Foto – Saddam Hussein
(1937 – 2006).
Hoje, 30 de dezembro de
2016, completaram-se 10 anos da morte de Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikrit.
Nascido na cidade de Tikrit em 28 de abril de 1937, Sadddam Hussein é ao lado
de nomes como Muammar al-Kadaffi e Gamal Abdel Nasser o maior líder da história
recente do mundo árabe. Governou o Iraque como presidente no período entre 16
de julho a 1979 a 9 de abril de 2003 e como primeiro-ministro entre 1979 a 1991
e 1994 a 2003.
Saddam Hussein pertencia
ao partido Baath[1]
(termo em árabe que significa renascimento), fundado na Síria em 1943 e de
caráter nacionalista, laico e pan-árabe, e seu governo é fruto de um processo
que se inicia com a Revolução dos Oficiais Livres em 1958 sob a liderança do
general Karim Kassem. Como resultado da Revolução de 1958, a monarquia
hashemita, que anos antes fizera uma série de concessões ao imperialismo
ocidental (entre elas a entrega do petróleo iraquiano e de bases militares aos
britânicos por meio do pacto de Bagdá, assinado três anos antes junto com
Inglaterra, EUA, Turquia e Paquistão), foi derrubada, a família real executada
e a população tomou conta das ruas de Bagdá.
No plano ideológico, a
Revolução de 1958 teve uma forte influência da vitória da União Soviética na
Segunda Guerra Mundial, assim como das ideias pan-arabistas do líder egípcio
Gamal Abdel Nasser (o qual apoiou a própria Revolução Iraquiana junto com o
Partido Comunista Iraquiano). O pan-arabismo basicamente propunha a unidade dos
povos árabes sob uma única autoridade política, algo da qual careciam desde o
ano 756 devido à secessão do Emirado de Córdoba em relação ao Império Islâmico,
então sob a autoridade da Dinastia Abássida. Para tal Nasser fundou junto com
os baathistas sírios a República Árabe Unida unindo Síria e Egito como primeiro
passo para tamanho esforço. Ou seja, o que Nasser queria com o pan-arabismo
nada mais é que a mesma coisa que o comandante Hugo Chávez propunha para as
nações latino-americanas com o bolivarianismo. Pois como Simon Bolívar uma vez
disse, “União! União! Ou a anarquia os devorará!”. Ou vocês acham que sozinhas
e desunidas como se fossem gravetos jogados ao chão as nações da América
Latina, da África, da Europa (que, diga-se de passagem, mostrou-se extremamente
subserviente aos Estados Unidos nos recentes conflitos no Mundo Islâmico) e do
Oriente Médio terão alguma chance de resistirem e sobreviverem diante do poder
militar, bélico e ideológico do imperialismo anglo-americano? O destino que o
Iraque teve a partir de 2003 e a Líbia a partir de 2011 são sintomáticos disso.
E lembrem-se o imperialismo anglo-americano possui uma atuação global e não
restrita a partes de dois ou três continentes como era com os impérios dos
tempos antigos e medievais.
Kassem foi sucedido em
1963 por meio de um golpe de Estado militar, com Abdul Salam Aref se tornando
presidente. Para o Baath, que em 1958 tinha apenas cerca de 1000 militantes,
esse foi um período de aprendizado e fortalecimento. Superou uma série de
deficiências e seus divisionismos internos e em fevereiro de 1968, por meio de
um Congresso, prepara sua volta ao poder. E é ai que entra em cena a figura de
Saddam Hussein. Em 1968 ele, que esteve preso entre 1964 a 1967 e que se tornou
em pouco tempo um dos principais quadros do Partido Baath a ponto de se tornar
seu secretário, participou do golpe de Estado liderado por Ahmad Hassan al-Bakr
que depôs Abdul Rahman Aref (irmão de Abdul Salam Aref). Saddam foi nomeado
vice-presidente de Al-Bakr, assim como presidente adjunto do Conselho de
Comando Revolucionário do Partido Baath.
Sob seu governo, o
Iraque se tornou um dos países mais ricos e desenvolvidos do dito Terceiro
Mundo. Tudo isso em boa medida graças à nacionalização do petróleo. Para isso,
Saddam Hussein, que antes fizera acordos com a União Soviética e a França, teve
que enfrentar as Sete Irmãs do petróleo (as mesmas que hoje querem meter a mão
no pré-sal brasileiro), os EUA e a Inglaterra, os quais no fim cederam. Em
1979, com o afastamento do então presidente Ahmed Al-Bakr, Saddam, até então
seu vice e que já era o verdadeiro homem-forte do país, assumiu a chefia do
Estado iraquiano. Outras realizações do governo Saddam Hussein no Iraque
incluem alfabetização em massa, as mulheres passaram a ter um peso e
participação notável na sociedade, 90% da indústria em mãos do Estado, 80% da
agricultura cooperativada, criação de uma base científica e tecnológica,
política externa independente e ativa cujo foco principal era a unidade árabe,
reconhecimento do povo curdo como parte integrante fundamental do Iraque,
respeito aos direitos de outras etnias, renascimento cultural árabe, recuperação
das milenares raízes de uma terra que foi berço de várias civilizações ao longo
da história.
