Foto – Pedro Cardoso (esquerda)
e Sílvio Santos (direita).
O apresentador de televisão e antigo dono do canal
televisivo SBT (Sistema Brasileiro de Comunicação) Sílvio Santos (vulgo Senor
Abravanel) nos deixou no dia 17 do presente mês, aos 93 anos de idade, por
conta de uma broncopneumonia após infecção pelo vírus H1N1.
Após Sílvio Santos nos deixar, muitos foram aqueles que
homenagearam o recém-finado apresentador de televisão. Na contramão destes, o
ator Pedro Cardoso, notório por ter interpretado o personagem Agostinho Carrara
na série “A Grande Família”, disse que ele e Delfim Netto enriqueceram com a
ditadura. Com o claro intuito de aparecer e causar polêmica, obviamente.
Por meio das redes sociais, Pedro Cardoso criticou as
homenagens feitas a Sílvio Santos, afirmando que ele foi colaborador da
ditadura militar no Brasil e que sua fortuna não foi fruto de mérito, mas de
“fraquezas éticas”.
Ainda segundo o próprio Cardoso, Sílvio Santos “serviu à
ditadura militar torturadora de 61, 64, 68. A ditadura que assassinou pessoas
que a ela se opunham, como todas as ditaduras fazem”.
O ex-global, embora tenha feito questão de separar a opinião
dele da dor dos familiares homenageados, afirmou sentir-se ofendido com as
homenagens. “Mas quando a morte parece redimir automaticamente abusadores do
Brasil, sinto-me ofendido”, afirmou o ator, atualmente residente em Portugal.
Também argumentou que tanto Sílvio Santos quanto Delfim Netto fizeram fortuna
graças ao apoio que deram ao regime civil-militar (1964 – 1985), e não por suas
qualidades intelectuais. “Sílvio e Delfim foram empregados da ditadura militar.
Enriqueceram porque serviram a ela”, ele afirmou.
Embora tenha dito algumas verdades, Pedro Cardoso, do alto
da hipocrisia e salto alto de tipos como ele e mais uma pequena dose de
malandragem, omite a outra parte da história.
É de conhecimento público que não apenas Sílvio Santos, como
também outros grandes empresários do ramo da telecomunicação tais como Roberto
Marinho (grupo Globo), João Jorge Saad (grupo Bandeirantes), Adolpho Bloch
(Manchete) e outros ganharam concessões do poder público no período entre 1964
a 1985, fundaram seus canais televisivos e fizeram fortuna. Até ai tudo bem.
Só que há um detalhe: o regime civil-militar chegou ao fim
há 39 anos. E o que Pedro Cardoso não fala (ou talvez omita por conveniência) é
que esses mesmos magnatas da imprensa brasileira não apenas continuaram
operando após o fim do regime civil-militar, como também mantiveram o patrimônio a
época conquistado e continuaram enriquecendo sob as asas do regime democrático
iniciado a partir de 1985. E após as mortes de João Jorge Saad em 1999 e de
Roberto Marinho em 2003 os filhos destes passaram a administrar as empresas que
até então eram comandadas por seus respectivos pais.
Eventualmente, novos atores surgiram no meio televisivo
brasileiro e outros faliram de 1985 em diante: a Manchete, após a morte de
Adolpho Bloch em 1995, veio à falência em 1999 por conta das dificuldades
financeiras que a emissora à época passava, tendo sido sucedida em seu sinal
pela Rede TV e deixando para trás grande acervo em seu prédio. Em 1989, o bispo
neopentecostal Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, adquiriu a
Rede Record, em operação desde 1953. E mais o surgimento da TV a cabo na primeira
metade dos anos 1990.
Delfim Netto igualmente manteve-se influente nos anos que
seguiram ao fim do regime civil-militar, a tal ponto que passou a aconselhar
Lula em seu segundo mandato, além de ter artigos seus constantemente publicados
pela mídia nacional e ter sido eleito como deputado federal cinco vezes
seguidas entre 1986 a 2002 (também disputou em 2006 para o mesmo cargo, mas não
logrou se reeleger).
