Foto – Leonel de
Moura Brizola (1922 – 2004).
Certa vez, o velho Brizola, do alto de sua sabedoria, disse
as seguintes palavras: “Se algo tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de
jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré, como
é que não é jacaré?”.
Esta atualíssima frase se aplica perfeitamente ao recente caso
da influenciadora digital e advogada Deolane Bezerra, recentemente presa em Pernambuco.
No presente momento, ela, que é alvo de uma operação contra lavagem de dinheiro
e prática de jogos ilegais, está presa preventivamente na colônia penal de
Buíque. Junto com Deolane também foi presa a mãe dela, Solange Bezerra, por
envolvimento com tráfico de narcóticos e lavagem de dinheiro.
Deolane Bezerra se tornou famosa principalmente por ter
participado da 14ª edição da Fazenda (reality show veiculado pela TV Record).
Vale também lembrar que nas eleições presidenciais do ano retrasado Deolane
prestou apoio a Lula e até tirou foto ao lado do petista.
Foto – Da direita para a esquerda: Janja, Lula e Deolane, 2022.
Esse inclusive foi um dos motivos pelo qual eu anulei meu
voto para presidente no ano retrasado. Lula ficar aparecendo e tirando foto ao
lado de tipos no mínimo bem duvidosos como Felipe Neto (vulgo Blaze Boy) e
Deolane, para mim foi o fim da picada. Como alguém pode passar credibilidade a amplos
setores da população se envolvendo com esses tipos para lá de degenerados e
envolvidos com todo tipo de trambique? Mas sabem como é. Para certos setores da
esquerda brasileira tudo vale em nome do combate daquilo que eles chamam de
fascismo. Incluindo aparecer e tirar foto ao lado de tais tipos.
Pois bem. Quando penso em Deolane uma das primeiras coisas,
se não a primeira, que me vem à mente é precisamente a metáfora do jacaré de
Brizola. O fato é que Deolane veio do submundo do crime. Vive no submundo do
crime. Anda ao lado de pessoas do submundo do crime. Tem ligação com gente do
PCC e com a família do Marcola. Disse certa vez que gosta de advogar para
bandido. Fala e se expressa como se fosse bandida. Ela é envolvida com uma
série de esquemas no mínimo nebulosos. Como dizer que ela não é bandida diante
desse quadro todo?
Mas a questão envolvendo Deolane não é apenas uma questão a respeito da lisura dela, dos esquemas nos quais ela está envolvida até o pescoço ou com quem ela se envolve ou deixa de se envolver. Essa é apenas a ponta do iceberg da questão.
O caso da influenciadora pernambucana é também, acima de
tudo, revelador de um mal-estar profundo, uma decadência não apenas moral, como
também econômica, cultural e política, que o Brasil vem vivendo há vários anos.
E podemos dizer não apenas do Brasil, como também do mundo todo. Afinal, nós
não vivemos em uma grande bolha isolada das outras partes do globo.
Como dito no começo do artigo, Deolane foi presa não apenas
por envolvimento com lavagem de dinheiro, como também com prática de jogos de
azar e suspeita de envolvimento em organização criminosa que atua em jogos
ilegais e lavagem de dinheiro que teria movimentado o montante de cerca de R$ 3
bilhões. Por ter descumprido medidas cautelares estabelecidas pela Justiça
voltou a ser presa no dia 10 do presente mês.
Nos últimos anos, proliferaram no Brasil como ervas daninhas coisas como jogo do tigrinho, cassinos online e Blaze. Por conta do tanto de dinheiro que se perde nesses jogos de azar proliferam casos de pessoas que se matam depois de chegarem ao ponto de contrair altas dívidas, vender seus bens e até a fugir de casa com medo dos credores. Alguns chegam ao ponto de tirar a própria vida, tamanho o buraco em que se enfiam.
Situação essa que lembra muito um episódio do desenho noventista Capitão Planeta, “Poluição Mental”, o primeiro da segunda temporada, que mostra os efeitos perniciosos dos narcóticos nas vidas das pessoas.
