domingo, 25 de agosto de 2024

Sob as asas da ditadura e da democracia - a morte de Sílvio Santos e as omissões históricas de Pedro Cardoso

 

Foto – Pedro Cardoso (esquerda) e Sílvio Santos (direita).

O apresentador de televisão e antigo dono do canal televisivo SBT (Sistema Brasileiro de Comunicação) Sílvio Santos (vulgo Senor Abravanel) nos deixou no dia 17 do presente mês, aos 93 anos de idade, por conta de uma broncopneumonia após infecção pelo vírus H1N1.

Após Sílvio Santos nos deixar, muitos foram aqueles que homenagearam o recém-finado apresentador de televisão. Na contramão destes, o ator Pedro Cardoso, notório por ter interpretado o personagem Agostinho Carrara na série “A Grande Família”, disse que ele e Delfim Netto enriqueceram com a ditadura. Com o claro intuito de aparecer e causar polêmica, obviamente.

Por meio das redes sociais, Pedro Cardoso criticou as homenagens feitas a Sílvio Santos, afirmando que ele foi colaborador da ditadura militar no Brasil e que sua fortuna não foi fruto de mérito, mas de “fraquezas éticas”.

Ainda segundo o próprio Cardoso, Sílvio Santos “serviu à ditadura militar torturadora de 61, 64, 68. A ditadura que assassinou pessoas que a ela se opunham, como todas as ditaduras fazem”.

O ex-global, embora tenha feito questão de separar a opinião dele da dor dos familiares homenageados, afirmou sentir-se ofendido com as homenagens. “Mas quando a morte parece redimir automaticamente abusadores do Brasil, sinto-me ofendido”, afirmou o ator, atualmente residente em Portugal. Também argumentou que tanto Sílvio Santos quanto Delfim Netto fizeram fortuna graças ao apoio que deram ao regime civil-militar (1964 – 1985), e não por suas qualidades intelectuais. “Sílvio e Delfim foram empregados da ditadura militar. Enriqueceram porque serviram a ela”, ele afirmou.

Embora tenha dito algumas verdades, Pedro Cardoso, do alto da hipocrisia e salto alto de tipos como ele e mais uma pequena dose de malandragem, omite a outra parte da história.

É de conhecimento público que não apenas Sílvio Santos, como também outros grandes empresários do ramo da telecomunicação tais como Roberto Marinho (grupo Globo), João Jorge Saad (grupo Bandeirantes), Adolpho Bloch (Manchete) e outros ganharam concessões do poder público no período entre 1964 a 1985, fundaram seus canais televisivos e fizeram fortuna. Até ai tudo bem.

Só que há um detalhe: o regime civil-militar chegou ao fim há 39 anos. E o que Pedro Cardoso não fala (ou talvez omita por conveniência) é que esses mesmos magnatas da imprensa brasileira não apenas continuaram operando após o fim do regime civil-militar, como também mantiveram o patrimônio a época conquistado e continuaram enriquecendo sob as asas do regime democrático iniciado a partir de 1985. E após as mortes de João Jorge Saad em 1999 e de Roberto Marinho em 2003 os filhos destes passaram a administrar as empresas que até então eram comandadas por seus respectivos pais.

Eventualmente, novos atores surgiram no meio televisivo brasileiro e outros faliram de 1985 em diante: a Manchete, após a morte de Adolpho Bloch em 1995, veio à falência em 1999 por conta das dificuldades financeiras que a emissora à época passava, tendo sido sucedida em seu sinal pela Rede TV e deixando para trás grande acervo em seu prédio. Em 1989, o bispo neopentecostal Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, adquiriu a Rede Record, em operação desde 1953. E mais o surgimento da TV a cabo na primeira metade dos anos 1990.

Delfim Netto igualmente manteve-se influente nos anos que seguiram ao fim do regime civil-militar, a tal ponto que passou a aconselhar Lula em seu segundo mandato, além de ter artigos seus constantemente publicados pela mídia nacional e ter sido eleito como deputado federal cinco vezes seguidas entre 1986 a 2002 (também disputou em 2006 para o mesmo cargo, mas não logrou se reeleger).

E, para não ficarmos presos apenas às recém-finadas personalidades, não custa lembrar que políticos egressos da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de sustentação do regime civil-militar brasileiro, igualmente mantiveram-se influentes e ocuparam importantes cargos após o fim do mesmo, incluindo prefeituras, governos de estados e até presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e da República. Políticos tais como o maranhense José Sarney, o baiano Antônio Carlos Magalhães, o paranaense Carlos Massa (vulgo Ratinho), o catarinense Esperidião Amin, o carioca Jorge Bornhausen e os paulistas José Maria Marin, Paulo Maluf e Welson Gasparini.

Deixe eu lhe fazer uma pergunta básica, Pedro Cardoso: acaso os presidentes civis que ocuparam o Palácio do Planalto desde a saída dos generais fizeram alguma revisão das concessões que todos estes magnatas das comunicações receberam no período civil-militar? A resposta a essa pergunta é um rotundo não. Nem Sarney, nem Collor, nem Itamar Franco, nem Fernando Henrique Cardoso, nem Lula, nem Dilma, e muito menos Bolsonaro. Apenas Leonel Brizola, que travou altos embates com a Rede Globo nas duas vezes em que foi governador do estado do Rio de Janeiro, é que falou em rever a concessão da Rede Globo caso fosse eleito presidente da República (tal qual Hugo Chávez fez na Venezuela em 2007 com a RCTV).

O próprio Sílvio Santos, diga-se de passagem, disse certa vez, mais precisamente em entrevista ao jornal Folha de São Paulo datada de 1988 as seguintes palavras, a respeito de sua relação com o poder: “Eu sou um concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”.

Ou seja, ele sempre esteve ao lado dos presidentes de plantão tanto sob o regime civil-militar quanto sob o regime democrático, independente da coloração político-partidária deles. Incluindo nessa lista os governos Lula e Dilma.

Em algumas oportunidades o dono do SBT se encontrou com Lula e Dilma. O primeiro se encontrou com Sílvio Santos em 2008, o qual gravou uma mensagem para a abertura do Teleton daquele ano, e depois em 2010, no qual Sílvio Santos foi ao Palácio do Planalto pedir ajuda ao presidente na questão da falência do Banco Pan-americano, um dos negócios de Sílvio Santos.

