segunda-feira, 23 de setembro de 2024

O jacaré de Brizola e o caso Deolane Bezerra. Ou da decadência moral do Brasil.

 

Foto – Leonel de Moura Brizola (1922 – 2004).

Certa vez, o velho Brizola, do alto de sua sabedoria, disse as seguintes palavras: “Se algo tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré, como é que não é jacaré?”.

Esta atualíssima frase se aplica perfeitamente ao recente caso da influenciadora digital e advogada Deolane Bezerra, recentemente presa em Pernambuco. No presente momento, ela, que é alvo de uma operação contra lavagem de dinheiro e prática de jogos ilegais, está presa preventivamente na colônia penal de Buíque. Junto com Deolane também foi presa a mãe dela, Solange Bezerra, por envolvimento com tráfico de narcóticos e lavagem de dinheiro.

Deolane Bezerra se tornou famosa principalmente por ter participado da 14ª edição da Fazenda (reality show veiculado pela TV Record). Vale também lembrar que nas eleições presidenciais do ano retrasado Deolane prestou apoio a Lula e até tirou foto ao lado do petista.

Foto – Da direita para a esquerda: Janja, Lula e Deolane, 2022.

Esse inclusive foi um dos motivos pelo qual eu anulei meu voto para presidente no ano retrasado. Lula ficar aparecendo e tirando foto ao lado de tipos no mínimo bem duvidosos como Felipe Neto (vulgo Blaze Boy) e Deolane, para mim foi o fim da picada. Como alguém pode passar credibilidade a amplos setores da população se envolvendo com esses tipos para lá de degenerados e envolvidos com todo tipo de trambique? Mas sabem como é. Para certos setores da esquerda brasileira tudo vale em nome do combate daquilo que eles chamam de fascismo. Incluindo aparecer e tirar foto ao lado de tais tipos.

Pois bem. Quando penso em Deolane uma das primeiras coisas, se não a primeira, que me vem à mente é precisamente a metáfora do jacaré de Brizola. O fato é que Deolane veio do submundo do crime. Vive no submundo do crime. Anda ao lado de pessoas do submundo do crime. Tem ligação com gente do PCC e com a família do Marcola. Disse certa vez que gosta de advogar para bandido. Fala e se expressa como se fosse bandida. Ela é envolvida com uma série de esquemas no mínimo nebulosos. Como dizer que ela não é bandida diante desse quadro todo?


Mas a questão envolvendo Deolane não é apenas uma questão a respeito da lisura dela, dos esquemas nos quais ela está envolvida até o pescoço ou com quem ela se envolve ou deixa de se envolver. Essa é apenas a ponta do iceberg da questão.

O caso da influenciadora pernambucana é também, acima de tudo, revelador de um mal-estar profundo, uma decadência não apenas moral, como também econômica, cultural e política, que o Brasil vem vivendo há vários anos. E podemos dizer não apenas do Brasil, como também do mundo todo. Afinal, nós não vivemos em uma grande bolha isolada das outras partes do globo.

Como dito no começo do artigo, Deolane foi presa não apenas por envolvimento com lavagem de dinheiro, como também com prática de jogos de azar e suspeita de envolvimento em organização criminosa que atua em jogos ilegais e lavagem de dinheiro que teria movimentado o montante de cerca de R$ 3 bilhões. Por ter descumprido medidas cautelares estabelecidas pela Justiça voltou a ser presa no dia 10 do presente mês.

Nos últimos anos, proliferaram no Brasil como ervas daninhas coisas como jogo do tigrinho, cassinos online e Blaze. Por conta do tanto de dinheiro que se perde nesses jogos de azar proliferam casos de pessoas que se matam depois de chegarem ao ponto de contrair altas dívidas, vender seus bens e até a fugir de casa com medo dos credores. Alguns chegam ao ponto de tirar a própria vida, tamanho o buraco em que se enfiam. 



Situação essa que lembra muito um episódio do desenho noventista Capitão Planeta, “Poluição Mental”, o primeiro da segunda temporada, que mostra os efeitos perniciosos dos narcóticos nas vidas das pessoas.

Entretanto, os jogos de azar em questão não são os únicos: outras ervas daninhas tais como, por exemplo, o OnlyFans (vulgo local onde as gurias pensam que são as cafetinas de si mesmas) também tem se proliferado entre nós, infelizmente. Diga-se de passagem, tais mazelas não surgem do nada. Pelo contrário, são sintomas de um país cuja economia há vários anos vem passando por um processo brutal de desindustrialização e sucateamento de sua estrutura produtiva.

