sábado, 16 de agosto de 2025

Freeza e Rei Vegeta, parte XII

 

Foto – Rei Vegeta no meio, com o jovem Vegeta à esquerda, Nappa e mais três guerreiros saiyanos à direita.

E com vocês a parte XII da série de artigos Freeza e Rei Vegeta. E o assunto da vez é a visão distorcida da história que grande parte da direita brasileira, geralmente identificada com a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros políticos reacionários, manifesta em relação a episódios históricos como a conquista islâmica do norte da África e da Ibéria e as cruzadas.

Como vemos, mudaremos de lado dentro do espectro político. Deixaremos de falar do pessoal da esquerda pós-moderna e a idealização que eles fazem do passado de certos povos e vamos falar sobre as ilações que o pessoal da direita faz a respeito de eventos como as Cruzadas levantinas strictu sensu e as relações entre o mundo cristão europeu e o mundo muçulmano ao longo dos séculos latu sensu. Em outras palavras, dos chamados “zé cruzadinhas”. Afinal, como já dito em outras oportunidades, essa gente de direita mais reacionária e tacanha é a cara metade político-ideológica desse pessoal da esquerda pós-moderna.

Originalmente, Zé Cruzadinha era um personagem que aparece em algumas histórias da Turma da Mônica, criadas por Maurício de Souza. Amigo do Cebolinha, ele é um menino de cabelos espetados meio maluco que gosta muito de resolver revistas de palavras cruzadas e usa óculos circulares (fundo de garrafa), camisa amarela, bermuda preta e tênis lilás (ou marrom) com meias. Ele surgiu em 1963, nas tiras do Cebolinha, e desde então tem sido personagem recorrente nas histórias da Turma da Mônica.

Foto – Zé Cruzadinha.

Mais recentemente, o nome do personagem da Turma da Mônica ganhou um novo significado. Ele passou a designar, de forma pejorativa, certos tipos que vemos na Internet e em redes sociais, geralmente direitistas, que bradam por ai frases como “Deus Vult” (“Deus o quer”, em latim) e afins.

Em linhas gerais, tais tipos geralmente explicam que as Cruzadas na Terra Santa foram uma guerra de resposta tardia por conta de séculos de invasões de califados e sultanatos islâmicos a regiões outrora sob domínio cristão, incluindo Síria, Palestina, Egito, noroeste da África, Península Ibérica, França e Itália. E ainda chegam ao ponto de dizer que “as cruzadas salvaram a Europa de se tornar islâmica” e conversas similares.

Este tipo de explicação pode ser encontrado até mesmo no vídeo de Thiago Braga sobre o tema no canal Brasão de Armas, como também por parte de figuras de extrema direita católica como Marcelo Andrade e Raphael Tonon.



Só que há um buraco BEM grande na explicação que eles dão. Primeiro de tudo que as cruzadas começam em 1095, passados já quase 400 anos da conquista islâmica da Ibéria sob o califado omíada de Damasco e quase 500 anos das conquistas islâmicas iniciais na Síria, no Levante e no Egito ainda sob os primeiros califas. Como explicar eventos ocorridos entre os séculos XI a XIII por conta de eventos ocorridos meio milênio antes? Para mim não faz sentido algum. A conta não fecha.

E segundo que o contexto europeu e mediterrânico da segunda metade do século XI era bem diferente daquele dos séculos VII a IX, que é quando o grosso dessas invasões e conquistas se dá.

O contexto do Medievo inicial era o da Europa pós-romana, no qual o Império Romano do Ocidente deixou de existir e em seu lugar surgiu uma miríade de reinos bárbaros, entre eles os reinos visigodo e suevo na Ibéria, reino ostrogodo na Itália, reinos franco e burgúndio na Gália (atual França), reino alamano na Germânia, reino vândalo no norte da África, reinos anglo-saxônicos nas ilhas britânicas, reino frísio na atual Holanda e outros, todos eles oriundos da grande migração de povos (em alemão Volkerwanderung) da Antiguidade Tardia e Medievo inicial.

Era um contexto de fragilidade política e social que eventualmente acabou sendo explorado por terceiros. E os muçulmanos não foram os primeiros e nem os únicos a se aproveitarem dessa situação.

