Foto – Manolo Pichardo.
Quarta-feira,
dia 24 de janeiro de 2018, Luís Inácio Lula da Silva foi condenado em segunda
instância pelo TRF4 por três votos a zero. Resultado esse que, diga-se de
passagem, por nós era esperado e previsível, ainda mais levando em consideração
que Gebran é compadre do Judge Murrow e por se tratar de um julgamento de
cartas marcadas desde o início. Dessa forma, consideramos o resultado desse
julgamento ilegítimo e farsesco.
Mas
o pior de tudo não foi isso, e sim o fato de que muita gente comemorou e até
soltou fogos pela prisão de Lula, além das costumeiras loas ao Judge Murrow.
Algo no mínimo nojento e repugnante, que muito diz sobre quem são as pessoas
que comemoraram a decisão do TRF4 e seu caráter. Mostra o quanto essa gente é
burra, alienada e politicamente analfabeta, assim como hipócrita, capataz da
Casa Grande, que acha que para supostamente combater a corrupção tudo vale (até
mesmo passar por cima das leis) e que acima de tudo quer a manutenção do
apartheid social que vigora no país desde os tempos coloniais. Afinal, com a
corrupção grassando no país como nunca eles não batem mais panelas como antes
do golpe. E que para ver seus inimigos de classe sendo destruídos não se
importam nem um pouco de jogarem confetes a juízes para lá de corruptos e a um
processo farsesco. Ao que tudo indica, a corrupção do governo Temer não vem ao
caso para essa gente. E mal eles se dão conta de que daqui um tempo, quando
forem acusados injustamente de algum crime, poderão ser presos apenas graças à convicção
de um juiz. Talvez só assim para essa gente aprender.
E
enquanto a boiada se diverte e comemora a ilegítima decisão do TRF4 e
bovinamente comemora a condenação de Lula, recentemente saiu na Revista Carta
Capital uma entrevista com o político dominicano Manolo Pichardo, atual presidente
da COPPPAL (Conferência Permanente de Partidos Políticos da América Latina e o
Caribe). Nessa entrevista, Manolo Pichardo conta, entre outras coisas, a respeito
de uma reunião que ele presenciou bem por acaso em uma suíte do hotel Mariott
em Atlanta ocorrida em novembro de 2012 que contou com a participação de
ex-presidentes de centro e de direita da América Latina onde teria sido
delineado um plano de desestabilização dos governos de esquerda da região,
dessa vez não se utilizando dos militares como outrora, e sim por meio de
processos judiciais em consonância com uma guerra informativa promovida pelos
grandes meios de comunicação.
Pichardo
conta que o processo contra o ex-presidente Lula é parte desse plano de forma a
impedi-lo de retornar à presidência do Brasil e de retomar com a aplicação de
políticas públicas que favorecem a maioria do povo brasileiro, que ele seria a joia
da coroa do plano, que outros líderes progressistas latino-americanos estão
sofrendo os mesmos efeitos de tal plano (sendo Jorge Glas, vice-presidente do
Equador, a mais recente vítima devido a acusações de corrupção) e que a mão
desse plano poderia já estar atuando no Uruguai em vista da recente renúncia do
antigo vice-presidente Raúl Sendic.
Estão
entre as forças envolvidas em tal complô, segundo Pichardo, forças políticas
que historicamente sempre serviram de apoio a grupos conservadores ligados a
forças estrangeiras que possuem influência em governos e multinacionais e que
operam como testas-de-ferro de interesses internacionais. Sobre os métodos
utilizados pelos ianques, Manolo Pichardo não descarta a possibilidade de
estarem promovendo divisionismo dentro das fileiras dos próprios partidos de
esquerda e assim cooptando políticos dessas forças para seu lado. Em resumo, o
Plano Atlanta seria uma grande campanha de desprestígio das lideranças de
esquerda da América Latina se utilizando dos meios de comunicação para
miná-los, e após o desgaste nas mãos da imprensa se seguiria uma segunda fase:
instauração de processos judiciais com o intuito de interromper o mandato dos
governantes em exercício. Em outras palavras, a Operação Condor 2.0, dessa vez
se utilizando de juízes reacionários como os gorilas a seu serviço e não
militares.
A
respeito do Plano Atlanta de que Manolo Pichardo falou, algumas considerações
sobre isso devem ser feitas, à luz do cenário geopolítico internacional e do
que hoje o Brasil e a América Latina vivenciam. Dizem que toda teoria da
conspiração possui suas verdades no meio de invencionices. O que aqui
pretendemos é justamente isso: separar o joio do trigo em torno dessa questão.