E, para não ficarmos presos apenas às recém-finadas
personalidades, não custa lembrar que políticos egressos da Arena (Aliança Renovadora
Nacional), o partido de sustentação do regime civil-militar brasileiro, igualmente
mantiveram-se influentes e ocuparam importantes cargos após o fim do mesmo,
incluindo prefeituras, governos de estados e até presidência da CBF
(Confederação Brasileira de Futebol) e da República. Políticos tais como o
maranhense José Sarney, o baiano Antônio Carlos Magalhães, o paranaense Carlos
Massa (vulgo Ratinho), o catarinense Esperidião Amin, o carioca Jorge
Bornhausen e os paulistas José Maria Marin, Paulo Maluf e Welson Gasparini.
Deixe eu lhe fazer uma pergunta básica, Pedro Cardoso: acaso
os presidentes civis que ocuparam o Palácio do Planalto desde a saída dos
generais fizeram alguma revisão das concessões que todos estes magnatas das
comunicações receberam no período civil-militar? A resposta a essa pergunta é um
rotundo não. Nem Sarney, nem Collor, nem Itamar Franco, nem Fernando Henrique
Cardoso, nem Lula, nem Dilma, e muito menos Bolsonaro. Apenas Leonel Brizola,
que travou altos embates com a Rede Globo nas duas vezes em que foi governador
do estado do Rio de Janeiro, é que falou em rever a concessão da Rede Globo
caso fosse eleito presidente da República (tal qual Hugo Chávez fez na
Venezuela em 2007 com a RCTV).
O próprio Sílvio Santos, diga-se de passagem, disse certa
vez, mais precisamente em entrevista ao jornal Folha de São Paulo datada de
1988 as seguintes palavras, a respeito de sua relação com o poder: “Eu sou um
concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para
ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”.
Ou seja, ele sempre esteve ao lado dos presidentes de
plantão tanto sob o regime civil-militar quanto sob o regime democrático, independente
da coloração político-partidária deles. Incluindo nessa lista os governos Lula
e Dilma.
Em algumas oportunidades o dono do SBT se encontrou com Lula
e Dilma. O primeiro se encontrou com Sílvio Santos em 2008, o qual gravou uma
mensagem para a abertura do Teleton daquele ano, e depois em 2010, no qual
Sílvio Santos foi ao Palácio do Planalto pedir ajuda ao presidente na questão
da falência do Banco Pan-americano, um dos negócios de Sílvio Santos.
Dilma, por sua vez, se encontrou com Sílvio Santos no dia do
debate com Aécio Neves no segundo turno da eleição presidencial de 2014. Da
então presidente Sílvio Santos foi condecorado com a Ordem do Mérito das
Comunicações. E o próprio Lula homenageou Sílvio Santos em suas redes sociais,
diga-se de passagem.
Foto - Lula e Sílvio Santos.
Além disso, os governos petistas encheram os cofres não só
do SBT, como também de outras emissoras de TV aberta através dos investimentos
em verba publicitária.
Segundo notícia de 2015 que pode ser encontrada no site de
uma fonte insuspeita, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o SBT recebeu do
governo de verba publicitária no período entre 2003 a 2014 (ou seja, governos
Lula e Dilma) o montante de R$ 1,6 bilhão. Dos canais de TV aberta o SBT foi o
terceiro que mais recebeu verba publicitária dos governos petistas anteriores
ao golpe de 2016, perdendo apenas para a Rede Globo e a Rede Record, que
receberam respectivamente o montante de R$ 6,2 bilhões e R$ 2 bilhões. Depois
do SBT vem a Bandeirantes (R$ 1 bilhão) e a Rede TV (R$ 408 milhões).
São visíveis na fala de Pedro Cardoso as típicas dicotomias,
muito comuns em amplos setores da esquerda brasileira, baseadas nas oposições
binárias constitutivas da sociologia uspiana, tais como o moderno e o atrasado
e o democrático e o autoritário. Dicotomia essa que também pode ser vista, por
exemplo, na maneira como Lula justificou o apoio a Macron nas eleições
francesas do ano retrasado. Ou quando até mesmo setores da esquerda brasileira
demonizam a Venezuela a ponto de chamarem o presente mandatário venezuelano Nicolás
Maduro de ditador (como também Hugo Chávez antes dele).
