Foto
– Donald Trump (foto ilustrativa).
Recentemente, a atriz
Meryl Streep, após ter sido premiada na cerimônia do Globo de Ouro 2017 com um
prêmio honorário de carreira, fez um longo discurso onde, entre outras coisas, teceu
críticas a Donald Trump (que por sua vez respondeu que ela é uma atriz
superestimada pelo público e que ela é bajuladora de Hillary Clinton), futuro
presidente dos Estados Unidos. Tal discurso foi elogiado pela Associação de
Imprensa Estrangeira de Hollywood. Além disso, o grupo U2 cancelou o lançamento
dos próximos álbuns da banda em protesto contra a ascensão de Donald Trump a
presidência dos Estados Unidos. E não é só isso: 21 artistas de Hollywood (entre
eles Natalie Portman, Emma Stone, Andrew Garfield, Felicity Jones, Dakota
Fanning, Amy Adams e Greta Gerwig) gravaram uma nova versão de “I Will Survive”,
famosa música de Gloria Gaynor, como uma forma de ataque a Trump. Artistas como
o tenor Andrea Bocelli, o grupo Kiss, os cantores Elton John e Garth Brooks e a
cantora Celine Dion se recusaram a participar da posse de Trump no dia 20 de
janeiro. E para o dia seguinte à posse de Trump, uma passeata feminista que
contará com a presença das cantoras Katy Perry, Zendaya Coleman, Lady Gaga, Amy
Schumer e Cher terá lugar em Washington. Qual será que é a desses artistas?
Vejo isso como birra da
parte dessa gente, que do alto de seus salários e contratos publicitários
milionários e mansões luxuosas vive em uma realidade completamente diferente da
realidade de desespero e fome da maior parte da população estadunidense
atingida e empobrecida pelos efeitos nocivo da globalização e da crise
econômica dos últimos 10 anos. Ninguém que tenha pelo menos um pouco de bom
senso pode cair no canto da sereia dessa gente, que não entende que o
trabalhador arruinado pela crise não quer saber de empoderamento feminino e
GLBT, em liberar casamento entre pessoas do mesmo sexo, maconha, cocaína,
ativismo pedófilo e zoófilo, aborto, ações afirmativas e outras dessas
perfumarias ideológicas que em nada acrescentam a vida dele. O trabalhador
arruinado pela crise e que foi despejado de sua casa por não dar mais conta de
pagar suas dívidas a algum banco quer é emprego, um salário decente e o devido
amparo do Estado para poder viver normalmente, não desses ativismos de esquerda
liberal que são inofensivos para o sistema vigente. A proposta de Trump,
caracterizada por, entre outras coisas, seu protecionismo da indústria
estadunidense (o mesmo protecionismo que ajudou a levar os Estados Unidos para
o patamar aonde chegou), conquistou o eleitorado norte-americano, o eleitorado
do verdadeiro Estados Unidos e não da redoma onde esses artistas vivem,
justamente por trazer ao trabalhador estadunidense uma esperança de dias
melhores.
É de conhecimento geral
que os artistas de Hollywood, de modo geral, são muito mais simpáticos aos
Democratas que aos Republicanos dentro da política partidária norte-americana. Esses
artistas costumam acusar Donald Trump de ser supostamente racista, xenófobo,
machista e querer construir um muro na fronteira entre Estados Unidos e México
(muro esse que existe desde 1994, quando o presidente que ocupava a Casa Branca
era o democrata Bill Clinton), entre outras. Mas, se Trump é o monstro que eles
pintam, o que dizer da candidata deles, Hillary Clinton, que enquanto foi
Secretária de Estado dos EUA ajudou a destruir a Líbia em 2011 e se regozijou
da morte de Muammar al-Kadaffi? E Barack Obama (o mesmo Obama que era comumente
chamado de comunista e alcunhas afins pelos neocons), que é comumente chamado
de “Uncle Tom[1]”
pelos negros estadunidenses e que só no ano passado lançou 26171 bombas contra
Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Somália, Líbia e Iêmen, que fez de tudo
para iniciar uma guerra com a Rússia e o Irã em seu mandato, espionou o Brasil
e que se utilizou de ONGs e ativistas pagos para enfraquecer vários governos
latino-americanos (sem falar que sob seu governo o desemprego e a desigualdade
social aumentaram muito e que ele deportou mais imigrantes ilegais que seu
antecessor, George W. Bush), como eles ficam?