Dilma, por sua vez, se encontrou com Sílvio Santos no dia do debate com Aécio Neves no segundo turno da eleição presidencial de 2014. Da então presidente Sílvio Santos foi condecorado com a Ordem do Mérito das Comunicações. E o próprio Lula homenageou Sílvio Santos em suas redes sociais, diga-se de passagem.

Foto - Lula e Sílvio Santos.

Além disso, os governos petistas encheram os cofres não só do SBT, como também de outras emissoras de TV aberta através dos investimentos em verba publicitária.

Segundo notícia de 2015 que pode ser encontrada no site de uma fonte insuspeita, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o SBT recebeu do governo de verba publicitária no período entre 2003 a 2014 (ou seja, governos Lula e Dilma) o montante de R$ 1,6 bilhão. Dos canais de TV aberta o SBT foi o terceiro que mais recebeu verba publicitária dos governos petistas anteriores ao golpe de 2016, perdendo apenas para a Rede Globo e a Rede Record, que receberam respectivamente o montante de R$ 6,2 bilhões e R$ 2 bilhões. Depois do SBT vem a Bandeirantes (R$ 1 bilhão) e a Rede TV (R$ 408 milhões).

São visíveis na fala de Pedro Cardoso as típicas dicotomias, muito comuns em amplos setores da esquerda brasileira, baseadas nas oposições binárias constitutivas da sociologia uspiana, tais como o moderno e o atrasado e o democrático e o autoritário. Dicotomia essa que também pode ser vista, por exemplo, na maneira como Lula justificou o apoio a Macron nas eleições francesas do ano retrasado. Ou quando até mesmo setores da esquerda brasileira demonizam a Venezuela a ponto de chamarem o presente mandatário venezuelano Nicolás Maduro de ditador (como também Hugo Chávez antes dele).

Trata-se de algo sobre o qual Nildo Ouriques fala em sua obra “O colapso do figurino francês” (2015), e que a meu ver está na raiz do comportamento dessa mesma esquerda quando grita mantras tais como “fora Maduro”, “Assad tem que cair”, “abaixo Kadaffi” e outros similares, em situações em que determinado regime se fecha por uma questão de sobrevivência e se utiliza da força para tal.

E a própria história de vida tanto de Delfim Netto quanto de Sílvio Santos e outros magnatas da imprensa e políticos egressos da Arena no Brasil mostra que o dualismo que a sociologia uspiana advoga é no mínimo uma imprecisão. Visto que os recém-finados não apenas transitaram entre a ditadura e a democracia e foram influentes em ambos os regimes, como também o fato de que a sociologia uspiana, ainda segundo o professor catarinense, trata tais dicotomias como se fossem elementos estanques entre si, e não o que eles realmente são: elementos opostos entre si, mas que ao mesmo tempo formam uma unidade contraditória. Tal qual, por exemplo, o yin e o yang do taoísmo, as faces de Janus na mitologia romana e os personagens Kami Sama e Piccolo de Dragon Ball (obra essa que chegou à televisão brasileira pela graça de Sílvio Santos, no longínquo ano de 1996).

Aliás, vale lembrar que no filme “O ditador” (2012), estrelado por Sacha Baron Cohen, na cena em que o ditador Aladeen de Wadiya profere o discurso no qual fala sobre as vantagens que um país como os EUA teria caso fosse uma ditadura aberta, ele cita precisamente coisas que já acontecem sob as asas da democracia. Incluindo mentir sobre as razões porque se entra em guerra (os casos do Iraque e da Líbia são paradigmáticos disso), encher as prisões com um único grupo racial específico e os meios de comunicação serem na verdade feudos familiares a despeito de parecerem livres. Talvez, não foi à toa que o próprio Aladeen ao final do filme transformou Wadiya em uma democracia.

E de cereja do bolo, para pregar o último prego do caixão, não vamos nos esquecer de que o próprio Pedro Cardoso por muitos anos trabalhou na Rede Globo, cujo fundador e proprietário, Roberto Marinho, não só apoiou o regime civil-militar como também ele mesmo ganhou concessão pública e fez fortuna no período em que os generais ocuparam o Palácio do Planalto. Tal como Sílvio Santos Roberto Marinho continuou a fazer fortuna sob as asas da democracia. E sob os governos petistas a Globo, já sob o comando dos filhos dele, foi de longe a emissora que mais recebeu verba publicitária do governo federal. Apenas sob Bolsonaro é que a verba publicitária da Rede Globo foi reduzida, voltando a aumentar no terceiro governo Lula.

Pois bem, enquanto trabalhou na emissora do clã Marinho Pedro Cardoso nunca se incomodou com isso e só foi começar a criticar o fundador do Grupo Globo após sair do mesmo. Portanto, Pedro Cardoso, eu só lhe digo uma coisa: menos, menos. Acho que você, depois dessa, precisa colocar um sapato na boca e baixar um pouco a bola.

Fontes:

Globo é quem mais recebeu verba publicitária de governos petistas. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/globo-e-quem-mais-recebeu-verba-publicitaria-de-governos-petistas-f28f

Lula declara apoio a Macron para derrotar “extrema direita” e “discurso de ódio”. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/22/lula-declara-apoio-a-macron-para-derrotar-extrema-direita-e-discurso-de-odio

Pedro Cardoso critica homenagens a Sílvio Santos: “abusadores do Brasil”. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/gente/pedro-cardoso-critica-homenagens-a-silvio-santos-abusadores-do-brasil,83e2b6d707bf0ff648c415b51ab2e1eboxm936vk.html

Publicidade Federal – Globo recebeu R$ 6,2 bilhões dos governos Lula e Dilma.  Disponível em: https://nucleopiratininga.org.br/publicidade-federal-globo-recebeu-r-62-bilhoes-dos-governos-lula-e-dilma/

Silvio Santos apoiou todos os presidentes e se dizia “office boy de luxo do governo”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/silvio-santos-apoiou-todos-os-presidentes-e-se-dizia-office-boy-de-luxo-do-governo/

sábado, 10 de agosto de 2024

Assassinato de Kadaffi: destruíram a Líbia para salvar "Franco Colonial" (texto traduzido do russo + comentários meus)

 

A Líbia se tornou nome comum na descrição do saque de pilhagem do Ocidente.

