domingo, 28 de janeiro de 2018

O Plano Atlanta e a condenação de Lula à luz do cenário geopolítico internacional.


Foto – Manolo Pichardo.
Quarta-feira, dia 24 de janeiro de 2018, Luís Inácio Lula da Silva foi condenado em segunda instância pelo TRF4 por três votos a zero. Resultado esse que, diga-se de passagem, por nós era esperado e previsível, ainda mais levando em consideração que Gebran é compadre do Judge Murrow e por se tratar de um julgamento de cartas marcadas desde o início. Dessa forma, consideramos o resultado desse julgamento ilegítimo e farsesco.
Mas o pior de tudo não foi isso, e sim o fato de que muita gente comemorou e até soltou fogos pela prisão de Lula, além das costumeiras loas ao Judge Murrow. Algo no mínimo nojento e repugnante, que muito diz sobre quem são as pessoas que comemoraram a decisão do TRF4 e seu caráter. Mostra o quanto essa gente é burra, alienada e politicamente analfabeta, assim como hipócrita, capataz da Casa Grande, que acha que para supostamente combater a corrupção tudo vale (até mesmo passar por cima das leis) e que acima de tudo quer a manutenção do apartheid social que vigora no país desde os tempos coloniais. Afinal, com a corrupção grassando no país como nunca eles não batem mais panelas como antes do golpe. E que para ver seus inimigos de classe sendo destruídos não se importam nem um pouco de jogarem confetes a juízes para lá de corruptos e a um processo farsesco. Ao que tudo indica, a corrupção do governo Temer não vem ao caso para essa gente. E mal eles se dão conta de que daqui um tempo, quando forem acusados injustamente de algum crime, poderão ser presos apenas graças à convicção de um juiz. Talvez só assim para essa gente aprender.
E enquanto a boiada se diverte e comemora a ilegítima decisão do TRF4 e bovinamente comemora a condenação de Lula, recentemente saiu na Revista Carta Capital uma entrevista com o político dominicano Manolo Pichardo, atual presidente da COPPPAL (Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e o Caribe). Nessa entrevista, Manolo Pichardo conta, entre outras coisas, a respeito de uma reunião que ele presenciou bem por acaso em uma suíte do hotel Mariott em Atlanta ocorrida em novembro de 2012 que contou com a participação de ex-presidentes de centro e de direita da América Latina onde teria sido delineado um plano de desestabilização dos governos de esquerda da região, dessa vez não se utilizando dos militares como outrora, e sim por meio de processos judiciais em consonância com uma guerra informativa promovida pelos grandes meios de comunicação.
Pichardo conta que o processo contra o ex-presidente Lula é parte desse plano de forma a impedi-lo de retornar à presidência do Brasil e de retomar com a aplicação de políticas públicas que favorecem a maioria do povo brasileiro, que ele seria a joia da coroa do plano, que outros líderes progressistas latino-americanos estão sofrendo os mesmos efeitos de tal plano (sendo Jorge Glas, vice-presidente do Equador, a mais recente vítima devido a acusações de corrupção) e que a mão desse plano poderia já estar atuando no Uruguai em vista da recente renúncia do antigo vice-presidente Raúl Sendic.
Estão entre as forças envolvidas em tal complô, segundo Pichardo, forças políticas que historicamente sempre serviram de apoio a grupos conservadores ligados a forças estrangeiras que possuem influência em governos e multinacionais e que operam como testas-de-ferro de interesses internacionais. Sobre os métodos utilizados pelos ianques, Manolo Pichardo não descarta a possibilidade de estarem promovendo divisionismo dentro das fileiras dos próprios partidos de esquerda e assim cooptando políticos dessas forças para seu lado. Em resumo, o Plano Atlanta seria uma grande campanha de desprestígio das lideranças de esquerda da América Latina se utilizando dos meios de comunicação para miná-los, e após o desgaste nas mãos da imprensa se seguiria uma segunda fase: instauração de processos judiciais com o intuito de interromper o mandato dos governantes em exercício. Em outras palavras, a Operação Condor 2.0, dessa vez se utilizando de juízes reacionários como os gorilas a seu serviço e não militares.
A respeito do Plano Atlanta de que Manolo Pichardo falou, algumas considerações sobre isso devem ser feitas, à luz do cenário geopolítico internacional e do que hoje o Brasil e a América Latina vivenciam. Dizem que toda teoria da conspiração possui suas verdades no meio de invencionices. O que aqui pretendemos é justamente isso: separar o joio do trigo em torno dessa questão.
