quinta-feira, 29 de julho de 2021

Freeza e Rei Vegeta, parte III

 

Foto – Cena do primeiro encontro entre Freeza e Rei Vegeta (imagem do especial "Dragon Ball Super: Broly", de 2018).

E com vocês a terceira parte da nossa série de artigos “Freeza e Rei Vegeta”, que discute algumas questões da atualidade pegando carona na atual saga do mangá de Dragon Ball Super, a saga Granola, que mostra um antagonista que quer vingar-se dos saiyanos (e de Freeza também) por conta de matanças pregressas perpetradas pelo povo de Goku, Raditz, Nappa, Vegeta e Broly no tempo em que estes ainda serviam ao Imperador do Universo.

Considerações a respeito do trabalho de Toyotaro (para quem não sabe, Toyotaro, antes de se tornar o ilustrador do mangá de Dragon Ball Super, fazia fanfics do universo Dragon Ball, entre elas o famigerado Dragon Ball AF que muitos ingenuamente acreditaram nos idos de 2000 ser uma continuação do Dragon Ball GT) e Toriyama à parte, infelizmente um fato lamentável ocorreu no último sábado, dia 24 de julho de 2021: um grupo de vândalos ateou fogo na estátua de Borba Gato em São Paulo.

Tal ato de vandalismo foi perpetrado pelo grupo “Revolução Periférica”, sob a alegação de que o bandeirante que viveu nos séculos XVII e XVIII teria participado de expedições de caça e captura de índios e negros para serem escravizados. A estátua em questão foi incendiada, mas graças à ação dos bombeiros o incêndio foi controlado.

E, diga-se de passagem, essa não foi a primeira vez que a estátua de Borba Gato, obra assinada pelo artista Júlio Guerra em 1963, foi alvo de vandalismo: em 2016 foi atacada com um banho de tinta. Naquele mesmo ano, também foi alvo de vandalismo o Monumento às Bandeiras, obra assinada por Victor Brecheret localizada no Parque do Ibirapuera, também em São Paulo. Além disso, em 2020, durante a onda de protestos ocorrida após a morte de George Floyd nos Estados Unidos, crânios foram colocados ao lado de estátuas de bandeirantes (o monumento de Borba Gato incluso) como forma de ressignificar a história de São Paulo.

Foto – A estátua de Borba Gato em São Paulo ardendo em chamas.

É um incidente que se parece com um incidente similar ocorrido no Chile no ano retrasado, no qual a estátua do conquistador espanhol do século XVI Francisco de Aguirre foi derrubada na cidade de La Serena e em seu lugar uma estátua bem cafona relativa aos povos originários locais, os diaguitas, foi erguida. Durante os protestos contra o governo de Sebastian Piñera de 2019 incidentes similares foram verificados na nação andina, entre eles a derrubada por parte de ativistas do povo mapuche da estátua de Pedro de Valdívia, fundador de Santiago do Chile, que depois teve a cabeça decapitada e depois colada na mão da estátua do guerreiro mapuche do século XVI Caupolicán (incidentes sobre os quais falamos na primeira parte). Ou seja, é uma moda que vem de fora já faz algum tempo (inclusive desde antes da morte de George Floyd) e está chegando ao Brasil com força total.

Navegando pelo Facebook, encontrei esse tweet de Rui Costa Pimenta, dirigente do PCO, sobre o incidente:

Foto – Tweet de Rui Costa Pimenta, dirigente do PCO, de 25/07/2021 sobre o incidente envolvendo a estátua de Borba Gato.

Nesse ponto estou de pleno acordo com o dirigente do PCO. O que eles fazem com isso nada mais é aquilo que eu chamo de brincar de Caça-Fantasmas. Pois enquanto que eles estão preocupados com a estátua de um homem que morreu há três séculos, aqueles que realmente pisam na cara deles, pessoas como George Soros (financiador de grupos como Mídia Ninja, Quebrando o Tabu, Viva Rio e outros afins), Charles Koch, os donos das Big Techs (ou seja, gigantes do ramo da informática que dominam o mercado digital, tais como Facebook, Google, Apple, Microsoft e Amazon) e de laboratórios farmacêuticos, entre outros, estão ai, pisando nas caras deles. E vão continuar assim ad aeternum enquanto essa gente continuar a brincar de Caça-Fantasmas.

