Foto
– Fidel Castro ao lado de Leonel Brizola.
No dia 25 de novembro de
2016, um gigante deixou esse mundo aos 90 anos de idade. Seu nome Fidel Alejandro[1] Castro Ruz. Fidel Castro governou
Cuba entre 1959 a 2008 (ou seja, durante quase meio século) e foi sem sombra de
dúvidas o maior líder latino-americano de todos os tempos. Mas quem foi esse
homem que ao mesmo tempo é muito admirado por uns e ferozmente odiado por
outros?
Segundo Waldir
Rampinelli Júnior, Fidel Castro foi junto com o líder vietnamita Ho Chi Minh os
dois maiores estadistas do mundo na segunda metade do século XX por terem
vencido militarmente o imperialismo estadunidense e que possivelmente demorará
no mínimo um século para o mundo voltar a ter líderes de tamanha estatura.
Da mesma forma com que
para se entender a Revolução Russa é necessário entender o que era a Rússia
antes de 1917 e que para se entender Muammar al-Kadaffi é necessário entender o
que era a Líbia antes da Revolução de 1969 (entre tantos outros exemplos que
aqui podem ser listados e citados), para se entender Fidel Castro é necessário
entender o que era Cuba antes da Revolução de 1959. Cuba foi parte do Império
Colonial Espanhol entre 1510 a 1898, e a tutela formal espanhola foi em seguida
sucedida pela tutela informal norte-americana depois que a Espanha foi vencida
pelos Estados Unidos na Guerra Hispano-Americana de 1898.
Sob a tutela
norte-americana, Cuba era um verdadeiro protetorado de Washington e apresentava
o mesmo quadro típico de abismo social que flagela as nações latino-americanas:
de um lado havia uma grande massa miserável que era flagelada por mazelas como
o analfabetismo, a pobreza extrema e altas taxas de mortalidade infantil, e de
outro uma elite opulenta que explorava o país em conluio com o imperialismo
norte-americano, o qual por sua vez tinha em suas mãos a produção açucareira e
a rede hoteleira cubana. Grassavam na época em Cuba cassinos e prostíbulos que
eram frequentados pela máfia, por milionários e militares dos Estados Unidos, e
o país era um paraíso para atividades como lavagem de dinheiro, jogatina
ilegal, tráfico de drogas e de mulheres. Além disso, Washington influenciava
fortemente em sua política interna. Não raro Washington entronava e derrubava
os governantes cubanos conforme seus interesses do momento. Um desses que
recebeu o apoio ianque foi Fulgencio Batista, que governou Cuba entre 1940 a
1944 e retornou ao poder em 10 de março de 1952 tomou o poder através de um
golpe de Estado. O regime de Batista se caracterizou por sua truculência e
corrupção.
Em 26 de julho de 1953
houve os ataques aos quartéis de Moncada e de Carlos Manuel de Céspedes, cuja
repressão matou vários combatentes e prendeu outros. Entre os presos estava
Fidel Alejandro Castro Ruz, recém-formado advogado pela Universidade de Havana.
Na época, suas principais influências a nível ideológico eram o líder argentino
Juan Domingos Perón, o poeta e intelectual cubano José Martí e o falangista
espanhol José Antonio Primo de Rivera.
Após um tempo na prisão,
Fidel Castro se exilou no México. Lá se reuniu com opositores ao regime de
Fulgencio Batista, e em 1954 funda o Movimento Revolucionário 26 de Julho, com
o objetivo de estabelecer uma guerra de guerrilha que fosse capaz de derrubar o
regime vigente em Havana. Do México, Fidel Castro, junto com 82 combatentes
(entre eles o marxista argentino Che Guevara) no iate Granma, fazem após uma
viagem de sete dias um assalto a Cuba em 1956, desembarcando no litoral sudeste
de Cuba. Ante a repressão inicial e outros problemas, apenas 22 dos combatentes
sobreviveram.