Ainda no século VI houve as invasões dos ávaros, povo das estepes ao norte do Mar Negro, provavelmente oriundo dos Žužan (os quais de suas bases na atual Mongólia e sul da Sibéria causaram problemas aos chineses entre os séculos IV a VI).

Sob a liderança de Bayan (r. 562 – 602), os ávaros se estabeleceram na Panônia (atual Hungria) por volta de 562 e assim preencheram o vazio deixado pela debacle do Império Huno um século antes, após a morte de Atila. De suas bases na Panônia os ávaros lançaram invasões à Itália, Gália, Turíngia e Península Balcânica na segunda metade do século VI e começo do século VII. Em 626 os ávaros sitiaram Constantinopla junto com a Pérsia Sassânida. O poder ávaro na Panônia só veio a ser destruído no começo do século IX por Carlos Magno.

Também no século VI o Império Bizantino, durante o reinado de Justiniano I, lançou suas guerras de conquista sobre partes da Europa Ocidental pós-romana, vide a guerra vândala de 533/534 contra o reino vândalo no norte da África, a guerra gótica de 535 a 554 contra o reino ostrogodo na Itália e a conquista de parte da Ibéria visigótica em 552.

E os zé cruzadinhas que choram as pitangas pelo Império Bizantino por conta das conquistas islâmicas do século VII em momento algum falam sobre os dias de conquistadores do mesmo. Conquistas essas que se deram à custa de outros estados cristãos (ainda que da vertente ariana) e que tiveram lugar antes mesmo de o profeta Maomé nascer.

Foto – Império Bizantino por volta de 555, após as conquistas do reinado de Justiniano I (r. 527 – 565).

Mais adiante, já nos séculos VIII e IX, em especial após a morte de Carlos Magno (r. 768 – 814) e a subsequente fragmentação de seu império em três partes, junto com as invasões árabes pelo sul também temos as invasões vikings pelo norte e magiares pelo leste. Os vikings, oriundos das atuais Dinamarca, Noruega e Suécia, promoveram a partir de 793 (ataque ao mosteiro de Lindsfarne na Inglaterra) incursões de pirataria às Ilhas Britânicas, à França e até mesmo a partes da Ibéria, do norte da África e da Itália. Chegaram a estabelecer seu senhorio sobre partes da atual Inglaterra, o chamado Danelaw (c. 878 – 954), e com a anuência do rei francês Carlos o simples (r. 898 – 922) alguns deles se estabeleceram na França em regiões como a Normandia e a Bretanha, mediante conversão ao cristianismo.

Já os magiares, antes vassalos dos khazares, após migrarem das estepes ao norte do Mar Negro e se estabelecerem no atual território húngaro a partir de 896 sob a liderança do chefe Arpád Álmos e assim preencher o vácuo de poder deixado na Panônia com o fim do poder ávaro, concentraram seus esforços no leste, na França, Germânia e Itália. Em 942 hostes magiares avançaram a oeste até a Ibéria islâmica.

Foto – invasões árabes, vikings e magiares na Europa entre os séculos VII a X.

A partir dos séculos X e XI tais invasões não apenas chegam ao fim, como também nórdicos e magiares passam a fazer parte do mundo cristão europeu.

Os magiares são vencidos em 955 pelo imperador germânico Otto II na batalha de Lechfeld e por volta do ano 1000 a Hungria se converte ao cristianismo sob o rei São Estevão I (r. 997 – 1038). Junto com a Polônia, a Hungria se tornou o bastião oriental da cristandade ocidental.

Já os vikings se convertem ao cristianismo primeiro nas regiões colonizadas por eles como as ilhas britânicas e a Normandia (vide a conversão do chefe viking Rollon em 911), depois, dentro dos marcos da formação das monarquias nacionais escandinavas, houve a conversão das nações escandinavas sob a liderança de monarcas como o dinamarquês Harald dente azul (r. 958 – 986) e os noruegueses Olaf Tryggvasson (r. 995 – 1000) e Olaf II (r. 1015 – 1028), o segundo posteriormente canonizado pela Igreja Católica como Santo Olavo.