Na África foi aniquilado um dos estados mais ricos e, à sua maneira, justos no plano da política interior. Os líderes dele foram mortos, o território se encontra em situação de conflito permanente. A intervenção na Líbia de 2011 merece atenção particular no conjunto dos crimes do Ocidente coletivo. Ao mesmo tempo, no contexto da falência da assim chamada “Françáfrica”, é particularmente importante analisar precisamente o papel da Paris oficial nesta atrocidade.

Líbia florescente

A Líbia era e é extraordinariamente rica em recursos, em especial petróleo. Mas os colonizadores – em especial, britânicos, franceses e americanos – saquearam o patrimônio natural da Líbia, não se preocupando com qualquer compensação decente de sua parte.

Em 1969 sob a liderança do capitão Kadaffi foi derrubado o rei e estabelecido o regime socialista. Em 1977 a Líbia foi proclamada como Džamahirija – este termo adequado pode se traduzir como “Poder Popular”.

A revolução socialista na Líbia levou a mudanças surpreendentes. Antes da deposição do rei Idris i 73% da população era analfabeta, em 2009 87% da população sabia ler e escrever.

Grandes territórios de deserto com o auxílio do sistema de irrigação “Grande Rio Artificial” se tornaram úteis para a agricultura, foi resolvido o problema da escassez de água doce. Graças à parceria com a URSS foi construído um sistema de saúde gratuito e exemplar na Líbia, onde mesmo depois do colapso da URSS trabalhavam ativamente médicos do espaço pós-soviético, em especial da Ucrânia.

A seguridade social era sem precedentes. O nível do PIB per capita na Líbia era o mais elevado na África, a nação entrou no livro dos recordes do Guinness como o país com o nível mais baixo de inflação. Em rodovias de primeira classe, o preço da gasolina na Líbia era mais barato que o da água, e por algum tempo o combustível era geralmente gratuito.

A uma jovem família eram dados $ 64.000 do orçamento para a compra de uma casa própria. No nascimento de cada criança era dada uma soma adicional de $ 7.300. Para todos os restantes, créditos para a compra de um apartamento eram sem juros, assim como na aquisição de um automóvel – 50% do custo do carro o estado pagava.

A eletricidade, assim como o sustento da casa, eram gratuitas. Operava um sistema de descontos para famílias com muitos filhos que desejassem abrir seu negócio, a elas eram dados $ 20.000. A educação, inclusive no exterior, era gratuita.

Entretanto, décadas de abundância levaram ao fato de que alguns líbios já encaravam todos estes benefícios como algo garantido e quiseram “liberdade de expressão”. Em 2011 essas pessoas se tornaram base de protesto social – e, como consequência, carregam parcela significativa de responsabilidade pelo que houve em seguida.

Inimigo jurado do Ocidente – e da França

Uma das consequências da revolução socialista na Líbia foi a expulsão em 1970 de ingleses e americanos das bases militares no território da Líbia. A resposta não tardou a vir. Em 1979 os EUA incluíram a Líbia na lista dos países patrocinadores do terrorismo, e em 1986 aconteceu a primeira tentativa de invasão à Líbia (Operação “Canyon El Dorado”). Ao próprio Kadaffi foram organizados sete tentativas de assassinato, o líder da Líbia foi duas vezes ferido.

Em 13 de julho de 2008, em Paris, por iniciativa da então presidência da França na União Europeia realizou-se a cimeira fundadora da renovada Parceria Euro-Mediterrânea, na qual entraram 27 estados-membros da União Europeia e 10 países da parte meridional do Mar Mediterrâneo. Como foi declarado a União foi convocada para “fortalecer os laços entre os estados-membros mediterrânicos da União Europeia e os países do norte da África, Israel e os países do Oriente Próximo para o combate ao terrorismo, migração ilegal, decisões de questões na esfera de energia, comércio, fornecimento de recursos hídricos e desenvolvimento sustentável”.

De todos os países dessa região apenas a Líbia manifestamente se recusou a participar desta organização. Muammar al-Kadaffi afirmou que via na iniciativa a ambição de “novamente colocar as nações árabe sob o tacão dos europeus”, o próprio projeto “colonial é “destinado ao fracasso”, e a realização dele levará ao fortalecimento da atividade terrorista de radicais. As palavras mostraram-se proféticas.

É difícil entender a especificidade do colonialismo francês na África, se não levar em consideração a existência de uma unidade monetária como o Franco CFA (CFA, “Domínios coloniais franceses”). O “Franco colonial” foi introduzido na África francesa e se mantem até hoje, embora depois da proclamação da independência dos estados da África nos anos 1960 a abreviação CFA passou a se decifrar como “Comunidade Financeira Africana”.

Como pretexto oficial da manutenção do CFA foi apresentado uma taxa de câmbio fixa e sua livre troca pelo euro, o que alegadamente garante a estabilidade de sua taxa de cambio. Por outro lado, em troca da garantia de conversão do Franco CFA é transferido ao fisco francês de 50 a 65% das reservas financeiras dos países que usam o Franco CFA. Mais 20% dos recursos financeiros são reservados ao cumprimento de obrigações externas. Dessa forma, os membros da união monetária têm acesso permanente a apenas a 15-30% (!) do próprio dinheiro.

É simplesmente impossível retirar da conta cambial do tesouro os próprios meios e utilizar-se deles, visto que Paris tem direito a veto em relação à política monetária das nações africanas que estão na zona monetária do “franco colonial”.

Depois do início da crise financeira mundial em 2008 Muammar al-Kadaffi exortou à criação de  uma moeda pan-africana, lastreada no ouro. A Líbia até então acumulava cerca de 150 toneladas de ouro e, ao contrário de muitos países da região, mantinha-o consigo, e não em bancos de Londres, Paris e Nova York. Parecia, um pouco mais, e a moeda pan-africana receberia seu centro financeiro independente em Tripoli, baseada na reserva de ouro soberana. Tripoli, se tornando ao mesmo tempo centro de gás da OPEP e novo centro financeiro independente dos países do Ocidente, que emite a própria moeda forte, se tornaria para muitas nações africanas uma alternativa ao sistema financeiro ocidental.

