domingo, 13 de novembro de 2016

Escola sem Partido - do que se trata? Parte 7


Foto – Logo do Escola sem Partido.
Os partidários do Escola sem Partido costumam fazer muita fanfarra em torno dos alunos que nas escolas se encontram sob a pregação ideológica de professores esquerdistas e que supostamente doutrinam uma massa de alunos (haja vista que alguns dos representantes da direita raivosa vive alegando que quem está ocupando as escolas brasileiras estão sendo ocupadas por pessoas doutrinadas pelo PT e por sindicatos ligados ao partido de Lula). Mas o que dizer a respeito daquilo que muitos por ai chamam de o pobre de direita, que votam em políticos como Dória, Bolsonaro, FHC, Serra, Aécio e outros dessa laia (os quais uma vez no poder governam segundo seus interesses de classes e no máximo lhes dando umas migalhas)?
Esse é um problema que, diga-se de passagem, não começou nos dias de hoje. Uma vez o finado Tim Maia teria dito que “O Brasil é o único país do mundo em que, além do traficante ser viciado e cafetão sentir ciúmes, o pobre é de direita”. Aquilo que alguns chamam de o pobre de direita (vulgo capitalista sem capital), acima de tudo, é um sujeito alienado e submetido à mais-valia ideológica que os grandes meios de comunicação promovem. Diante de tal bombardeio, ele come ideias fantasiosas como a de meritocracia, livre mercado, a desejar poder desfrutar de um padrão de consumo from United States, que com muito esforço se tornará milionário e parte da classe dominante, fazer rolezinho em Shopping Center (no caso da juventude da periferia), entre outros vícios. Como já dito anteriormente, o sistema não se utiliza apenas da força de repressão para ajudar na manutenção de seu status quo, como bem aponta o líder albanês Enver Hoxha[1] no trecho abaixo do texto “Democracia proletária”:
“Todo o potencial econômico e político das sociedades capitalistas-revisionistas se encontra nas mãos de um punhado de magnatas, de ricos, que criaram uma vasta e poderosa rede de mecanismos estatais, a fim de manter de pé seu poder, mediante a violência. A exploração capitalista não pode ser realizada sem uma propaganda política intensa, que sirva para desorientar o povo, e sem uma série de leis férreas que limitem ao máximo os direitos dos trabalhadores. O grande aparato de propaganda à disposição da burguesia atua, a todo o momento, contra o proletariado e sua ditadura, contra os povos que têm se levantado em luta para defender seus direitos. Todo o potencial econômico e político das sociedades capitalistas-revisionistas se encontra nas mãos de um punhado de magnatas, de ricos, que criaram uma vasta e poderosa rede de mecanismos estatais, a fim de manter de pé o seu poder, mediante a violência. Em função desse objetivo agem o Exército, a polícia, os agentes secretos, os tribunais e outros órgãos de dominação de classe, que castigam severamente toda e qualquer oposição, individual ou coletiva, do proletariado e demais trabalhadores e reprimem as revoltas populares”.
Entretanto, a mídia de massa não pode ser vista como a única culpada por tal situação, que também é sintomática do fato de que do alto de seu republicanismo o PT, nesses anos todos, além de nada ter feito no sentido de fazer uma versão tupiniquim da Ley de Medios e de fortalecer as rádios comunitárias (no que poderia ter tornado a guerra de informações com a mídia de massa pelo menos um pouco menos desigual) e ter renunciado a luta contra os elementos reacionários do país, pouco ou nada fez para alfabetizar politicamente aqueles que eles beneficiaram através de programas sociais como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Bem diferente do que fez, por exemplo, a Venezuela durante o governo Hugo Chávez com iniciativas tais como as misiones, as quais promoviam, entre outras coisas, discussões políticas da constituição venezuelana entre os beneficiados pelos programas sociais dos governos bolivarianos. A diferença qualitativa entre os dois processos é tal que enquanto que aqui no Brasil foi preciso apenas de um memorando do senado combinado com uma campanha midiático-judiciária para Dilma cair, na Venezuela o regime bolivariano, hoje liderado por Nicolás Maduro, mesmo ante a guerra por procuração promovida pela elite local em conluio com o imperialismo norte-americano que se arrasta desde a morte de Hugo Chávez (que recorreu a artifícios como terrorismo de Extrema Direita, guerra econômica e a recente tentativa de golpe parlamentar), está resistindo de pé.
Há um ditado que diz que quantidade não é sinônimo de qualidade. De que adiantou os programas sociais dos governos Lula e Dilma como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida terem incluído cerca de 40 milhões de pessoas sem ao mesmo tempo fazer todo um trabalho de alfabetização política dessa massa toda? A meu juízo, de nada adiantou. Mais vale tirar da miséria 10 a 20 milhões da miséria dando-lhes a devida alfabetização política do que tirar o dobro ou o triplo disso sem a devida alfabetização política. Em outras palavras, com essa inclusão através do consumo o jovem que ascendeu com programas sociais como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família está muito mais preocupado em fazer rolezinho no shopping mais próximo (que nada tem de rebeldia em relação ao sistema, diga-se de passagem) e lá no shopping comprar o tênis da moda ou lutar por seus direitos e por melhores condições de vida para sua comunidade? Obviamente que a primeira opção.
Uma vez o pobre ascendendo uns poucos degraus dentro da pirâmide social do sistema informal de castas brasileiro, ele adquire os vícios da velha classe média (classe essa que, diga-se de passagem, em realidade está socialmente mais próxima dos garis que o Boris Casoy esculachou em rede nacional no réveillon 2009/2010 que os ricaços da classe dominante que eles tanto querem se misturar. A única diferença significativa em relação aos segmentos mais miseráveis é que os setores médios têm um pouco mais de dinheiro e um padrão de vida melhor em relação aos primeiros, e estão tão ou mais submetidos àquilo que o finado Ruy Mauro Marini chamava de super-exploração[2] da força de trabalho quanto os famélicos do sertão nordestino ou os moradores das favelas cariocas), a ponto de votar em políticos que defendem os interesses desses mesmos ricaços que uma vez no poder farão políticas que só os prejudiquem (haja vista que na última eleição para prefeito em São Paulo muitos moradores de bairros da periferia paulistana que foram beneficiados pelos programas sociais dos governos petistas votaram em Dória). E ainda passam a engrossar o coro em manifestações verde-amarelo a favor da deposição dos mesmos petistas que lhes ajudaram a subir na vida com programas sociais. Um tanto irônico isso, não?
E, falando nessas manifestações, o que há por trás das bandeiras verde-amarela, camisas da seleção brasileira e palavras de ordem contra a corrupção, os petistas e a esquerda de modo geral, mantras como “minha bandeira não será vermelha” e “não à cubanização” e loas de apoio ao juiz Sérgio Moro e as ações da Polícia Federal na Operação Lava Jato nessas marchas da classe média que periodicamente pululam as ruas brasileiras, assim como a ojeriza aos programas sociais dos governos petistas e a ascensão social dele decorrente (ainda que bem limitada, diga-se de passagem), nada mais é que a defesa do tipo de país que eles querem, a defesa do Brasil da classe dominante, onde a classe média poderá enfim realizar aquilo que segundo Marilena Chauí é seu grande sonho: se tornar parte da classe dominante.