A única coisa que muda entre
os dois lados é que enquanto os republicanos de modo geral tem uma retórica
mais abertamente truculenta (de onde será que vem a truculência da retórica de
políticos como Jair Bolsonaro?), a truculência dos democratas é enrustida por
meio de uma retórica menos agressiva e mais calma, além de sua maior abertura
às causas da esquerda liberal tais como ações afirmativas, liberação de
direitos GLBT, aborto e drogas como maconha e cocaína (causas essas as quais os
republicanos são de modo geral refratários). E se tem algo que esses artistas
não percebem é que os dois lados são como se fossem os personagens Piccolo e
Kami Sama de Dragon Ball, o Yin e o Yang[2] do taoísmo e as duas faces
do deus Janus[3]
na mitologia romana: dois elementos opostos entre si, mas que se completam um
ao outro a ponto de um não existir sem o outro e vice-versa. Entre os dois
lados há a mesma relação ideológica entre gente como Jean Wyllys e Marta
Suplicy de um lado e de outro Jair Bolsonaro e Marco Feliciano: uma
retroalimentação entre os dois lados a tal ponto em que um justifica a
existência do outro e vice-versa. Pelo visto, o que esses artistas estão
fazendo é jogar pedras em Trump ao mesmo tempo em que não olham para seu
próprio umbigo. É como se fosse o sujo falando do mal lavado. No fundo o que
eles querem é sua candidata na Casa Branca.
Foto
– O legado Obama/Clinton/Kerry: América Latina em 2009 x América Latina em 2017
(em inglês).
Outra coisa que se
percebe em retóricas como a de Meryl Streep (cuja conversa mole é extremamente
conveniente ao sistema vigente, na medida em que desvia a atenção da população
do país quanto a essa questão) é que eles não tocam na ferida do problema: que
o presidente que ocupa a Casa Branca, independente de sua afiliação partidária,
invariavelmente terá que abaixar a cabeça perante a estrutura de poder que
manda no país por trás das cortinas do poder. Assim sendo, ele não passa de um
mero gestor do Estado burguês estadunidense. Futuramente, poderemos ter na Casa
Branca um presidente latino que passou grande parte de sua vida em favelas, um
presidente indígena que viveu grande parte de sua vida em reservas ou um
presidente muçulmano que viveu grande parte de sua vida em guetos e que foi
estigmatizado como terrorista que nada mudará para a maioria da população. Será
tão ou mais Uncle Tom quanto Obama foi.
Segundo Waldir
Rampinelli Júnior, os verdadeiros donos do poder nos EUA são uma elite
numericamente bem restrita e que consiste de grupos tais como grandes banqueiros,
CEOs de empresas multinacionais, fabricantes de armas e grandes escritórios de
advocacia. Entra governo e sai governo essa classe dominante e suas distintas
frações continuam mandando no país por trás das cortinas do poder (e depois
ditador é Stalin, Mao, Fidel Castro, Saddam Hussein, Muammar al-Kadaffi, Hugo
Chávez, Bashar al-Assad, Evo Morales, Vladimir Putin e tantos outros). E o
simples fato de os presidentes democratas abaixarem a cabeça para tal estrutura
de poder por trás do trono e não buscarem sua destruição já demonstra que o
conto muito difundido entre os neocons (e que gente como Olavo de Carvalho e
seus seguidores reproduzem para o Brasil) de que os democratas são comunistas é
uma grande falácia.
Além disso, como Nildo
Ouriques várias vezes aponta, um presidente dos EUA não é um sujeito
cosmopolita que zela pelo bem da humanidade como um todo, e sim um defensor do status quo dos Estados Unidos enquanto
superpotência global. Tal qual, por exemplo, um primeiro-ministro alemão como
Helmut Kohl, Gerhard Schroeder e Angela[4] Merkel é alguém que zela
pelo status quo da Alemanha enquanto
país central da União Européia, um primeiro-ministro inglês como Tony Blair e
David Cameron é alguém que zela pelo status
quo da Inglaterra enquanto potência imperialista que possui interesses
geopolíticos em várias partes do globo e um presidente francês é alguém que
zela pelo status quo da França como
Nicolas Sarkozy e François Hollande[5] enquanto potência
imperialista que tem interesses geopolíticos em locais como a África. Eles são
todos nacionalistas até a medula, algo que os grandes veículos de comunicação
geralmente escondem de forma vergonhosa (além da dupla moral que fazem quando
abordam a questão do nacionalismo: quando um presidente ou um premiê de um país
central é nacionalista, ou tratam de omitir tal fato a população ou mostram
isso como algo louvável. Agora quando um governante de um país periférico como
os finados Muammar al-Kadaffi e Hugo Chávez resolve ser nacionalista e defender
os interesses de seu país, é objeto de escárnio e demonização por parte desses mesmos
meios de comunicação). Nunca que nesses países seria permitido a entreguistas
venais tais como José Serra, Fernando Henrique Cardoso, rei Farouk I, rei Faisal
II, rei Idris I, Carlos Menem, Carlos Andrés Perez, Carlos Salinas de Gortari,
Gonzalo Sanchez de Lozada e Boris Yeltsin ocupar a Casa Branca, o Palácio do
Eliseu, Downing Street ou a Chancelaria Federal da Alemanha.
