sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Hasta la victoria siempre - Homenagem a Fidel Castro


Foto – Fidel Castro ao lado de Leonel Brizola.
No dia 25 de novembro de 2016, um gigante deixou esse mundo aos 90 anos de idade. Seu nome Fidel Alejandro[1] Castro Ruz. Fidel Castro governou Cuba entre 1959 a 2008 (ou seja, durante quase meio século) e foi sem sombra de dúvidas o maior líder latino-americano de todos os tempos. Mas quem foi esse homem que ao mesmo tempo é muito admirado por uns e ferozmente odiado por outros?
Segundo Waldir Rampinelli Júnior, Fidel Castro foi junto com o líder vietnamita Ho Chi Minh os dois maiores estadistas do mundo na segunda metade do século XX por terem vencido militarmente o imperialismo estadunidense e que possivelmente demorará no mínimo um século para o mundo voltar a ter líderes de tamanha estatura.
Da mesma forma com que para se entender a Revolução Russa é necessário entender o que era a Rússia antes de 1917 e que para se entender Muammar al-Kadaffi é necessário entender o que era a Líbia antes da Revolução de 1969 (entre tantos outros exemplos que aqui podem ser listados e citados), para se entender Fidel Castro é necessário entender o que era Cuba antes da Revolução de 1959. Cuba foi parte do Império Colonial Espanhol entre 1510 a 1898, e a tutela formal espanhola foi em seguida sucedida pela tutela informal norte-americana depois que a Espanha foi vencida pelos Estados Unidos na Guerra Hispano-Americana de 1898.
Sob a tutela norte-americana, Cuba era um verdadeiro protetorado de Washington e apresentava o mesmo quadro típico de abismo social que flagela as nações latino-americanas: de um lado havia uma grande massa miserável que era flagelada por mazelas como o analfabetismo, a pobreza extrema e altas taxas de mortalidade infantil, e de outro uma elite opulenta que explorava o país em conluio com o imperialismo norte-americano, o qual por sua vez tinha em suas mãos a produção açucareira e a rede hoteleira cubana. Grassavam na época em Cuba cassinos e prostíbulos que eram frequentados pela máfia, por milionários e militares dos Estados Unidos, e o país era um paraíso para atividades como lavagem de dinheiro, jogatina ilegal, tráfico de drogas e de mulheres. Além disso, Washington influenciava fortemente em sua política interna. Não raro Washington entronava e derrubava os governantes cubanos conforme seus interesses do momento. Um desses que recebeu o apoio ianque foi Fulgencio Batista, que governou Cuba entre 1940 a 1944 e retornou ao poder em 10 de março de 1952 tomou o poder através de um golpe de Estado. O regime de Batista se caracterizou por sua truculência e corrupção.
Em 26 de julho de 1953 houve os ataques aos quartéis de Moncada e de Carlos Manuel de Céspedes, cuja repressão matou vários combatentes e prendeu outros. Entre os presos estava Fidel Alejandro Castro Ruz, recém-formado advogado pela Universidade de Havana. Na época, suas principais influências a nível ideológico eram o líder argentino Juan Domingos Perón, o poeta e intelectual cubano José Martí e o falangista espanhol José Antonio Primo de Rivera.
Após um tempo na prisão, Fidel Castro se exilou no México. Lá se reuniu com opositores ao regime de Fulgencio Batista, e em 1954 funda o Movimento Revolucionário 26 de Julho, com o objetivo de estabelecer uma guerra de guerrilha que fosse capaz de derrubar o regime vigente em Havana. Do México, Fidel Castro, junto com 82 combatentes (entre eles o marxista argentino Che Guevara) no iate Granma, fazem após uma viagem de sete dias um assalto a Cuba em 1956, desembarcando no litoral sudeste de Cuba. Ante a repressão inicial e outros problemas, apenas 22 dos combatentes sobreviveram.
