quarta-feira, 26 de abril de 2017

Nove verdades, uma pergunta e uma mentira sobre a corrupção no Brasil.


Foto – Marcelo Odebrecht e Sérgio Moro: O Jin e o Jang, o Alfa e o Ômega, as duas faces de Janus contrapostas entre si.
Aproveitando o jogo das nove verdades e uma mentira que circula no Facebook, resolvi fazer um artigo nesse formato a respeito do assunto corrupção, como se fosse uma espécie de FAQ informativo a respeito do assunto.
1 – Primeiro de tudo, a corrupção que volta e meia o noticiário televisivo mostra não é uma simples questão de moralidade como a mídia e os setores mais reacionários (do alto de seu tacanho e rasteiro moralismo) da política brasileira fazem crer, e sim um problema estrutural do próprio sistema, fruto do fato de o Estado moderno ser aquilo que Karl Marx definiu no “Manifesto do Partido Comunista” (ou seja, no longínquo 1848) como o “balcão de negócios da burguesia”. E o que com isso Marx quis dizer? Que a burguesia, sendo a máquina de governar do Estado moderno (termo utilizado por Muammar al-Kadaffi na primeira parte do Livro Verde para se referir a um partido, grupo ou classe social que se apodera do aparato de Estado de um determinado país e passa a utilizá-lo em seu proveito próprio, ao mesmo tempo em que lesa o resto da sociedade nesse processo), condiciona as políticas desse mesmo Estado em seu favor. Assim, no Estado burguês as políticas que este eventualmente adote são para atender acima de tudo os interesses de classe dos grandes capitalistas e não da sociedade como um todo.
2 – E segundo, o noticiário geralmente oculta ao público algo visceral a esse respeito: a corrupção em realidade começa em agentes do setor privado e termina em políticos, os quais por sua vez acabam sendo o bode expiatório da história. Vide, por exemplo, PC Farias nos esquemas de corrupção do governo Collor e Marcos Valério no mensalão. O que destrói com a falácia vendida pelos liberais de que o mercado é o espaço das virtudes e o Estado é o espaço do que há de pior que existe por excelência, como se só no segundo é que existe corrupção. O tipo do discurso que ajuda a justificar a ideologia neoliberal.
3 – Juízes como Sérgio Moro e procuradores como Deltan Dallagnol nada mais são que a outra face da moeda do sistema da corrupção existente no Brasil. O sistema, sob a alegação de combater a corrupção, a eles recorre para fazer seu trabalho sujo nos momentos em que quer trocar as velhas peças dos esquemas de corrupção por novas, tão ou até mais corruptas. Em outras palavras, Dallagnol de um lado e de outro Marcelo Odebrecht são como o Jin e o Jang[1] do taoísmo, os personagens Kami Sama e Piccolo em Dragon Ball e as duas faces de Janus[2], o deus supremo do panteão romano: dois elementos opostos entre si, mas que juntos formam uma unidade contraditória a ponto de um não existir sem o outro e vice-versa. E, como Rui Pimenta Costa pontua em um de seus vários vídeos, Dallagnol, Janot e companhia limitada não se reconhecem como parte integrante desse mesmo sistema que gera figuras como Marcelo Odebrecht, Marcos Valério, PC Farias e tantos outros.
4 – A corrupção que os jornais dos grandes meios de comunicação em que políticos estão envolvidos em realidade são o mais baixo nível da corrupção aqui no Brasil. O segundo nível da corrupção, segundo Nildo Ouriques, envolve as privatizações (entre elas a privatização da Vale do Rio Doce, feita em 1997) feitas no país desde o início da experiência neoliberal nos governos Collor e FHC. E o terceiro e mais alto nível da corrupção, também de acordo com o professor catarinense, se encontra no sistema de multiplicação de dívida por meio da manipulação do câmbio e a especulação em cima dos títulos dessa mesma dívida. O sistema da dívida é algo que todo santo ano consome entre 40 a 50% do orçamento da União, enquanto que o Bolsa Família em seus dias de glória consumiu não mais que 0,47% desse mesmo orçamento. E tudo isso com a conivência do Banco Central Brasileiro. Isso é um verdadeiro assalto a mão armada ao Estado brasileiro perpetrado por agentes do setor privado. Nessa farra estão envolvidas as diversas frações capitalistas brasileiras, entre elas o capital bancário, o industrial, comercial e agrário. E foi para, entre outras coisas, garantir os lucros desse sistema que houve o golpe do ano passado.