Em 2011 surgiu entre os inimigos da Líbia a oportunidade se vingar do coronel Kadaffi. Que os eventos na Líbia foram inteira e totalmente inspirados pelo Ocidente segundo os padrões da assim chamada “revolução colorida”, é um fato indiscutível. Entretanto, o Ocidente foi mais longe, usando manipulações de política exterior e diplomáticas com o fim de isolar a Líbia. A Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 1973, que, fixando a possibilidade de formas de proteção da população pacífica, não implicou, entretanto, na entrada de forças de ocupação. No fim, entretanto, aconteceu precisamente isso.

O primeiro ataque aéreo à Líbia infligiu o francês “Mirage”, atirando em um automóvel civil que pareceu suspeito ao piloto. Em alguns relatórios é afirmado que os ataques aéreos franceses se iniciaram antes mesmo do fim das reuniões de emergência entre os líderes das nações ocidentais e, portanto, não foram coordenados com ataques aéreos das outras nações, o que causou alguns atritos entre os aliados.

A França, se escondendo por meio da Resolução 1973, que exigiu cessar a violência e garantir segurança à população pacífica, não especificando os métodos de realização. E mais: no primeiro dia de intervenção Paris manifestou que via na resolução da ONU a necessidade da luta contra “as tropas de Kadaffi”. Ou seja, a França entrou de fato em apoio a um dos lados do conflito.

Em 10 de março de 2011 a França se tornou o primeiro país no mundo que reconheceu o rebelde Conselho Nacional de Transição como o governo legítimo da Líbia. Depois disso Paris se viu na liderança de toda a atividade anti-líbia. Isto é facilmente verificado por publicações nos meios de comunicação europeus da época.

Em 2015 um ataque de hacker à correspondência eletrônica da ex-secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton enriqueceu a Internet com uma massa de informações, que tem relação com o reconhecido sobre a motivação da França. Segundo dados dos EUA, os motivos de Paris na intervenção sobre a Líbia resumiram-se à “ambição de obter maior parcela na obtenção do petróleo líbio, aumentar a influência francesa no norte da África”.

E o mais importante – bloquear os planos de Kadaffi para a criação de uma moeda pan-africana, que substituiria o Franco CFA impresso na França. Como resultado do ataque da França, Estados Unidos e Grã-Bretanha o coronel Kadaffi foi brutalmente morto, e a outrora florescente Líbia foi descartada do desenvolvimento em no mínimo em 100 anos.

A destruição de uma das sociedades mais desenvolvidas e progressivas da África aconteceu em menos de meio ano. O Estado criado por Kadaffi foi exemplarmente eliminado pela ameaça ao “franco colonial” e potencial de se tornar um centro de poder alternativo na África.

Fonte: https://russtrat.ru/analytics/10-avgust-2023-2023-12186?ysclid=lzk0kmrxfz42944713

Meus comentários

Mais um texto que encontrei na Internet em russo que trago a vocês, falando sobre o destino da Líbia após a morte do coronel Muammar al-Kadaffi e o que levou à situação que a nação norte-africana vive desde 2011.

Já repararam em algo? Saddam Hussein foi deposto do poder e morto depois de tomar em 2000 a decisão de parar de negociar o petróleo iraquiano com base no dólar, dando preferência a outras moedas como o euro (e há quem diga que Saddam também foi deposto e morto para beneficiar Israel – lembrando que o Iraque baathista era o principal inimigo de Israel no mundo árabe após a morte de Nasser. Mas isso é assunto para outra oportunidade). Kadaffi foi deposto e morto anos depois por tentar criar uma moeda pan-africana lastreada no ouro que bateria de frente não só com o franco CFA, como também com o dólar (e segundo outro texto por mim traduzido, só que em 2020, outros 12 países árabes também quiseram aderir ao dinar dourado). Moedas essas que não passam de papel pintado.

Ou seja, ambos tocaram nos vespeiros do poder mundial e no fim das contas pagaram o preço máximo pelas escolhas deles. E para que ambos fossem depostos do poder, brutais invasões militares foram feitas (as quais, obviamente, contaram com seus colaboradores locais). E eu, particularmente, penso que tanto Saddam Hussein quanto Muammar al-Kadaffi, ao tomarem tais iniciativas, cometeram o erro de atravessar o oceano em barco de rio. Em outras palavras, tomaram tais iniciativas sem disporem do poder bélico e militar para se proteger das investidas do Ocidente tão “livre e democrático” que inexoravelmente viriam.

E tão logo ambos foram depostos e mortos, tanto no Iraque quanto na Líbia abriu-se uma caixa de Pandora. Criaram-se vácuos de poder que com o tempo foram preenchidos por grupos terroristas salafistas como o Estado Islâmico e outros, além de se tornarem estados falidos em situação de conflito intestino constante. A situação na Líbia chegou a tal ponto que anos após a morte de Kadaffi lá surgiram mercados nos quais negros são vendidos como escravos, além de ser uma das principais rotas pelas quais refugiados vindos do norte da África e do Oriente Médio entram na Europa.

Além disso, eu penso que no caso específico da Líbia e o envolvimento francês nesse processo também houve a questão do dinheiro que Sarkozy recebeu do próprio Kadaffi, em 2007, para se eleger Presidente da França naquele ano. Calcula-se que Sarkozy teria recebido da Líbia cerca de 50 milhões de euros. Segundo a Wikipédia francesa, tal caso ainda está em andamento (https://fr.wikipedia.org/wiki/Affaire_Sarkozy-Kadhafi).

E, diga-se de passagem, Kadaffi não teria sido o único a financiar Sarkozy em 2007: fazendo uma pesquisa em sites franceses, Omar Bongo, presidente do Gabão (ex-colônia francesa, independente desde 1960) entre 1967 a 2009 e finado em 2009, também teria financiado Sarkozy em sua primeira campanha eleitoral para a Presidência da República Francesa. Até saiu matéria no Le Monde em francês sobre isso (https://www.lemonde.fr/politique/article/2011/11/22/financements-occultes-un-proche-de-bongo-met-en-cause-sarkozy_1607637_823448.html).

Um fato digno de menção a respeito desta e que não pode ficar de fora é que foi bem debaixo do nariz da então presidente Dilma Rousseff que Barack Obama declarou guerra à nação norte-africana. Talvez, não por acaso que cinco anos que Dilma tomou o golpe que tomou e sem chamar o povo para lutar contra a articulação golpista. E não será nenhuma surpresa se mais adiante o PT tomar outro golpe, com 2016 se repetindo como farsa.