Até meados dos anos 1990, o Brasil tinha cerca de 36% de seu PIB atrelado à atividade industrial. Mas, principalmente a partir do governo FHC, adotou-se uma política econômica baseada no tripé macroeconômico (superávit primário, cambio flutuante e metas de inflação) e a paridade do real com o dólar. Segundo Jessé Souza em sua obra “a classe média no espelho”, o governo FHC promoveu uma espécie de ressurreição da Primeira República (1889 – 1930). O Estado brasileiro foi reduzido a um orçamento a ser repartido pela chamada elite dos proprietários, a taxa SELIC foi elevada a 45%, e em decorrência disso a indústria foi gradativamente perdendo o papel relevante de outrora. Ao mesmo tempo, é promovido um brutal endividamento do Estado brasileiro, que FHC deu início após o estabelecimento do pacto de classes que deu origem ao Plano Real e que seus sucessores (Lula e Dilma inclusos) continuaram. Nesse contexto também surgem esquemas de corrupção como o do Banestado, a privataria tucana, mensalão tucano, Alstom, Dersa, Rodoanel e tantos outros, assim como personagens tais como Alberto Yousseff, Dario Messer, Nelma Kodama, Marcos Valério, o finado Manfred von Richthofen, Paulo Preto e tantos outros.

Atualmente, segundo dados da FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo), cerca de 10,8% do PIB brasileiro é ligado à atividade industrial. Ou  seja, um retraimento de um terço em relação aos anos 1980. Trata-se daquilo que o Doutor Enéas (citando o professor Adriano Benayon) chamava de “economia de cemitério”. A consequência da política econômica iniciada pelo príncipe da privataria e continuada por seus sucessores, além de no longo prazo desindustrializar o país, foi promover uma primarização da economia brasileira. Em outras palavras, uma volta aos tempos da Primeira República, mas com uma roupagem moderna.

Foto – Deolane, sem maquiagem e com cabelo amarrada, presa.

Diante dessa situação toda, com a estrutura econômica do país primarizada e prejudicando de toda forma possível quem produz de fato e o Estado brasileiro cada vez mais anêmico de um lado e de outro influenciadores digitais divulgando tais jogos, às pessoas parece bem tentador que vale muito mais a pena tentar a sorte nestes jogos de apostas acreditando que terá um enriquecimento fácil e rápido do que trabalhar honestamente e produzir, em um esforço de longo prazo. A ilusão é vendida e ela parece tentadora, mas não passa disso: uma ilusão, um canto da sereia. Infelizmente há os tolos que caem no conto do vigário. Como diz o ditado, o peixe morre pela boca.

No plano cultural, temos uma sociedade que bate palmas para coisas como as piadas de mau gosto como aquelas que o Porta dos Fundos faz para com a figura de Jesus Cristo, o profeta da religião majoritária no Brasil (e o que Porta dos Fundos faz é nada mais faz que trazer para cá a zombaria que lá fora revistas pútridas como o Charlie Hebdo e artistas decadentes gringos como o Madonna fazem). Chega ao ponto de aplaudir a zombaria da fé cristã que a Madonna faz nos shows dela, em nome do combate ao fascismo e à extrema direita. Na abertura dos últimos jogos olímpicos, o show de horrores que vimos. Isso só para ficarmos em exemplos mais recentes.

E, de cereja do bolo, temos mídia de massa e influenciadores de You Tube que promove, entre outras coisas, funk ostentação importado de fora. Uma ode à futilidade e ao consumismo. Onde é passado ao público a mensagem de que vencer na vida e se superar é sinônimo de ter uma mansão em Orlando, dezenas de carros de luxo, iate, joias caras e toda sorte de luxo inimaginável para a maioria da população. Sujeitos que muitas vezes vêm da favela, mas a favela nunca sai da mente deles, mesmo eles morando em uma casa luxuosa em um bairro nobre. É verdadeiro tapa na cara de todos nós, ainda mais em se tratando de um país com desigualdade social historicamente abissal.

Por fim, uma pergunta – a vez da Deolane está sendo agora. E os outros influenciadores digitais que também divulgaram casas de apostas, jogo do tigrinho, Blaze e afins, será que não vão cair também uma hora, ou será que a Deolane no fim das contas vai ser uma vaca de piranha?