Primeiramente, devemos entender que os Estados Unidos, acima de tudo, defendem e zelam por seu status quo enquanto potência hegemônica global e que almeja manter tal posição ad eternum. Uma vez, Henry Kissinger disse que os Estados Unidos jamais iriam admitir um Japão ao sul da Equador. Ou seja, que jamais irão admitir a existência de potência industrial alguma ao sul do Rio Grande. Na Ásia, por questões de ordem geopolítica e geoestratégica, tanto a Inglaterra no século XIX quanto os EUA no século XX permitiram que o Japão fosse uma potência econômica e industrial com o intuito de criar um contraponto primeiro à Rússia Imperial no século XIX durante o contexto do Grande Jogo entre Rússia e Inglaterra e depois no século XX em relação à União Soviética e a China durante a Guerra Fria. E todos nós sabemos que o imperialismo anglo-americano, historicamente (a despeito de algumas alianças circunstanciais), nunca foi amigável para com a Rússia, e o próprio establishment político estadunidense igualmente é antipático ao país de Dostoevskij, Tolstoj e Puškin (algo do qual as acusações de que Donald Trump teria recebido ajuda russa para se eleger presidente é sintomático, como forma de chantageá-lo e condicionar a política exterior dos EUA contra a Rússia). Mas, como na América Latina não existe nada similar à Rússia e/ou à China, a conversa é completamente diferente. Assim sendo, fazem questão de manter a América Latina debaixo de rédea curta. E, diga-se de passagem, nisso os Estados Unidos apenas dão continuidade à política que a Inglaterra por aqui já praticava desde o século XIX, quando as nações latino-americanas se libertaram do tacão colonial luso-espanhol e quando a Inglaterra se opôs à industrialização do Paraguai sob os López (e ao mesmo tempo não fez o mesmo com o Japão sob o imperador Meidži).
Desde a primeira metade do século XIX os EUA já tinham suas pretensões sobre a América Latina através da Doutrina Monroe. E já na época Simón Bolívar disse que os Estados Unidos estavam destinados pela providência divina a despejar suas misérias na América Latina em nome da liberdade. A posição norte-americana na América Latina se fortalece principalmente a partir da virada do século XIX para o XX, na sequência da crise venezuelana de 1902/1903 (crise internacional ocorrida em consequência de contradições imperialistas na bacia do mar do Caribe), com o estabelecimento na costa caribenha de uma espécie uma espécie de senhorio monopolístico. No que gerou um precedente no qual as nações latino-americanas não teriam direito algum de repudiar as pretensões de monopólios estrangeiros (entre eles a United Fruit Company que atuava na América Central, a Standard Oil que atuava nos países andinos e caribenhos e a ITT que financiou o golpe contra Allende).
Teve lugar em novembro de 2005 a Quarta Cúpula das Américas, em Mar del Plata.  Lá Lula, juntamente com Hugo Chávez, Nestor Kirchner e outras lideranças latino-americanas, rechaçaram a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) que Washington queria impor a todo o continente. No que nada mais seria que uma ampliação do NAFTA para toda a América Latina. Evento esse que também contou a presença do então presidente George W. Bush e outros signatários do governo estadunidense. Bush II na época defendia não apenas a criação e ampliação da ALCA, como também que os países latino-americanos deveriam aceitar as medidas de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Imaginem o que foi na época para Bush e seu séquito ter que voltarem para casa com tamanho desaforo e o tapa na cara que tomaram ao ouvirem de Hugo Chávez “Alca, Alca, al carajo!”. Ali o Consenso de Washington e seus ditames neoliberais sobre a América Latina não só foi repudiado como também literalmente destroçado e sentenciado à morte. Era um verdadeiro sinal de alerta soando para os falcões do Pentágono e do Departamento de Estado norte-americano. “Não podemos mais tolerar essa brincadeira de mau gosto. Isso já foi longe demais”, eles devem ter pensado com seus botões na época. Desaforo tão grande quanto em 1859 para a Inglaterra foi o paraguaio Solano López (cujo país na época passava por uma revolução na educação, saúde, indústria e comércio, tornando-se assim aos olhos ingleses um exemplo perigoso a ser seguido pelos demais países sul-americanos) ter firmado o pacto de San José de Flores, que unificou a Argentina e o fez despontar como um líder da região.

