Foto – Logo do Escola
sem Partido.
Os partidários do Escola
sem Partido costumam fazer muita fanfarra em torno dos alunos que nas escolas
se encontram sob a pregação ideológica de professores esquerdistas e que
supostamente doutrinam uma massa de alunos (haja vista que alguns dos
representantes da direita raivosa vive alegando que quem está ocupando as
escolas brasileiras estão sendo ocupadas por pessoas doutrinadas pelo PT e por
sindicatos ligados ao partido de Lula). Mas o que dizer a respeito daquilo que
muitos por ai chamam de o pobre de direita, que votam em políticos como Dória,
Bolsonaro, FHC, Serra, Aécio e outros dessa laia (os quais uma vez no poder governam
segundo seus interesses de classes e no máximo lhes dando umas migalhas)?
Esse é um problema que,
diga-se de passagem, não começou nos dias de hoje. Uma vez o finado Tim Maia teria
dito que “O Brasil é o único país do mundo em que, além do traficante ser
viciado e cafetão sentir ciúmes, o pobre é de direita”. Aquilo que alguns
chamam de o pobre de direita (vulgo capitalista sem capital), acima de tudo, é
um sujeito alienado e submetido à mais-valia ideológica que os grandes meios de
comunicação promovem. Diante de tal bombardeio, ele come ideias fantasiosas como
a de meritocracia, livre mercado, a desejar poder desfrutar de um padrão de
consumo from United States, que com
muito esforço se tornará milionário e parte da classe dominante, fazer
rolezinho em Shopping Center (no caso da juventude da periferia), entre outros
vícios. Como já dito anteriormente, o sistema não se utiliza apenas da força de
repressão para ajudar na manutenção de seu status
quo, como bem aponta o líder albanês Enver Hoxha[1] no trecho abaixo do texto
“Democracia proletária”:
“Todo
o potencial econômico e político das sociedades capitalistas-revisionistas se
encontra nas mãos de um punhado de magnatas, de ricos, que criaram uma vasta e
poderosa rede de mecanismos estatais, a fim de manter de pé seu poder, mediante
a violência. A exploração capitalista não pode ser realizada sem uma propaganda
política intensa, que sirva para desorientar o povo, e sem uma série de leis
férreas que limitem ao máximo os direitos dos trabalhadores. O grande aparato
de propaganda à disposição da burguesia atua, a todo o momento, contra o
proletariado e sua ditadura, contra os povos que têm se levantado em luta para
defender seus direitos. Todo o potencial econômico e político das sociedades
capitalistas-revisionistas se encontra nas mãos de um punhado de magnatas, de
ricos, que criaram uma vasta e poderosa rede de mecanismos estatais, a fim de
manter de pé o seu poder, mediante a violência. Em função desse objetivo agem o
Exército, a polícia, os agentes secretos, os tribunais e outros órgãos de
dominação de classe, que castigam severamente toda e qualquer oposição,
individual ou coletiva, do proletariado e demais trabalhadores e reprimem as
revoltas populares”.
Entretanto, a mídia de
massa não pode ser vista como a única culpada por tal situação, que também é sintomática
do fato de que do alto de seu republicanismo o PT, nesses anos todos, além de
nada ter feito no sentido de fazer uma versão tupiniquim da Ley de Medios e de fortalecer as rádios
comunitárias (no que poderia ter tornado a guerra de informações com a mídia de
massa pelo menos um pouco menos desigual) e ter renunciado a luta contra os
elementos reacionários do país, pouco ou nada fez para alfabetizar
politicamente aqueles que eles beneficiaram através de programas sociais como o
Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Bem diferente do que fez, por exemplo,
a Venezuela durante o governo Hugo Chávez com iniciativas tais como as misiones, as quais promoviam, entre
outras coisas, discussões políticas da constituição venezuelana entre os
beneficiados pelos programas sociais dos governos bolivarianos. A diferença
qualitativa entre os dois processos é tal que enquanto que aqui no Brasil foi
preciso apenas de um memorando do senado combinado com uma campanha
midiático-judiciária para Dilma cair, na Venezuela o regime bolivariano, hoje
liderado por Nicolás Maduro, mesmo ante a guerra por procuração promovida pela
elite local em conluio com o imperialismo norte-americano que se arrasta desde
a morte de Hugo Chávez (que recorreu a artifícios como terrorismo de Extrema
Direita, guerra econômica e a recente tentativa de golpe parlamentar), está resistindo
de pé.