Foto – Senhor Burns x Homer Simpson, Coisas de capitalista com capital x Coisas de capitalista sem capital.
Tais elementos, que vivem defendendo o sistema capitalista e os ricaços de plantão e que se acham burgueses só porque tem certa quantia de dinheiro, apartamento em bairro nobre e acesso ao consumo (ainda que limitado), em realidade não passam de patéticos capitalistas sem capital. E o pior de tudo: eles não entendem que o capitalismo funciona com um centro e uma periferia onde a miséria das nações periféricas é o alimento do desenvolvimento das nações centrais e o que é o capitalismo dependente brasileiro e suas mazelas. Muito menos sabe que esse mesmo sistema possui todo um aparato composto por instituições como a mídia de massa, o judiciário e as forças de repressão que lhe sustentam, ou que o Estado moderno, como Marx disse no Manifesto do Partido Comunista, é o balcão de negócios dos grandes capitalistas, onde esses, na condição de máquina de governar desse mesmo Estado, fazem com que suas políticas sejam pautadas e condicionadas por seus interesses de classe (ou seja, a acumulação de capital em suas mãos), ainda que esse Estado possa eventual atender residualmente outras classes sociais em eventuais períodos de bonança econômica. Ou mesmo o fato de que o sistema capitalista, a nível global, produziu um altíssimo grau de concentração de renda nas mãos de uma elite numericamente bem restrita.
Eles, que muitas vezes pensam que qualquer um que se esforçar e trabalhar muito até mesmo um pedreiro, um gari, um pau-de-arara ou um operário da construção civil muito pobre pode se tornar milionário e até bilionário, sendo que casos como esses, muito divulgados em revistas de negócios, é algo extremamente pontual e raro. Apenas um ou outro conseguem chegar a tal patamar de riqueza. Ou seja, a meritocracia que eles tanto vomitam não passa de um grande conto de fadas.
Resumindo a ópera: que moral será que esses capitalistas sem capital têm para falar que os professores de esquerda das escolas alienam seus alunos com ideologia esquerdista e que o PT é que supostamente está por trás das recentes ocupações das escolas brasileiras, sendo que eles mesmos (os quais certamente também devem defender o Escola sem Partido) são extremamente alienados pela mais-valia ideológica dos meios de comunicação e as fantasias que eles vendem? A meu ver, nenhuma. A própria existência desses capitalistas sem capital, diga-se de passagem, é prova da existência de toda essa alienação promovida pelos grandes meios de comunicação que formata a opinião pública em favor do sistema vigente.