A integração de nórdicos e magiares ao mundo cristão medieval foi tal que monarcas escandinavos e húngaros participaram de cruzadas na Terra Santa, vide a cruzada de peregrinação do rei norueguês Sigurd I (r. 1103 – 1130) entre 1107 a 1111 e a participação do príncipe húngaro Geza na terceira cruzada (1189 – 1192) e do rei húngaro André II (r.1205 – 1235) na quinta cruzada (1217 – 1221). Além disso, as monarquias escandinavas, junto com ordens militares germânicas como os Cavaleiros Teutônicos e os Cavaleiros Livonianos da Espada, lançaram suas próprias cruzadas dentro da própria Europa, as cruzadas do norte, contra os povos ainda pagãos do Báltico oriental, entre eles os vendos, os prussianos e os lituanos, e até mesmo contra estados cristãos ortodoxos oriundos da fragmentação da Rus de Kiev a partir de 1054 como a República de Novgorod.

E a coisa não para por ai. De suas bases na Normandia no noroeste da França, os normandos, descendentes cristianizados dos vikings, lançaram-se no século XI à conquista de territórios como a Inglaterra, Gales, Malta e sul da Itália, incluindo o emirado da Sicília entre 1061 a 1091. Participaram ativamente das cruzadas levantinas e no século XII, mais precisamente entre 1146 a 1160, a Sicília normanda chegou a estender seu domínio sobre partes do norte da África, sobre a atual Tunísia e noroeste da Líbia, até perder a região para os almoadas.

Foto – conquistas normandas entre os séculos XI a XV.

Como podemos muito bem ver, na segunda metade do século XI o contexto já era totalmente diferente daquele do Medievo inicial. As invasões que os reinos cristãos europeus sofriam antes por parte de povos como árabes, nórdicos e magiares já era coisa do passado. O máximo que houve ao final do século XI foram as invasões dos cumanos a partes dos domínios do estado Rus de Kiev (vide os ataques cumanos a Kiev em 1096, 1097, 1105 e 1107) e os atritos dos reinos cristãos ibéricos com o califado almorávida. Ou seja, atritos localizados nas fronteiras dos reinos que estavam bem longe de representar a mesma ameaça aos reinos cristãos europeus que as invasões das centúrias anteriores.

As fronteiras do mundo cristão medieval europeu eram outras. Se por volta de 700 as fronteiras desta não passavam do Reno e do Danúbio, por volta de 1100 essas fronteiras, por contas das sucessivas de conversões de nações e reinos europeus tais como Polônia, Rus de Kiev, Hungria, Noruega, Suécia e Dinamarca, agora se estendem das margens do Oceano Ártico ao norte às ilhas gregas e Itália ao sul e das ilhas britânicas ao oeste às fronteiras orientais da Rus de Kiev (a essa altura já fragmentada em vários principados) ao leste. E isso a despeito da divisão entre Igreja Católica Romana e Igreja Ortodoxa Bizantina advinda do cisma do oriente de 1054.

E a situação dos potentados islâmicos na Europa também era outra. De todos os potentados que os muçulmanos, em sucessivas ondas de conquista, estabeleceram na Europa nos séculos VIII e IX só restava o sul da Ibéria sob a jurisdição de estados muçulmanos na virada do século XI para o XII. Os emirados de Bari e Taranto na Itália continental foram riscados do mapa em 871 e 883, respectivamente. O Fraxinetum no sul da França deixou de existir em 973 após 85 anos de existência. O emirado de Creta na Grécia foi conquistado pelo Império Bizantino em 961. O emirado da Sicília foi conquistado pelos normandos entre 1061 a 1091. Em 1091 os normandos também expulsam os muçulmanos de Malta.

Foto – A expansão do Islã sob os primeiros califas e depois sob a dinastia omíada (661 – 750), em alemão.

E mesmo na Ibéria o outrora poderoso califado omíada de Córdoba (929 – 1031) se estilhaçou nos reinos de taifas em 1031 por conta de uma série de guerras intestinas iniciadas ainda em 1009 (fitna de Al-Andalus) e importantes praças já estavam sob a jurisdição dos reinos cristãos do norte, incluindo Toledo, a antiga capital visigótica, tomada em 1085 pelo rei de Castela Afonso VI. Ante essa situação, os soberanos dos reinos taifas pedem auxílio aos almorávidas do noroeste da África.