Há um ditado que diz que
quantidade não é sinônimo de qualidade. De que adiantou os programas sociais
dos governos Lula e Dilma como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida terem
incluído cerca de 40 milhões de pessoas sem ao mesmo tempo fazer todo um
trabalho de alfabetização política dessa massa toda? A meu juízo, de nada
adiantou. Mais vale tirar da miséria 10 a 20 milhões da miséria dando-lhes a
devida alfabetização política do que tirar o dobro ou o triplo disso sem a
devida alfabetização política. Em outras palavras, com essa inclusão através do
consumo o jovem que ascendeu com programas sociais como o Minha Casa Minha Vida
e o Bolsa Família está muito mais preocupado em fazer rolezinho no shopping
mais próximo (que nada tem de rebeldia em relação ao sistema, diga-se de
passagem) e lá no shopping comprar o tênis da moda ou lutar por seus direitos e
por melhores condições de vida para sua comunidade? Obviamente que a primeira
opção.
Uma vez o pobre
ascendendo uns poucos degraus dentro da pirâmide social do sistema informal de
castas brasileiro, ele adquire os vícios da velha classe média (classe essa
que, diga-se de passagem, em realidade está socialmente mais próxima dos garis
que o Boris Casoy esculachou em rede nacional no réveillon 2009/2010 que os
ricaços da classe dominante que eles tanto querem se misturar. A única
diferença significativa em relação aos segmentos mais miseráveis é que os
setores médios têm um pouco mais de dinheiro e um padrão de vida melhor em
relação aos primeiros, e estão tão ou mais submetidos àquilo que o finado Ruy
Mauro Marini chamava de super-exploração[2] da força de trabalho
quanto os famélicos do sertão nordestino ou os moradores das favelas cariocas),
a ponto de votar em políticos que defendem os interesses desses mesmos ricaços
que uma vez no poder farão políticas que só os prejudiquem (haja vista que na
última eleição para prefeito em São Paulo muitos moradores de bairros da
periferia paulistana que foram beneficiados pelos programas sociais dos
governos petistas votaram em Dória). E ainda passam a engrossar o coro em manifestações
verde-amarelo a favor da deposição dos mesmos petistas que lhes ajudaram a
subir na vida com programas sociais. Um tanto irônico isso, não?
E, falando nessas
manifestações, o que há por trás das bandeiras verde-amarela, camisas da
seleção brasileira e palavras de ordem contra a corrupção, os petistas e a
esquerda de modo geral, mantras como “minha bandeira não será vermelha” e “não
à cubanização” e loas de apoio ao juiz Sérgio Moro e as ações da Polícia
Federal na Operação Lava Jato nessas marchas da classe média que periodicamente
pululam as ruas brasileiras, assim como a ojeriza aos programas sociais dos
governos petistas e a ascensão social dele decorrente (ainda que bem limitada,
diga-se de passagem), nada mais é que a defesa do tipo de país que eles querem,
a defesa do Brasil da classe dominante, onde a classe média poderá enfim
realizar aquilo que segundo Marilena Chauí é seu grande sonho: se tornar parte
da classe dominante.
Foto
– Senhor Burns x Homer Simpson, Coisas de capitalista com capital x Coisas de
capitalista sem capital.