E mais uma pergunta: Deolane pode ter sido presa agora, junto com a mãe dela, e segundo previsões da vidente Lene Sensitiva, a vez das irmãs dela também irem ao xilindró é uma questão de tempo. Mas quem não me garante que daqui um tempo, no longo prazo, novas Deolanes, tão ou mais fúteis, venais e perniciosas para a nossa juventude quanto a original, não apareçam? Tipos como Deolane nada mais são que um sintoma, e não a doença em si, da sociedade apodrecida até as fundações que nós temos nos dias de hoje.

Fazendo uma analogia, é que nem na história do Batman. O Homem Morcego pode agora ajudar a colocar atrás das grades ou mesmo (em um caso mais extremo) matar o Coringa com as próprias mãos, ou mesmo outros bandidos como o Duas Caras, o Pinguim, o Charada, o Bane e o Mister Freeze. Mas será questão de tempo aparecer em Gotham um novo Coringa, com outro nome e tão ou mais perigoso quanto o original. Visto que Gotham, como as histórias do Homem Morcego mostram, é um terreno fértil para o surgimento de tais bandidos.

Talvez, o Brasil esteja precisando de fato de uma revolução cultural, como vejo alguns falarem por ai. Uma revolução cultural que, entre outras coisas, ponha um fim à bandidolatria que vemos hoje na sociedade brasileira e da qual Deolane é um de seus sintomas. Sem essa grande limpeza da sociedade brasileira, podemos muito bem colocar a Deolane e as irmãs dela atrás das grades, assim como outros influenciadores envolvidos até o pescoço nesses esquemas, mas será questão de tempo novas Deolanes surgirem. Como também será questão de tempo o jogo do tigrinho, a Blaze e flagelos afins ressurgirem, mas com novos nomes.

E mais uma pergunta: será que a hora do Felipe Neto vai chegar? Afinal, o menino do cabelo colorido, entre outras coisas, divulgou Blaze para menores de idade. Entre outros trambiques e malfeitos da parte dele.

Foto – o jacaré, segundo Brizola.

Fontes:

‘A indústria virou pó’ – como agro e mineração já superam manufatura no Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxr0vlvqdgqo

De casa vendida a suicídio – como o jogo do tigrinho destrói famílias. Disponível em: https://www.metropoles.com/sao-paulo/suicidio-jogo-do-tigrinho-familias

Deolane no presídio – saiba por que influenciadora está em cela especial. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2024/09/11/deolane-no-presidio-saiba-por-que-influenciadora-esta-em-cela-especial.ghtml

Fiesp – participação da indústria no PIB cai para 10,8% em 2023. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2024/03/01/fiesp-participacao-da-industria-no-pib-cai-para-108-em-2023.htm

Indústria de transformação brasileira – à beira da extinção. Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/industria-transformacao-brasileira-beira-extincao

Irmãs de Deolane também serão presas, diz famosa vidente. Disponível em: https://www.meionews.com/colunas/andre-moura/irmas-de-deolane-bezerra-tambem-serao-presas-diz-famosa-vidente-368421

Por que Deolane foi presa novamente? Entenda porque influenciadora voltou para cadeia. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/09/11/por-que-deolane-foi-presa-novamente-entenda-por-que-influenciadora-voltou-para-cadeia.ghtml

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Polônia está prestes a dar um passo perigoso no conflito ucraniano (texto da página Nova Resistência + meus comentários)


 “Vladimir Zelensky afirmou que, nos termos de um pacto recentemente assinado entre Kiev e Varsóvia, o país da OTAN poderia usar as suas forças militares para deter mísseis e drones russos no espaço aéreo ucraniano. Tal situação poderia ser considerada pelos russos como um caso de participação direta, conduzindo a uma guerra aberta entre a Rússia e um país da OTAN.

O pacto, segundo Zelensky, estabelece as condições necessárias para que Varsóvia tenha posições dentro da Ucrânia e participe diretamente no papel de defesa aérea, ajudando assim Kiev a superar uma das suas principais dificuldades estratégicas atuais. Durante muito tempo, o espaço aéreo na zona de conflito foi quase completamente controlado pela Rússia, o que tornou os tanques e veículos militares da Ucrânia, fornecidos pelo Ocidente, alvos fáceis para drones, mísseis e aeronaves russos. Kiev está a fazer o seu melhor para tentar resolver este problema, pois é impossível para um lado obter quaisquer ganhos militares sem uma forte capacidade de defesa aérea.