Apenas no século XIII com as invasões mongóis e mais adiante com o Império Otomano a partir do final do século XIV é que novas ondas de invasões extracontinentais em larga escala a reinos europeus ocorrem.

Ao escutar falas como a de que as cruzadas foram uma resposta tardia aos avanços de hostes islâmicas dos séculos VIII a X passa-se a impressão de que antes das cruzadas os reinos europeus nunca reagiram aos avanços dos invasores vindos do sul. Em outras palavras, passa-se a impressão de que batalhas tão celebradas por eles, como a batalha de Poitiers na qual Carlos Martel venceu os muçulmanos em 732, não ocorreu. Muito menos, por exemplo, a batalha de Tourtour que colocou fim à existência do Fraxinetum em 973. Ou mesmo os avanços de Carlos Magno sobre o norte da Ibéria ainda no final do século VIII, onde ele estabeleceu no que hoje é o nordeste da Espanha a marca hispânica.

Mas, se o que esses zé cruzadinhas geralmente falam não tem fundamento histórico algum, de onde vem isso? Um dos principais divulgadores da tese que eles defendem é o ex-professor de física e escritor norte-americano Bill Warner.

Segundo Bill Warner, houve 548 batalhas provocadas pelo Islã contra o que ele chama de civilização cristã. Vídeos de Bill Warner no You Tube podem ser encontrados e vistos em canais de direita, onde ele mostra um mapa onde ele faz uma comparação entre a quantidade de batalhas daquilo que ele convém chamar de cruzada e jihad.

Nessa comparação, Warner, entre outras coisas, faz um verdadeiro cherry picking e não menciona, por exemplo, as já citadas cruzadas do norte contra os povos pagãos do Báltico oriental, ou mesmo outras cruzadas contra poderes não-islâmicos, vide a cruzada dos cátaros no sul da França entre 1209 a 1229.

Foto – Bill Warner.

Isso sem contar com os mapas cheios de erros bem crassos, como o abaixo:


Foto – Europa e o mundo mediterrânico entre 1900 a 1920, segundo as ilações de Bill Warner.

No mapa acima, Bill Warner, para além de apresentar o mundo muçulmano como se fosse um bloco monolítico do ponto de vista geopolítico, ele coloca dentro das fronteiras do Islã entre 1900 a 1920 regiões como os baixos Volga e Ural, as margens do mar de Azov, o Cáucaso e a Ásia Média, regiões essas que foram conquistadas pela Rússia, um império cristão ortodoxo, entre os séculos XVI a XIX. Também coloca dentro do mundo muçulmano o subcontinente indiano, a época sob o controle colonial britânico, e a Argélia, o Marrocos e a Tunísia, a época sob o controle colonial francês. Sem contar ainda com o Oriente Médio, sobre o qual França e Inglaterra estabeleceram mandatos coloniais após o fim da Primeira Guerra Mundial por meio do acordo de Sykes-Picot.

E por que falar a esse respeito? Por que isso não é coisa de meia dúzia de gatos pingados de Internet, como a primeira vista pode parecer. Pelo contrário, pessoas influentes, que ocupam altos cargos em governos ocidentais professam esse tipo de pensamento.  Além disso, esse é o tipo de retórica que justifica, por exemplo, as sucessivas intervenções do Ocidente “livre e democrático” sobre países do muçulmano que só tem trazido instabilidade e caos a região, derrubando regimes e em seu lugar abrindo caminho para o surgimento de grupos salafistas como o Estado Islâmico, o Boko Haram e outros afins. E mesmo o que Israel vem fazendo na Palestina e outras partes do mundo árabe desde 1948, incluindo a atual guerra do governo Netanyahu contra a faixa de Gaza.

E, além disso, pode-se dizer que esses zé cruzadinhas e a esquerda pós-moderna tem seus pontos em comum. Se a segunda cria todo um passado idealizado de povos como os africanos e os ameríndios de antes da chegada dos europeus e início do processo de colonização, os primeiros enxergam a Europa medieval de maneira similar, para não dizer análoga.

