domingo, 4 de março de 2018

Carta aos policiais e militares do Brasil.



Foto – Dois pesos e duas medidas, parte I: o tratamento das forças de segurança para o filho do rico e o filho do pobre.
Muito bom dia, policiais e militares da Terra Brasilis. Como vocês estão? Pelo visto o exército, sob os auspícios do presidente vampiro Michel Temer e de seu homem-forte, o general Sérgio Etchegoyen (cujo pai foi torturador da ditadura civil-militar), está fazendo uma intervenção no Rio de Janeiro sob o pretexto de combater a criminalidade lá vigente e restaurar a ordem. Essa minha carta é especialmente para vocês, militares e policiais, que adoram bater em negros e pobres nas favelas nas periódicas operações policiais que por lá acontecem e depois ficam se achando os tais e que assim estão combatendo a criminalidade vigente nas favelas.
Em suas obras, Jessé Souza diz que no Brasil a matança indiscriminada de pobres e negros, com ou sem a desculpa do tráfico, é uma política pública informal que conta com grande apoio, especialmente entre a ala fascistóide da classe média (a qual pertence os juízes e procuradores da Operação Car Wash, entre eles Deltan “Power Point da Convicção e do Auxílio-Moradia” Dallagnol). Jessé Souza também diz que o que molda o Brasil enquanto sociedade até hoje não é a herança de Portugal, e sim a escravidão. Isso mesmo transcorridos já 130 anos da abolição formal da escravidão por meio da Lei Áurea (lei essa que os políticos que hoje estão no poder e os empresários a ele ligados estão tentando rasgar junto com a CLT).
Primeiro que o que o exército está fazendo nos morros nada mais é que enxugar gelo. Do que adianta encher os traficantes de bala, prendê-los e colocar polícia e exército nas ruas das favelas cariocas sem mudar toda a estrutura social não só do Rio de Janeiro como também de todo o país para uma estrutura mais inclusiva para toda a população, incluindo a população carente dos serviços mais básicos e pauperizada da favela carioca? População essa que desde no mínimo a abolição da escravidão tem sido sistematicamente abandonada pelos sucessivos governos que se seguiram à proclamação da República. Em outras palavras, que o Estado se faça realmente presente naqueles lugares, tal como se tentou fazer durante o tempo em que Leonel Brizola foi governador do Rio de Janeiro por meio dos CIEPs (os mesmos CIEPs que na época eram satanizados pela Rede Globo e que foram abandonados pelo mesmo Moreira Franco que hoje é o ministro-chefe da secretaria-geral da presidência do Brasil)? Vocês estão matando os bandidos de agora, mas depois de um tempo outros ainda mais perigosos irão surgir em seu lugar nas favelas. E isso apenas questão de tempo é.

