Foto – Bolsowyllys, as duas faces de
Janus contrapostas entre si: a relação dialética entre a esquerda lacradora e a
direita neocon.
Diante
da possibilidade de Jair Bolsonaro se eleger presidente do Brasil, foram
lançadas na Internet hashtags tais como “#Elenão” e outras similares. Todas
elas na onda do repúdio ao político que outrora era membro do partido de Maluf.
Nessa toada, surgem páginas no Facebook e em outras redes sociais (entre eles a
Mulheres contra Bolsonaro, recentemente hackeada por partidários do político
carioca). O que falar sobre essa campanha? Duas palavras a meu ver muito bem a
define: inútil e inócua.
Primeiro,
que não se faz a crítica correta a Bolsonaro, o filho bastardo do conluio Rede Globo-Operação
Lava Jato e do crescimento da esquerda lacradora no Brasil nos últimos anos.
Não se critica o político carioca por seu receituário econômico neoliberal (que
é inspirado na política econômica de Ronald Reagan nos EUA, a reaganomics), por sua política externa
de atrelamento às grandes potências (no que pode fazer com que o Brasil se
envolva em guerras contra países como a Venezuela e o Irã e em sanções contra a
Rússia e a China a reboque dos EUA. Guerras essas cujo ônus humano invariavelmente
será pago pelo Brasil e não por seus senhores anglo-americanos na forma de
ondas de refugiados buscando asilo), a omissão dele em questões como a
regulação do monopólio dos meios de comunicação (que certamente se voltará
contra ele caso se torne presidente) e a auditoria da dívida pública, entre
outras. Também não se critica Bolsonaro por ter votado a favor do farsesco
impeachment de Dilma, ter se posicionado a favor da entrega do pré-sal, da
reforma trabalhista, do congelamento de gastos sociais por 20 anos e outras das
maldades do governo Temer. Apenas ficam nessas frivolidades sobre o que ele
pensa sobre mulheres, negros, gays, lésbicas e outros. No fim das contas, é
mais uma manifestação da relação dialética entre a esquerda lacradora e a direita
de matiz ideológica neocon.
Segundo, que não é a primeira vez que tal expediente é utilizado na história. Foi assim na eleição
para governador do Estado de São Paulo de 1998, onde os tucanos, liderados por
Mário Covas, utilizaram esse mesmo expediente contra Paulo Maluf. Mais
recentemente, também foi utilizado na França para atacar Marine Le Pen em favor
de Emanuel Macron e nos Estados Unidos pelos democratas para atacar Donald
Trump (vejam em “a birra de Hollywood contra Trump”). Na prática, isso nada
mais é que criar um espantalho para abrir o caminho para que os verdadeiros
demônios cheguem ao poder para fazer maldades ainda piores e desviar a atenção
para qual é a verdadeira ameaça que no ar paira. Haja vista, por exemplo, que o
foram as administrações tucanas no estado de São Paulo com suas privatizações,
arrochos e corrupção colocada para debaixo do tapete (vide trensalão, Dersa e
outros tantos). Que na França o governo Macron está fazendo os mais rígidos
ajustes e ataques ao Estado de bem-estar social francês. E que nos Estados
Unidos atacam Trump ao mesmo tempo em que passam a mão na mesma Hillary Clinton
que, entre outras coisas, comandou a destruição da Líbia junto com Sarkozy e
que riu da morte do coronel Kadaffi em 2011. E se esquecem, por exemplo, que
quem começou a construção do muro na fronteira entre México e Estados Unidos
foi Bill Clinton e que o democrata Barack Obama deportou mais mexicanos que
Bush II (e achar que Trump começou com as separações entre crianças e seus pais
na fronteira é ser no mínimo muito ingênuo).
Foto – Quem votou a favor da PEC 95.
Esse é um verdadeiro motivo para se criticar Bolsonaro, não certas
frivolidades.
