terça-feira, 18 de março de 2025

Freeza e Rei Vegeta, parte XI

 

Foto – Vegeta (esquerda) e Rei Vegeta (direita).

E com vocês a parte XI da série de artigos “Freeza e Rei Vegeta”, iniciada em 2021.

Em São Paulo, no último carnaval, presenciamos uma cena bem repulsiva e nojenta: a escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi apresentou um carro alegórico que retrata um índio tupinambá que parece um zumbi caótico saído da capa de um álbum da banda Iron Maiden carregando na mão direita a cabeça decapitada do imperador Dom Pedro II.

Foto – Dom Pedro II decapitado no carro alegórico da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi.

A escola de samba apresentou o enredo “Assojaba – a busca pelo manto”. Tal enredo conta a respeito dos povos indígenas do Brasil e o manto Assojaba, pertencente ao povo tupinambá, vestimenta sagrada para alguns dos povos nativos do Brasil.

O carro alegórico em questão foi chamado de “O Ritual Ibirapema”, o qual desfilou com 93 integrantes tingidos de vermelho para representar o morticínio dos indígenas durante o processo de colonização do que veio a se tornar o Brasil. Na frente do carro, pessoas vestidas de índio seguravam arcos e flechas para defender suas terras.

No fim das contas, a escola em questão, antes tida como favorita, foi rebaixada ao grupo de acesso I junto com a Mancha Verde por conta das baixas notas que recebeu dos jurados.

Raphael Machado postou o seguinte texto a respeito desse lamentável episódio:

Carnaval 2025: Celebração do Anti-Brasil?

Não sou dos puritanos de espírito vitoriano que demonizam o Carnaval como um todo e já verti linhas suficientes sobre o simbolismo da festa e sobre suas potencialidades catárticas de fundo dionisíaco.

Vou, portanto, me limitar a comentar algo um pouco mais objetivo dizendo que o Carnaval e, especificamente, o desfile das escolas de samba poderiam ter uma função social e pedagógica (como muitas vezes já teve) de estetizar de forma lúdica diversos temas interessantes da história brasileira (e geral).

Sempre com um olhar popular, é mais uma maneira pela qual símbolos e heróis nacionais poderiam se espalhar pela cultura brasileira e recuperar presença no imaginário das massas.

Mas hoje em dia estamos muito longe dessa potencialidade, e creio que a causa é a ‘onguização’ do Carnaval, que acompanha a própria ‘onguização’ das favelas brasileiras. Hoje, não há um m2 de uma favela que não contenha uma ONG ou projeto social, sempre bem financiada e operada por universitários ou recém-formados de universidades. E sempre carregados com uma bagagem ideológica hostil ao Brasil.

São as narrativas de sempre: ‘o Brasil é dos índios’, ‘os portugueses roubaram o Brasil’, ‘a escravidão no Brasil foi causada pelo racismo, que permanece hegemônico’, e por aí vai.

O resultado são samba-enredos antinacionais, apontando para a desconstrução do Brasil, para a negação do caráter unitário de seu povo e para a dissolução do seu tecido social.

Caso emblemático é o do desfilo da Acadêmicos do Tucuruvi, que teve a ideia (em si, legítima), de celebrar a herança tupi brasileira (particularmente a tupinambá), mas o fez não pela síntese, mas pela oposição entre uma mítica e ilusória ‘Pindorama’ e o ‘Brasil’, simbolizada na alegoria da decapitação do Imperador Pedro II.

Agora, não sendo monarquista, posso apontar quão ridícula é a cena. Fundamentalmente porque Pedro II, fluente em tupi, recebeu a vassalagem de praticamente todos os caciques legítimos de sua época. Ele era bem quisto pelos índios, que apelavam diretamente a ele contra autoridades locais de tendências tirânicas. Mais ridículo é esse negócio de ‘Pindorama’, que nunca foi nome do Brasil, e sempre apenas designou uma região do leste brasileiro.

Esse samba-enredo, feito em ‘homenagem aos índios’, em nada ajuda aos índios. Ao contrário, os instrumentaliza contra o Brasil, fragilizando ainda mais a sua posição no país.

Outros sambas-enredos também demonstram origens ongueiras, basta ver o samba-enredo da Estrela do Novo Milênio e da Paraíso do Tuiuti. Ademais, é impressionante como quase todos os sambas-enredos desse ano foram sobre macumba.

O Carnaval sempre foi macumbeiro e não há problema algum nisso. É da natureza da festa. Mas não é normal que a maioria dos sambas-enredos seja especificamente sobre macumba, é como se houvesse uma padronização temática do desfile, o que só se explica pelas influências comuns que perpassam as escolas de samba e as favelas hoje, e que visam insuflar artificialmente um identitarismo negro de cariz antinacional.