Foto – A famosa frase de Tim Maia.
Fontes:
Hoxha, Enver. A democracia proletária é a verdadeira democracia. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/hoxha/1978/09/20.htm
Pobre de direita, capitalista sem capital e o hamster da Red Bull. Disponível em: http://umserpensante.blog.br/pobre-de-direita-capitalista-sem-capital-e-o-hamster-da-red-bull/
Por que João Dória venceu até nas periferias? Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/por-que-joao-doria-venceu-periferias.html
Quem está por trás das ocupações das escolas no Paraná? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cf9wdjhaQ8
Super-exploração do trabalho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Superexplora%C3%A7%C3%A3o_do_trabalho
Uma perspectiva latino-americana para as políticas sociais: quão distante está o horizonte? Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v9n2/a04v09n2


NOTAS:

[1] Leia-se “Rrodja”, pois no albanês a partícula xh se pronuncia como dj.
[2] De acordo com Ruy Mauro Marini, o conceito de super-exploração da força de trabalho, abordado pela primeira vez em sua obra Subdesarrollo y revolución (1968), é a combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa através da intensificação na exploração da mão-de-obra. Tal conceito, que é a base da teoria marxista da dependência, consiste dos mecanismos que a burguesia de um país periférico dentro da engrenagem capitalista mundial utiliza para aumentar ainda mais a mais-valia extraída das massas trabalhadoras, já que essa mesma burguesia, por sua condição de sócia minoritária do capital transnacional, tem que reparti-la com seus sócios estrangeiros. O resultado prático disso seria a realimentação da situação de dependência em relação aos países centrais da engrenagem capitalista mundial e a manutenção do subdesenvolvimento, mesmo com a existência de uma industrialização interna.

Um comentário:

  1. Texto brilhante, que mostra bem a hipocrisia dos proto fascistas que defendem essa ideia bizarra do "escola sem partido".

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