Entretanto, os jogos de azar em questão não são os únicos: outras ervas daninhas tais como, por exemplo, o OnlyFans (vulgo local onde as gurias pensam que são as cafetinas de si mesmas) também tem se proliferado entre nós, infelizmente. Diga-se de passagem, tais mazelas não surgem do nada. Pelo contrário, são sintomas de um país cuja economia há vários anos vem passando por um processo brutal de desindustrialização e sucateamento de sua estrutura produtiva.
Até meados dos anos 1990, o Brasil tinha cerca de 36% de seu
PIB atrelado à atividade industrial. Mas, principalmente a partir do governo
FHC, adotou-se uma política econômica baseada no tripé macroeconômico
(superávit primário, cambio flutuante e metas de inflação) e a paridade do real
com o dólar. Segundo Jessé Souza em sua obra “a classe média no espelho”, o
governo FHC promoveu uma espécie de ressurreição da Primeira República (1889 –
1930). O Estado brasileiro foi reduzido a um orçamento a ser repartido pela
chamada elite dos proprietários, a taxa SELIC foi elevada a 45%, e em
decorrência disso a indústria foi gradativamente perdendo o papel relevante de
outrora. Ao mesmo tempo, é promovido um brutal endividamento do Estado
brasileiro, que FHC deu início após o estabelecimento do pacto de classes que
deu origem ao Plano Real e que seus sucessores (Lula e Dilma inclusos)
continuaram. Nesse contexto também surgem esquemas de corrupção como o do
Banestado, a privataria tucana, mensalão tucano, Alstom, Dersa, Rodoanel e
tantos outros, assim como personagens tais como Alberto Yousseff, Dario Messer,
Nelma Kodama, Marcos Valério, o finado Manfred von Richthofen, Paulo Preto e tantos
outros.
Atualmente, segundo dados da FIESP (Federação das Indústrias
de São Paulo), cerca de 10,8% do PIB brasileiro é ligado à atividade industrial.
Ou seja, um retraimento de um terço em
relação aos anos 1980. Trata-se daquilo que o Doutor Enéas (citando o professor
Adriano Benayon) chamava de “economia de cemitério”. A consequência da política
econômica iniciada pelo príncipe da privataria e continuada por seus
sucessores, além de no longo prazo desindustrializar o país, foi promover uma primarização
da economia brasileira. Em outras palavras, uma volta aos tempos da Primeira República,
mas com uma roupagem moderna.
Foto – Deolane, sem maquiagem e com cabelo amarrada, presa.
Diante dessa situação toda, com a estrutura econômica do
país primarizada e prejudicando de toda forma possível quem produz de fato e o
Estado brasileiro cada vez mais anêmico de um lado e de outro influenciadores digitais
divulgando tais jogos, às pessoas parece bem tentador que vale muito mais a
pena tentar a sorte nestes jogos de apostas acreditando que terá um
enriquecimento fácil e rápido do que trabalhar honestamente e produzir, em um
esforço de longo prazo. A ilusão é vendida e ela parece tentadora, mas não
passa disso: uma ilusão, um canto da sereia. Infelizmente há os tolos que caem
no conto do vigário. Como diz o ditado, o peixe morre pela boca.
No plano cultural, temos uma sociedade que bate palmas para
coisas como as piadas de mau gosto como aquelas que o Porta dos Fundos faz para com a figura de Jesus Cristo, o profeta da religião majoritária no Brasil (e o
que Porta dos Fundos faz é nada mais faz que trazer para cá a zombaria que lá
fora revistas pútridas como o Charlie Hebdo e artistas decadentes gringos como
o Madonna fazem). Chega ao ponto de aplaudir a zombaria da fé cristã que a
Madonna faz nos shows dela, em nome do combate ao fascismo e à extrema direita.
Na abertura dos últimos jogos olímpicos, o show de horrores que vimos. Isso só
para ficarmos em exemplos mais recentes.
E, de cereja do bolo, temos mídia de massa e influenciadores
de You Tube que promove, entre outras coisas, funk ostentação importado de fora.