O movimento teve que
então recomeçar praticamente que zero para garantir sua sobrevivência e
reestruturação. Para isso, contaram com a ajuda de camponeses que os guiaram
pelas florestas e os alimentaram. Ao mesmo tempo, o governo respondia com
retaliações a qualquer um que supostamente ajudasse os rebeldes como forma de
terrorismo psicológico, e na capital alardeava que o movimento rebelde fora
sufocado. Tendo consciência de que ainda não eram fortes o suficiente para
enfrentar as tropas governamentais abertamente, os revolucionários mantinham-se
sempre em movimento, fazendo emboscadas e evitando contato com o inimigo o
máximo possível. Por meio da estratégia do “bater e correr”, conseguiram
infligir alguns danos ao exército e pequenas vitórias.
Pouco a pouco, o
movimento conquistou a simpatia dos guarijos, os camponeses cubanos, pois cada
espaço conquistado pelos rebeldes logo era considerado Território Livre e suas
terras divididas entre os camponeses. O movimento já tinha uma base que
funcionava como Quartel General, situado na Sierra Maestra, sob a organização
de Che Guevara, onde se criou um sistema rudimentar para a produção de pão e
charque para alimentar as tropas, artigos de couro para os soldados e até uma
pequena imprensa de onde eram editados manifestos e até um jornal da floresta.
Foto
– Fidel Castro ao lado do líder egípcio Gamal Abdel Nasser.
À medida que os combates
se desenrolavam, as forças da guerrilha, a despeito das lutas contra forças
desiguais, conseguiam empurrar as tropas inimigas para trás de suas linhas, e
conforme a distância de Havana diminuia, os combates se tornam cada vez mais
ferozes. Fulgencio lança mão de suas últimas forças, mas esse esforço é inútil,
principalmente depois que os rebeldes interceptaram um trem blindado repleto de
material bélico, ao qual o regime de Batista depositava suas últimas forças
realmente significativas. Com as forças de Batista se retirando e se
dispersando, os rebeldes chegaram à Havana em 1º de janeiro de 1959 para travar
a batalha final. Batista fugiu do país na madrugada anterior, junto com a
cúpula de seu governo, a elite do país e a cúpula do exército, que abandonaram
tudo que não puderam levar, e as tropas rebeldes, após vencerem junto com o
povo os poucos bolsões de resistência inimiga a seu avanço dentro da capital
cubana, são recebidas como heróis.
A respeito da Revolução
Cubana (que o próprio Fidel Castro afirmou em uma ocasião que seu início
verdadeiro não foi em 1956, e na guerra de 1868 a 1878 contra o colonialismo
espanhol), algo digno de nota é que ela originalmente não era comunista. Tinha
um caráter mais nacionalista e intentava fazer uma série de reformas estruturais,
entre elas a reforma agrária. Entretanto, a hostilidade dos Estados Unidos (ao
qual Fidel Castro tentou estabelecer relações amigáveis logo após a Revolução)
fez com Cuba bandeasse para o lado da União Soviética e adotasse o modelo
comunista de organização social, que tal qual na Coréia do Norte sobreviveu
mesmo após o fim da União Soviética em 1991.
Após a Revolução de
1959, Cuba conseguiu inúmeros feitos na área social. Erradicou em pouco tempo com
o analfabetismo e o latifúndio monocultor no campo (e assim devolveu a terra ao
povo e a deu um valor social), conquistou o segundo melhor IDH de toda a
América Latina, tem o melhor sistema educacional da América Latina, seu sistema
de saúde é tido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um modelo para o
mundo, é o 2º país menos violento da América Latina (segundo estudo da ONU, a
taxa de homicídios cubana é de 4,2 por 100 mil habitantes, contra 25,2 por 100
mil habitantes do Brasil), sua taxa de alfabetização chega a quase 100%, nos
últimos 13 anos a taxa de desemprego tem variado entre 1 a 3%, nos últimos 21
anos teve taxas de crescimento econômico que variaram entre 1 a 12%, é o único
país da América Latina que erradicou com a desnutrição infantil, tem a maior quantidade
de leitos por habitante de toda a América (5,9 por 1000 habitantes, contra 2,4
do Brasil), possui a melhor expectativa de vida de toda a América Latina (79
anos), a menor taxa de mortalidade infantil de toda a América (5 para cada 1000
nascimentos, contra 19 a 1000 nascimentos do Brasil), é o único país
latino-americana livre do problema de drogas e o único do mundo que cumpre a
sustentabilidade ecológica, entre outras.