Um
que cai nessa esparrela é Leonardo Stoppa, onde ele, em recente vídeo bate na tecla
da ameaça fascista, que é preciso uma união entre as ditas forças democráticas
e chega a citar um episódio (o de número 75, para ser mais exato) de He-Man
onde o He-Man e o Esqueleto unem suas forças para vencer um mal maior, o
demônio Sh’Gora. Com uma esquerda como essa que cai nesses contos do vigário,
quem precisa de direita? Quem precisa de Bolsonaro, de Pinochet, de Macron, de Patria y Libertad e afins?
E,
como era de se esperar, as comparações da ascensão de Bolsonaro com a ascensão
de Adolf Hitler na Alemanha nos anos 1930 se tornaram lugar comum nas redes
sociais da parte dos partidários do “#elenão”. Entretanto, a meu ver a analogia
com Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 a 1989, faz muito
mais sentido. Primeiro pelo fato já citado aqui várias vezes de que Bolsonaro
ideologicamente muito mais próximo estar dos republicanos norte-americanos que
dos nazistas e fascistas europeus dos anos 1920 a 1940. Ou seja, é um sujeito
que veste o figurino do Partido Republicano na Terra Brasilis (de onde será que ele traz pautas como a do
armamento civil?). E segundo que Bolsonaro ascendeu politicamente no Brasil com
o mesmo discurso de Ronald Reagan, que alia o mais demagógico conservadorismo
social (o chamado neoconservadorismo) e neoliberalismo na economia. E que a
ascensão de Bolsonaro coincide justamente com o crescimento da esquerda
lacradora no Brasil de uns anos para cá, tal qual aconteceu nos Estados Unidos
a partir dos anos 1970. Como também em menor medida do italiano Silvio
Berlusconi, que em decorrência da criminalização da política feita pela
Operação Mãos Limpas foi alçado ao poder.
Toda
essa história de ameaça fascista, democracia x fascismo, Bolsonaro fascista e
afins é a cobertura perfeita para o fato de que está se desenrolando um
crescente processo de americanização da política brasileira, com a esquerda
vestindo o figurino do Partido Democrata e a direita vestindo o figurino do
Partido Republicano. E, ao contrário do que Stoppa e outros pensam, a
verdadeira ameaça que no ar paira não está no fantasma do nazi-fascismo de Benito
Mussolini, Adolf Hitler, Ante Paveliċ, Vidkun Quisling, Francisco Franco, padre
Jozef Tiso, marechal Miklós[1] Horthy e outras lideranças
da época, mas no neoliberalismo de Reagan, Thatcher, Pinochet, Bill Clinton,
Tony Blair, Carlos Menem, Collor, FHC, Boris Jel’cin, Carlos Salinas de
Gortari, Carlos Andrés Pérez, Gonzalo Sánchez de Lozada, Michel Temer, Mauricio Macri e tantos outros. Em realidade, Bolsonaro é parte
dessa ameaça neoliberal (que por um acaso do destino não raro acaba vindo com
um verniz mais autoritário sempre que necessário. Afinal, foi sob o regime
autoritário de Augusto Pinochet no Chile que o neoliberalismo teve sua primeira
experiência). E o que Bolsonaro, junto com Paulo Guedes, pretende com sua
agenda econômica neoliberal é nada mais que dar continuidade ao que Michel
Temer vem fazendo desde o farsesco impeachment de 2016.
Foto – De um lado Ronald Reagan, o
patrono da Al Qaeda e do Taliban, e de outro Jair Bolsonaro.