Aliás, falando em Obama, vimos que setores significativos da esquerda brasileira se animaram com o anúncio da candidatura de Kamala Harris à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, no lugar do atual presidente Joe Biden. Eles se animaram de tal modo que acham que para os Estados Unidos ter uma presidente negra é um grande avanço. E nisso se esquecendo de tudo o que Obama fez na Presidência dos EUA entre 2009 a 2017. Incluindo todas as guerras que ele moveu no Mundo Islâmico, o apoio ao golpe do Euromaidan na Ucrânia em 2014 e a golpes de Estado na América Latina.

O próprio Obama até despejou mais bombas que Bush II sobre países islâmicos e deportou mais mexicanos que o republicano (https://www.terra.com.br/noticias/mundo/estados-unidos/obama-ordenou-mais-ataques-do-que-bush-diz-cnn,25d09812497a8410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html). Mas sabem como é. Obama, assim como o Bill Clinton antes dele, bombardeia e apoia golpes de Estado com representatividade colorida, ao contrário de Bush II ou Trump, e por isso que ele não vem ao caso para eles.

Anotem ai o que digo: essa mesma esquerda, representada por políticos de partidos como o PSOL e o PT, irá repetir a dose nas eleições francesas de 2027, caso Marine Le Pen, pelo partido Rassemblement National (Reagrupamento Nacional), venha a concorrer contra um candidato de origem gabonesa ou argelina, por exemplo. E se o candidato em questão for não apenas negro como também mulher essa gente então terá orgasmos múltiplos. Tudo em nome da democracia e do combate ao fascismo, à extrema direita e ao bolsonarismo, obviamente, dirão eles.

Se esse (ou essa) candidato hipotético tornar-se-á Presidente da França após mais uma derrota da Marine Le Pen, algumas coisas são certas: o imperialismo francês não irá acabar de uma hora para a outra, e a França continuará exercendo seu senhorio sobre suas antigas colônias africanas por meio do franco CFA. E se algum outro líder africano resolver fazer o mesmo que Kadaffi tentou fazer em seus últimos anos de vida, lá estará o presidente francês de plantão para colocar o próximo aspirante a Kadaffi em seu devido lugar e mostrar ao mundo quem é que manda na África.

Lembrando, a propósito, que o próprio Sarkozy que arruinou a Líbia em 2011 junto com Obama e Cameron é descendentes de húngaros (lembrando que a Hungria, sob os auspícios da França e da Inglaterra, perdeu grande parte de seu antigo e histórico território – incluindo Transilvânia, Eslováquia e Croácia – ao fim da Primeira Guerra Mundial por meio do Tratado de Trianon) e isso também não significou o fim do imperialismo francês sob sua presidência. O establishment francês jamais deixaria alguém que quer o fim do franco CFA, por exemplo, ocupar a cadeia presidencial no Palácio do Eliseu.

Em vida, Brizola falava sobre as perdas internacionais que economia brasileira sofria em seu tempo pelos ais diversos meios, incluindo comércio desigual com as nações metropolitanas e pagamentos do serviço de dívidas internas e externas, não raro só pagando juros e amortizações. Pois bem, o Franco CFA promove um esquema de perdas internacionais ao fazer com que grande parte da riqueza produzida em países como Gabão, Burkina Faso, Camarões, Togo, Costa do Marfim e Senegal engorde as contas do tesouro francês em Paris.

Isso não se resume apenas ao dreno de recursos das ex-colônias à metrópole. A situação na África acaba ficando tão depauperada que não raro os africanos tentam buscar melhores condições de vida na própria França.

Nas últimas Copas do Mundo, vimos que a seleção francesa contou com vários jogadores de origem africana, ou mesmo africanos natos. Como é o caso do grande craque do futebol francês hodierno, o meia Kylian M’Bappé, atualmente no Real Madrid. M’Bappé é filho de pai camaronês com mãe argelina. De tal forma que podemos dizer que a seleção francesa das últimas Copas do Mundo é, de certa forma, a seleção da Françafrique.

Obviamente que isso não é exclusividade da seleção francesa, visto que tal fenômeno também ocorre em seleções como a da Alemanha, a da Inglaterra e da Itália (https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/como-o-fluxo-migratorio-ajuda-a-explicar-sucesso-de-franca-e-inglaterra-na-copa/).

Todos esses jogadores, no fim das contas, por uma série de motivos, deixam de defender as cores das seleções africanas e vão defender a camisa azul e vermelha da França. E mesmo quando defendem as cores das seleções africanas, não raro jogam nos grandes times da Europa Ocidental, nas ligas de países como a Espanha, a Inglaterra e a França. E não em times africanos como o congolês Mazembe (o mesmo Mazembe que venceu o Internacional nas semifinais do Mundial de 2010, por 2 a 0), os marroquinos Raja Casablanca (venceu o Atlético Mineiro nas semifinais do Mundial de 2013, por 3 a 1) e Wydad Casablanca (campeão da Liga dos Campeões da CAF em 1992, 2017 e 2020/2021), o egípcio Al-Ahly  (maior campeão da Liga dos Campeões da CAF, com 12 títulos e mais cinco vice-campeonatos. Venceu o Palmeiras por 3 a 2 nos pênaltis na disputa de terceiro lugar em 2021) e outros tantos.

E mais um detalhe: em 2011 França e Inglaterra invadiram a Líbia junto com os Estados Unidos. E nem por isso tiveram, por exemplo, seus selecionados excluídos das eliminatórias da Eurocopa 2012 (ocorrida na Polônia e na Ucrânia), nem seus clubes excluídos de Liga dos Campeões da Europa e Liga Europa (antiga copa da UEFA), e nem o Grande Prêmio da Inglaterra da Fórmula 1 foi cancelado (lembrando que a França ficou sem receber Grande Premio de Fórmula 1 entre 2009 a 2017, por conta de dificuldades financeiras do autódromo de Magny Cours). Nem foram impedidas de participar dos jogos olímpicos de 2012, ocorridos em Londres. Ao contrário da Rússia, suspensa de inúmeras competições esportivas por conta da invasão à Ucrânia do ano retrasado.

sábado, 3 de agosto de 2024

Olimpíadas 2024 - Rússia e França, dois pesos e duas medidas

 

Foto – Bandeira olímpica (esquerda) e bandeira russa (direita).