Eles tratam a Europa medieval como se fosse um mundo idílico e monolítico, onde não havia conflitos entre os diversos reinos cristãos que surgiram após o fim do Império Romano Ocidental. Como se antes mesmo do surgimento do Islã não houvesse episódios como as já citadas conquistas bizantinas do reinado de Constantino II, as guerras entre os reinos franco e visigodo entre 496 a 511, a guerra entre francos e burgúndios entre 523 a 533, guerras entre francos e frísios nos séculos VII e VIII, a conquista do reino suevo pelo reino visigodo em 585 e outras tantas. Ou mesmo guerras civis dentro dos reinos, incluindo a guerra civil dentro do reino visigótico às vésperas da conquista islâmica da Ibéria. Tanto que a conquista islâmica tanto da Ibéria quanto da Sicília se dá com o apoio de setores da nobreza e do exército locais, vide o caso do general bizantino Eufêmio, que movido por ambições pessoais convidou os aglábidas do norte da África em 827 para auxiliá-lo em sua querela com o governo imperial baseado em Constantinopla.

Assim, podemos dizer que até nisso a esquerda pós-moderna e esses zé cruzadinhas de direita se completam um ao outro. Kami Sama e Piccolo Daimaoh, o yin e o yang, o alfa e o ômega, as duas faces de Janus contrapostas entre si. Podem ter certeza que se um cavaleiro dos tempos medievais visse um desses zé cruzadinhas atuais, no mínimo ficaria envergonhado.

Foto – Cavaleiro cruzado medieval vs zé cruzadinha dos dias hodiernos.

Fontes:

As cruzadas derrotaram o Islã? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/as-cruzadas-derrotaram-o-isla-o-que-ninguem-te-contou-sobre-isso/

As cruzadas salvaram a Europa de se tornar muçulmana? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/as-cruzadas-salvaram-a-europa-de-se-tornar-muculmana/

Jihad vs Cruzadas: quem agrediu mais, e pior? Disponível em: https://lepanto.com.br/jihad-vs-cruzadas-quem-agrediu-primeiro-mais-e-pior/

List of wars involving Francia (em inglês). Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_wars_involving_Francia

O fenômeno dos zé cruzadinhas da Internet. Disponível em: https://sadclaps.medium.com/o-fen%C3%B4meno-dos-z%C3%A9-cruzadinhas-da-internet-2b71734e493

Por que e como os muçulmanos tomaram a Sicília? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/por-que-e-como-os-muculmanos-tomaram-a-sicilia/

Quando os visigodos eram os conquistadores e a reconquista ibérica era bizantina. Disponível em: https://historiaislamica.com.br/quando-os-visigodos-eram-os-invasores-e-a-reconquista-iberica-era-bizantina/

Quem foi Tariq Ibn Zyiad e como ele tomou a Hispânia dos visigodos? Disponível em: https://historiaislamica.com.br/quem-foi-tariq-ibn-ziyad-e-como-ele-tomou-a-hispania-dos-visigodos/

Zé Cruzadinha. Disponível em: https://turmadamonica.fandom.com/pt-br/wiki/Z%C3%A9_Cruzadinha

terça-feira, 18 de março de 2025

Freeza e Rei Vegeta, parte XI

 

Foto – Vegeta (esquerda) e Rei Vegeta (direita).

E com vocês a parte XI da série de artigos “Freeza e Rei Vegeta”, iniciada em 2021.

Em São Paulo, no último carnaval, presenciamos uma cena bem repulsiva e nojenta: a escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi apresentou um carro alegórico que retrata um índio tupinambá que parece um zumbi caótico saído da capa de um álbum da banda Iron Maiden carregando na mão direita a cabeça decapitada do imperador Dom Pedro II.

Foto – Dom Pedro II decapitado no carro alegórico da escola de samba Acadêmicos do Tucuruvi.

A escola de samba apresentou o enredo “Assojaba – a busca pelo manto”. Tal enredo conta a respeito dos povos indígenas do Brasil e o manto Assojaba, pertencente ao povo tupinambá, vestimenta sagrada para alguns dos povos nativos do Brasil.

O carro alegórico em questão foi chamado de “O Ritual Ibirapema”, o qual desfilou com 93 integrantes tingidos de vermelho para representar o morticínio dos indígenas durante o processo de colonização do que veio a se tornar o Brasil. Na frente do carro, pessoas vestidas de índio seguravam arcos e flechas para defender suas terras.