5 – Que moral será que juízes como Sérgio Moro (que segundo dados do TRF4 ganhou em dezembro do ano passado R$ 102.151,58), que ganham salários muito acima do teto permitido por lei (R$ 33.763,00), têm para querer colocar Lula, José Dirceu, Marcelo Odebrecht ou qualquer outra pessoa por eles tida como corrupta na cadeia? A meu ver, nenhuma moral eles têm, na medida em que agem como parasitas do Estado brasileiro. No fim não é uma questão de combate à corrupção, e sim de perseguição política. Pessoas essas que não raro pensam que estão acima da lei (haja vista o caso da fiscal de trânsito do Detran-RJ que em 2011 parou um veículo sem placa, seu motorista não portava carteira de habilitação e estava embriagado e o multou. O motorista em questão era um juiz, o qual se sentiu mordido ao ouvir da boca dela que “juiz não é Deus”. Posteriormente, o caso foi aos tribunais e o juiz em questão teve ganho de causa).
6 – Ao contrário do que os alienados de plantão pensam, a justiça que Moro, Dallagnol, Janot, Gilmar Mendes e companhia limitada exercem está muito mais voltada para atender aos interesses de classe das elites dominantes que da população como um todo. Quando eles fazem o que fazem com a Odebrecht[3] e outras empreiteiras nacionais, o que eles fazem na prática é abrir o caminho para que empreiteiras de países como os Estados Unidos e a China venham para cá e façam as mesmas coisas que as empreiteiras nacionais faziam antes (ou até pior). Em outras palavras, arrancam a erva daninha do solo sem arrancar a raiz junto. Ou seja, o que eles fazem em suas operações policialescas pirotécnicas é apenas atacar os sintomas da doença, nunca a doença em si.
7 – Historicamente, o flagelo da corrupção é muito antigo no Brasil, e tem sido usado da forma mais tacanha e moralista possível pelos meios de comunicação e outros setores reacionários contra governos de caráter popular como aconteceu nos anos 1950 e 1960 com o segundo governo Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart. Pela UDN (União Democrática Nacional) e por jornalistas como Carlos Lacerda, o governo Vargas era acusado de ser um “mar de lama”. Depois de Vargas, o governo Juscelino Kubistchek, que sofreu duas tentativas de golpe por parte de setores conservadores, foi acusado por essa mesma gente de ser o mais corrupto da história do Brasil. Jango, por seu turno, foi igualmente acusado de ser corrupto e de querer implantar no Brasil uma “República Sindicalista”. Ou seja, o que se viu durante os governos Lula e Dilma em episódios como o mensalão e o petrolão não foi nada de novo. Os grandes meios de comunicação apenas se utilizaram de um expediente que eles mesmos utilizaram meio século antes.
8 – Antes do PT chegar ao poder, comumente os casos de corrupção eram acobertados não só pela grande imprensa como também por Geraldo Brindeiro, o então procurador-geral da República, que ganhou a alcunha de “engavetador-geral da República”. Casos como a compra de votos da emenda da reeleição nunca chegaram ao STF nem em seus responsáveis porque o procurador-geral simplesmente arquivava-os. Quando o PT chegou ao poder, essa situação mudou drasticamente. O PT, para combater esse flagelo, fortaleceu órgãos como o Ministério Público, a Controladoria da Receita e a Polícia Federal para esse fim. Entretanto, acabou cometendo um erro fatal ao fazer isso sem levar em consideração a presença de elementos reacionários como Dallagnol, Janot e Gilmar Mendes incrustrados nessas instituições. Elementos esses para os quais pessoas de esquerda como Lula, Dilma, José Dirceu e os finados Brizola e Luís Carlos Prestes são pessoas cujo lugar é apodrecendo atrás das grades e não na política. Ou seja, são pessoas que tratam a questão social como “caso de polícia” que nem nos tempos da República Velha (1889 – 1930). No fim, Lula e Dilma chocaram o ovo da serpente que agora os pica.
9 – Se há algo que aqui no Brasil é apartidário isso atende pelo nome de corrupção. Haja vista, por exemplo, o fato de Marcos Valério, o operador do mensalão, ter começado sua carreira de mensaleiro não no PT, e sim no PSDB. Algo sobre o qual Lucas Figueiredo fala no livro “O Operador”, lançado em 2006. O mensalão, em realidade, começou em Minas sob os auspícios de Eduardo Azeredo e Marcos Valério, e só depois que Lula foi eleito é que Marcos Valério passou a irrigar os cofres do PT, quando viu que Lula e não Serra ia ganhar o pleito presidencial de 2002. Entretanto, o que vimos durante a Operação Lava Jato é Moro, Janot e companhia limitada tratarem a coisa da forma mais partidária possível. No fim essa gente, a julgar por sua atuação ao largo da Operação Lava Jato, não passa de políticos de toga.