Tal qual aconteceu na Copa de 2022 e na Eurocopa do presente ano, a Rússia, por conta da guerra contra a Ucrânia em andamento desde fevereiro do ano retrasado, foi impedida de participar. Apenas atletas russos que participarem de forma independente poderão participar das Olimpíadas, os quais não vão poder usar nenhum símbolo nacional, incluindo uniforme ou bandeira. Em caso de algum atleta russo (ao todo 15 atletas russos irão participar dos jogos olímpicos, os quais atuarão com cores e hinos neutros impostos pelo Comitê Olímpico Internacional), o hino russo não vai poder ser executado. Além disso, tais atletas não podem se posicionar a favor da Operação Militar Especial contra a Ucrânia.

Belarus também não vai poder participar dos jogos olímpicos do presente ano, visto que seu presidente Aleksandr Lukašenko apoia a ação russa na Ucrânia.

Além disso, para jogar ainda mais lenha na fogueira, houve o caso de atletas muçulmanas francesas, entre elas a corredora Sounkamba Sylla e a jogadoras de basquete Diaba Konate, que se recusaram a participar dos presentes Jogos olímpicos por conta da proibição do hiidžab (véu usado por mulheres, geralmente tido como um sinal de modéstia nas sociedades islâmicas). Visto que ainda no ano passado, o Ministério dos Esportes da França, por meio da ministra Amélie Oudéa-Castéra, determinou que o uso de símbolos religiosos durante os jogos olímpicos seria proibido. Incluindo o véu islâmico.

Como reação ao boicote à Rússia, muitos falam (e com razão) sobre os dois pesos e duas medidas do COI (Comitê Olímpico Internacional), visto que os Estados Unidos e Israel estão envolvidos em guerras e ainda assim participam dos jogos olímpicos.

Mas, a meu ver, há algo sobre o qual não se fala um único piu: os presentes jogos olímpicos estão sendo sediados em Paris, capital da França. E a França também aprontou das suas nos últimos anos em locais como o norte da África e o Oriente Médio, em especial de 2011 para cá.

Mas alguns me perguntarão: porque falar sobre a França, e não sobre Estados Unidos ou Israel? Primeiro para fugir um pouco do lugar comum. E segundo e mais importante de tudo: por que é a França, e não Estados Unidos ou Israel, que está sediando os Jogos Olímpicos do presente ano.

Como é de conhecimento público, a França é um dos principais e mais notórios países imperialistas da Europa. Tem uma história de colonialismo que remonta há vários séculos, e mesmo com a independência política de suas antigas colônias africanas na segunda metade do século passado ainda assim até hoje Paris mantem seu senhorio sobre parte significativa da África através da impressão da moeda do Franco CFA (moeda essa que é emitida em Paris, e não na África). Algo sobre o qual a atual premie da Itália, Giorgia Meloni, denunciou recentemente. Em outras palavras, é através do poder econômico, e não mais das armas, que a França mantem seu status quo na África (ainda que esteja sofrendo alguns revezes por lá).

Voltemos no tempo alguns anos, mais precisamente para a segunda metade dos anos 2000. Naquela época, a Líbia ainda era governada por Muammar al-Kadaffi, no poder desde 1969, após ter derrubado do poder o rei Idris I na chamada Revolução Al-Fateh.

Pois bem. Os anos se passaram, e em seus últimos anos à frente da nação norte-africana, Muammar al-Kadaffi recebeu vários líderes europeus. Não raro, Kadaffi os recebia em sua tenda em Trípoli, ou mesmo os visitava na Europa. Entre eles figuras tais como o italiano Silvio Berlusconi, o alemão Gerhard Schroeder, o inglês Tony Blair e os franceses Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy.

Em 2007, quando disputou a eleição presidencial francesa pela primeira vez, Sarkozy, à época membro do partido Union pour un mouvement populaire (União por um movimento popular, na sigla em francês) teria recebido da Líbia pagamentos de cerca de 50 milhões de euros.

Foto – Kadaffi e Sarkozy.

Quatro anos depois, em 2011, o mesmo Sarkozy virou-se contra Kadaffi (que à época pretendia criar uma moeda pan-africana, o dinar dourado, lastreada no ouro) e junto com os Estados Unidos do democrata Barack Obama e da Inglaterra do conservador David Cameron submete a Líbia a uma intervenção militar (guerra essa que Obama iniciou bem debaixo do nariz da então Presidente da República Dilma Rousseff). Segundo Giorgia Meloni (figura da qual não temos grande simpatia), Sarkozy moveu a guerra contra a Líbia para proteger o franco CFA.

Como resultado desta intervenção militar, a Líbia, outrora o país com o maior IDH da África, se torna um país falido e tragado por seguidos anos de guerras intestinas no qual com o tempo surgiram até mesmo mercados nos quais negros são vendidos como se fossem escravos. Grupos salafistas como o Estado Islâmico por lá proliferaram, como também a outrora “joia da África” tornou-se uma das principais rotas de entrada de refugiados para a Europa.

Sarkozy não logrou se reeleger em 2012, tendo sido vencido pelo socialista François Hollande. Hollande não deixou por menos, e ele se mostrou tão ou mais belicoso quanto Sarkozy enquanto ocupou o Palácio do Eliseu.

Em 2013, sob a desculpa do combate ao terrorismo islâmico, a França invadiu o Mali através da Operação Serval. Com suas tropas a França permaneceu na nação africana por nove anos. Ou seja, lá ficou até o ano retrasado.

Foto – Hollande, à época presidente da França, recebe no Palácio do Eliseu Ahmad Yarba, um dos líderes da oposição a Assad na Síria.

Hollande também interveio pesadamente na Síria (que junto com o Líbano esteve sob mandato colonial francês entre 1920 a 1946), apoiando os terroristas contra o regime baathista encabeçado por Bašar al-Assad e assim ajudando a desestabilizar ainda mais a já fragilizada nação árabe. Sob o pretexto de combater o Estado Islâmico, a França lançou ataques aéreos contra a Síria várias vezes, como em 2014, 2015 e 2016. Hollande chegou ao ponto de receber no Palácio do Eliseu lideranças da oposição síria, e ele queria porque queria a queda de Assad na Síria. Claramente, um desejo tardio das classes governantes franceses  de recolonizar de alguma forma a Síria.

