sábado, 24 de setembro de 2016

A ingenuidade petista e o partidarismo da República de Curitiba


Foto – Os esquemas de corrupção envolvendo a figura do ex-presidente Lula, de acordo com Deltan Dallagnol.
O ex-presidente da República, Luiz Ignácio Lula da Silva, foi denunciado no dia 14 de setembro de 2016 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro por parte do Ministério Público Federal e acusado pelo procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, de ser o “comandante máximo dos crimes de corrupção na Petrobrás”, que incluiriam, entre outras coisas, sua participação no petrolão e classificou tal esquema de “propinocracia”. Lula, sua esposa e ex-primeira dama Marisa Letícia, Paulo Okamoto (presidente do Instituto Lula), José Aldemário Pinheiro (ex-presidente da OAS), Agenor Franklin Magalhães Medeiros (ex-executivo da OAS), Fábio Hori Yonamine (ex-presidente da OAS Investimentos), Roberto Moreira Ferreira e Paulo Roberto Valente Gordilho (funcionários da OAS) foram denunciados formalmente pela Lava Jato. O que falar a respeito das últimas ações da República de Curitiba?
Primeiro de tudo, uma pirotecnia barata e de quinta categoria para baixo, feita com o intuito de gerar notícias de teor sensacionalista para a grande mídia (com a qual a República de Curitiba, em seu esforço de guerra jurídico-policial-midiática contra o Partido dos Trabalhadores, é mancomunada) e acima de tudo desgastar a imagem pública de Lula de forma a torna-lo inelegível para o pleito presidencial de 2018 (quer seja através de sua prisão e/ou da invalidação de sua candidatura o tornando ficha suja). Como já dito anteriormente, Lula e os petistas (os quais pelo que seus pronunciamentos nos sugerem não se dão conta disso) perderam toda a utilidade que tinham para a classe dominante nacional e agora estão sendo descartados como se fossem peões de um jogo de xadrez. Em outras palavras, são cartas queimadas. Agora, ante a nova conjuntura econômica internacional de crise, a classe dominante nacional, do alto de sua típica voracidade pelos lucros de seus negócios e seu reacionarismo, não quer mais Lula ou Dilma como gerentes do Estado burguês brasileiro, e sim seus representantes-puro sangue ocupando a cadeira presidencial no Palácio do Planalto, os quais não terão o menor pudor em levar adiante as políticas de arrocho e retirada de direitos trabalhistas que seus patrões desejam (algo que o PT já fazia, diga-se de passagem, mas não na intensidade e na velocidade que eles queriam). Em outras palavras, eles querem que um político de um partido de corte elitista como o PSDB ou o PMDB e não de um partido de corte popular como o PT ocupe a cadeira presidencial no Palácio do Planalto gerenciando o Estado burguês brasileiro em seu nome.
E o pior de tudo é ver alguns petistas, como no caso de um vídeo postado na página do Facebook da senadora gaúcha Gleisi Hoffmann, demonstrando espanto e surpresa por causa da atuação extremamente partidária dos juízes e promotores da República de Curitiba. Sendo que em realidade o tribunal, enquanto instituição, sempre teve um fortíssimo caráter classista e partidário em favor das elites (como já foi abordado no artigo “Escola sem Partido – do que se trata? Parte 4”). O que a ação dos promotores paranaenses tem feito desde o início da Operação Lava Jato é nada mais que escancarar tal fato a todos nós. E são os mesmos petistas que nomearam 10 dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do alto de seu republicanismo nunca ousaram tocar na carreira do judiciário. Isso para não falar do fato de que em momento algum eles se dão conta, entre outras coisas, do fato de que a democracia vigente em um país como o Brasil nada mais é que a ditadura de classe enrustida dos grandes capitalistas e que Lula e Dilma, tal como seus antecessores, não passaram de gerentes que administraram o Estado burguês brasileiro em favor da classe dominante nacional (que por sua vez para fazer valer seus interesses de classe e manter seu status quo privilegiado não tem o menor pudor em se valer dos mais baixos expedientes, incluindo a instauração de um regime de exceção como o que foi feito em 1964, retirar direitos do povo, forjar as mais absurdas e fantasiosas acusações contra seus adversários e assim promover uma espécie de virada de mesa no jogo político nacional ou mesmo virar a mesa do jogo democrático).