No fim das contas, a escola em questão, antes tida como favorita, foi rebaixada ao grupo de acesso I junto com a Mancha Verde por conta das baixas notas que recebeu dos jurados.

Raphael Machado postou o seguinte texto a respeito desse lamentável episódio:

Carnaval 2025: Celebração do Anti-Brasil?

Não sou dos puritanos de espírito vitoriano que demonizam o Carnaval como um todo e já verti linhas suficientes sobre o simbolismo da festa e sobre suas potencialidades catárticas de fundo dionisíaco.

Vou, portanto, me limitar a comentar algo um pouco mais objetivo dizendo que o Carnaval e, especificamente, o desfile das escolas de samba poderiam ter uma função social e pedagógica (como muitas vezes já teve) de estetizar de forma lúdica diversos temas interessantes da história brasileira (e geral).

Sempre com um olhar popular, é mais uma maneira pela qual símbolos e heróis nacionais poderiam se espalhar pela cultura brasileira e recuperar presença no imaginário das massas.

Mas hoje em dia estamos muito longe dessa potencialidade, e creio que a causa é a ‘onguização’ do Carnaval, que acompanha a própria ‘onguização’ das favelas brasileiras. Hoje, não há um m2 de uma favela que não contenha uma ONG ou projeto social, sempre bem financiada e operada por universitários ou recém-formados de universidades. E sempre carregados com uma bagagem ideológica hostil ao Brasil.

São as narrativas de sempre: ‘o Brasil é dos índios’, ‘os portugueses roubaram o Brasil’, ‘a escravidão no Brasil foi causada pelo racismo, que permanece hegemônico’, e por aí vai.

O resultado são samba-enredos antinacionais, apontando para a desconstrução do Brasil, para a negação do caráter unitário de seu povo e para a dissolução do seu tecido social.

Caso emblemático é o do desfilo da Acadêmicos do Tucuruvi, que teve a ideia (em si, legítima), de celebrar a herança tupi brasileira (particularmente a tupinambá), mas o fez não pela síntese, mas pela oposição entre uma mítica e ilusória ‘Pindorama’ e o ‘Brasil’, simbolizada na alegoria da decapitação do Imperador Pedro II.

Agora, não sendo monarquista, posso apontar quão ridícula é a cena. Fundamentalmente porque Pedro II, fluente em tupi, recebeu a vassalagem de praticamente todos os caciques legítimos de sua época. Ele era bem quisto pelos índios, que apelavam diretamente a ele contra autoridades locais de tendências tirânicas. Mais ridículo é esse negócio de ‘Pindorama’, que nunca foi nome do Brasil, e sempre apenas designou uma região do leste brasileiro.

Esse samba-enredo, feito em ‘homenagem aos índios’, em nada ajuda aos índios. Ao contrário, os instrumentaliza contra o Brasil, fragilizando ainda mais a sua posição no país.

Outros sambas-enredos também demonstram origens ongueiras, basta ver o samba-enredo da Estrela do Novo Milênio e da Paraíso do Tuiuti. Ademais, é impressionante como quase todos os sambas-enredos desse ano foram sobre macumba.

O Carnaval sempre foi macumbeiro e não há problema algum nisso. É da natureza da festa. Mas não é normal que a maioria dos sambas-enredos seja especificamente sobre macumba, é como se houvesse uma padronização temática do desfile, o que só se explica pelas influências comuns que perpassam as escolas de samba e as favelas hoje, e que visam insuflar artificialmente um identitarismo negro de cariz antinacional.

Em conclusão, a realidade é que a festa vendida como a ‘mais brasileira’ tornou-se aquela que é a mais hostil à Brasilidade”.

Não há o que discordar do que foi dito acima. Aliás, vale lembrar que isso que vimos no carnaval do presente ano não é nenhuma novidade: no Chile, em 2019 incidentes similares aconteceram em cidades como La Serena e Valparaiso envolvendo depredações de estátuas de conquistadores espanhóis e militares chilenos, sobre os quais falamos na parte I.

Saindo um pouco do Brasil, também ficamos sabendo de umas notícias um tanto quanto similares, só que vindas do México. Mais precisamente, da atual mandatária da nação asteca, Claudia Sheinbaum, no exercício do cargo desde 1 de outubro do ano passado, após suceder Andrés Manuel López Obrador.

