. Esses artistas costumam acusar Donald Trump de ser supostamente racista, xenófobo, machista e querer construir um muro na fronteira entre Estados Unidos e México (muro esse que existe desde 1994, quando o presidente que ocupava a Casa Branca era o democrata Bill Clinton), entre outras. Mas, se Trump é o monstro que eles pintam, o que dizer da candidata deles, Hillary Clinton, que enquanto foi Secretária de Estado dos EUA ajudou a destruir a Líbia em 2011 e se regozijou da morte de Muammar al-Kadaffi? E Barack Obama (o mesmo Obama que era comumente chamado de comunista e alcunhas afins pelos neocons), que é comumente chamado de “Uncle Tom[1]” pelos negros estadunidenses e que só no ano passado lançou 26171 bombas contra Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Somália, Líbia e Iêmen, que fez de tudo para iniciar uma guerra com a Rússia e o Irã em seu mandato, espionou o Brasil e que se utilizou de ONGs e ativistas pagos para enfraquecer vários governos latino-americanos (sem falar que sob seu governo o desemprego e a desigualdade social aumentaram muito e que ele deportou mais imigrantes ilegais que seu antecessor, George W. Bush), como eles ficam?
A única coisa que muda entre os dois lados é que enquanto os republicanos de modo geral tem uma retórica mais abertamente truculenta (de onde será que vem a truculência da retórica de políticos como Jair Bolsonaro?), a truculência dos democratas é enrustida por meio de uma retórica menos agressiva e mais calma, além de sua maior abertura às causas da esquerda liberal tais como ações afirmativas, liberação de direitos GLBT, aborto e drogas como maconha e cocaína (causas essas as quais os republicanos são de modo geral refratários). E se tem algo que esses artistas não percebem é que os dois lados são como se fossem os personagens Piccolo e Kami Sama de Dragon Ball, o Yin e o Yang[2] do taoísmo e as duas faces do deus Janus[3] na mitologia romana: dois elementos opostos entre si, mas que se completam um ao outro a ponto de um não existir sem o outro e vice-versa. Entre os dois lados há a mesma relação ideológica entre gente como Jean Wyllys e Marta Suplicy de um lado e de outro Jair Bolsonaro e Marco Feliciano: uma retroalimentação entre os dois lados a tal ponto em que um justifica a existência do outro e vice-versa. Pelo visto, o que esses artistas estão fazendo é jogar pedras em Trump ao mesmo tempo em que não olham para seu próprio umbigo. É como se fosse o sujo falando do mal lavado. No fundo o que eles querem é sua candidata na Casa Branca.