Em conclusão, a realidade é que a festa vendida como a ‘mais brasileira’ tornou-se aquela que é a mais hostil à Brasilidade”.

Não há o que discordar do que foi dito acima. Aliás, vale lembrar que isso que vimos no carnaval do presente ano não é nenhuma novidade: no Chile, em 2019 incidentes similares aconteceram em cidades como La Serena e Valparaiso envolvendo depredações de estátuas de conquistadores espanhóis e militares chilenos, sobre os quais falamos na parte I.

Saindo um pouco do Brasil, também ficamos sabendo de umas notícias um tanto quanto similares, só que vindas do México. Mais precisamente, da atual mandatária da nação asteca, Claudia Sheinbaum, no exercício do cargo desde 1 de outubro do ano passado, após suceder Andrés Manuel López Obrador.

Foto – Claudia Sheinbaum, atual presidente do México.

Recentemente, mais precisamente em 28 de fevereiro do presente ano, aconteceu na praça da constituição da Cidade do México (também conhecida como Zócalo) os funerais de Estado em comemoração aos 500 anos da morte do último tlatoani asteca, Cuauhtémoc, executado pelos espanhóis em 1525, durante o processo da conquista da Mesoamérica. Sheinbaum lá estava encabeçando a cerimônia, além de integrantes do Exército, Aeronáutica e Guarda Nacional.

Sheinbaum, do alto de sua brincadeira de tlatoani asteca, chegou ao ponto de dizer nessa e em outras oportunidades que a Espanha deve-se desculpar por abusos durante o processo a conquista do Império Asteca aos chamados povos originários. Sendo tal conquista se deu com massivo apoio de povos insatisfeitos com o domínio asteca sobre a Mesoamérica, entre eles os tlaxcaltecas, e de figuras como La Malinche, indígena da etnia Nahua que serviu de intérprete para os exércitos espanhóis durante a conquista, foi batizada e se converteu ao catolicismo romano sob o nome Marina.

No fim das contas, o que se vê tanto no caso do desfile da Acadêmicos do Tucuruvi quanto nas falas e atitudes de Claudia Sheinbaum é que no afã de atacar a figura do conquistador espanhol e português das Américas, eles se ancoram em uma imagem idílica, idealizada e irreal dos povos que viviam nas Américas antes da chegada de exploradores como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Leif Erikson. Imagem essa baseada no famigerado mito do bom selvagem.

E vejam só o grande paradoxo: no afã de atacar a figura do conquistador ibérico das Américas e defender aquilo que eles chamam de os povos originários, exaltam a figura de... povos que antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus ao continente americano também tinham todo um passado de guerreiros, conquistadores e forjadores de impérios e reinos.

E ainda mais paradoxal é o fato de que a própria Sheinbaum, a julgar pelo sobrenome dela, não descende de povos ameríndios que ela diz tanto defender. Não só ela como também seu antecessor e padrinho político, Andrés Manuel López Obrador (vulgo AMLO). Todos eles descendentes dos colonos e conquistadores espanhóis e de imigrantes europeus que aportaram no México a partir do século XVI, e que uma vez em solo mexicano lá ficaram, não retornando a Espanha ou a qualquer outro país europeu.

E são esses mesmos descendentes de colonos, conquistadores e imigrantes que nos dias hodiernos apontam o dedo para Portugal e Espanha e chegam ao ponto de pintar a já citada Malinche como uma espécie de Quisling ou marechal Pétain do século XVI. Mal sabendo eles que o México (assim como os demais países americanos falantes do espanhol) que nós conhecemos hoje não existia antes da conquista e colonização espanhola, assim como o Brasil também não existia antes da conquista e colonização lusitana.

Falar que o México, o Brasil ou a Venezuela existiam antes da chegada dos colonizadores e conquistadores ibéricos faz tanto sentido quanto dizer, por exemplo, que a Hungria existia na época dos impérios huno e ávaro. Ou seja, antes da chegada e estabelecimento dos magiares no atual território húngaro, no final do século IX.

E, como já disse em outras oportunidades nesse mesmo espaço, o que pessoas como a Claudia Sheinbaum e os ongueiros por trás do carro alegórico da Acadêmicos da Tucuruvi fazem no fim das contas é, fazendo uma analogia com Dragon Ball, derrubar as estátuas e monumentos dedicados ao Freeza, ao Cooler e ao Rei Cold para no lugar erguer estátuas e monumentos dedicados ao Bardock e ao Rei Vegeta. O qual, por seu turno, pretendia se tornar o senhor do universo no lugar da lagartixa após vencê-lo em combate (o episódio 78 de Dragon Ball Z mostra isso).