Foto – A pirâmide hierárquica do crime, da base para o topo. Dos bandos armados das favelas a George Soros, o maior narcotraficante do planeta. Crédito: Nova Resistência.
Trata-se de um velho problema do Rio de Janeiro, cujas raízes remontam a 1904, quando o então prefeito Pereira Passos empreendeu uma reforma urbanística inspirada na Paris de Haussmann que ficou conhecida na história como “bota abaixo”. Seu intuito era de fazer do Rio de Janeiro o cartão-postal do Brasil para a Europa. Nessa reforma, vários prédios que serviam de moradia às populações menos abastadas foram destruídos, assim como inúmeros cortiços. E desde então tem sido política informal dos prefeitos fluminenses manter afastados os pobres da área central da cidade e não permitir sua entrada nos bairros nobres. E assim a população mais carente, que até então morava em propriedades coletivas, foi forçada a morar junto com outras famílias (onde tinham que pagar altos aluguéis) ou ir morar nos subúrbios, já que poucas eram as moradias populares que o então governo fez para substituir as já destruídas. Ou seja, todas as operações da Polícia nos morros do Rio de Janeiro e agora do Exército nada mais são que uma continuação dessa polícia inaugurada por Pereira Passos na aurora do século passado (que na época eclodiu em episódios como a revolta da vacina). Como diz um trecho da música “É para rir ou para chorar”, de Gabriel o Pensador, “O Brasil aboliu a escravidão, mas o negro da senzala foi direto para favela. Virou um homem livre e foi para prisão. Só que a tal da liberdade não entrou lá na cela e a discriminação ainda é verde e amarela”. É imperativo o Rio de Janeiro romper com essa velha lógica de cidade cartão postal do país voltada para o mar e parar de jogar para debaixo do tapete essa realidade.
Tendo em vista não só isso como também o fato de que já havia facções e criminalidade no morro carioca nos anos 1970, não me venham com essa de querer culpar Leonel Brizola e seus dois governos como governador do Estado do Rio de Janeiro pela situação calamitosa em que a antiga capital federal hoje se encontra. Pelo menos o político gaúcho tentou fazer algo para mudar a situação, coisa que os que vieram tanto antes como depois dele não fizeram.
E segundo que a boca de fumo da criminalidade, a criminalidade que movimenta cifras bilionárias para cima, não se encontra nos traficantes da favela. Muito menos os bandidos do topo da pirâmide do crime são maltrapilhos que nem os bandidos da favela. Eles vestem ternos de luxo e vivem em condomínios fechados e/ou mansões luxuosas. Perto por exemplo, dos grandes sonegadores de impostos do nosso país que devem milhões ou mesmo bilhões ao fisco, os bandidos da favela não passam de ladrões de galinha. Ou mesmo dos rentistas que lucram horrores por meio de um assalto anual ao Estado através da especulação em cima das altas taxas de juro que há muitos anos são praticadas aqui no Brasil e que não produzem um único mísero e prego. Nessa brincadeira toda, está envolvida a fina-flor do capitalismo dependente brasileiro, entre eles banqueiros, industriais, multinacionais, fundos de pensão e barões do agronegócio. Ou seja, é todo um dinheiro que ao invés de ir para serviços básicos para a população vai encher bolso de meia dúzia de pessoas ligadas ao sistema financeiro e seu insaciável apetite por dinheiro e que não raro é soterrado em paraísos fiscais. Como é de conhecimento geral, os super-ricos do Brasil não pagam impostos ou muito pouco pagam em vista da fortuna que têm. Atitude essa da qual o pato amarelo da FIESP (satirizado na apresentação da Paraíso do Tuiuti e posteriormente censurado na apresentação das campeãs) muito bem reflete. Ou seja, a velha lógica dos ganhos concentrados para poucos e prejuízos socializados para todos. E não vou falar dos políticos por que eles nada mais são que os aviõezinhos desses mesmos elementos ligados ao sistema financeiro. Os quais assim como os aviõezinhos do narcotráfico fazem o serviço sujo e depois ficam com as sobras do saque que eles fazem em nome de seus superiores. Entretanto, quando algum escândalo estoura, a culpa toda cai no político envolvido no caso, nunca no atravessador financeiro que está por trás de tudo. E assim o fazendo de boi de piranha.
Em realidade, os bandidos da favela existem por causa justamente dessa ligação com a elite financeira nacional e internacional. Ou como vocês acham que o tráfico por si só seria o problema que é e se sustentaria dessa forma sem tais ligações com os donos do poder econômico (algo que o filme Tropa de Elite 2 muito bem mostra)? E essa associação entre capital e drogas não é nada novo, diga-se de passagem. Haja vista que o tráfico de ópio para a China no século XIX tinha como intermediário a Companhia das Índias Orientais Britânicas. Tal ópio era produzido pelos ingleses no norte da Índia e depois vendido na China por meio do porto de Cantão. Na época, a droga foi utilizada pela Inglaterra como forma de forçar a China a abrir seu mercado para os produtos manufaturados britânicos. E posteriormente deu origem às duas Guerra do Ópio, que terminaram em humilhante derrota para a China. E, como era de se esperar, não só o papel dos atravessadores financeiros enquanto os verdadeiros chefões da criminalidade como também a ligação existente entre a elite financeira nacional e internacional (incluindo as ligações do megaespeculador internacional George Soros com o narcotráfico) e os bandidos de rua é sistematicamente ocultada pela grande mídia da qual os rentistas são seus patrocinadores e os bandidos das favelas sendo mostrados como se fossem um fenômeno que do nada surge e que não tem ligações com agentes externos a ele. Ou seja, como se não houvesse toda uma estrutura, um solo fértil que periodicamente é adubado e irrigado que permite a proliferação de tal erva daninha.