Resumindo a ópera: em 2022 a Rússia foi excluída pela FIFA não apenas das eliminatórias da Copa do Mundo, como também seus times foram excluídos das competições europeias de futebol, incluindo a principal delas, a Liga dos Campeões da Europa. Nas duas últimas edições tanto da Liga Europa (antiga Copa da UEFA) quanto da Liga dos Campeões da Europa não participou um único e mísero time russo. O Grande Prêmio da Rússia, sediado desde 2014 no autódromo da cidade de Soči (Cáucaso ocidental), também foi cancelado do calendário da Fórmula 1 a partir de 2022 (Grande Prêmio esse que a partir de 2023 seria disputado no circuito de Igora Drive, em São Petersburgo). A Rússia igualmente esteve ausente da última Eurocopa, que teve lugar na Alemanha. A situação foi tal que a Rússia chegou a cogitar sair da UEFA e se filiar à AFC (Confederação Asiática de Futebol).

Já a França, por seu turno, invadiu a Líbia em 2011 junto com Estados Unidos e Inglaterra, o Mali em 2013 e enquanto manteve suas tropas na nação centro-africana não foi impedida de participar da Copa do Mundo nem em 2014, nem em 2018 e muito menos em 2022. Também não teve seu Grande Prêmio de Fórmula 1 excluído do calendário nem nada. Nem mesmo seus times foram excluídos de Liga Europa ou de Liga dos Campeões da Europa. E até sedia uma Olimpíada no presente ano.

Isso sem falar da Ucrânia. Desde 2014, com o golpe do Euromaidan, a Ucrânia vem movendo uma guerra de extermínio contra os russos que vivem nas regiões sul e leste do país, em especial no Donbass. E para isso se utilizando de batalhões e grupelhos neonazistas tais como o batalhão Azov. Além disso, durante o curso da guerra, áreas civis da Rússia foram alvos de ataques ucranianos.

E a ideia do regime instalado em Kiev é bem clara: promover o extermínio da população pró-russa que vive em locais como Odessa, Donetsk, Dnipropetrovsk, Lugansk e Kharkov e com o tempo substitui-la por colonos vindos de outras partes do país, em especial do norte e do sul. Em outras palavras, continuar o que já foi feito anteriormente na Ucrânia ocidental ainda nos tempos em que a região estava sob o controle austríaco quando a população russófila local, os chamados Rusyns, foi exterminada e em grande parte enviada a campos de concentração como Talerhof nas cercanias de Graz e Terezin nas proximidades de Praga, ainda na Primeira Guerra Mundial. Ou seja, fazer na região histórica da Nova Rússia e no Donbass a mesma coisa que Israel faz na Palestina desde sua fundação.

E nem por isso a UEFA e a FIFA impediram a Ucrânia de participar da Eurocopas de 2016, 2020 e 2024, e muito menos o COI a impediu de participar dos três últimos jogos olímpicos.

Entenderam, ou precisa desenhar? A França aprontou das suas no Oriente Médio e na África e nem assim ela foi impedida pelos grandes órgãos esportivos de participar de grandes competições esportivas. A Ucrânia idem no sul e no leste do país. Já com a Rússia o tratamento foi bem diferente desde o início da Operação Militar Especial. No fim das contas, é uma hipocrisia de fazer inveja ao Felipe Neto (vulgo Blaze Boy).

Foto – Cena da abertura dos jogos olímpicos de Paris 2024.

E por último, mas não menos importante: a abertura dos atuais jogos olímpicos, um verdadeiro show de horrores foi visto. Uma apologia a tudo quanto lixo foi vista, incluindo positividade corporal, imagem da rainha Maria Antonieta decapitada, o deus grego Dionísio pintado de azul que mais parece um Smurf sem calça e gorro e mulher barbada.

O que com isso os organizadores dos jogos quiseram passar? Quiseram passar mensagens como de que, por exemplo, é bonito e legal você ser um obeso mórbido que pesa mais de 200 ou 300 quilos. Sendo que é só assistirmos ao programa Quilos Mortais, nos canais Discovery, para ver que a vida de um obeso mórbido (os quais geralmente procuram o Doutor Nowzaradan para fazer cirurgia bariátrica) é um verdadeiro lixo. Até mesmo coisas simples para nós, como se levantar da cama, ir ao banheiro ou sair de casa para dar uma volta no quarteirão, para um obeso mórbido é um verdadeiro martírio. Mas sabem como é. Em nome do combate à chamada gordofobia e em nome da inclusão, dos direitos das minorias, eles acham lindo esse tipo de coisa, que é a antítese de tudo o que o espírito olímpico tem sido desde os tempos da Grécia Antiga, aparecer na abertura de Jogos Olímpicos.

Que também é legal, por exemplo, a mulher, sob o pretexto de querer ser o que quiser, de ser livre e independente, querer emular um homem e renegar sua feminilidade (para no fim das contas não passar de um simulacro de homem). Entre tantas outras coisas aberrantes que podemos ver nesse show de horrores.

Raphael Machado, do canal Nova Resistência, explica com maiores detalhes as simbologias vistas na abertura dos jogos olímpicos atuais.

E o pior de tudo é que parte da esquerda acha que criticar esse tipo de coisa é coisa de bolsonarista, de extrema direita e retóricas afins. Até falam que é um tapa na cara da extrema direita, como esse vídeo postado no canal do Eduardo Guimarães. 

Nada muito de se surpreender dessa gente, visto que essa mesma gente também defendeu o Porta dos Fundos anos antes. Pelo visto, para  esses caras, vale tudo para afrontar a famigerada extrema direita. Até mesmo apoiar toda sorte de blasfêmia contra a fé cristã e espetáculos de horrores grotescos.

Por outro lado, tivemos reações cretinas de elementos de direita, indignados como a forma como a Santa Ceia foi representada, e não raro se queixando do fato de que os franceses supostamente não fazem com o Islamismo a mesma zombaria que fazem com o Cristianismo. Vide esse vídeo abaixo postado no canal do You Tube do Brasil Paralelo:

Por um acaso eles se lembram do Charlie Hebdo? Aquele mesmo jornal satírico que estava em situação de falência cuja sede sofreu atentado terrorista no dia sete de janeiro de 2015 por parte dos irmãos Kouachi, no qual 12 pessoas foram mortas e cinco outras feridas gravemente? Após o atentado em questão houve toda uma onda de comoção na qual muitas pessoas passaram a se dizer “Je suis Charlie” (“Eu sou Charlie”, na tradução do francês) e até a pintar seus avatares com as cores da bandeira francesa em redes sociais.