Resumindo a ópera: os grandes conquistadores passam a ser vistos como demônios e pintados com piores cores possíveis, ao passo que os conquistadores provincianos vencidos no passado por espanhóis e portugueses são exaltados e admirados. A tal ponto que se demoniza os primeiros precisamente por conta do que eles fizeram sobre os segundos.

Aliás, falando em Dragon Ball, falemos um pouco dos desatinos do Super, que foi criado pelo Akira Toriyama ainda em vida em parceria com Toyotaro (ou seja, algo canônico dentro da obra), em especial no que diz respeito das relações entre os saiyanos e o império de Freeza.

Parte do fandom não apenas de Dragon Ball como também de outras obras derivadas de mangás tais como Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, One Piece, Fly o pequeno guerreiro, Sailor Moon, Samurai X, Rosa de Versalhes e outras tantas chega ao ponto de achar que para determinada história ou arco dentro de obra x, y ou z ser boa ou não tem que ter sido escrita pelo autor da obra. No caso específico de Dragon Ball, Akira Toriyama, finado no ano passado aos 68 anos de idade.

Mas eu não sou assim, e acho isso uma estupidez muito grande essa história de ficar muito preso ao que é ou não é canônico dentro da obra para avaliar a qualidade das histórias da mesma. Parece que para essa gente o mangaká é um ser supremo e iluminado que não comete erros e nem pisa na bola. Sendo que o próprio Toriyama, ainda na saga Buu, em minha opinião pisou bem feio na bola ao misturar o humor do Dragon Ball clássico (o qual foi relegado a um papel mais secundário a partir da saga do Piccolo) com a pancadaria do Z.

Como já falei na parte anterior, o Super, para muito além da questão envolvendo Bardock (o pai de Goku e Raditz), promoveu uma espécie de branqueamento da história dos saiyanos. Até meio que os apresenta como um grupo de guerreiros que não tiveram outra escolha a não servir ao Rei Cold uma vez que estabeleceram contato com o conquistador espacial. E mais toda aquela história de saiyanos malvados e bons no planeta Sadala, Yamoši e tal. Só que algumas dessas coisas para mim, que já tenho 40 anos e sou formado em história, não colam.

O Z (em cenas exclusivas do anime), assim como o GT, mostram que os saiyanos não apenas já eram conquistadores ANTES mesmo de conhecerem o Rei Cold, como também que o atrito destes com Freeza que levou à destruição do Planeta Vegeta e à quase extinção dos saiyanos foi uma briga de poder. De poder e por poder.

O Super chega e muito do que foi dito sobre os saiyanos no Z e no GT é jogado para debaixo do tapete, incluindo a questão dos tsufurianos. Talvez, não por acaso, que na saga Granola os produtores do mangá optaram por mostrar parte do passado dos saiyanos como mercenários a serviço de Freeza envolvendo o pai de Goku, e não um caso de vingança por conta do que os saiyanos fizeram antes mesmo de conhecerem o Rei Cold, como o GT fez na saga Baby. E eu, particularmente, acho a vingança do Baby bem mais interessante que a do Granola. Por uma série de motivos, incluindo a inversão de papéis que há em relação à saga do Freeza.

Foto – Rei Vegeta sobre uma cidade tsufuriana devastada (Dragon Ball GT).

Fontes:

Carnaval 2025: Celebração do anti-Brasil? Disponível em: https://novaresistencia.org/2025/03/06/carnaval-2025-celebracao-do-anti-brasil/

Escola de samba mostra Dom Pedro II decapitado por indígena. Disponível em: https://pleno.news/brasil/escola-de-samba-mostra-dom-pedro-ii-decapitado-por-indigena.html

Mancha Verde e Tucuruvi são rebaixadas para grupo de acesso de SP. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/mancha-verde-e-tucuruvi-foram-rebaixadas-para-o-grupo-de-acesso-em-sp/

Presidenta do México insiste que Espanha deve pedir desculpas pelas “atrocidades” da conquista. Disponível em: https://desacato.info/presidenta-do-mexico-insiste-que-espanha-deve-pedir-desculpas-pelas-atrocidades-da-conquista/?fbclid=IwY2xjawJFtAdleHRuA2FlbQIxMQABHXJEYjDGTKsP6KXS9gRRb7M6SlDZ8Kt9XEXjFXV7g3MqGCS801J9HtBWdw_aem_Gcgf4AmAEjaPCwerURJFEQ9