Um ano após sua ascensão
a chefia do Estado Iraquiano, teve que enfrentar uma guerra de oito anos contra
o Irã, onde os EUA apoiaram os dois lados da contenda. E, como se não bastasse
isso, teve que enfrentar em 1991 a primeira invasão anglo-americana, que foi
sucedida por tentativas de separatismo da parte dos curdos no norte e dos
xiitas sob a liderança do Partido al-Dawad no sul (que o exército iraquiano prontamente reprimiu). Nesse episódio
em questão (que foi um embate estritamente político, diga-se de passagem), o que Saddam fez utilizar-se da força para manter a integridade territorial de seu país. Ou será que um líder de sua estatura ficaria de braços cruzados vendo seu país sendo repartido como se fosse uma pizza? E não é dando flores e abraços que se vence essa gente. Depois da Primeira Guerra do Golfo,
houve as sanções econômicas que se arrastou por mais de 10 anos, o qual trouxe
grandes prejuízos e sofrimentos para a nação iraquiana. Tudo isso sob o
pretexto de que o fim das sanções poderia ajudar na recuperação e
fortalecimento da indústria armamentista iraquiana. O golpe final veio em 2003,
com a segunda invasão anglo-americana ao Iraque, e a subsequente prisão,
julgamento farsesco e execução do líder iraquiano.
Tal qual acontece com
vários líderes que ousaram desafiar o poder global vigente, o nome de Saddam
Hussein é muito difamado pelos grandes meios de comunicação (que não por acaso
estão a serviço do status quo desse
mesmo poder global vigente). Inúmeras foram as mentiras que foram criadas em
torno de sua figura, as quais serviram de justificativa para as invasões
anglo-americanas ao Iraque em 1991 e 2003 (e que infelizmente até mesmo setores
expressivos de esquerda as engoliram). Entre elas o suposto gaseamento aos
curdos de Halabja em 1998 e as supostas armas de destruição em massa que o
líder iraquiano tinha à época da segunda invasão anglo-americana, assim como
fantasiosas relações com a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Também se faz muita
fanfarra em torno das relações de Saddam Hussein com os Estados Unidos nos anos
1980.
Vamos aos fatos sobre
cada uma dessas acusações, pois são mitos que, além de serem muito repetidos
pela mídia de massa ocidental (e como dizia Goebbels, “uma mentira repetida mil
vezes se torna verdade”), ajudaram a justificar as barbaridades que o Iraque
sofreu na mão do imperialismo anglo-americano desde 1991:
1 – Questão curda: Em
1970, Saddam Hussein reconheceu uma das línguas curdas como um dos idiomas
oficiais do Iraque, assim como a bi-nacionalidade do Estado iraquiano, e com
isso os curdos ganharam parlamento próprio e ministros em Bagdá. Enquanto isso,
a Turquia, que desde que o Império Otomano foi abolido em 1923 é um estado
nacional baseado no nacionalismo exclusivista étnico de origem européia (tal qual
Israel e a Arábia Saudita), até hoje nunca fez algo do tipo, e assim a questão
curda continua a ser um problema para a Turquia até hoje. Posteriormente, como
já mencionado acima, Saddam Hussein teve que enfrentar um levante curdo no
norte do Iraque após a Primeira Guerra Mundial junto com um levante xiita no
sul. Entretanto, o que houve nessas ocasiões não foram perseguições de caráter
étnico, e sim embates de caráter político contra movimentos separatistas. Ou
vocês acham que um líder da estatura de Saddam Hussein ficaria de braços
cruzados vendo seu país se desintegrar em vários pedaços para a alegria do
imperialismo anglo-americano e seus sequazes locais?
2 – Guerra contra o Irã
(1980 – 1988): Muitos dizem que Saddam Hussein (que em 1979 se mostrou simpático
quanto a queda do xá) promoveu entre 1980 a 1988 uma guerra por procuração
contra o Irã no período entre 1980 a 1988 a mando dos Estados Unidos. Primeiramente,
há de se registrar que em 1982, reconhecendo derrota ante o Irã, Saddam fez um
pedido de paz que Khomeini recusou, alegando que só aceitaria a paz caso o
regime baathista fosse deposto. No curso da guerra Saddam faria outras
propostas de paz, igualmente rejeitadas por Khomeini[2].
Entretanto, em tal
conflito os EUA, na época sob a presidência de Ronald Reagan, também apoiou o
Irã no curso da guerra, tanto indiretamente por meio de aliados como o
Paquistão e a Argentina quanto diretamente por meio do escândalo Irã-Contras a
partir de 1985, onde o dinheiro da venda de armas ao Irã era utilizado para
financiar a guerrilha reacionária dos Contras na Nicarágua e que quase levou
Ronald Reagan a impeachment. Com o apoio aos dois beligerantes em questão, o
que Washington queria é que Bagdá e Teerã se digladiassem até a exaustão de
forma que se destruíssem mutuamente.