Primeiramente,
devemos entender que os Estados Unidos, acima de tudo, defendem e zelam por seu
status quo enquanto potência
hegemônica global e que almeja manter tal posição ad eternum. Uma vez, Henry Kissinger disse que os Estados Unidos
jamais iriam admitir um Japão ao sul da Equador. Ou seja, que jamais irão
admitir a existência de potência industrial alguma ao sul do Rio Grande. Na
Ásia, por questões de ordem geopolítica e geoestratégica, tanto a Inglaterra no
século XIX quanto os EUA no século XX permitiram que o Japão fosse uma potência
econômica e industrial com o intuito de criar um contraponto primeiro à Rússia
Imperial no século XIX durante o contexto do Grande Jogo entre Rússia e
Inglaterra e depois no século XX em relação à União Soviética e a China durante
a Guerra Fria. E todos nós sabemos que o imperialismo anglo-americano,
historicamente (a despeito de algumas alianças circunstanciais), nunca foi
amigável para com a Rússia, e o próprio establishment político estadunidense
igualmente é antipático ao país de Dostoevskij, Tolstoj e Puškin (algo do qual
as acusações de que Donald Trump teria recebido ajuda russa para se eleger
presidente é sintomático, como forma de chantageá-lo e condicionar a política
exterior dos EUA contra a Rússia). Mas, como na América Latina não existe nada similar
à Rússia e/ou à China, a conversa é completamente diferente. Assim sendo, fazem
questão de manter a América Latina debaixo de rédea curta. E, diga-se de
passagem, nisso os Estados Unidos apenas dão continuidade à política que a
Inglaterra por aqui já praticava desde o século XIX, quando as nações
latino-americanas se libertaram do tacão colonial luso-espanhol e quando a
Inglaterra se opôs à industrialização do Paraguai sob os López (e ao mesmo
tempo não fez o mesmo com o Japão sob o imperador Meidži).
Desde
a primeira metade do século XIX os EUA já tinham suas pretensões sobre a
América Latina através da Doutrina Monroe. E já na época Simón Bolívar disse
que os Estados Unidos estavam destinados pela providência divina a despejar
suas misérias na América Latina em nome da liberdade. A posição norte-americana
na América Latina se fortalece principalmente a partir da virada do século XIX
para o XX, na sequência da crise venezuelana de 1902/1903 (crise internacional
ocorrida em consequência de contradições imperialistas na bacia do mar do
Caribe), com o estabelecimento na costa caribenha de uma espécie uma espécie de
senhorio monopolístico. No que gerou um precedente no qual as nações
latino-americanas não teriam direito algum de repudiar as pretensões de
monopólios estrangeiros (entre eles a United Fruit Company que atuava na
América Central, a Standard Oil que atuava nos países andinos e caribenhos e a
ITT que financiou o golpe contra Allende).
Teve
lugar em novembro de 2005 a Quarta Cúpula das Américas, em Mar del Plata. Lá Lula, juntamente com Hugo Chávez, Nestor
Kirchner e outras lideranças latino-americanas, rechaçaram a ALCA (Área de
Livre Comércio das Américas) que Washington queria impor a todo o continente. No
que nada mais seria que uma ampliação do NAFTA para toda a América Latina. Evento
esse que também contou a presença do então presidente George W. Bush e outros
signatários do governo estadunidense. Bush II na época defendia não apenas a
criação e ampliação da ALCA, como também que os países latino-americanos
deveriam aceitar as medidas de ajuste estrutural do Fundo Monetário
Internacional e do Banco Mundial. Imaginem o que foi na época para Bush e seu
séquito ter que voltarem para casa com tamanho desaforo e o tapa na cara que
tomaram ao ouvirem de Hugo Chávez “Alca, Alca, al carajo!”. Ali o Consenso de
Washington e seus ditames neoliberais sobre a América Latina não só foi
repudiado como também literalmente destroçado e sentenciado à morte. Era um
verdadeiro sinal de alerta soando para os falcões do Pentágono e do
Departamento de Estado norte-americano. “Não podemos mais tolerar essa
brincadeira de mau gosto. Isso já foi longe demais”, eles devem ter pensado com
seus botões na época. Desaforo tão grande quanto em 1859 para a Inglaterra foi o
paraguaio Solano López (cujo país na época passava por uma revolução na
educação, saúde, indústria e comércio, tornando-se assim aos olhos ingleses um
exemplo perigoso a ser seguido pelos demais países sul-americanos) ter firmado
o pacto de San José de Flores, que unificou a Argentina e o fez despontar como um
líder da região.