O movimento teve que então recomeçar praticamente que zero para garantir sua sobrevivência e reestruturação. Para isso, contaram com a ajuda de camponeses que os guiaram pelas florestas e os alimentaram. Ao mesmo tempo, o governo respondia com retaliações a qualquer um que supostamente ajudasse os rebeldes como forma de terrorismo psicológico, e na capital alardeava que o movimento rebelde fora sufocado. Tendo consciência de que ainda não eram fortes o suficiente para enfrentar as tropas governamentais abertamente, os revolucionários mantinham-se sempre em movimento, fazendo emboscadas e evitando contato com o inimigo o máximo possível. Por meio da estratégia do “bater e correr”, conseguiram infligir alguns danos ao exército e pequenas vitórias.
Pouco a pouco, o movimento conquistou a simpatia dos guarijos, os camponeses cubanos, pois cada espaço conquistado pelos rebeldes logo era considerado Território Livre e suas terras divididas entre os camponeses. O movimento já tinha uma base que funcionava como Quartel General, situado na Sierra Maestra, sob a organização de Che Guevara, onde se criou um sistema rudimentar para a produção de pão e charque para alimentar as tropas, artigos de couro para os soldados e até uma pequena imprensa de onde eram editados manifestos e até um jornal da floresta.

Foto – Fidel Castro ao lado do líder egípcio Gamal Abdel Nasser.
À medida que os combates se desenrolavam, as forças da guerrilha, a despeito das lutas contra forças desiguais, conseguiam empurrar as tropas inimigas para trás de suas linhas, e conforme a distância de Havana diminuia, os combates se tornam cada vez mais ferozes. Fulgencio lança mão de suas últimas forças, mas esse esforço é inútil, principalmente depois que os rebeldes interceptaram um trem blindado repleto de material bélico, ao qual o regime de Batista depositava suas últimas forças realmente significativas. Com as forças de Batista se retirando e se dispersando, os rebeldes chegaram à Havana em 1º de janeiro de 1959 para travar a batalha final. Batista fugiu do país na madrugada anterior, junto com a cúpula de seu governo, a elite do país e a cúpula do exército, que abandonaram tudo que não puderam levar, e as tropas rebeldes, após vencerem junto com o povo os poucos bolsões de resistência inimiga a seu avanço dentro da capital cubana, são recebidas como heróis.
A respeito da Revolução Cubana (que o próprio Fidel Castro afirmou em uma ocasião que seu início verdadeiro não foi em 1956, e na guerra de 1868 a 1878 contra o colonialismo espanhol), algo digno de nota é que ela originalmente não era comunista. Tinha um caráter mais nacionalista e intentava fazer uma série de reformas estruturais, entre elas a reforma agrária. Entretanto, a hostilidade dos Estados Unidos (ao qual Fidel Castro tentou estabelecer relações amigáveis logo após a Revolução) fez com Cuba bandeasse para o lado da União Soviética e adotasse o modelo comunista de organização social, que tal qual na Coréia do Norte sobreviveu mesmo após o fim da União Soviética em 1991.
Após a Revolução de 1959, Cuba conseguiu inúmeros feitos na área social. Erradicou em pouco tempo com o analfabetismo e o latifúndio monocultor no campo (e assim devolveu a terra ao povo e a deu um valor social), conquistou o segundo melhor IDH de toda a América Latina, tem o melhor sistema educacional da América Latina, seu sistema de saúde é tido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um modelo para o mundo, é o 2º país menos violento da América Latina (segundo estudo da ONU, a taxa de homicídios cubana é de 4,2 por 100 mil habitantes, contra 25,2 por 100 mil habitantes do Brasil), sua taxa de alfabetização chega a quase 100%, nos últimos 13 anos a taxa de desemprego tem variado entre 1 a 3%, nos últimos 21 anos teve taxas de crescimento econômico que variaram entre 1 a 12%, é o único país da América Latina que erradicou com a desnutrição infantil, tem a maior quantidade de leitos por habitante de toda a América (5,9 por 1000 habitantes, contra 2,4 do Brasil), possui a melhor expectativa de vida de toda a América Latina (79 anos), a menor taxa de mortalidade infantil de toda a América (5 para cada 1000 nascimentos, contra 19 a 1000 nascimentos do Brasil), é o único país latino-americana livre do problema de drogas e o único do mundo que cumpre a sustentabilidade ecológica, entre outras.