Foto – Claudia Sheinbaum, atual presidente do México.

Recentemente, mais precisamente em 28 de fevereiro do presente ano, aconteceu na praça da constituição da Cidade do México (também conhecida como Zócalo) os funerais de Estado em comemoração aos 500 anos da morte do último tlatoani asteca, Cuauhtémoc, executado pelos espanhóis em 1525, durante o processo da conquista da Mesoamérica. Sheinbaum lá estava encabeçando a cerimônia, além de integrantes do Exército, Aeronáutica e Guarda Nacional.

Sheinbaum, do alto de sua brincadeira de tlatoani asteca, chegou ao ponto de dizer nessa e em outras oportunidades que a Espanha deve-se desculpar por abusos durante o processo a conquista do Império Asteca aos chamados povos originários. Sendo tal conquista se deu com massivo apoio de povos insatisfeitos com o domínio asteca sobre a Mesoamérica, entre eles os tlaxcaltecas, e de figuras como La Malinche, indígena da etnia Nahua que serviu de intérprete para os exércitos espanhóis durante a conquista, foi batizada e se converteu ao catolicismo romano sob o nome Marina.

No fim das contas, o que se vê tanto no caso do desfile da Acadêmicos do Tucuruvi quanto nas falas e atitudes de Claudia Sheinbaum é que no afã de atacar a figura do conquistador espanhol e português das Américas, eles se ancoram em uma imagem idílica, idealizada e irreal dos povos que viviam nas Américas antes da chegada de exploradores como Cristóvão Colombo, Pedro Álvares Cabral e Leif Erikson. Imagem essa baseada no famigerado mito do bom selvagem.

E vejam só o grande paradoxo: no afã de atacar a figura do conquistador ibérico das Américas e defender aquilo que eles chamam de os povos originários, exaltam a figura de... povos que antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus ao continente americano também tinham todo um passado de guerreiros, conquistadores e forjadores de impérios e reinos.

E ainda mais paradoxal é o fato de que a própria Sheinbaum, a julgar pelo sobrenome dela, não descende de povos ameríndios que ela diz tanto defender. Não só ela como também seu antecessor e padrinho político, Andrés Manuel López Obrador (vulgo AMLO). Todos eles descendentes dos colonos e conquistadores espanhóis e de imigrantes europeus que aportaram no México a partir do século XVI, e que uma vez em solo mexicano lá ficaram, não retornando a Espanha ou a qualquer outro país europeu.

E são esses mesmos descendentes de colonos, conquistadores e imigrantes que nos dias hodiernos apontam o dedo para Portugal e Espanha e chegam ao ponto de pintar a já citada Malinche como uma espécie de Quisling ou marechal Pétain do século XVI. Mal sabendo eles que o México (assim como os demais países americanos falantes do espanhol) que nós conhecemos hoje não existia antes da conquista e colonização espanhola, assim como o Brasil também não existia antes da conquista e colonização lusitana.

Falar que o México, o Brasil ou a Venezuela existiam antes da chegada dos colonizadores e conquistadores ibéricos faz tanto sentido quanto dizer, por exemplo, que a Hungria existia na época dos impérios huno e ávaro. Ou seja, antes da chegada e estabelecimento dos magiares no atual território húngaro, no final do século IX.

E, como já disse em outras oportunidades nesse mesmo espaço, o que pessoas como a Claudia Sheinbaum e os ongueiros por trás do carro alegórico da Acadêmicos da Tucuruvi fazem no fim das contas é, fazendo uma analogia com Dragon Ball, derrubar as estátuas e monumentos dedicados ao Freeza, ao Cooler e ao Rei Cold para no lugar erguer estátuas e monumentos dedicados ao Bardock e ao Rei Vegeta. O qual, por seu turno, pretendia se tornar o senhor do universo no lugar da lagartixa após vencê-lo em combate (o episódio 78 de Dragon Ball Z mostra isso).

Resumindo a ópera: os grandes conquistadores passam a ser vistos como demônios e pintados com piores cores possíveis, ao passo que os conquistadores provincianos vencidos no passado por espanhóis e portugueses são exaltados e admirados. A tal ponto que se demoniza os primeiros precisamente por conta do que eles fizeram sobre os segundos.