Também é digno de nota um vídeo curto que o historiador Eduardo Bueno lançou em seu canal, o Buenas Ideias, em que ele diz que o nome do grupo em questão é perfeito, visto que não vai ao centro, ao âmago da questão, e que queimaram um personagem que eles não sabem quem de fato é. Também estou de acordo, visto que é um episódio que diz muito mais sobre quem são aqueles que atearam fogo na estátua que sobre o personagem histórico queimado.

Agora, foquemos na questão dos índios que grupos como Revolução Periférica e outros dessa estirpe dizem defender. Pois o foco principal do presente artigo é esse: falar sobre a hipocrisia de grupelhos como esse a respeito dessa questão em específico. Eu gostaria de lançar as seguintes perguntas aos imbecis que perpetraram esse hediondo ato de vandalismo. Não só quero muito testar os conhecimentos de vocês a respeito não só de história, como também sobre os povos indígenas que aqui viviam (e ainda vivem):

1 – Vocês dizem tanto defender os indígenas que outrora povoavam o território que veio a constituir o Brasil a partir do século XVI (a partir da semente que Portugal lançou sobre a América e que com o tempo germinou e floresceu), certo? E acham que os bandeirantes não passam de uns assassinos e escravizadores de negros e indígenas? Pois bem. Sabiam que nas bandeiras havia uma forte presença do elemento indígena? Visto que, por exemplo, a própria expressão bandeira nasceu do costume tupiniquim de levantar bandeiras em sinal de guerra. E que não só o grosso das tropas era de índios, como também uma bandeira usava técnicas indígenas para sobreviver nos sertões do interior brasileiro e mais parecia uma tropa tupiniquim que um destacamento europeu (avanço em fila indiana, uso de canoas de tronco, sobrevivência à base de mel e palmito).

2 – Vocês sabiam que antes de Cabral chegar ao Brasil não havia unidade política entre os povos indígenas que aqui habitavam? Eram vários povos que aqui habitavam, desde a Amazônia aos pampas gaúchos e da Mata Atlântica ao Pantanal, pertencentes a vários troncos etno-linguísticos. E que esses povos, diferentes dos maias e dos astecas da Mesoamérica (atual México) e dos Incas da região Andina, levavam uma vida caçadora coletora, muitas vezes nômade, similar a que levavam os antepassados dos atuais alemães e escandinavos no tempo do Império Romano e mesmo em grande parte da Idade Média.

3 – Os povos que aqui viviam antes de Colombo e de Cabral (e quiçá antes mesmo de Erik o vermelho e Leif Erikson, entre o fim do século X e o começo do século XI) nunca formaram nenhum grande império ou civilização comparado aos Astecas e aos Incas, e constantemente viviam em conflitos uns com os outros. E não apenas isso: depois que os portugueses chegaram ao Brasil, tais povos costuravam alianças com os europeus (quer sejam eles os portugueses, quer sejam eles outros europeus que tentaram invadir o Brasil na ocasião – como o caso dos franceses quando estabeleceram a colônia da França Antártica no que hoje é o Rio de Janeiro). Alianças essas que eram costuradas por meio da prática do cunhadismo, antiga prática indígena de incorporar estranhos à sua comunidade através do casamento com mulheres de uma tribo. Graças a tais casamentos entre portugueses (que eram muito poucos nos primeiros anos de colonização) e mulheres indígenas, surgiu um extrato mestiço no território brasileiro (que depois seria muito importante nas bandeiras).

4 – Essas vicissitudes dos primeiros séculos do período colonial brasileiro mostram que o índio não foi um elemento passivo que foi o tempo todo objeto de matanças e genocídio por parte dos colonizadores vindos do além-mar. E, já pararam para pensar que esses indígenas que os portugueses encontraram no Brasil na verdade não são os mesmos indígenas que aqui existiam, por exemplo, no tempo de Erik o vermelho e Leif Erikson, ou mesmo mais para trás, no tempo de figuras históricas como Carlos Magno, Maomé, Átila o huno, Jesus Cristo, Júlio César, Alexandre o Grande e Ciro o Grande? Ou mesmo quando os primeiros humanos chegaram ao território brasileiro, ainda no Pleistoceno? Em outras palavras, que os indígenas daqui também tiveram seus dias de conquistadores de outros povos antes da vinda dos portugueses a partir de 1500?

