sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Homenagem - 10 anos sem Saddam Hussein.


Foto – Saddam Hussein (1937 – 2006).
Hoje, 30 de dezembro de 2016, completaram-se 10 anos da morte de Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikrit. Nascido na cidade de Tikrit em 28 de abril de 1937, Sadddam Hussein é ao lado de nomes como Muammar al-Kadaffi e Gamal Abdel Nasser o maior líder da história recente do mundo árabe. Governou o Iraque como presidente no período entre 16 de julho a 1979 a 9 de abril de 2003 e como primeiro-ministro entre 1979 a 1991 e 1994 a 2003.
Saddam Hussein pertencia ao partido Baath[1] (termo em árabe que significa renascimento), fundado na Síria em 1943 e de caráter nacionalista, laico e pan-árabe, e seu governo é fruto de um processo que se inicia com a Revolução dos Oficiais Livres em 1958 sob a liderança do general Karim Kassem. Como resultado da Revolução de 1958, a monarquia hashemita, que anos antes fizera uma série de concessões ao imperialismo ocidental (entre elas a entrega do petróleo iraquiano e de bases militares aos britânicos por meio do pacto de Bagdá, assinado três anos antes junto com Inglaterra, EUA, Turquia e Paquistão), foi derrubada, a família real executada e a população tomou conta das ruas de Bagdá.
No plano ideológico, a Revolução de 1958 teve uma forte influência da vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial, assim como das ideias pan-arabistas do líder egípcio Gamal Abdel Nasser (o qual apoiou a própria Revolução Iraquiana junto com o Partido Comunista Iraquiano). O pan-arabismo basicamente propunha a unidade dos povos árabes sob uma única autoridade política, algo da qual careciam desde o ano 756 devido à secessão do Emirado de Córdoba em relação ao Império Islâmico, então sob a autoridade da Dinastia Abássida. Para tal Nasser fundou junto com os baathistas sírios a República Árabe Unida unindo Síria e Egito como primeiro passo para tamanho esforço. Ou seja, o que Nasser queria com o pan-arabismo nada mais é que a mesma coisa que o comandante Hugo Chávez propunha para as nações latino-americanas com o bolivarianismo. Pois como Simon Bolívar uma vez disse, “União! União! Ou a anarquia os devorará!”. Ou vocês acham que sozinhas e desunidas como se fossem gravetos jogados ao chão as nações da América Latina, da África, da Europa (que, diga-se de passagem, mostrou-se extremamente subserviente aos Estados Unidos nos recentes conflitos no Mundo Islâmico) e do Oriente Médio terão alguma chance de resistirem e sobreviverem diante do poder militar, bélico e ideológico do imperialismo anglo-americano? O destino que o Iraque teve a partir de 2003 e a Líbia a partir de 2011 são sintomáticos disso. E lembrem-se o imperialismo anglo-americano possui uma atuação global e não restrita a partes de dois ou três continentes como era com os impérios dos tempos antigos e medievais.
Kassem foi sucedido em 1963 por meio de um golpe de Estado militar, com Abdul Salam Aref se tornando presidente. Para o Baath, que em 1958 tinha apenas cerca de 1000 militantes, esse foi um período de aprendizado e fortalecimento. Superou uma série de deficiências e seus divisionismos internos e em fevereiro de 1968, por meio de um Congresso, prepara sua volta ao poder. E é ai que entra em cena a figura de Saddam Hussein. Em 1968 ele, que esteve preso entre 1964 a 1967 e que se tornou em pouco tempo um dos principais quadros do Partido Baath a ponto de se tornar seu secretário, participou do golpe de Estado liderado por Ahmad Hassan al-Bakr que depôs Abdul Rahman Aref (irmão de Abdul Salam Aref). Saddam foi nomeado vice-presidente de Al-Bakr, assim como presidente adjunto do Conselho de Comando Revolucionário do Partido Baath.
Sob seu governo, o Iraque se tornou um dos países mais ricos e desenvolvidos do dito Terceiro Mundo. Tudo isso em boa medida graças à nacionalização do petróleo. Para isso, Saddam Hussein, que antes fizera acordos com a União Soviética e a França, teve que enfrentar as Sete Irmãs do petróleo (as mesmas que hoje querem meter a mão no pré-sal brasileiro), os EUA e a Inglaterra, os quais no fim cederam. Em 1979, com o afastamento do então presidente Ahmed Al-Bakr, Saddam, até então seu vice e que já era o verdadeiro homem-forte do país, assumiu a chefia do Estado iraquiano. Outras realizações do governo Saddam Hussein no Iraque incluem alfabetização em massa, as mulheres passaram a ter um peso e participação notável na sociedade, 90% da indústria em mãos do Estado, 80% da agricultura cooperativada, criação de uma base científica e tecnológica, política externa independente e ativa cujo foco principal era a unidade árabe, reconhecimento do povo curdo como parte integrante fundamental do Iraque, respeito aos direitos de outras etnias, renascimento cultural árabe, recuperação das milenares raízes de uma terra que foi berço de várias civilizações ao longo da história.