Bem provavelmente, por
trás dessa birra desses artistas de Hollywood, assim como por trás das
acusações de que a eleição de Trump recebeu ajuda de hackers e agentes secretos
russos, se esconde uma tentativa de golpe de Estado contra Donald Trump. Trump,
que nas primárias desbancou vários políticos tradicionais do Partido
Republicano (entre eles Jeb Bush, irmão do ex-presidente George W. Bush), não
era o candidato favorito do establishment político norte-americano, a tal ponto
que muitos dos falcões de seu partido (entre eles alguns dos arquitetos da
segunda invasão anglo-americana ao Iraque) terem apoiado Hillary Clinton no
pleito presidencial norte-americano do ano passado, além das fissuras que sua
eleição está provocando dentro dos círculos neoconservadores estadunidenses.
Além disso, a vitória de
Trump é igualmente sintomática da decadência programática da esquerda, que hoje
em dia está muito mais interessada em ativismos de esquerda liberal universitária
(que geralmente são financiados por grandes magnatas tais como George Soros e a
família Rockfeller) e em fazer justiça social dentro dos marcos do capitalismo
que com os reais problemas que afligem a população mais humilde. Essa é a
esquerda que o sistema gosta (parafraseando Darcy Ribeiro), que por sua vez a
incentiva e a apoia como forma de neutralizar propostas revolucionárias que ofereçam
ameaças de fato a seu status quo. E é
esse mesmo pensamento esquerdista de matiz liberal, cuja afiliação ideológica
não é com o marxismo soviético e sim com o Partido Democrata e o marxismo
ocidental que tem como expoentes os intelectuais da escola de Frankfurt que com
o tempo se tornou a dominante nos meios universitários brasileiros e
latino-americanos desde que o Regime Civil-Militar teve seu ocaso. Certamente,
não foi por mero acaso do destino que isso aconteceu.
Foto
– Os arquitetos da guerra ilegal contra o Iraque de 2003 que estavam ao lado de
Hillary Clinton no pleito presidencial estadunidense do ano passado.
Fontes:
A herança do democrata Barack
Obama. Disponível em: http://www.orientemidia.org/a-heranca-do-democrata-barack-obama/?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook&utm_campaign=a-heranca-do-democrata-barack-obama
A saída do Reino Unido
da União Européia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2qqV-NWxpeg
Ante a posse de Donald Trump, Hollywood canta “I will survive”. Disponível em: http://www.uai.com.br/app/noticia/e-mais/2017/01/13/noticia-e-mais,200181/ante-a-posse-de-donald-trump-hollywood-canta-i-will-survive.shtml
Atores de Hollywood
gravam versão de I Will Survive em crítica a Trump. Disponível em: http://www.valor.com.br/internacional/4836098/atores-de-hollywood-gravam-versao-de-i-will-survive-em-critica-trump
Donald Trump e o fim da
democracia burguesa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4uOIu-Aruu0
Estrelas de Hollywood
cantam “I Will Survive” para Donald Trump. Disponível em: http://www.jn.pt/pessoas/interior/estrelas-de-hollywood-cantam-i-will-survive-para-donald-trump-5602148.html
JT na TV: Brasil – país subdesenvolvido
ou injusto? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nxjaviHsDao
Katy Perry e Cher
participarão de passeata feminista nos EUA após posse de Donald Trump.
Disponível em: https://www.vagalume.com.br/news/2017/01/10/katy-perry-e-cher-participarao-de-marcha-feminista-nos-eua-apos-posse-de-donald-trump.html
Uncle Tom. Disponível
em:
U2 announce “strike” to protest Trump (em inglês). Disponível em: http://yournewswire.com/u2-strike-protest-trump/
NOTAS:
[1] Termo comumente utilizado de forma
pejorativa pelos negros norte-americanos para se referir a pessoas negras por
elas vistas como subservientes aos brancos.
[2] Leia-se “Yan”, pois no mandarim, assim
como no francês, quando uma palavra termina em consoante esta é muda.
[3] Leia-se “Ianus”. No latim, assim como
em idiomas como o alemão, o holandês, o húngaro, o polonês, o servo-croata, as
línguas escandinavas e bálticas, o tcheco, o eslovaco e outros tantos, a
partícula j tem valor de i.
[4] Leia-se “Anguela”, pois no alemão,
assim como em idiomas como o russo, o mongol, o polonês e o japonês, o som da
partícula g não muda em função da vogal seguinte tal qual nas línguas
neolatinas e no inglês.
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