10 – O que delações como a da Odebrecht mostram? Uma coisa, basicamente: que grandes capitalistas como ele e tantos outros tratam o processo eleitoral como se fosse a rinha de galo particular deles, onde apostam em todos os competidores com o dinheiro que ajuda a financiar suas milionárias campanhas eleitorais. Assim, independente de quem ganhe o pleito eleitoral, os capitalistas que apostam rios de dinheiros em todos os candidatos é que são os verdadeiros vencedores. E eles não fazem isso de graça: querem favores e concessões em troca, assim como o dinheiro que eles investiram de volta redobrado posteriormente. Como Kadaffi diz em um trecho da página 10 do Livro Verde, “É possível comprar e manipular os votos quando os mais pobres não podem estar no coração das lutas eleitorais; são sempre (e só) os ricos que ganham as eleições!”. A seguinte pergunta fica no ar: será que a Odebrecht era a única rinheira do pedaço durante todos esses pleitos eleitorais? E por que será que Moro, Marcelo Bretas, Dallagnol e camarilha limitada tanta questão fazem de demolir a Odebrecht e outras empreiteiras nacionais? E mais uma pergunta: será que a ingerência do capital no processo eleitoral é uma exclusividade da Terra Brasilis? Será que isso também não acontece em países do dito Primeiro Mundo tais como Estados Unidos, Canadá, Islândia, França, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Japão? Levando em consideração que Marx há um século e meio já dizia que o estado moderno é o balcão de negócios da burguesia, eu acho que não é.
11 – O problema da corrupção se resolve com operações policiais pontuais e com ampla cobertura e show midiático pirotécnico tais como a Mãos Limpas (em italiano Mani Puliti) e sua inspiração tupiniquim que atende pelo nome de Operação Lava Jato.
Fontes:
Figueiredo, Lucas. O Operador: como (e a mando de quem) Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT. Rio de Janeiro: Record, 2006.
Kadaffi, Muammar. O Livro Verde. Gráfica Renascença: Lisboa, 1984.
Marx, Karl. Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm
Combate à corrupção é marca dos governos do PT. Disponível em: http://www.pt.org.br/combate-a-corrupcao-e-marca-dos-governos-do-pt/
Dallagnol é parte integrante do regime político do Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QHgF6ULA1VE
“Juiz não é Deus”, “mas você sabe com quem está falando?” Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/150116764/juiz-nao-e-deus-mas-voce-sabe-com-quem-esta-falando
Juízes estaduais e promotores: eles ganham 23 vezes mais do que você. Disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/06/juizes-estaduais-e-promotores-eles-ganham-23-vezes-mais-do-que-voce.html
Nildo Ouriques – calote na dívida pública? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RUCNNCTyEi4
Nildo Ouriques – os três níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xbgVmPeVn08
Nos tempos do engavetador-geral: refrescando Fernando Henrique Cardoso. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/nos-tempos-do-engavetador-geral-refrescando-henrique-cardoso
Vargas, JK, Jango, Lula, Dilma e a oposição ao desenvolvimento. Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/159622/Vargas-JK-Jango-Lula-Dilma-e-a-oposi%C3%A7%C3%A3o-ao-desenvolvimento.htm


NOTA:


[1] Leia-se “Ian”, pois no mandarim, assim como no francês, quando uma palavra termina em consoante esta é muda.
[2] Leia-se “Ianus”. No latim, assim como em idiomas como o alemão, o holandês, o húngaro, o polonês, o servo-croata, as línguas escandinavas e bálticas, o tcheco, o eslovaco e outros tantos, a partícula j tem valor de i.
[3] Leia-se “Odebrerrt”. No alemão (Odebrecht é um sobrenome de origem germânica) a partícula ch tem o mesmo valor do j no espanhol e do kh no russo: r aspirado.

2 comentários:

  1. Interessante artigo! Esses mesmos mafiosos reacionários - e também rinheiros - acusam seus inimigos de serem corruptos, quando eles mesmos também o são.

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  2. É que nem naquela história de Jesus e a Prostituta.

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