5 – Sim, assim como os Astecas e os Incas, os indígenas daqui também tiveram seus dias de conquistadores, embora não tenham forjado nenhum grande império. E exemplo disso é o caso dos tupis. Sabe-se que os tupis, por exemplo, se originaram na região Amazônica (mais precisamente, na área dos vales dos rios Madeira e Xingu), e com o tempo se expandiram para outras partes do Brasil, incluindo as zonas costeiras, ainda nos primeiros séculos da era cristã. E que por volta do ano 1000 (ou seja, na mesma época em que os escandinavos iniciaram a colonização da Groenlândia e tentaram estabelecer Vinland na atual Terra Nova) os tupis desalojaram do litoral brasileiro os tapuias e os expulsaram para dentro as áreas interioranas (talvez, se os escandinavos tivessem navegado bem mais ao sul e chegado à costa brasileira, teriam presenciado tais conflitos entre skraelings[1] e os relatado em alguma saga). Quem acha que nesse processo de expansão dos tupis não houve choques e enfrentamentos com os tapuias que resultaram em muitas mortes e derramamento de sangue é ser, no mínimo, muito ingênuo e viver em um mundo fantasioso e colorido que só existe nos sonhos molhados de certos ativistas.

6 – No fim das contas com essa história de depredar e vandalizar estátuas dedicadas a pessoas mortas há muitos séculos, como é o caso de Borba Gato (assim como os manifestantes chilenos do ano retrasado fizeram quando derrubaram a estátua de Francisco de Aguirre e em seu lugar ergueram a estátua cafona dedicada à mulher diaguita), e achar que no lugar devem ser erguidas estátuas dedicadas a figuras da história indígena e negra brasileira, o que eles farão é a mesma coisa que vandalizar e derrubar a estátua do Freeza ou do Rei Cold e no lugar substituí-la pela estátua do Rei Vegeta ou do Bardock, fazendo uma analogia com Dragon Ball.

Em Dragon Ball, vimos no GT o Baby conduzir uma vingança contra os saiyanos por conta do que ocorreu aos tsufurianos no tempo em que os saiyanos, liderados pelo Rei Vegeta III (o pai do Vegeta que nós conhecemos muito bem), tomaram o controle do Planeta Plant para si após uma guerra que se arrastou por 10 anos e o rebatizaram em honra de seu rei, e detalhe: esses eventos aconteceram antes mesmo de conhecerem e se aliarem a Freeza. Ao que tudo indica o enredo da saga Baby em Dragon Ball GT foi inspirado em uma obra que fez muito sucesso no Japão nos anos 1980 e 1990, Teito Monogatari, que conta a respeito do intento vingador do feiticeiro das sombras Kato Yasunori, que almeja vingar-se do Japão pelo que ocorreu ao povo ainu desde que a Corte de Yamato chegou ao arquipélago japonês.

Foto – Rei Vegeta sobre uma cidade tsufuriana devastada (Dragon Ball GT).

O sucesso da obra de Hiroši Aramata no Japão foi tamanho que adaptações tanto em anime quanto em filme live-action foram feitas, além do fato de Kato ter inspirado inúmeros personagens na cultura pop japonesa, sendo M. Bison (originalmente Vega), o vilão-mor da franquia de jogos de luta Street Fighter, o mais famoso e icônico de todos eles.

E agora no mangá do Super (que provavelmente ganhará uma adaptação em anime em questão de anos) temos a vingança conduzida por Granola contra os saiyanos e o Freeza por conta do massacre dos cerealianos (com os heeters, obviamente, manipulando Granola a seu favor), ocorrido no tempo em que os saiyanos (valendo-se da habilidade de se transformarem em macacos gigantes por meio da lua cheia) ainda estavam a serviço do Imperador do Universo. E detalhe: no massacre dos cerealianos, pelo que os capítulos do mangá mostram, lá estava presente Bardock, o pai de Goku e Raditz, avô paterno de Gohan e Goten e bisavô de Pan.

Sabe-se que esse tipo de coisa (assim como muitas outras que não prestam) vem de universidades e centros acadêmicos das grandes cidades, os quais adoram copiar os modismos vindos da Europa e dos Estados Unidos e, possivelmente, não raro bancados por dinheiro de fora (quem sabe uma graninha do senhor Soros aqui e acolá...).