Um ano após sua ascensão a chefia do Estado Iraquiano, teve que enfrentar uma guerra de oito anos contra o Irã, onde os EUA apoiaram os dois lados da contenda. E, como se não bastasse isso, teve que enfrentar em 1991 a primeira invasão anglo-americana, que foi sucedida por tentativas de separatismo da parte dos curdos no norte e dos xiitas sob a liderança do Partido al-Dawad no sul (que o exército iraquiano prontamente reprimiu). Nesse episódio em questão (que foi um embate estritamente político, diga-se de passagem), o que Saddam fez utilizar-se da força para manter a integridade territorial de seu país. Ou será que um líder de sua estatura ficaria de braços cruzados vendo seu país sendo repartido como se fosse uma pizza? E não é dando flores e abraços que se vence essa gente. Depois da Primeira Guerra do Golfo, houve as sanções econômicas que se arrastou por mais de 10 anos, o qual trouxe grandes prejuízos e sofrimentos para a nação iraquiana. Tudo isso sob o pretexto de que o fim das sanções poderia ajudar na recuperação e fortalecimento da indústria armamentista iraquiana. O golpe final veio em 2003, com a segunda invasão anglo-americana ao Iraque, e a subsequente prisão, julgamento farsesco e execução do líder iraquiano.
Tal qual acontece com vários líderes que ousaram desafiar o poder global vigente, o nome de Saddam Hussein é muito difamado pelos grandes meios de comunicação (que não por acaso estão a serviço do status quo desse mesmo poder global vigente). Inúmeras foram as mentiras que foram criadas em torno de sua figura, as quais serviram de justificativa para as invasões anglo-americanas ao Iraque em 1991 e 2003 (e que infelizmente até mesmo setores expressivos de esquerda as engoliram). Entre elas o suposto gaseamento aos curdos de Halabja em 1998 e as supostas armas de destruição em massa que o líder iraquiano tinha à época da segunda invasão anglo-americana, assim como fantasiosas relações com a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Também se faz muita fanfarra em torno das relações de Saddam Hussein com os Estados Unidos nos anos 1980.
Vamos aos fatos sobre cada uma dessas acusações, pois são mitos que, além de serem muito repetidos pela mídia de massa ocidental (e como dizia Goebbels, “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”), ajudaram a justificar as barbaridades que o Iraque sofreu na mão do imperialismo anglo-americano desde 1991:
1 – Questão curda: Em 1970, Saddam Hussein reconheceu uma das línguas curdas como um dos idiomas oficiais do Iraque, assim como a bi-nacionalidade do Estado iraquiano, e com isso os curdos ganharam parlamento próprio e ministros em Bagdá. Enquanto isso, a Turquia, que desde que o Império Otomano foi abolido em 1923 é um estado nacional baseado no nacionalismo exclusivista étnico de origem européia (tal qual Israel e a Arábia Saudita), até hoje nunca fez algo do tipo, e assim a questão curda continua a ser um problema para a Turquia até hoje. Posteriormente, como já mencionado acima, Saddam Hussein teve que enfrentar um levante curdo no norte do Iraque após a Primeira Guerra Mundial junto com um levante xiita no sul. Entretanto, o que houve nessas ocasiões não foram perseguições de caráter étnico, e sim embates de caráter político contra movimentos separatistas. Ou vocês acham que um líder da estatura de Saddam Hussein ficaria de braços cruzados vendo seu país se desintegrar em vários pedaços para a alegria do imperialismo anglo-americano e seus sequazes locais?
2 – Guerra contra o Irã (1980 – 1988): Muitos dizem que Saddam Hussein (que em 1979 se mostrou simpático quanto a queda do xá) promoveu entre 1980 a 1988 uma guerra por procuração contra o Irã no período entre 1980 a 1988 a mando dos Estados Unidos. Primeiramente, há de se registrar que em 1982, reconhecendo derrota ante o Irã, Saddam fez um pedido de paz que Khomeini recusou, alegando que só aceitaria a paz caso o regime baathista fosse deposto. No curso da guerra Saddam faria outras propostas de paz, igualmente rejeitadas por Khomeini[2].
Entretanto, em tal conflito os EUA, na época sob a presidência de Ronald Reagan, também apoiou o Irã no curso da guerra, tanto indiretamente por meio de aliados como o Paquistão e a Argentina quanto diretamente por meio do escândalo Irã-Contras a partir de 1985, onde o dinheiro da venda de armas ao Irã era utilizado para financiar a guerrilha reacionária dos Contras na Nicarágua e que quase levou Ronald Reagan a impeachment. Com o apoio aos dois beligerantes em questão, o que Washington queria é que Bagdá e Teerã se digladiassem até a exaustão de forma que se destruíssem mutuamente.