Foto – Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner
na Quarta Cúpula das Américas, 2005.
O
“Alca, Alca, alcarajo” de Hugo Chávez evoluiu para o estabelecimento de uma
agenda sul-americana de integração entre os países da região, o fortalecimento não
só do Mercosul (que em 2012 suspendeu o Paraguai por causa do golpe judiciário-parlamentar
que levou à deposição de Fernando Lugo e no mesmo ano recebeu a adesão da
Venezuela) como também do comércio com a África e os países do Mundo Islâmico, assim
como a criação da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e da CELAC
(Comunidade dos Estados Latino-Americanos). Organizações essas das quais os
Estados Unidos e o Canadá estavam de fora. Assim, pouco a pouco a América
Latina estava deixando para trás a condição de quintal do imperialismo
anglo-americano que remonta ao século XIX. Isso para não falar dos BRICS
(Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). E dentro dos países
latino-americanos, a começar pela vitória de Hugo Chávez no pleito presidencial
venezuelano de 1998, os velhos líderes da direita alinhada aos EUA perdiam
eleição atrás de eleição para políticos progressistas. Surgiram os governos de
Nestor e Cristina Kirchner na Argentina, Lula e Dilma Rousseff no Brasil, Evo
Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, entre outros. Tal onda de
governos progressistas foi um desenvolvimento inédito na história
latino-americana e prejudicou os interesses do imperialismo anglo-americano ao
colocar freios à espoliação das riquezas latino-americanas (incluindo revisão
de contratos de empresas petroleiras e mineradoras), gerando assim um nível de
independência política e econômica inaceitável aos olhos imperialistas. Chegou-se
até ao ponto de a Venezuela e o Equador em 2010 negociarem a implantação da
moeda virtual SUCRE como alternativa sul-americana ao dólar (iniciativa essa
similar a que Kadaffi tentou criar na África com o dinar de ouro). E assim
atingindo o calcanhar de Aquiles da hegemonia global dos EUA.
Diz
o ditado que “antes um pássaro na mão que dois voando”. A América Latina estava
começando a alçar voos mais altos que o imperialismo anglo-americano poderia
tolerar. Portanto, chegou a hora de agir e tomar alguma providência, cortar as
asas da ave antes que ela alce voos mais altos. Já que os associados do
imperialismo não mais conseguiam vencer nas urnas como antes, “chega, a
brincadeira acabou. Isso não pode e não deve continuar assim”, devem ter
pensado os falcões do Pentágono. Era a hora do recorrer ao tapetão para poder vencê-los.
Também é digna de nota a descoberta do pré-sal durante o governo Lula, que foi
acompanhada do estabelecimento de uma política de conteúdo nacional com o
intuito de desenvolver a indústria nacional. Descoberta essa que cedo ou tarde
iria atrair o olho gordo das corporações petroleiras dos Estados Unidos e da
Europa, interessados em uma fonte de petróleo geograficamente mais próxima em
relação aos poços de petróleo do Oriente Médio, sem precisar ter que contornar
a costa africana e atravessar o Atlântico e sem ter que precisar esperar de 40
a 45 dias para que esse petróleo chegue às refinarias estadunidenses. Talvez,
Lula, Hugo Chávez e Nestor Kirchner já tenham sido jurados de morte pelo
imperialismo anglo-americano na sequência da Quarta Cúpula das Américas, com o
altar de sacrifício destinado a eles sendo preparado durante todo esse tempo.