Uma ode à futilidade e ao consumismo. Onde é passado ao público a mensagem de
que vencer na vida e se superar é sinônimo de ter uma mansão em Orlando,
dezenas de carros de luxo, iate, joias caras e toda sorte de luxo inimaginável
para a maioria da população. Sujeitos que muitas vezes vêm da favela, mas a
favela nunca sai da mente deles, mesmo eles morando em uma casa luxuosa em um bairro
nobre. É verdadeiro tapa na cara de todos nós, ainda mais em se tratando de um
país com desigualdade social historicamente abissal.
Por fim, uma pergunta – a vez da Deolane está sendo agora. E
os outros influenciadores digitais que também divulgaram casas de apostas, jogo
do tigrinho, Blaze e afins, será que não vão cair também uma hora, ou será que
a Deolane no fim das contas vai ser uma vaca de piranha?
E mais uma pergunta: Deolane pode ter sido presa agora,
junto com a mãe dela, e segundo previsões da vidente Lene Sensitiva, a vez das irmãs
dela também irem ao xilindró é uma questão de tempo. Mas quem não me garante
que daqui um tempo, no longo prazo, novas Deolanes, tão ou mais fúteis, venais
e perniciosas para a nossa juventude quanto a original, não apareçam? Tipos
como Deolane nada mais são que um sintoma, e não a doença em si, da sociedade
apodrecida até as fundações que nós temos nos dias de hoje.
Fazendo uma analogia, é que nem na história do Batman. O
Homem Morcego pode agora ajudar a colocar atrás das grades ou mesmo (em um caso
mais extremo) matar o Coringa com as próprias mãos, ou mesmo outros bandidos
como o Duas Caras, o Pinguim, o Charada, o Bane e o Mister Freeze. Mas será
questão de tempo aparecer em Gotham um novo Coringa, com outro nome e tão ou
mais perigoso quanto o original. Visto que Gotham, como as histórias do Homem
Morcego mostram, é um terreno fértil para o surgimento de tais bandidos.
Talvez, o Brasil esteja precisando de fato de uma revolução
cultural, como vejo alguns falarem por ai. Uma revolução cultural que, entre
outras coisas, ponha um fim à bandidolatria que vemos hoje na sociedade
brasileira e da qual Deolane é um de seus sintomas. Sem essa grande limpeza da
sociedade brasileira, podemos muito bem colocar a Deolane e as irmãs dela atrás
das grades, assim como outros influenciadores envolvidos até o pescoço nesses
esquemas, mas será questão de tempo novas Deolanes surgirem. Como também será
questão de tempo o jogo do tigrinho, a Blaze e flagelos afins ressurgirem, mas
com novos nomes.
E mais uma pergunta: será que a hora do Felipe Neto vai
chegar? Afinal, o menino do cabelo colorido, entre outras coisas, divulgou
Blaze para menores de idade. Entre outros trambiques e malfeitos da parte dele.
Foto – o jacaré, segundo Brizola.
Fontes:
‘A indústria virou pó’ – como agro e mineração já superam
manufatura no Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxr0vlvqdgqo
De casa vendida a suicídio – como o jogo do tigrinho destrói
famílias. Disponível em: https://www.metropoles.com/sao-paulo/suicidio-jogo-do-tigrinho-familias
Deolane no presídio – saiba por que influenciadora está em
cela especial. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/caruaru-regiao/noticia/2024/09/11/deolane-no-presidio-saiba-por-que-influenciadora-esta-em-cela-especial.ghtml
Fiesp – participação da indústria no PIB cai para 10,8% em
2023. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2024/03/01/fiesp-participacao-da-industria-no-pib-cai-para-108-em-2023.htm
Indústria de transformação brasileira – à beira da extinção.
Disponível em: https://portal.fgv.br/artigos/industria-transformacao-brasileira-beira-extincao
Irmãs de Deolane também serão presas, diz famosa vidente.
Disponível em: https://www.meionews.com/colunas/andre-moura/irmas-de-deolane-bezerra-tambem-serao-presas-diz-famosa-vidente-368421
Por que Deolane foi presa novamente? Entenda porque influenciadora voltou para cadeia. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/09/11/por-que-deolane-foi-presa-novamente-entenda-por-que-influenciadora-voltou-para-cadeia.ghtml