Neste sentido, procurando formas de reverter o colapso das suas defesas aéreas, Kiev tem procurado a cooperação direta com os parceiros ocidentais. Perante a impossibilidade de aderir à OTAN ou de trazer a aliança atlântica para o conflito, a Ucrânia aposta atualmente na assinatura de acordos bilaterais com o maior número possível de membros da OTAN, dando passos significativos para que estes países iniciem uma espécie de “intervenção direta” a nível individual . Neste sentido, o pacto de defesa entre Kiev e Varsóvia pode ser visto como uma forma de a Ucrânia utilizar ainda mais software e tropas da OTAN para melhorar as suas posições no terreno, sem, no entanto, envolver oficialmente a aliança.

“[O acordo] prevê o desenvolvimento de um mecanismo [para a Polônia] para abater mísseis e drones russos disparados no espaço aéreo da Ucrânia na direção da Polônia (…) [Nós] trabalharemos juntos para descobrir como podemos rapidamente implementar este ponto”, disse ele.

O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, confirmou as expectativas de Zelensky e afirmou que os termos do acordo estabelecem de facto os termos para a cooperação direta, com a Polônia sendo autorizada a utilizar publicamente o seu equipamento militar em solo ucraniano contra os russos. No entanto, Tusk parece preocupado com o nível de participação da OTAN em tais manobras, temendo que a Polônia possa ser responsabilizada individualmente pelo ataque a alvos russos.

Tusk espera que os parceiros da OTAN cheguem a um consenso com Varsóvia e Kiev sobre como agir na atual fase do conflito. Ele espera que todas as ações tomadas pela Polônia e outros países membros sejam vistas como um ato conjunto da aliança, gerando assim responsabilidade coletiva. Ou seja, Tusk teme as consequências que o uso de militares polacos na Ucrânia poderá gerar para o país e espera que a OTAN proteja Varsóvia no caso de um conflito direto com Moscou.

‘Precisamos de uma cooperação clara dentro da OTAN aqui, porque tais ações exigem uma responsabilidade conjunta da OTAN (…) Incluiremos outros aliados da OTAN nesta conversa. Portanto, tratamos o assunto seriamente como aberto, mas ainda não finalizado’, disse Tusk.

Deve sublinhar-se que a Polônia participa de facto no conflito há muito tempo. É através da fronteira polaca que a maioria das armas ocidentais chega à Ucrânia. Militares polacos, tanto comandos como tropas comuns, serviram em grande número na Ucrânia e há muita informação pública sobre polacos mortos em combate durante confrontos com forças russas. É ingênuo pensar que estes polacos estão meramente a agir como “mercenários” individualmente interessados ​​em “ganhar dinheiro” ou “ajudar” Kiev. Obviamente, tratam-se de tropas regulares enviadas com o apoio do próprio Estado polaco, sendo o rótulo de “mercenários” e “voluntários” apenas uma forma de disfarçar a participação direta de Varsóvia na guerra.

Para piorar a situação, a Ucrânia está cada vez mais dependente da intervenção estrangeira na situação atual. Incapaz de se defender dos ataques aéreos russos e com pouca força para impedir o progresso terrestre, Kiev está focada na criação de pactos de defesa com parceiros da OTAN para aumentar a sua força militar e tentar sobreviver ao conflito. Para Kiev, quanto mais internacionalizado e escalado for o conflito, melhor. O país espera criar uma situação que torne impossível para a OTAN não intervir, razão pela qual está a tentar trazer a Polônia para a guerra.

No entanto, muitos analistas duvidam que a OTAN iria realmente intervir em defesa da Polônia ou de qualquer outro membro europeu. Embora exista uma cláusula de defesa coletiva no tratado da OTAN, este artigo nunca foi realmente testado. Além disso, se a Polônia intervir na guerra e atacar alvos russos, pode ser considerada o agressor, o que elimina a responsabilidade da OTAN de intervir em caso de retaliação russa em território polaco.

Na verdade, só a paciência e a racionalidade dos estrategistas russos estão a impedir que a guerra se transforme num conflito de magnitudes catastróficas.

Você pode seguir Lucas Leiroz em: https://x.com/leiroz_lucas e https://t.me/lucasleiroz

Fonte: Infobrics”

Fonte: https://novaresistencia.org/2024/08/02/polonia-prestes-a-participar-diretamente-no-conflito-ucraniano/

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um texto bem interessante que achei no site da Nova Resistência, lá postado faz alguns dias, e que resolvi trazer para cá com comentários meus, que fala a respeito do papel que a Polônia, atualmente governada pelo partido Lei e Justiça, vem exercendo no presente conflito russo-ucraniano.