Uma área onde Cuba
particularmente conquistou grandes avanços foi na medicina. Cuba hoje tem a
maior faculdade de medicina do mundo, onde 1500 médicos estrangeiros são
graduados anualmente, criou vacinas contra o câncer, tem o maior índice per
capita do mundo (um para 130 habitantes, contra um para 500 habitantes no
Brasil) e desde 1959 enviou mais de 30 mil médicos para mais de 68 países de
todo mundo somando cerca de 600 mil missões. Além disso, é o único país que até
hoje erradicou com a transmissão do vírus HIV entre mãe e filho. Isso para não
contar que Cuba é o país da América Latina que até hoje conquistou o maior
número de medalhas olímpicas. Tais feitos, diga-se de passagem, foram viáveis
porque Cuba rompeu com a lógica do capitalismo e da superexploração da força de
trabalho dele decorrente, onde a economia do país está voltada para atender aos
interesses dos países centrais da engrenagem capitalista mundial (algo que o PT
não fez no Brasil, e nem mesmo a Venezuela sob Hugo Chávez foi capaz de fazer
por completo).
Segundo Waldir
Rampinelli Júnior, a Revolução Cubana se caracterizou por ter marcado um
divisor de águas nas relações entre Estados Unidos e a América Latina porque
desde então a América Latina se tornou importante geopoliticamente para o mundo
a ponto de coloca-la dentro das preocupações dos Estados Unidos, assim como mostrou
que a América Latina precisa buscar seu caminho de desenvolvimento próprio.
Entretanto, para que a
América Latina busque seu caminho de desenvolvimento próprio, isso perpassa
necessariamente pelo enfretamento ao imperialismo anglo-saxônico que a tutela
desde o século XIX (primeiramente a Inglaterra, depois os Estados Unidos). Com
a Revolução Cubana não foi diferente, pois implicou em um enfrentamento com o
imperialismo estadunidense, que desde então recorreu a diversos artifícios para
tentar derrubar Cuba, entre eles invasões militares (incluindo a fracassada
invasão da Baia dos Porcos em 1961), um boicote econômico que se arrastou por
mais de meio século, várias tentativas fracassadas de se assassinar Fidel
Castro, incentivos à imigração de Cuba para os Estados Unidos, ataques a
plantações e fazendas cubanas, entre outros. E tal qual aconteceu no século XIX
com o Paraguai em relação à Inglaterra, o exemplo cubano passou a ser visto de
forma perigosa por Washington com o receio de contagiar os demais países
latino-americanos e assim ameaçar seus interesses ao sul do Rio Grande. Para
isso, fomentaram-se golpes cívico-militares nos demais países latino-americanos
que implicaram na instalação de regimes de exceção, tal qual hoje se utiliza de
golpes cívico-judiciários contra algumas das experiências populares na América
Latina.
E ante a Revolução
Cubana, as elites latino-americanas, que possuem todo um histórico de
associação com o imperialismo anglo-saxônico (e que já era praticado em suas
metrópoles europeias, diga-se de passagem), passaram a se utilizar do exemplo
cubano (e mais recentemente também fizeram o mesmo com a Venezuela) como uma
espécie de justificativa para golpes de Estado contra governos de caráter mais
populares e para a manutenção de seu status
quo privilegiado. Haja vista que a direita brasileira em suas recorrentes
manifestações desde no mínimo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade em
1964 vem com mantras como “não à cubanização do Brasil” e seus pedidos
insistentes para pessoas de esquerda “irem para Cuba”. Ou mesmo aqueles que
dizem que o golpe de 1964 impediu que o Brasil se tornasse uma Cuba
continental.