Foto – Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner na Quarta Cúpula das Américas, 2005.
O “Alca, Alca, alcarajo” de Hugo Chávez evoluiu para o estabelecimento de uma agenda sul-americana de integração entre os países da região, o fortalecimento não só do Mercosul (que em 2012 suspendeu o Paraguai por causa do golpe judiciário-parlamentar que levou à deposição de Fernando Lugo e no mesmo ano recebeu a adesão da Venezuela) como também do comércio com a África e os países do Mundo Islâmico, assim como a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e da CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos). Organizações essas das quais os Estados Unidos e o Canadá estavam de fora. Assim, pouco a pouco a América Latina estava deixando para trás a condição de quintal do imperialismo anglo-americano que remonta ao século XIX. Isso para não falar dos BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). E dentro dos países latino-americanos, a começar pela vitória de Hugo Chávez no pleito presidencial venezuelano de 1998, os velhos líderes da direita alinhada aos EUA perdiam eleição atrás de eleição para políticos progressistas. Surgiram os governos de Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Lula e Dilma Rousseff no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, entre outros. Tal onda de governos progressistas foi um desenvolvimento inédito na história latino-americana e prejudicou os interesses do imperialismo anglo-americano ao colocar freios à espoliação das riquezas latino-americanas (incluindo revisão de contratos de empresas petroleiras e mineradoras), gerando assim um nível de independência política e econômica inaceitável aos olhos imperialistas. Chegou-se até ao ponto de a Venezuela e o Equador em 2010 negociarem a implantação da moeda virtual SUCRE como alternativa sul-americana ao dólar (iniciativa essa similar a que Kadaffi tentou criar na África com o dinar de ouro). E assim atingindo o calcanhar de Aquiles da hegemonia global dos EUA.
Diz o ditado que “antes um pássaro na mão que dois voando”. A América Latina estava começando a alçar voos mais altos que o imperialismo anglo-americano poderia tolerar. Portanto, chegou a hora de agir e tomar alguma providência, cortar as asas da ave antes que ela alce voos mais altos. Já que os associados do imperialismo não mais conseguiam vencer nas urnas como antes, “chega, a brincadeira acabou. Isso não pode e não deve continuar assim”, devem ter pensado os falcões do Pentágono. Era a hora do recorrer ao tapetão para poder vencê-los. Também é digna de nota a descoberta do pré-sal durante o governo Lula, que foi acompanhada do estabelecimento de uma política de conteúdo nacional com o intuito de desenvolver a indústria nacional. Descoberta essa que cedo ou tarde iria atrair o olho gordo das corporações petroleiras dos Estados Unidos e da Europa, interessados em uma fonte de petróleo geograficamente mais próxima em relação aos poços de petróleo do Oriente Médio, sem precisar ter que contornar a costa africana e atravessar o Atlântico e sem ter que precisar esperar de 40 a 45 dias para que esse petróleo chegue às refinarias estadunidenses. Talvez, Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner já tenham sido jurados de morte pelo imperialismo anglo-americano na sequência da Quarta Cúpula das Américas, com o altar de sacrifício destinado a eles sendo preparado durante todo esse tempo.
E porque o interesse anglo-americano no Brasil? Pelo simples fato de o Brasil ser a maior economia da América Latina, o maior país em extensão territorial e população da região e que durante o governo Lula se tornou uma das maiores economias do mundo. Algo que a esse sistema de poder vigente no mundo hoje em dia não interessa de forma alguma. Para esse sistema, o destino de um país como o Brasil e outros tantos da periferia capitalista é ser um grande fazendão que exporta a matéria prima que as grandes potências depois revendem na forma de produtos manufaturados com alto valor agregado (no que gera uma relação comercial extremamente favorável às nações industrializadas). E, nesse momento de crescentes disputas geopolíticas dos EUA com a China e a Rússia, tudo o que Washington menos quer ver é as nações latino-americanas saindo de seu tacão e fazendo articulações com as nações euroasiáticas. Algo igualmente digno de nota no que Pichardo disse a respeito dessa trama e que aqui não poderia ficar de fora é que em artigo publicado em 2016, ele afirmou que também se mencionou “alguns nomes de indivíduos ligados às instituições judiciais da região comprometidos com a conspiração” e que um desses juízes é brasileiro (do qual ele não recorda o nome por ter chegado à reunião por acaso). Tendo em vista tal fato, será que a verdadeira origem da Car Wash está realmente no tal posto de Curitiba, ou será que isso não passa de história para boi dormir? Particularmente, eu não duvido nem um pouco disso, ainda mais tendo em vista que antes mesmo do início da Car Wash já havia toda uma articulação entre setores o aparato jurídico-policial do Estado e a grande imprensa que Jessé Souza menciona nas páginas 106 e 107 do livro “A radiografia do golpe”, com o primeiro insatisfeito por uma questão de interesses corporativos com possibilidade da aprovação da a PEC 37 (que a época estava em pauta no parlamento e que previa uma divisão de tarefas entre a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário), a época taxada de “PEC da impunidade”. E não é só isso: será que a própria condenação de Lula em realidade não teria sido elaborada não no TRF4 ou na vara de Curitiba, e sim no Departamento de Justiça norte-americano? E o que será que o Judge Murrow, Janot e outros da Car Wash vivem fazendo em suas constantes idas aos Estados Unidos?
Tendo em vista tais fatos, não duvidamos nem um pouco na existência de planos originalmente delineados e urdidos não apenas em reuniões em hotéis como também em instâncias de poder como o Departamento de Estado norte-americano e o Pentágono. Trata-se de algo que se encontra muito longe se encontra de se tratar de conspiracionismo a la Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa). Aliás, falando no astrólogo que um dia foi muçulmano e membro integrante da tariqa do Schuon, será que o conspiracionismo que ele criou em torno do Foro de São Paulo alguma relação tem com o Plano Atlanta, servindo talvez como forma de atacar retoricamente e denegrir perante a opinião pública as articulações entre os governos de esquerda da América Latina que a época se formava? E que destino será que aguarda não só a Lula como também a Maduro, Cristina Kirchner, Rafael Correa, Fernando Lugo, Dilma e outros líderes da esquerda latino-americana? Será que destinos similares aos de Saddam Hussein e de Muammar al-Kadaffi os aguardam? E não é só isso: será que nessas reuniões planos de balcanizar a América Latina ao estilo do que foi feito na Líbia, na Síria e no Iraque podem também ter sido elaborados e delineados?
Resumindo a ópera, o plano Atlanta nada mais é que a resposta que os Estados Unidos e seus lacaios locais encontraram ao “Alca, Alca, alcarajo” proferido por Hugo Chávez em Mar del Plata, à CELAC, aos BRICS, à Unasul, ao fortalecimento do Mercosul e ao Sucre, da mesma forma que a Guerra da Tríplice Aliança foi a resposta que a Inglaterra encontrou ao Tratado de San José de Flores.