Uma área onde Cuba particularmente conquistou grandes avanços foi na medicina. Cuba hoje tem a maior faculdade de medicina do mundo, onde 1500 médicos estrangeiros são graduados anualmente, criou vacinas contra o câncer, tem o maior índice per capita do mundo (um para 130 habitantes, contra um para 500 habitantes no Brasil) e desde 1959 enviou mais de 30 mil médicos para mais de 68 países de todo mundo somando cerca de 600 mil missões. Além disso, é o único país que até hoje erradicou com a transmissão do vírus HIV entre mãe e filho. Isso para não contar que Cuba é o país da América Latina que até hoje conquistou o maior número de medalhas olímpicas. Tais feitos, diga-se de passagem, foram viáveis porque Cuba rompeu com a lógica do capitalismo e da superexploração da força de trabalho dele decorrente, onde a economia do país está voltada para atender aos interesses dos países centrais da engrenagem capitalista mundial (algo que o PT não fez no Brasil, e nem mesmo a Venezuela sob Hugo Chávez foi capaz de fazer por completo).
Segundo Waldir Rampinelli Júnior, a Revolução Cubana se caracterizou por ter marcado um divisor de águas nas relações entre Estados Unidos e a América Latina porque desde então a América Latina se tornou importante geopoliticamente para o mundo a ponto de coloca-la dentro das preocupações dos Estados Unidos, assim como mostrou que a América Latina precisa buscar seu caminho de desenvolvimento próprio.
Entretanto, para que a América Latina busque seu caminho de desenvolvimento próprio, isso perpassa necessariamente pelo enfretamento ao imperialismo anglo-saxônico que a tutela desde o século XIX (primeiramente a Inglaterra, depois os Estados Unidos). Com a Revolução Cubana não foi diferente, pois implicou em um enfrentamento com o imperialismo estadunidense, que desde então recorreu a diversos artifícios para tentar derrubar Cuba, entre eles invasões militares (incluindo a fracassada invasão da Baia dos Porcos em 1961), um boicote econômico que se arrastou por mais de meio século, várias tentativas fracassadas de se assassinar Fidel Castro, incentivos à imigração de Cuba para os Estados Unidos, ataques a plantações e fazendas cubanas, entre outros. E tal qual aconteceu no século XIX com o Paraguai em relação à Inglaterra, o exemplo cubano passou a ser visto de forma perigosa por Washington com o receio de contagiar os demais países latino-americanos e assim ameaçar seus interesses ao sul do Rio Grande. Para isso, fomentaram-se golpes cívico-militares nos demais países latino-americanos que implicaram na instalação de regimes de exceção, tal qual hoje se utiliza de golpes cívico-judiciários contra algumas das experiências populares na América Latina.
E ante a Revolução Cubana, as elites latino-americanas, que possuem todo um histórico de associação com o imperialismo anglo-saxônico (e que já era praticado em suas metrópoles europeias, diga-se de passagem), passaram a se utilizar do exemplo cubano (e mais recentemente também fizeram o mesmo com a Venezuela) como uma espécie de justificativa para golpes de Estado contra governos de caráter mais populares e para a manutenção de seu status quo privilegiado. Haja vista que a direita brasileira em suas recorrentes manifestações desde no mínimo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade em 1964 vem com mantras como “não à cubanização do Brasil” e seus pedidos insistentes para pessoas de esquerda “irem para Cuba”. Ou mesmo aqueles que dizem que o golpe de 1964 impediu que o Brasil se tornasse uma Cuba continental.