E como não poderia
deixar de ser, os grandes meios de comunicação ocidentais, que costumeiramente
omitem o fato de que os líderes de países como Alemanha, Estados Unidos,
França, Inglaterra, Holanda, Japão, Noruega e Suécia são acima de tudo
nacionalistas que defendem os interesses de seus respectivos países, sempre
demonizou as lutas de países periféricos que resolvem defender seus próprios
interesses. Fidel Castro foi um desses exemplos, tal qual Stalin na União
Soviética, Gamal Abdel Nasser no Egito, Muammar al-Kadaffi na Líbia, Saddam
Hussein no Iraque, aiatolá Khomeini e seus sucessores no Irã, a Dinastia Kim na
Coréia do Norte, a Dinastia Assad na Síria, Slobodan Milošević[2] na Iugoslávia pós-Tito, Hugo
Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e tantos
outros. Isso para não falar do fato de o regime cubano ser comumente chamado de
ditadura nos grandes meios de comunicação, sendo que a própria democracia vigente
no Ocidente nos dias de hoje (como já dito em artigos anteriores) é em
realidade de classe enrustida dos grandes capitalistas, que eventualmente se
escancara em momentos em que os interesses dos setores dominantes estão em
perigo.
A morte de Fidel Castro
teve grande repercussão mundo afora. Em alguns países como Argélia e Coréia do
Norte foram decretados alguns dias de luto por sua partida desse mundo, e
líderes de diversos países se pronunciaram a respeito de seu falecimento. Também
houve homenagens em várias partes do mundo feitas na frente de embaixadas
cubanas. Já em Miami, houve comemorações por parte dos emigrados cubanos que
para lá fugiram após a Revolução de 1959. A despeito dessa comemoração da parte
dos gusanos (termo originalmente utilizado pelos simpatizantes da Revolução
Cubana para designar os cubanos contrarrevolucionários) de Miami, constata-se
que eles em sua grande maioria são brancos, descendentes da elite escravocrata
cubana que vivia à custa da miséria do povo cubano e que Fidel Castro e os
revolucionários de 1959 desterraram do país. Isso ao mesmo tempo em que grande
parte da população cubana é negra.
E aqui no Brasil tivemos
um vídeo postando no YouTube onde Jair Bolsonaro comemora do alto de sua
insignificância a morte do líder cubano. Sobre isso, lembremos que em matéria
publicada no Jornal a Hora do Povo em 2003 a respeito da invasão
anglo-americana ao Iraque, foi dito que “A diferença essencial entre Saddam e
Bush é a que existe entre um gigante e um micróbio”. O mesmo abismo moral
certamente também existe entre Fidel Castro e Jair Bolsonaro. Bolsonaro no fim
das contas não passa de uma hiena se regozijando diante de um cadáver morto de
um leão.
Fidel Castro se foi após
nove longas décadas de vida, e parafraseando a carta-testamento de Getúlio
Vargas, saiu da vida para entrar para a história. Fica aqui nossa homenagem ao
grande líder revolucionário cubano, que junto com figuras como Getúlio Vargas, Solano
López, Juan Domingos Perón, Lázaro Cárdenas, João Goulart, Leonel Brizola, Hugo
Chávez e tantos outros faz parte do panteão dos grandes líderes da história
latino-americana.
FIDEL CASTRO, PRESENTE!
Foto
– Da esquerda para a direita: Fidel Castro, Saddam Hussein e Raul Castro.
Fontes:
Bolsonaro fala sobre a
morte de Fidel Castro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dTfji5iatpI
Em Miami, exilados
cubanos celebram a morte de Fidel Castro. Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/em-miami-exilados-cubanos-celebram-morte-de-fidel-castro-20546175?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
Líderes mundiais
lamentam a morte de Fidel Castro. Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/lideres-mundiais-lamentam-morte-de-fidel-castro-20546127
O presidente Saddam é o
Che Guevara do século XXI. Disponível em: http://blogak-47.blogspot.com.br/2011/10/o-presidente-saddam-e-o-che-guevara-de.html
NOTAS:
[1] Leia-se “Alerrandro”, pois no
espanhol a partícula j e o g quando sucedido por e ou i têm o mesmo som do h no
inglês, do ch no alemão e do kh no russo, no árabe, no mongol e no persa: r
aspirado.
[2] Leia-se “Milochevitch”, pois no
servo-croata, assim como em outros idiomas da Europa centro-oriental como o
esloveno, o eslovaco, o tcheco e o lituano, as partículas š e ć tem o mesmo do
ch e do tch no português, respectivamente.
O homem se vai, mas fica o exemplo, Comandante Fidel, presente!!!
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