É sabido e notório que desde tempos medievais, mais precisamente dos tempos da Rus’ de Kiev e do Primeiro Principado Polonês, há a rivalidade russo-polonesa (https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_armed_conflicts_involving_Poland_against_Russia).

Segundo a Wikipédia, o primeiro destes enfrentamentos se deu ainda no século X, mais precisamente no ano de 981, com a expedição militar do grão-príncipe de Kiev Vladimir Svjatoslavič (o mesmo Vladimir que sete anos mais tarde converteu a Rus’ ao cristianismo e entrou para a história como São Vladmir de Kiev) nos domínios orientais do Principado Polonês (https://ru.wikipedia.org/wiki/%D0%9F%D0%BE%D0%BB%D1%8C%D1%81%D0%BA%D0%B8%D0%B9_%D0%BF%D0%BE%D1%85%D0%BE%D0%B4_%D0%92%D0%BB%D0%B0%D0%B4%D0%B8%D0%BC%D0%B8%D1%80%D0%B0_%D0%A1%D0%B2%D1%8F%D1%82%D0%BE%D1%81%D0%BB%D0%B0%D0%B2%D0%B8%D1%87%D0%B0). E com as diferenças religiosas ajudando alimentar a rivalidade entre os dois países: os poloneses são católicos romanos, e os russos ortodoxos.

Digno de nota é o fato de que ao longo da história a Polônia se mostrou mais próxima e amigável a nações como a Hungria e a Lituânia que com a própria Rússia, a despeito de ambas as nações serem etnicamente eslavas. A ligação da Polônia com a Hungria era tal que quando os mongóis invadiram a Europa central em 1241, foi feito um ataque simultâneo aos dois países como forma de impedir que os poloneses viessem em auxílio aos húngaros. Tal plano foi ideia do general Subotai, um dos líderes da expedição mongol à Europa e um dos principais e mais eminentes generais do Império Mongol inicial, ao saber sobre as ligações entre as nobrezas de ambos os reinos.

A ligação entre os dois países é tal que há até uma canção proverbial a respeito da secular amizade polaco-húngara, que tem texto tanto em polonês quanto em húngaro, cuja tradução seria algo como “polonês e húngaro irmãos são” (https://en.wikipedia.org/wiki/Pole_and_Hungarian_brothers_be).

Além disso, durante séculos a Polônia foi unida à Lituânia, formando a partir de 1569 a Comunidade Polaco-Lituana. Em seu apogeu, a Comunidade Polaco-Lituana dominou grande parte dos atuais territórios de Ucrânia e Belarus, e até mesmo partes da Rússia ocidental. Na esfera religiosa, a comunidade Polaco-Lituana (também conhecida como a República das Duas Nações), por meio de uma política de polonização de seus domínios orientais, criou denominações tais como a Igreja Greco-Católica Ucraniana e a Igreja Greco-Católica Bielorrussa através da união eclesiástica de Brest em 1596, ambas as denominações de rito e liturgia bizantina, mas em comunhão com a Santa Sé Romana. No longo prazo a política religiosa da Comunidade Polaco-Lituana ajudou a criar as divisões da etnos russa.

Os poloneses, aproveitando-se da situação de instabilidade interna dentro da Rússia advinda da morte do tsar Fëdor II em 1598, lograram ocupar Moscou entre 1610 a 1612 (ou seja, algo que nem Napoleão e nem Hitler lograram conseguir anos depois), até que por fim foram expulsos e a Rússia voltou a ter um tsar em 1613 com a eleição de Mikhail Romanov, no que deu início aos 304 anos de reinado dos Romanov na Rússia. Eventualmente, com o passar do tempo, os russos foram virando o jogo, começando a tomar terras até então sob a posse polaco-lituana (incluindo Kiev em 1667) até culminar com as três partilhas da Polônia entre Rússia, Áustria e Prússia (1772, 1793, 1795).

E a união com a Lituânia não foi a única da história polonesa – a nação eslava foi também unida à Hungria em dois momentos: de 1370 a 1382 sob o rei Luís I da Hungria e de 1440 a 1444 sob Wladyslaw III da Polônia. Como também foi unida à Suécia sob Sigismundo III Vasa entre 1592 a 1599.