Segundo
Marilena Chauí em recente palestra, o neoliberalismo em realidade não é uma
mutação histórica do capitalismo por meio da passagem da hegemonia econômica do
setor produtivo para o setor financeiro, mas uma mutação sócio-política que a filósofa
paulista classifica como a “nova forma do totalitarismo”. Em outras palavras,
um totalitarismo de mercado, essencialmente individualista (dai que vem contos
da carochinha tais como o do sujeito que erroneamente pensa que é empresário de
si mesmo, self-made-man e
meritocracia) promovido por aquilo que o professor Gilberto Felisberto
Vasconcellos chama de o capital vídeo-financeiro. Além disso, ao operar no
sentido de destruir as instituições e substitui-las por organizações e de
privatizar os direitos das pessoas transformando-os em serviços, concebe o
Estado não como uma entidade pública, mas como uma empresa privada que tem que
dar lucro para seus acionistas. E não só isso como também na mesma palestra
afirma que o processo de judicialização da política que o Brasil assiste nada
mais é que uma consequência da maneira como o neoliberalismo concebe a política,
já que os conflitos entre empresas ou dentro das próprias empresas geralmente
são resolvidos na esfera judicial.
Também
é digna de nota a recente propaganda de Geraldo Alckmin, verdadeiro ode ao
cinismo e à hipocrisia política, onde se ataca ao mesmo tempo tanto Haddad
quanto Bolsonaro. Vemos Alckmin e os tucanos em uma posição constrangedora
tendo que lidar com o mesmo monstro que eles ajudaram a criar. Ou seja, na
mesma posição que em Samurai X o governo Meiži esteve quando recorreu à Kenšin
para que o espadachim ruivo fosse à Kjoto para deter seu sucessor no posto de
retalhador das sombras a serviço dos monarquistas, Makoto Šišio (o qual era
visto como um sujeito perigoso por seus superiores, que por sua vez armaram uma
emboscada contra Šišio e o queimaram vivo. Milagrosamente, Šišio sobreviveu e
anos mais tarde virou um fantasma do passado a assombrar o governo Meiži, a
ponto de querer tomar o Japão para si).
Chega-se
a se dizer cinicamente nessa propaganda que Alckmin e sua vice têm uma vida ficha
limpa, são relembradas algumas das polêmicas em que o político carioca se
envolveu, são feitos ataques à proposta tributária de Bolsonaro (sendo que os
tucanos invariavelmente farão algo análogo no poder e omitindo a todos o fato
de que isso é uma realidade secular do Brasil, do qual o pato amarelo da FIESP
muito bem simboliza) e que votar em Alckmin é votar contra a volta do comando
da corrupção (omitindo que o PSDB é envolvido em escândalos como o Banestado e
a privataria tucana e que o mensalão começou em Minas Gerais com o tucano
Eduardo Azeredo em 1998) e que é contra os radicais de esquerda e de direita. Na
prática, essa história de “elenão” serve para beneficiar Geraldo Alckmin. Aos
verdadeiros donos do jogo não interessa ver Jair Bolsonaro presidente, mas
pessoas como Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, João Amoedo e outros representantes
orgânicos da banca financeira no poder, que por sua vez irão colocar em prática
as mesmas ideias que Bolsonaro advogam e continuar com a agenda das reformas
neoliberais de Michel Temer, só que com a pose de bons moços e a fala mansa que
falta ao político carioca.
Para
eles (que certamente tem o medo de serem assombrados pelo fantasma de Ernesto
Geisel depois de certo tempo de governo militar. Ou seja, de guinadas nacionalistas
que contrariem seus interesses) Bolsonaro é muito mais interessante fazendo
papel análogo ao que Eduardo Cunha e Aécio Neves exerceram entre 2014 a 2016: o
de cachorro louco que ataca a esquerda raivosamente. Com o sistema o usando da
mesma forma a que os oligarcas ucranianos usam os grupos neonazistas locais (entre
eles o Svoboda e Pravyj Sektor) se aproveitando da ódio que eles sentem pela
Rússia, a que Hilda de Polaris usou o Guerreiro Deus das sombras Bado de Alkor
se aproveitando do ódio que ele sentia por seu irmão Syd de Mizar na saga de
Asgard de Cavaleiros do Zodíaco (exclusiva da animação) e a que o cardeal Kaijou
usou Šogo Amakusa se aproveitando do ódio que o espadachim cristão sentia pelo
Japão por causa das perseguições ao cristianismo entre os séculos XVI a XIX na
saga dos cristãos de Samurai X (exclusiva da animação). Em outras palavras, aos
verdadeiros donos do jogo Bolsonaro é muito mais interessante como peão que
como rei ou rainha. E talvez essa seja a mensagem que quiseram passar para
Bolsonaro tanto no atentado quanto nessa propaganda eleitoral recente dos
tucanos: que os reis do jogo somos nós e não você. Com as recentes acusações da
parte de sua ex-esposa de que Bolsonaro teria sido muito agressivo com ela e de
ele teria furtado um cofre servindo de bala de prata contra o político carioca
(que em nada é diferente de todas as manobras que tentaram fazer nesses anos
todos contra Lula e Dilma desde 1989, diga-se de passagem) igualmente fazendo parte desse jogo. Talvez seja questão
de tempo essa gente exumar as questões da propina da JBS e sua presença na
lista de Furnas em futuras investidas contra o político carioca e até mobilizem
a Lama Jato contra ele.