E
porque o interesse anglo-americano no Brasil? Pelo simples fato de o Brasil ser
a maior economia da América Latina, o maior país em extensão territorial e
população da região e que durante o governo Lula se tornou uma das maiores
economias do mundo. Algo que a esse sistema de poder vigente no mundo hoje em
dia não interessa de forma alguma. Para esse sistema, o destino de um país como
o Brasil e outros tantos da periferia capitalista é ser um grande fazendão que
exporta a matéria prima que as grandes potências depois revendem na forma de
produtos manufaturados com alto valor agregado (no que gera uma relação
comercial extremamente favorável às nações industrializadas). E, nesse momento
de crescentes disputas geopolíticas dos EUA com a China e a Rússia, tudo o que
Washington menos quer ver é as nações latino-americanas saindo de seu tacão e
fazendo articulações com as nações euroasiáticas. Algo igualmente digno de nota
no que Pichardo disse a respeito dessa trama e que aqui não poderia ficar de
fora é que em artigo publicado em 2016, ele afirmou que também se mencionou
“alguns nomes de indivíduos ligados às instituições judiciais da região
comprometidos com a conspiração” e que um desses juízes é brasileiro (do qual
ele não recorda o nome por ter chegado à reunião por acaso). Tendo em vista tal
fato, será que a verdadeira origem da Car Wash está realmente no tal posto de
Curitiba, ou será que isso não passa de história para boi dormir? Particularmente,
eu não duvido nem um pouco disso, ainda mais tendo em vista que antes mesmo do
início da Car Wash já havia toda uma articulação entre setores o aparato
jurídico-policial do Estado e a grande imprensa que Jessé Souza menciona nas
páginas 106 e 107 do livro “A radiografia do golpe”, com o primeiro
insatisfeito por uma questão de interesses corporativos com possibilidade da
aprovação da a PEC 37 (que a época estava em pauta no parlamento e que previa
uma divisão de tarefas entre a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário), a
época taxada de “PEC da impunidade”. E não é só isso: será que a própria
condenação de Lula em realidade não teria sido elaborada não no TRF4 ou na vara
de Curitiba, e sim no Departamento de Justiça norte-americano? E o que será que
o Judge Murrow, Janot e outros da Car Wash vivem fazendo em suas constantes
idas aos Estados Unidos?
Tendo
em vista tais fatos, não duvidamos nem um pouco na existência de planos originalmente
delineados e urdidos não apenas em reuniões em hotéis como também em instâncias
de poder como o Departamento de Estado norte-americano e o Pentágono. Trata-se
de algo que se encontra muito longe se encontra de se tratar de
conspiracionismo a la Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa).
Aliás, falando no astrólogo que um dia foi muçulmano e membro integrante da
tariqa do Schuon, será que o conspiracionismo que ele criou em torno do Foro de
São Paulo alguma relação tem com o Plano Atlanta, servindo talvez como forma de
atacar retoricamente e denegrir perante a opinião pública as articulações entre
os governos de esquerda da América Latina que a época se formava? E que destino
será que aguarda não só a Lula como também a Maduro, Cristina Kirchner, Rafael
Correa, Fernando Lugo, Dilma e outros líderes da esquerda latino-americana?
Será que destinos similares aos de Saddam Hussein e de Muammar al-Kadaffi os
aguardam? E não é só isso: será que nessas reuniões planos de balcanizar a
América Latina ao estilo do que foi feito na Líbia, na Síria e no Iraque podem
também ter sido elaborados e delineados?
Resumindo
a ópera, o plano Atlanta nada mais é que a resposta que os Estados Unidos e
seus lacaios locais encontraram ao “Alca, Alca, alcarajo” proferido por Hugo
Chávez em Mar del Plata, à CELAC, aos BRICS, à Unasul, ao fortalecimento do
Mercosul e ao Sucre, da mesma forma que a Guerra da Tríplice Aliança foi a
resposta que a Inglaterra encontrou ao Tratado de San José de Flores.
Foto – A derrota da ALCA em 2005.
Fontes:
IV
Cumbre de las Americas (em espanhol). Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/IV_Cumbre_de_las_Am%C3%A9ricas
“Lula
é a joia da coroa do Plano Atlanta”. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-e-a-joia-da-coroa-do-plano-atlanta
Guerra
do Paraguai – o que não te contaram é o que importa. Disponível em: https://www.ocafezinho.com/2017/12/26/guerra-do-paraguai-o-que-nao-te-contaram-e-o-que-importa/
Paul
Antonopoulos – Venezuela: experimento bolivariano fracassado ou acusação
legítima de imperialismo americano? Disponível em: https://legio-victrix.blogspot.com.br/2017/11/paul-antonopoulos-venezuela-experimento.html
Plano
Atlanta: o golpe judicial midiático na América Latina. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/mundo/306491/Plano-Atlanta-o-golpe-judicial-midi%C3%A1tico-na-Am%C3%A9rica-Latina.htm
Plano
Atlanta a pauta para destruir Lula e países da América Latina. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=weXYdIBmPTM&ab_channel=InternationalPostResearchOk
Hace 10 años Latinoamerica dijo “no” a al ALCA (em
espanhol). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=8aDWdFdiqUA&ab_channel=teleSURtv
Souza,
Jessé. A radiografia do golpe: como e por que você foi enganado. Rio de
Janeiro: LeYa, 2016.