Tais elementos, que
vivem defendendo o sistema capitalista e os ricaços de plantão e que se acham
burgueses só porque tem certa quantia de dinheiro, apartamento em bairro nobre e acesso ao consumo (ainda
que limitado), em realidade não passam de patéticos capitalistas sem capital. E
o pior de tudo: eles não entendem que o capitalismo funciona com um centro e
uma periferia onde a miséria das nações periféricas é o alimento do
desenvolvimento das nações centrais e o que é o capitalismo dependente
brasileiro e suas mazelas. Muito menos sabe que esse mesmo sistema possui todo
um aparato composto por instituições como a mídia de massa, o judiciário e as
forças de repressão que lhe sustentam, ou que o Estado moderno, como Marx disse
no Manifesto do Partido Comunista, é o balcão de negócios dos grandes
capitalistas, onde esses, na condição de máquina de governar desse mesmo
Estado, fazem com que suas políticas sejam pautadas e condicionadas por seus
interesses de classe (ou seja, a acumulação de capital em suas mãos), ainda que
esse Estado possa eventual atender residualmente outras classes sociais em eventuais
períodos de bonança econômica. Ou mesmo o fato de que o sistema capitalista, a
nível global, produziu um altíssimo grau de concentração de renda nas mãos de
uma elite numericamente bem restrita.
Eles, que muitas vezes pensam
que qualquer um que se esforçar e trabalhar muito até mesmo um pedreiro, um
gari, um pau-de-arara ou um operário da construção civil muito pobre pode se
tornar milionário e até bilionário, sendo que casos como esses, muito
divulgados em revistas de negócios, é algo extremamente pontual e raro. Apenas
um ou outro conseguem chegar a tal patamar de riqueza. Ou seja, a meritocracia
que eles tanto vomitam não passa de um grande conto de fadas.
Resumindo a ópera: que
moral será que esses capitalistas sem capital têm para falar que os professores
de esquerda das escolas alienam seus alunos com ideologia esquerdista e que o
PT é que supostamente está por trás das recentes ocupações das escolas brasileiras,
sendo que eles mesmos (os quais certamente também devem defender o Escola sem
Partido) são extremamente alienados pela mais-valia ideológica dos meios de
comunicação e as fantasias que eles vendem? A meu ver, nenhuma. A própria
existência desses capitalistas sem capital, diga-se de passagem, é prova da existência
de toda essa alienação promovida pelos grandes meios de comunicação que formata
a opinião pública em favor do sistema vigente.
Foto
– A famosa frase de Tim Maia.
Fontes:
Hoxha, Enver. A democracia
proletária é a verdadeira democracia. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/hoxha/1978/09/20.htm
Pobre de direita,
capitalista sem capital e o hamster da Red Bull. Disponível em: http://umserpensante.blog.br/pobre-de-direita-capitalista-sem-capital-e-o-hamster-da-red-bull/
Por que João Dória
venceu até nas periferias? Disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/por-que-joao-doria-venceu-periferias.html
Quem está por trás das
ocupações das escolas no Paraná? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cf9wdjhaQ8
Super-exploração do
trabalho. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Superexplora%C3%A7%C3%A3o_do_trabalho
Uma perspectiva
latino-americana para as políticas sociais: quão distante está o horizonte?
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v9n2/a04v09n2
NOTAS:
[1] Leia-se “Rrodja”, pois no albanês a
partícula xh se pronuncia como dj.
[2] De acordo com Ruy Mauro Marini, o
conceito de super-exploração da força de trabalho, abordado pela primeira vez
em sua obra Subdesarrollo y revolución
(1968), é a combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa através
da intensificação na exploração da mão-de-obra. Tal conceito, que é a base da
teoria marxista da dependência, consiste dos mecanismos que a burguesia de um
país periférico dentro da engrenagem capitalista mundial utiliza para aumentar
ainda mais a mais-valia extraída das massas trabalhadoras, já que essa mesma
burguesia, por sua condição de sócia minoritária do capital transnacional, tem
que reparti-la com seus sócios estrangeiros. O resultado prático disso seria a
realimentação da situação de dependência em relação aos países centrais da
engrenagem capitalista mundial e a manutenção do subdesenvolvimento, mesmo com
a existência de uma industrialização interna.
Texto brilhante, que mostra bem a hipocrisia dos proto fascistas que defendem essa ideia bizarra do "escola sem partido".
ResponderExcluir