E como não poderia deixar de ser, os grandes meios de comunicação ocidentais, que costumeiramente omitem o fato de que os líderes de países como Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Holanda, Japão, Noruega e Suécia são acima de tudo nacionalistas que defendem os interesses de seus respectivos países, sempre demonizou as lutas de países periféricos que resolvem defender seus próprios interesses. Fidel Castro foi um desses exemplos, tal qual Stalin na União Soviética, Gamal Abdel Nasser no Egito, Muammar al-Kadaffi na Líbia, Saddam Hussein no Iraque, aiatolá Khomeini e seus sucessores no Irã, a Dinastia Kim na Coréia do Norte, a Dinastia Assad na Síria, Slobodan Milošević[2] na Iugoslávia pós-Tito, Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador e tantos outros. Isso para não falar do fato de o regime cubano ser comumente chamado de ditadura nos grandes meios de comunicação, sendo que a própria democracia vigente no Ocidente nos dias de hoje (como já dito em artigos anteriores) é em realidade de classe enrustida dos grandes capitalistas, que eventualmente se escancara em momentos em que os interesses dos setores dominantes estão em perigo.
A morte de Fidel Castro teve grande repercussão mundo afora. Em alguns países como Argélia e Coréia do Norte foram decretados alguns dias de luto por sua partida desse mundo, e líderes de diversos países se pronunciaram a respeito de seu falecimento. Também houve homenagens em várias partes do mundo feitas na frente de embaixadas cubanas. Já em Miami, houve comemorações por parte dos emigrados cubanos que para lá fugiram após a Revolução de 1959. A despeito dessa comemoração da parte dos gusanos (termo originalmente utilizado pelos simpatizantes da Revolução Cubana para designar os cubanos contrarrevolucionários) de Miami, constata-se que eles em sua grande maioria são brancos, descendentes da elite escravocrata cubana que vivia à custa da miséria do povo cubano e que Fidel Castro e os revolucionários de 1959 desterraram do país. Isso ao mesmo tempo em que grande parte da população cubana é negra.
E aqui no Brasil tivemos um vídeo postando no YouTube onde Jair Bolsonaro comemora do alto de sua insignificância a morte do líder cubano. Sobre isso, lembremos que em matéria publicada no Jornal a Hora do Povo em 2003 a respeito da invasão anglo-americana ao Iraque, foi dito que “A diferença essencial entre Saddam e Bush é a que existe entre um gigante e um micróbio”. O mesmo abismo moral certamente também existe entre Fidel Castro e Jair Bolsonaro. Bolsonaro no fim das contas não passa de uma hiena se regozijando diante de um cadáver morto de um leão.
Fidel Castro se foi após nove longas décadas de vida, e parafraseando a carta-testamento de Getúlio Vargas, saiu da vida para entrar para a história. Fica aqui nossa homenagem ao grande líder revolucionário cubano, que junto com figuras como Getúlio Vargas, Solano López, Juan Domingos Perón, Lázaro Cárdenas, João Goulart, Leonel Brizola, Hugo Chávez e tantos outros faz parte do panteão dos grandes líderes da história latino-americana.
FIDEL CASTRO, PRESENTE!

Foto – Da esquerda para a direita: Fidel Castro, Saddam Hussein e Raul Castro.
Fontes:
Bolsonaro fala sobre a morte de Fidel Castro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dTfji5iatpI
Entendendo a ditadura. Disponível em: http://www.iela.ufsc.br/noticia/entendendo-ditadura
Líderes mundiais lamentam a morte de Fidel Castro. Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/lideres-mundiais-lamentam-morte-de-fidel-castro-20546127
O legado de Fidel Castro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9tZ-yGDa010
O presidente Saddam é o Che Guevara do século XXI. Disponível em: http://blogak-47.blogspot.com.br/2011/10/o-presidente-saddam-e-o-che-guevara-de.html


NOTAS:

[1] Leia-se “Alerrandro”, pois no espanhol a partícula j e o g quando sucedido por e ou i têm o mesmo som do h no inglês, do ch no alemão e do kh no russo, no árabe, no mongol e no persa: r aspirado.
[2] Leia-se “Milochevitch”, pois no servo-croata, assim como em outros idiomas da Europa centro-oriental como o esloveno, o eslovaco, o tcheco e o lituano, as partículas š e ć tem o mesmo do ch e do tch no português, respectivamente.

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