Vocês, que julgam pessoas que viveram entre os séculos XVI a XVIII segundo os padrões morais atuais (diga-se de passagem, os bandeirantes, antes de tudo, foram homens de seu tempo), passam tábula rasa na história brasileira com toda essa forma maniqueísta de analisa-la (o negro e o índio são bons, enquanto que o português é o demônio encarnado, pensam vocês), acreditam em coisas como mito do bom selvagem e outras tantas lendas negras a respeito da colonização ibérica das Américas e reproduzem acriticamente tais ideias como se fossem papagaios (além de acharem que a dinâmica de relacionamento entre negros, brancos e indígenas aqui no Brasil segue o mesmo padrão dos Estados Unidos), imaginem que a estátua do Borba Gato seja derrubada e em seu lugar seja erguida uma estátua dedicada a uma grande liderança indígena da época. Como por exemplo, uma liderança indígena da tribo dos tupis que se destacou quando os tupis desalojaram os tapuias da costa brasileira, a partir do século XI.

Vocês, que acham erradas tais homenagens por conta dos massacres que os bandeirantes cometeram no tempo em que viveram, me digam uma coisa: qual seria o sentimento que um descendente dos tapuias que no passado foram massacrados pelos tupis lá no tempo de Erik o vermelho e Leif Erikson teria, caso visse nas ruas de importantes cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador um monumento dedicado a uma liderança tupi daquele tempo (cujos nomes se perderam nas areias da história)? Certamente, o mesmo sentimento que o Baby teria caso visse uma estátua do Rei Vegeta, ou o Granola ou um sobrevivente do massacre do planeta Kanassa (mostrado no OVA “Bardock: o pai de Goku”) caso visse uma estátua do Bardock em algum planeta perdido no Universo. Sentir-se-ia no mínimo muito desconfortável e incomodado com tal homenagem. Resumindo a ópera: aquele que é vencido e conquistado de hoje é, muitas vezes, o conquistador de ontem.

E se acham que vão derrubar o Bolsonaro derrubando estátuas de bandeirantes como Borba Gato e tantos outros, sinto muito, mas é hora de vocês tirarem o cavalinho da chuva, pois é mais fácil o Madureira vencer o Barcelona ou o Bayern de Munique na final do Mundial de Clubes. Ele não só irá se reeleger ainda no primeiro turno das eleições de 2022 como também irá estabelecer uma dinastia no Brasil, e isso a despeito de todos os escândalos envolvendo o governo dele, caso continuem a agir dessa maneira.

Foto – Granola, o vingador (imagem colorizada).

Fontes:

Borba Gato ardeu nas chamas – Eduardo Bueno. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9fGmV9LU4xs

Borba Gato: um bandeirante muito concreto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UKHK80py4qo

Estátua de Borba Gato é incendiada em São Paulo. Disponível em: Estátua de Borba Gato é incendiada em São Paulo | SP | G1 (globo.com)

História do Brasil: os 500 anos do país em uma obra completa, ilustrada e atualizada. São Paulo: Folha de São Paulo, 1997.

Quem foi Borba Gato? Estátua de bandeirante foi alvo de ataque em 2016. Disponível em: Quem foi Borba Gato? Estátua incendiada já foi alvo de ataque em 2016 (uol.com.br)

Tupis. Disponível em: Tupis – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

NOTA:

[1] Termo usado nas sagas nórdicas para se referir aos povos que os escandinavos encontraram na Groenlândia e no Canadá a partir dos séculos X e XI.

2 comentários:

  1. Artigo novo! Autor (melhor assim do que ser íntimo a ponto de chamá-lo pelo nome), chegaste a ver o filme recém-lançado do Space Jam? Eu não, porém pelo que eu vi não é de boa qualidade mesmo, afinal de acordo com uma análise que eu vi no Omelete a única coisa boa segundo o autor (de uma ideologia no mínimo curiosa) foi a militância... outra coisa a se revelar é que apareceram armas na animação, ao contrário do que se esperava.

    Enfim, sobre o artigo... além de alcunhar o bandeirante como racista,
    os criminosos também desconhecidamente o chamam de fascista - o que leva a conclusão que, definitivamente, esse termo ficou genérico de uso para "qualquer coisa má". Não há argumentos, só essa estratégia que banaliza pelo uso generalizado de palavras fortes.

    ResponderExcluir
  2. Ainda não vi o novo Space Jam. Mas sei que cancelaram o Pepe Le Gambá do filme.

    ResponderExcluir