Por que será que vocês tem tamanha tara em bater em pobres e negros quando fazem suas batidas nas favelas? Gostaria de lançar um desafio a vocês. O que vocês achariam de fazer uma revista dessas nos bairros nobres como Leblon, Ipanema e outros? Pode ter certeza que lá vocês irão encontrar quilos e mais quilos, quiçá toneladas, de drogas entre jovens de famílias abastadas.
Também gostaria muito de saber se vocês teriam culhões para fazer uma batida policial dessas no Itaú e cobrar de seu presidente os bilhões que o banco privado deve ao fisco. Ou mesmo ir fazer uma batida dessas na Rede Globo e fazer o mesmo com os filhos do Roberto Marinho. Ou quem sabe fazer isso com o Luciano Hang, o dono das Lojas Havan (o qual teve a pachorra de comemorar a sentença condenatória do TRF4 contra o Lula com fogos de artifício mesmo tendo esse processo por sonegação fiscal milionária). E será que vocês teriam coragem de fazer uma revista dessas como a que vocês periodicamente fazem nas favelas com o filho ou o neto do João Paulo Lemann ou do Paulo Skaf (nosso querido e ilustre industrial sem indústria)? Ou quem sabe de algum barão do agronegócio? Parafraseando o que o finado Lucas Gomes Arcanjo (que hoje esteja nas mãos de Deus no além) uma vez disse, vocês são os fodões para bater em pobre e preto na favela e borra-botas quando o assunto é um sujeito como o Aécio Neves do helicóptero com meia tonelada de cocaína, que tem poderosas ligações pessoais que lhe muito úteis serão na hora de livrar a cara em caso de algum problema na justiça (entre elas Zezé Perrella, Gilmar Mendes e o Judge Murrow).
E militares, até quando vocês vão ficar fazendo o papel de gendarme a serviço de pessoas como Moreira Franco (vulgo gatinho Angorá), Michel Temer e Sérgio Etchegoyen? Vocês apenas terão meu respeito quando deixarem de servir a essa gente e começar a ter culhão roxo para peitar essa quadrilha e outros ricaços. A ser uma força a serviço de toda a população e não como capitães do mato a serviço dos donos do poder político e econômico. As reformas do presidente vampiro irão sugar seu sangue tanto quanto dos moradores das favelas. No que mostra que vocês muito mais próximos estão dos moradores da favela que da elite do atraso que vocês defendem e da qual o presidente vampiro e sua patota fazem parte. O Exército é uma instituição grandiosa, do qual homens como Temer e Sérgio Etchegoyen não são dignos de serem seus comandantes.
Não estou querendo de forma alguma fazer defesa do tráfico. Muito pelo contrário. O tráfico tem que ser combatido da forma mais dura possível. E o exemplo da China sob Mao Zedong é bem ilustrativo disso, já que acabou com o problema da droga em pouco tempo e assim livrou o país do secular flagelo do ópio. Apenas acho que o problema do Rio de Janeiro muito mais embaixo se encontra e que não vai ser com uma ação pirotécnica dessas (que provavelmente é um balão de ensaio para outras similares no país, rumo a um eventual novo golpe militar) que o problema será resolvido. Muito pelo contrário. Talvez dessa forma, o Brasil, o nosso Brasil da elite do atraso, esteja caminhando para se tornar um novo México. Ou quem sabe um novo Chile pinochetista (com a força das armas sendo utilizada para a implantação da mais radical e drástica agenda neoliberal).

Foto – Capital B (vulgo Abelhão), o vilão do jogo Yooka-Laylee.
Fica aqui também meus parabéns à Paraíso do Tuiuti pela torta que jogaram na cara não só do presidente vampiro e seu séquito como também dos empresários a qual ele representa. Não duvido nem um pouco que por trás da censura no desfile das campeãs tenha havido dedo por parte não só da quadrilha do presidente vampiro como também de Paulo Skaf, o presidente da FIESP (tendo em vista a ausência dos patos), ainda que indireto. Temer em realidade não passa de um pau mandado que está ai para fazer o pacote de maldades que está fazendo em nome de seus superiores. Que nem o vilão Capital B (vulgo Abelhão) de Yooka-Laylee (jogo estilo Banjo-Kazooie lançado pela Playtonic no ano passado para as plataformas Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch) em relação à organização V.I.L.E (a qual certamente será aprofundada em um eventual Yooka-Tooyle).

Foto – Dois pesos e duas pedidas, parte II: a retórica do bandido bom é bandido morte para quem?

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