3 – Episódio de Halabja: Tal episódio se deu em 1988, durante um enfrentamento entre iranianos e iraquianos próximo ao vilarejo de Halabja, no nordeste do Iraque, próximo à fronteira com o Irã. Na época, o então de Estado dos EUA, George Schultz, acusou Saddam Hussein de utilizar armas químicas contra os curdos. Em decorrência de tal acusação, o senado dos EUA aprovou por unanimidade sanções econômicas contra o Iraque. Entretanto, quem de fato promoveu o ataque foram os iranianos, em decorrência de um erro durante a batalha. O gás utilizado pelos iraquianos na época era o gás mostarda, e o gás que flagelou Halabja na ocasião era o cianeto, o gás utilizado pelos iranianos. Entretanto, essa acusação foi na época desmentida por Stephen Pelletiere, ex-analista da CIA. Mas, se um ex-analista da CIA desmentiu tal conto, por que muita gente continuou a engolir tal conto? Porque as provas divulgadas por ele foram ignoradas e omitidas pela mídia ocidental. Como não teve sua devida desmistificação, tal acusação foi largamente usada como a grande prova de que Saddam Hussein oprimia seu povo e serviu de pretexto para as invasões de 1991 e 2003.
4 – Relações com os EUA: O Iraque durante a década de 1980 de fato manteve relações com os Estados Unidos. Entretanto, a aproximação entre Bagdá e Washington foi meramente tática, e dessa forma em momento algum ajudou a exercer a política da Casa Branca no Oriente Médio: Saddam Hussein não reconheceu o Estado de Israel (o mesmo Israel que em 1981 destruiu com a usina nuclear de Osirak por meio de um ataque aéreo e que até 2003 olhava o Iraque como um de seus principais inimigos na região), continuou a apoiar a causa palestina (haja vista que em 1987 autorizou o pagamento de indenização às famílias de todos os mártires palestinos mortos na Intifada daquele ano), manteve as relações com países árabes hostis ao Ocidente e em sua política exterior sempre priorizou o relacionamento com países periféricos. Haja vista seu apoio aos sandinistas na Nicarágua durante a década de 1980 e seus posicionamentos favoráveis a independência de Porto Rico em relação aos EUA.
Outro episódio digno de nota é que em 1982, quando Israel invadiu o Líbano, Saddam Hussein permitiu que a guarda revolucionária iraniana a cruzar o espaço aéreo iraquiano em direção ao Líbano para ajudar na formação de um grupo de resistência aos invasores israelitas, ajudando assim no nascimento do Hizbollah. Além disso, nunca abdicou da política de bem-estar social e manteve o petróleo iraquiano sob controle estatal, assim não fazendo concessão alguma ao capital multinacional. Que vassalo era esse que em várias questões estava em desacordo com a Casa Branca? E ao contrário, por exemplo, do Irã, que durante o processo de desintegração da Iugoslávia na década retrasada deu apoio aos bósnios liderados por Alija Izetbegović[3] e assim fez coro à ofensiva de Estados Unidos e Alemanha contra a Iugoslávia.
Fica aqui nossa homenagem a Saddam Hussein. Um líder que, mesmo depois de preso, ainda assim se dizia como o líder legítimo eleito pelos iraquianos e que em seu julgamento farsesco volta e meia peitava os juízes que lhe acusavam (será que Lula terá a mesma atitude caso venha a ser julgado em tribunal pela República de Curitiba?). Foi sem dúvida um gigante que pisou sobre a face da Terra. Um grande terceiro-mundista e opositor do imperialismo anglo-americano e do poder sionista, assim como um grande amigo do Brasil e da América Latina. Também fica aqui nossa indignação quanto ao fato de que nenhum partido dito esquerdista brasileiro (alguns dos quais vivem apoiando terroristas em conflitos como a Síria e a Líbia) lhe prestar homenagens. Isso mostra como a esquerda brasileira está falida nos campos moral e intelectual e colonizada até as entranhas pela máquina de propaganda ocidental e seus mitos. Se nada for feito contra isso, o lixo da história a aguarda.
Saddam Hussein, presente!

Foto – Saddam a cavalo em Bagdá.

Fontes:
1968: o ano da Revolução no Iraque. Disponível em: http://www.horadopovo.com.br/2000a/maio/23-05-00/pag6e.htm
O presidente Saddam Hussein é o Che Guevara do século XXI. Disponível em:
Os sete mitos criados pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque. Disponível em:
Os sete mitos criados pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (2). Disponível em:
Os sete mitos criados pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (3). Disponível em:
Os sete mitos criados pela mídia ocidental que ajudaram a destruir o Iraque (4). Disponível em:
Simón Bolívar (em espanhol). Disponível em: https://es.wikiquote.org/wiki/Sim%C3%B3n_Bol%C3%ADvar


NOTAS:


[1] Leia-se “Baas”, pois no árabe a partícula th tem som de s.
[2] Leia-se “Rromeini”, pois no persa, assim como em idiomas como o árabe, o russo e o mongol, a partícula kh tem o mesmo valor do ch no alemão e no polonês, do h no inglês e no húngaro e do j no espanhol: r aspirado.
[3] Leia-se “Aliia Izetbegovitch”, pois no servo-croata e no bósnio as partículas j e ć tem valor de i e tch, respectivamente.

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