Trata-se de algo sobre o qual Nildo Ouriques fala em sua obra “O colapso do figurino francês” (2015), e que a meu ver está na raiz do
comportamento dessa mesma esquerda quando grita mantras tais como “fora
Maduro”, “Assad tem que cair”, “abaixo Kadaffi” e outros similares, em
situações em que determinado regime se fecha por uma questão de sobrevivência e se utiliza da força para tal.
E a própria história de vida tanto de Delfim Netto quanto de
Sílvio Santos e outros magnatas da imprensa e políticos egressos da Arena no
Brasil mostra que o dualismo que a sociologia uspiana advoga é no mínimo uma imprecisão.
Visto que os recém-finados não apenas transitaram entre a ditadura e a
democracia e foram influentes em ambos os regimes, como também o fato de que a
sociologia uspiana, ainda segundo o professor catarinense, trata tais dicotomias
como se fossem elementos estanques entre si, e não o que eles realmente são: elementos
opostos entre si, mas que ao mesmo tempo formam uma unidade contraditória. Tal
qual, por exemplo, o yin e o yang do taoísmo, as faces de Janus na mitologia
romana e os personagens Kami Sama e Piccolo de Dragon Ball (obra essa que
chegou à televisão brasileira pela graça de Sílvio Santos, no longínquo ano de
1996).
Aliás, vale lembrar que no filme “O ditador” (2012),
estrelado por Sacha Baron Cohen, na cena em que o ditador Aladeen de Wadiya profere
o discurso no qual fala sobre as vantagens que um país como os EUA teria caso
fosse uma ditadura aberta, ele cita precisamente coisas que já acontecem sob as
asas da democracia. Incluindo mentir sobre as razões porque se entra em guerra (os casos do Iraque e da Líbia são paradigmáticos disso), encher as prisões com um
único grupo racial específico e os meios de comunicação serem na verdade feudos
familiares a despeito de parecerem livres. Talvez, não foi à toa que o próprio
Aladeen ao final do filme transformou Wadiya em uma democracia.
E de cereja do bolo, para pregar o último prego do caixão, não vamos nos esquecer de que o próprio Pedro Cardoso por muitos anos trabalhou na Rede Globo, cujo fundador e proprietário, Roberto Marinho, não só apoiou o regime civil-militar como também ele mesmo ganhou concessão pública e fez fortuna no período em que os generais ocuparam o Palácio do Planalto. Tal como Sílvio Santos Roberto Marinho continuou a fazer fortuna sob as asas da democracia. E sob os governos petistas a Globo, já sob o comando dos filhos dele, foi de longe a emissora que mais recebeu verba publicitária do governo federal. Apenas sob Bolsonaro é que a verba publicitária da Rede Globo foi reduzida, voltando a aumentar no terceiro governo Lula.
Pois bem, enquanto trabalhou na emissora do clã Marinho
Pedro Cardoso nunca se incomodou com isso e só foi começar a criticar o
fundador do Grupo Globo após sair do mesmo. Portanto, Pedro Cardoso, eu só lhe
digo uma coisa: menos, menos. Acho que você, depois dessa, precisa colocar um
sapato na boca e baixar um pouco a bola.
Fontes:
Globo é quem mais recebeu verba publicitária de governos
petistas. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/globo-e-quem-mais-recebeu-verba-publicitaria-de-governos-petistas-f28f
Lula declara apoio a Macron para derrotar “extrema direita”
e “discurso de ódio”. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/22/lula-declara-apoio-a-macron-para-derrotar-extrema-direita-e-discurso-de-odio
Pedro Cardoso critica homenagens a Sílvio Santos:
“abusadores do Brasil”. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/pedro-cardoso-critica-homenagens-a-silvio-santos-abusadores-do-brasil,83e2b6d707bf0ff648c415b51ab2e1eboxm936vk.html
Publicidade Federal – Globo recebeu R$ 6,2 bilhões dos
governos Lula e Dilma. Disponível em: https://nucleopiratininga.org.br/publicidade-federal-globo-recebeu-r-62-bilhoes-dos-governos-lula-e-dilma/
Silvio Santos apoiou todos os presidentes e se dizia “office
boy de luxo do governo”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/silvio-santos-apoiou-todos-os-presidentes-e-se-dizia-office-boy-de-luxo-do-governo/