Foto – O legado Obama/Clinton/Kerry: América Latina em 2009 x América Latina em 2017 (em inglês).
Outra coisa que se percebe em retóricas como a de Meryl Streep (cuja conversa mole é extremamente conveniente ao sistema vigente, na medida em que desvia a atenção da população do país quanto a essa questão) é que eles não tocam na ferida do problema: que o presidente que ocupa a Casa Branca, independente de sua afiliação partidária, invariavelmente terá que abaixar a cabeça perante a estrutura de poder que manda no país por trás das cortinas do poder. Assim sendo, ele não passa de um mero gestor do Estado burguês estadunidense. Futuramente, poderemos ter na Casa Branca um presidente latino que passou grande parte de sua vida em favelas, um presidente indígena que viveu grande parte de sua vida em reservas ou um presidente muçulmano que viveu grande parte de sua vida em guetos e que foi estigmatizado como terrorista que nada mudará para a maioria da população. Será tão ou mais Uncle Tom quanto Obama foi.
Segundo Waldir Rampinelli Júnior, os verdadeiros donos do poder nos EUA são uma elite numericamente bem restrita e que consiste de grupos tais como grandes banqueiros, CEOs de empresas multinacionais, fabricantes de armas e grandes escritórios de advocacia. Entra governo e sai governo essa classe dominante e suas distintas frações continuam mandando no país por trás das cortinas do poder (e depois ditador é Stalin, Mao, Fidel Castro, Saddam Hussein, Muammar al-Kadaffi, Hugo Chávez, Bashar al-Assad, Evo Morales, Vladimir Putin e tantos outros). E o simples fato de os presidentes democratas abaixarem a cabeça para tal estrutura de poder por trás do trono e não buscarem sua destruição já demonstra que o conto muito difundido entre os neocons (e que gente como Olavo de Carvalho e seus seguidores reproduzem para o Brasil) de que os democratas são comunistas é uma grande falácia.
Além disso, como Nildo Ouriques várias vezes aponta, um presidente dos EUA não é um sujeito cosmopolita que zela pelo bem da humanidade como um todo, e sim um defensor do status quo dos Estados Unidos enquanto superpotência global. Tal qual, por exemplo, um primeiro-ministro alemão como Helmut Kohl, Gerhard Schroeder e Angela[4] Merkel é alguém que zela pelo status quo da Alemanha enquanto país central da União Européia, um primeiro-ministro inglês como Tony Blair e David Cameron é alguém que zela pelo status quo da Inglaterra enquanto potência imperialista que possui interesses geopolíticos em várias partes do globo e um presidente francês é alguém que zela pelo status quo da França como Nicolas Sarkozy e François Hollande[5] enquanto potência imperialista que tem interesses geopolíticos em locais como a África. Eles são todos nacionalistas até a medula, algo que os grandes veículos de comunicação geralmente escondem de forma vergonhosa (além da dupla moral que fazem quando abordam a questão do nacionalismo: quando um presidente ou um premiê de um país central é nacionalista, ou tratam de omitir tal fato a população ou mostram isso como algo louvável. Agora quando um governante de um país periférico como os finados Muammar al-Kadaffi e Hugo Chávez resolve ser nacionalista e defender os interesses de seu país, é objeto de escárnio e demonização por parte desses mesmos meios de comunicação). Nunca que nesses países seria permitido a entreguistas venais tais como José Serra, Fernando Henrique Cardoso, rei Farouk I, rei Faisal II, rei Idris I, Carlos Menem, Carlos Andrés Perez, Carlos Salinas de Gortari, Gonzalo Sanchez de Lozada e Boris Yeltsin ocupar a Casa Branca, o Palácio do Eliseu, Downing Street ou a Chancelaria Federal da Alemanha.
Bem provavelmente, por trás dessa birra desses artistas de Hollywood, assim como por trás das acusações de que a eleição de Trump recebeu ajuda de hackers e agentes secretos russos, se esconde uma tentativa de golpe de Estado contra Donald Trump. Trump, que nas primárias desbancou vários políticos tradicionais do Partido Republicano (entre eles Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush), não era o candidato favorito do establishment político norte-americano, a tal ponto que muitos dos falcões de seu partido (entre eles alguns dos arquitetos da segunda invasão anglo-americana ao Iraque) terem apoiado Hillary Clinton no pleito presidencial norte-americano do ano passado, além das fissuras que sua eleição está provocando dentro dos círculos neoconservadores estadunidenses.
Além disso, a vitória de Trump é igualmente sintomática da decadência programática da esquerda, que hoje em dia está muito mais interessada em ativismos de esquerda liberal universitária (que geralmente são financiados por grandes magnatas tais como George Soros e a família Rockfeller) e em fazer justiça social dentro dos marcos do capitalismo que com os reais problemas que afligem a população mais humilde. Essa é a esquerda que o sistema gosta (parafraseando Darcy Ribeiro), que por sua vez a incentiva e a apoia como forma de neutralizar propostas revolucionárias que ofereçam ameaças de fato a seu status quo. E é esse mesmo pensamento esquerdista de matiz liberal, cuja afiliação ideológica não é com o marxismo soviético e sim com o Partido Democrata e o marxismo ocidental que tem como expoentes os intelectuais da escola de Frankfurt que com o tempo se tornou a dominante nos meios universitários brasileiros e latino-americanos desde que o Regime Civil-Militar teve seu ocaso. Certamente, não foi por mero acaso do destino que isso aconteceu.

Foto – Os arquitetos da guerra ilegal contra o Iraque de 2003 que estavam ao lado de Hillary Clinton no pleito presidencial estadunidense do ano passado.
Fontes:
A saída do Reino Unido da União Européia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2qqV-NWxpeg
Atores de Hollywood gravam versão de I Will Survive em crítica a Trump. Disponível em: http://www.valor.com.br/internacional/4836098/atores-de-hollywood-gravam-versao-de-i-will-survive-em-critica-trump
Donald Trump e o fim da democracia burguesa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4uOIu-Aruu0
Estrelas de Hollywood cantam “I Will Survive” para Donald Trump. Disponível em: http://www.jn.pt/pessoas/interior/estrelas-de-hollywood-cantam-i-will-survive-para-donald-trump-5602148.html
JT na TV: Brasil – país subdesenvolvido ou injusto? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nxjaviHsDao
Katy Perry e Cher participarão de passeata feminista nos EUA após posse de Donald Trump. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/news/2017/01/10/katy-perry-e-cher-participarao-de-marcha-feminista-nos-eua-apos-posse-de-donald-trump.html
Uncle Tom. Disponível em:
U2 announce “strike” to protest Trump (em inglês). Disponível em: http://yournewswire.com/u2-strike-protest-trump/


NOTAS:

[1] Termo comumente utilizado de forma pejorativa pelos negros norte-americanos para se referir a pessoas negras por elas vistas como subservientes aos brancos.
[2] Leia-se “Yan”, pois no mandarim, assim como no francês, quando uma palavra termina em consoante esta é muda.
[3] Leia-se “Ianus”. No latim, assim como em idiomas como o alemão, o holandês, o húngaro, o polonês, o servo-croata, as línguas escandinavas e bálticas, o tcheco, o eslovaco e outros tantos, a partícula j tem valor de i.
[4] Leia-se “Anguela”, pois no alemão, assim como em idiomas como o russo, o mongol, o polonês e o japonês, o som da partícula g não muda em função da vogal seguinte tal qual nas línguas neolatinas e no inglês.
[5] Leia-se “Françuá Ollande”, pois no francês a partícula ois tem valor de oá e o h é mudo.

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