Como a Polônia e a Hungria eram os bastiões orientais da cristandade ocidental, criou-se todo um mito segundo o qual as duas nações eram as muralhas da mesma contra os avanços das hostes vindas do leste e do sul, algo visível em episódios como as invasões mongóis do século XIII, as guerras contra o Império Otomano (incluindo a intervenção do rei polonês Jan Sobieski III no segundo cerco a Viena, em 1683) e contra o Império Russo (https://en.wikipedia.org/wiki/Antemurale_Christianitatis). Também surgiu a ideia messiânica baseada no Novo Testamento de que a Polônia é o Cristo da Europa (https://en.wikipedia.org/wiki/Christ_of_Europe).

Cristiano Alves, do canal Camarada Comissário, postou dois vídeos em seu canal a respeito da geopolítica polonesa dos tempos da Segunda República Polonesa (1918 – 1939) e que vem sendo retomados desde o fim da República Popular da Polônia, em especial a partir da ascensão do partido Lei e Justiça (o partido ao qual pertence o atual mandatário polaco, Andrzej Duda) na nação de Copérnico, Chopin e do papa João Paulo II.


A propósito, uma indagação de minha parte: em vídeo do canal Nova Resistencia a respeito do massacre de Srebrenica (datado de 1995), Raphael Machado levanta a seguinte bola – de que há uma página que embora traga bons conteúdos sobre a Palestina e outras partes do mundo muçulmano, essa mesma página está alinhada com a geopolítica da Turquia hodierna. No que implica em uma visão negativa da Sérvia no que tange aos conflitos que levaram ao fim da Iugoslávia (ainda mais levando em conta que a Turquia, junto com outros países islâmicos como o Irã, o Paquistão e a Arábia Saudita, apoiou a Bósnia na guerra de 1992 a 1995). Ainda segundo Machado, a Turquia tem uma rede de influenciadores que fazem coro à narrativa do projeto geopolítico neootomano (segundo o qual a Turquia busca exercer influência nos países balcânicos que outrora estiveram sob o tacão do Império Otomano).

Com base nessa afirmação e juntando os pontos, me faço a seguinte pergunta: será que a Polônia também não tem um esquema similar para com influenciadores católicos de extrema direita, e que a antipatia em relação à Rússia que pode ser vista em alguns círculos de extrema direita católica aqui no Brasil (incluindo figuras como Marcelo Andrade, Lucas Lancaster e Lorenzo Lazzarotto) vem não dos Estados Unidos e da Inglaterra, e sim da Polônia?

Fazendo uma busca pela Internet, encontrei algumas coisas nesse sentido. Segundo notícias de 2020, há sim ligações da extrema direita católica brasileira com a Polônia. Mais precisamente, com institutos religiosos tais como o Piotr Skarga e o Ordo Iuris. E que entre as organizações católicas da extrema direita católica brasileira que recebem dinheiro vindo da Polônia está o IPCO (Instituto Plínio Correa de Oliveira). (https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/12/28/os-milhoes-enviados-da-polonia-para-radicais-da-tfp-no-brasil-e-pelo-mundo.htm). Talvez, o IPCO seja apenas a ponta do iceberg disso tudo, e que haja mais dessas figuras e grupos católicos de extrema direita com alguma ligação com a Polônia. Quer seja com organizações reacionárias de lá, quer seja com o próprio governo polonês.

A Polônia é governada pelo partido de extrema direita Lei e Justiça desde 2015. E desde então tem não apenas tem demolido monumentos relacionados ao passado soviético do país (incluindo profanações de túmulos doexército vermelho mortos na Polônia e até mesmo o caso ocorrido no ano passado no qual o embaixador russo na Polônia foi impedido de levar flores ao túmulo de soldados do exército vermelho por manifestantes de extrema direita), e até mesmo a promulgação de uma lei em 2018 sancionada pelo próprio Duda que prevê pena de três anos para quem ousar falar sobre a participação de colaboradores poloneses dos nazistas no Holocausto. Lei essa que, sob o pretexto de proteger a reputação da Polônia, nada mais serve que para proteger e acobertar os colaboradores poloneses dos nazistas na guerra.

E, de cereja do bolo, o clã Bolsonaro é simpático à Polônia de Duda. Vide postagem do Facebook datada de 13 de julho de 2020 na qual Eduardo Bolsonaro (vulgo 03) felicita Duda por sua reeleição.