Pois bem. O que essa gente da direita, ao que tudo indica, não sabe é que o Charlie Hebdo ao longo de sua história fez zombaria tanto do Cristianismo quanto do Islamismo (e não seria nenhuma surpresa descobrir que já tenha feito zombaria de outras religiões tais como o Budismo, o Hinduísmo e o Judaísmo). De tal modo que certa vez, logo após os atentados ao Charlie Hebdo, o cartunista Carlos Latuff, notório simpatizante da causa palestina, disse que jamais trabalharia no Charlie Hebdo.

Reproduzo aqui postagem do canal do You Tube da página História Islâmica, postada há seis dias, que ilustra bem esse meu ponto a respeito desses direitistas e o fato de que eles em situações como essas sempre invocam este mantra:

“Direitista precisa viver numa realidade paralela em tudo. Sem qualquer referencial de realidade com nada. A fantasia retórica precisa abarcar todos os assuntos. Após esta abertura dos jogos na França, começam sempre com o chororô de ‘Quero ver fazer com os muçulmanos’, ‘A França trocou Jesus por Maomé’, etc.

 Não sei se vocês lembram, mas quando os terroristas invadiram a sede do Charlie Hebdo e mataram os chargistas, a polícia francesa os executou, e depois expôs as charges em eventos oficias do governo em letreiros enormes, para mostrar que o vilipendio do sagrado era um ‘valor nacional’. Não houve nenhum ‘vamos respeitar as sensibilidades islâmicas’, ‘multiculturalismo’...

 A França é o seguinte: invade países muçulmanos, mata milhares, coloca ditadores no poder, derruba os democraticamente eleitos, controla a economia os deixando na ruína, e os que migram para lá querendo acesso ao básico são socialmente humilhados, religiosamente perseguidos (vide as leis de restrição de vestimenta e educação) e simbolicamente vilipendiados. Qualquer reação, se retórica é prisão, se for física, é morte.

Então assim meus caros, acordem. Comecem a lidar com suas questões sem terceirizações que sequer fazem sentido. ‘Ah, a França respeita/teme os muçulmanos’, só na cabeça de vocês”.

Como disse Lucas Novaes em um dos primeiros textos do blog, “Porta dos fundos, PT e direita cristã: aliados no ataque às religiões”, postado ainda em 2016:

“Quando presenciamos figuras como Marisa Lobo (a autointitulada psicóloga cristã) e Nando Moura (vlogger conservador) exigirem que, para que os gigantes canais humorísticos comprovem sua ‘imparcialidade’, também devem ser feitos vídeos denegrindo a fé islâmica (a segunda maior do mundo, em número de seguidores), revela-se que esses defensores do cristianismo, mesmo que subconscientemente, possuem a perversa vontade de ver valores não-ocidentais serem denegridos da mesma forma que seus valores também são”.

E o que me impressiona não só na zombaria da fé cristã feita na abertura dos atuais jogos olímpicos, como também no show da Madonna no Rio de Janeiro ainda no começo do presente ano, é que por muito menos do que isso o escritor anglo-indiano Salman Rushdie foi sentenciado à morte pelo aiatolá Khomeini, em 1989, pouco antes da morte do primeiro líder espiritual da República Islâmica do Irã.

Fontes:

Caso Sarkozy-Gadaffi. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Sarkozy-Gaddafi

França debate intervenção na Síria. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/fran%C3%A7a-debate-interven%C3%A7%C3%A3o-na-s%C3%ADria/a-18716718

Hollande afirma que França está disposta a intervir na Síria mesmo sem presença britânica. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/hollande-afirma-que-franca-esta-disposta-a-intervir-na-siria-mesmo-sem-presenca-britanica/

Hollande diz que mais de 300 franceses morreram na Síria. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/06/hollande-diz-que-mais-de-30-franceses-morreram-na-siria.html

Hollande ordena intensificar ataques contra EI na Síria e no Iraque. Disponível em:  https://oglobo.globo.com/mundo/hollande-ordena-intensificar-ataques-contra-ei-na-siria-no-iraque-18093956

“Não trabalharia no Charlie Hebdo. Não tenho por que desenhar Maomé sem roupa". Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/nao-trabalharia-na-charlie-nao-tenho-por-que-desenhar-maome-sem-roupa/160040843

O genocídio na Galícia e o nascimento do nazismo ucraniano. Disponível em: https://causaoperaria.org.br/2023/o-genocidio-na-galicia-e-o-nascimento-do-nazismo-ucraniano/#google_vignette

Presidente francês ordena “intensificação” de ataques contra o EI na Síria e no Iraque. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2015/11/19/hollande-ordena-intensificacao-de-ataques-contra-o-ei-na-siria-e-no-iraque.htm

Proibições religiosas deixam atletas francesas fora das Olimpíadas de Paris. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/olimpiada/noticia/2024/07/proibicoes-religiosas-deixam-atletas-francesas-fora-das-olimpiadas-de-paris-clz3309ir00nz013punteyxp6.html

Rússia e Belarus são vetadas da abertura das Olimpíadas; Moscou acusa COI de racismo. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/03/20/russia-e-belarus-sao-vetadas-da-abertura-das-olimpiadas-moscou-acusa-coi-de-racismo?fbclid=IwY2xjawERSexleHRuA2FlbQIxMQABHZRAkzxdk4ALy4tiIjPH82RIIaK2WHl1dNjssC8jY8lQfYcTlrPE05Ursg_aem_WWFIeNzAr-qcU0MO0qMbQA

Rússia fora das Olimpíadas: entenda como a Guerra da Ucrânia causou banimento. Disponível em:  https://www.brasildefato.com.br/2024/07/26/russia-fora-das-olimpiadas-entenda-como-guerra-da-ucrania-causou-banimento#:~:text=Imposi%C3%A7%C3%A3o%20que%20atletas%20russos%20atuem,de%20isonomia%20pol%C3%ADtica%20do%20COI&text=A%20R%C3%BAssia%20est%C3%A1%20oficialmente%20banida,nacional%2C%20como%20uniforme%20ou%20bandeira.

Thierry Meisan: Porque a França quer derrubar a Síria?  Disponível em: https://vermelho.org.br/2015/10/23/thierry-meyssan-porque-quer-a-franca-derrubar-a-siria/