Foto – A derrota da ALCA em 2005.
Fontes:
IV Cumbre de las Americas (em espanhol). Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/IV_Cumbre_de_las_Am%C3%A9ricas
“Lula é a joia da coroa do Plano Atlanta”. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-e-a-joia-da-coroa-do-plano-atlanta
Guerra do Paraguai – o que não te contaram é o que importa. Disponível em: https://www.ocafezinho.com/2017/12/26/guerra-do-paraguai-o-que-nao-te-contaram-e-o-que-importa/
Paul Antonopoulos – Venezuela: experimento bolivariano fracassado ou acusação legítima de imperialismo americano? Disponível em: https://legio-victrix.blogspot.com.br/2017/11/paul-antonopoulos-venezuela-experimento.html
Plano Atlanta: o golpe judicial midiático na América Latina. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/306491/Plano-Atlanta-o-golpe-judicial-midi%C3%A1tico-na-Am%C3%A9rica-Latina.htm
Plano Atlanta a pauta para destruir Lula e países da América Latina. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=weXYdIBmPTM&ab_channel=InternationalPostResearchOk
Hace 10 años Latinoamerica dijo “no” a al ALCA (em espanhol). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8aDWdFdiqUA&ab_channel=teleSURtv
Souza, Jessé. A radiografia do golpe: como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro: LeYa, 2016.

Венесуэлский кризис 1902/1903 (em russo). Disponível em: http://bse.sci-lib.com/article004007.html

Um comentário:

  1. Excelente texto. É isso mesmo o que acontece. Toda essa ação da lava jato não passa de uma ação dos EUA para controlar a economia do Brasil. Manter o Brasil sob o seu jugo. Será que as pessoas não conseguem ligar os fatos: Brasil alçando voos maiores e ficando cada vez mais independente economicamente; descoberta do pré-sal (com toda a oposição falando mal, dizendo que não servia pra nada); as revoluções da "primavera árabe", que mergulhou a Síria numa terrível guerra civil; a revolução na ucrânia; o golpe no paraguai; as denuncias de espionagem da Dilma pela cia/nsa; o fato de moro entre outros agentes da lava jato, terem sido treinados pelo departamento de estado americano, o surgimento de "formadores de opinião" na internet, para apregoar as ideias neoliberais e falar mal do PT e da esquerda em geral.....enfim, são tantas coisas ao mesmo tempo, que não entendo como tem gente que não enxerga o que está na cara, debaixo do nariz!

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