Aliás, falando em Dragon Ball, falemos um pouco dos desatinos do Super, que foi criado pelo Akira Toriyama ainda em vida em parceria com Toyotaro (ou seja, algo canônico dentro da obra), em especial no que diz respeito das relações entre os saiyanos e o império de Freeza.

Parte do fandom não apenas de Dragon Ball como também de outras obras derivadas de mangás tais como Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, One Piece, Fly o pequeno guerreiro, Sailor Moon, Samurai X, Rosa de Versalhes e outras tantas chega ao ponto de achar que para determinada história ou arco dentro de obra x, y ou z ser boa ou não tem que ter sido escrita pelo autor da obra. No caso específico de Dragon Ball, Akira Toriyama, finado no ano passado aos 68 anos de idade.

Mas eu não sou assim, e acho isso uma estupidez muito grande essa história de ficar muito preso ao que é ou não é canônico dentro da obra para avaliar a qualidade das histórias da mesma. Parece que para essa gente o mangaká é um ser supremo e iluminado que não comete erros e nem pisa na bola. Sendo que o próprio Toriyama, ainda na saga Buu, em minha opinião pisou bem feio na bola ao misturar o humor do Dragon Ball clássico (o qual foi relegado a um papel mais secundário a partir da saga do Piccolo) com a pancadaria do Z.

Como já falei na parte anterior, o Super, para muito além da questão envolvendo Bardock (o pai de Goku e Raditz), promoveu uma espécie de branqueamento da história dos saiyanos. Até meio que os apresenta como um grupo de guerreiros que não tiveram outra escolha a não servir ao Rei Cold uma vez que estabeleceram contato com o conquistador espacial. E mais toda aquela história de saiyanos malvados e bons no planeta Sadala, Yamoši e tal. Só que algumas dessas coisas para mim, que já tenho 40 anos e sou formado em história, não colam.

O Z (em cenas exclusivas do anime), assim como o GT, mostram que os saiyanos não apenas já eram conquistadores ANTES mesmo de conhecerem o Rei Cold, como também que o atrito destes com Freeza que levou à destruição do Planeta Vegeta e à quase extinção dos saiyanos foi uma briga de poder. De poder e por poder.

O Super chega e muito do que foi dito sobre os saiyanos no Z e no GT é jogado para debaixo do tapete, incluindo a questão dos tsufurianos. Talvez, não por acaso, que na saga Granola os produtores do mangá optaram por mostrar parte do passado dos saiyanos como mercenários a serviço de Freeza envolvendo o pai de Goku, e não um caso de vingança por conta do que os saiyanos fizeram antes mesmo de conhecerem o Rei Cold, como o GT fez na saga Baby. E eu, particularmente, acho a vingança do Baby bem mais interessante que a do Granola. Por uma série de motivos, incluindo a inversão de papéis que há em relação à saga do Freeza.

Foto – Rei Vegeta sobre uma cidade tsufuriana devastada (Dragon Ball GT).

Fontes:

Carnaval 2025: Celebração do anti-Brasil? Disponível em: https://novaresistencia.org/2025/03/06/carnaval-2025-celebracao-do-anti-brasil/

Escola de samba mostra Dom Pedro II decapitado por indígena. Disponível em: https://pleno.news/brasil/escola-de-samba-mostra-dom-pedro-ii-decapitado-por-indigena.html

Mancha Verde e Tucuruvi são rebaixadas para grupo de acesso de SP. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/mancha-verde-e-tucuruvi-foram-rebaixadas-para-o-grupo-de-acesso-em-sp/

Presidenta do México insiste que Espanha deve pedir desculpas pelas “atrocidades” da conquista. Disponível em: https://desacato.info/presidenta-do-mexico-insiste-que-espanha-deve-pedir-desculpas-pelas-atrocidades-da-conquista/?fbclid=IwY2xjawJFtAdleHRuA2FlbQIxMQABHXJEYjDGTKsP6KXS9gRRb7M6SlDZ8Kt9XEXjFXV7g3MqGCS801J9HtBWdw_aem_Gcgf4AmAEjaPCwerURJFEQ9