Foto – Bado de Alkor (à esquerda) e Hilda
de Polaris (à direita).
Ao
invés de entrarmos nessa histeria de “democracia x fascismo” e afins, também
penso eu está mais que na hora de começarmos a questionar em massa não apenas a
crescente ingerência dos militares na política brasileira como também a
criminalização da política feita pela farsa da Operação Lava Jato (vulgo Lama
Jato) desde que se iniciou há quatro anos, análoga ao que se viu na Itália nos
anos 1990 com a Operação Mãos Limpas. Afinal Bolsonaro foi um fruto da
criminalização da política feita pelo Judge Murrow e sua camarilha. Se esse
questionamento não for feito (e sem também que seja feito uma CPI da Lama Jato
e seus esquemas escusos ao mesmo tempo), dentro de alguns anos veremos todo
esse processo se repetindo como um círculo vicioso, em especial sempre que
algum governo de corte popular ocupar o Palácio do Planalto. A mesma Lama Jato
que muitos dos eleitores do Bolsonaro aplaudem, sem levar em consideração que o
esquema do Paraná poderá mais cedo ou mais tarde também se virar contra o
político carioca na hora em que for conveniente a eles. Não só isso, como
também questionar a existência da própria Lama Jato e os desastrosos resultados
que trouxe ao Brasil.
Por
fim, gostaria de deixar aqui registrado a aqueles que eventualmente pedirem
nossa presença nessa campanha: Não contem conosco para isso!
Fontes:
#Elenão
– Alckmin “adere” à própria campanha, “Eusim”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yJg1Cp7JtW8&ab_channel=CausaOperariaTV
Ex-mulher
acusou Bolsonaro de furto e cofre e agressividade. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/ex-mulher-acusou-bolsonaro-de-furto-de-cofre-e-agressividade.shtml
Macron
está quebrando o estado de bem-estar social francês. Disponível em: http://www.revistamissoes.org.br/2018/07/macron-esta-quebrando-o-estado-social/
Marilena
Chauí explica o ódio no Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GsuQIAwImsU&ab_channel=TV247
Plano
de governo de Bolsonaro inspirado em Ronald Reagan. Disponível em: https://renovamidia.com.br/plano-governo-bolsonaro-ronald-reagan/
Quem
botou a cabeça de Bolsonaro para fora? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V9e3YkFCIy8&ab_channel=ConversaAfiadacomPauloHenriqueAmorim
Resumo
do dia – nº 90 | 21/9/2018 – “#ELENÃO” é disfarce para frente pró-Alckmin.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MXGuCX3BOKE&ab_channel=CausaOperariaTV
SOBRE
A CAMPANHA “Elenão”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SL0QW1B4MeM&ab_channel=LeonardoStoppa
NOTA:
[1] Leia-se “Mikloch”. No húngaro, o s
tem o mesmo valor do ch no português e no francês, do sh no inglês, do sch no
alemão, do sz no polonês e do š em idiomas como o tcheco, o eslovaco, o
servo-croata, o lituano, o letão, o esloveno e outros da Europa
centro-oriental.