3 – Episódio de Halabja:
Tal episódio se deu em 1988, durante um enfrentamento entre iranianos e
iraquianos próximo ao vilarejo de Halabja, no nordeste do Iraque, próximo à
fronteira com o Irã. Na época, o então de Estado dos EUA, George Schultz,
acusou Saddam Hussein de utilizar armas químicas contra os curdos. Em
decorrência de tal acusação, o senado dos EUA aprovou por unanimidade sanções
econômicas contra o Iraque. Entretanto, quem de fato promoveu o ataque foram os
iranianos, em decorrência de um erro durante a batalha. O gás utilizado pelos
iraquianos na época era o gás mostarda, e o gás que flagelou Halabja na ocasião
era o cianeto, o gás utilizado pelos iranianos. Entretanto, essa acusação foi
na época desmentida por Stephen Pelletiere, ex-analista da CIA. Mas, se um
ex-analista da CIA desmentiu tal conto, por que muita gente continuou a engolir
tal conto? Porque as provas divulgadas por ele foram ignoradas e omitidas pela
mídia ocidental. Como não teve sua devida desmistificação, tal acusação foi
largamente usada como a grande prova de que Saddam Hussein oprimia seu povo e
serviu de pretexto para as invasões de 1991 e 2003.
4 – Relações com os EUA:
O Iraque durante a década de 1980 de fato manteve relações com os Estados
Unidos. Entretanto, a aproximação entre Bagdá e Washington foi meramente
tática, e dessa forma em momento algum ajudou a exercer a política da Casa
Branca no Oriente Médio: Saddam Hussein não reconheceu o Estado de Israel (o
mesmo Israel que em 1981 destruiu com a usina nuclear de Osirak por meio de um
ataque aéreo e que até 2003 olhava o Iraque como um de seus principais inimigos
na região), continuou a apoiar a causa palestina (haja vista que em 1987
autorizou o pagamento de indenização às famílias de todos os mártires
palestinos mortos na Intifada daquele ano), manteve as relações com países
árabes hostis ao Ocidente e em sua política exterior sempre priorizou o
relacionamento com países periféricos. Haja vista seu apoio aos sandinistas na
Nicarágua durante a década de 1980 e seus posicionamentos favoráveis a
independência de Porto Rico em relação aos EUA.
Outro episódio digno de
nota é que em 1982, quando Israel invadiu o Líbano, Saddam Hussein permitiu que
a guarda revolucionária iraniana a cruzar o espaço aéreo iraquiano em direção
ao Líbano para ajudar na formação de um grupo de resistência aos invasores
israelitas, ajudando assim no nascimento do Hizbollah. Além disso, nunca
abdicou da política de bem-estar social e manteve o petróleo iraquiano sob
controle estatal, assim não fazendo concessão alguma ao capital multinacional.
Que vassalo era esse que em várias questões estava em desacordo com a Casa
Branca? E ao contrário, por exemplo, do Irã, que durante o processo de
desintegração da Iugoslávia na década retrasada deu apoio aos bósnios liderados
por Alija Izetbegović[3] e assim fez coro à
ofensiva de Estados Unidos e Alemanha contra a Iugoslávia.
Fica aqui nossa
homenagem a Saddam Hussein. Um líder que, mesmo depois de preso, ainda assim se
dizia como o líder legítimo eleito pelos iraquianos e que em seu julgamento
farsesco volta e meia peitava os juízes que lhe acusavam (será que Lula terá a
mesma atitude caso venha a ser julgado em tribunal pela República de Curitiba?).
Foi sem dúvida um gigante que pisou sobre a face da Terra. Um grande
terceiro-mundista e opositor do imperialismo anglo-americano e do poder
sionista, assim como um grande amigo do Brasil e da América Latina. Também fica
aqui nossa indignação quanto ao fato de que nenhum partido dito esquerdista
brasileiro (alguns dos quais vivem apoiando terroristas em conflitos como a
Síria e a Líbia) lhe prestar homenagens. Isso mostra como a esquerda brasileira
está falida nos campos moral e intelectual e colonizada até as entranhas pela
máquina de propaganda ocidental e seus mitos. Se nada for feito contra isso, o
lixo da história a aguarda.
Saddam Hussein,
presente!
Foto – Saddam a cavalo
em Bagdá.
Fontes:
1968: o ano da Revolução
no Iraque. Disponível em: http://www.horadopovo.com.br/2000a/maio/23-05-00/pag6e.htm
O presidente Saddam
Hussein é o Che Guevara do século XXI. Disponível em:
Os sete mitos criados
pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque. Disponível em:
Os sete mitos criados
pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (2). Disponível em:
Os sete mitos criados
pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (3). Disponível em:
Os sete mitos criados
pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (4). Disponível em:
NOTAS:
[1] Leia-se “Baas”, pois no árabe a
partícula th tem som de s.
[2] Leia-se “Rromeini”, pois no persa,
assim como em idiomas como o árabe, o russo e o mongol, a partícula kh tem o
mesmo valor do ch no alemão e no polonês, do h no inglês e no húngaro e do j no
espanhol: r aspirado.
[3] Leia-se “Aliia Izetbegovitch”, pois
no servo-croata e no bósnio as partículas j e ć tem valor de i e tch,
respectivamente.
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