E segundo, sintomático do fato de que a máscara da Operação Lava Jato está gradativamente caindo e revelando ao mundo as reais intenções de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e companhia limitada. O que eles realmente querem não é combater corrupção, e sim inviabilizar o Lula 2018. Impressiona-me muito o fato de muita gente (em especial os coxinhas da classe média que vivem do senso comum que os grandes veículos de comunicação vendem) ver esses juízes e promotores como os salvadores e moralizadores do país. Sendo que em realidade trata-se de pessoas que levam uma vida nababesca, alheia aos problemas dos setores menos abastados da sociedade, cheia de mordomias e que não raro ganham salários superiores a R$ 50 mil (no Paraná há casos de juízes que ganham por mês mais de R$ 100 mil).
Entretanto, tal comportamento da parte da classe média é compreensível. Como disse Marilena Chauí em seus pronunciamentos a respeito da classe média, essa vive um drama: ao mesmo tempo sonha em tornar parte da classe dominante e morre de medo de se tornar proletária. E o que a professora e ideóloga petista (figura essa com a qual não nutro grande simpatia) quer dizer com isso? Que a classe média (que não raro pensa que é rica só porque tem um ou dois carros e um apartamento ou uma casa em um bairro nobre da cidade onde vive) quer é se misturar com a alta sociedade (assim como poder desfrutar de um padrão de consumo from United States), e não com aqueles que eles consideram como a ralé da sociedade. Ou seja, aquilo que eu chamo de Complexo de Dona Florinda (a mesma Dona Florinda que depois que seu marido veio a falecer passou a ter que morar em um cortiço. Em outras palavras, se proletarizou). Dai que vem a ojeriza e o ranço da classe média para com as políticas sociais dos governos petistas, a inclusão social dela decorrente (por mais limitadas que tenham sido) e o incômodo com o fato de ter que passar a dividir espaços com essa gente, as quais olham de forma tão ou mais esnobe quanto a Dona Florinda olhava o Seu Madruga, a Chiquinha, o Chaves[1], a Dona Clotilde ou qualquer outro morador do cortiço onde ela vivia junto com seu filho Kiko. E esses juízes, representantes da classe dominante com a qual essa gente se identifica e tanto quer se misturar e se tornar parte, ao atacar o partido que promoveu a inclusão dessa gente toda acabam naturalmente recebendo todo o apoio desses elementos.
Além disso, também é sintomático da dupla moral da República Curitiba. Lula está sendo investigado por causa de um tríplex no Guarujá e um sítio em Atibaia. Isso ao mesmo tempo em que eles fecham os olhos para imóveis como o apartamento de Fernando Henrique Cardoso na Avenue Foch em Paris (avaliado em cerca de R$ 11 milhões). Certamente para Moro e sua trupe tal imóvel “não vem ao caso”. E, se eles fazem tanta questão de investigar o Lula (que mesmo sendo o “chefão” de que os promotores da República de Curitiba pensam, conseguiu não mais que um tríplex no Guarujá e míseros R$ 4 milhões em propina), por que não investigar também, por exemplo, o José Serra, que segundo o livro “A Privataria Tucana” foi o cérebro das privatizações do governo FHC? O mesmo José Serra que hoje é o ministro das relações exteriores do governo Temer e que certamente será o candidato tucano ao pleito presidencial de 2018. Entre tantos outros casos que aqui poderiam ser listados.
E isso para não falar do fato de que nunca vi Sérgio Moro, Dallagnol e sua trupe fazerem questão de investigar os mais altos níveis da corrupção brasileira, em especial aqueles que anualmente assaltam impunemente o Estado brasileiro através do sistema de multiplicação de dívida. Corrupção essa que é perpetrada não por políticos ou qualquer outro agente do setor público, e sim por agentes do setor privado. Ali é onde está aquilo que Nildo Ouriques chama de a República Rentista e Jessé de Souza de a elite de rapina. Gente da mesma classe dominante que, na condição de máquina de governar[2] do Estado brasileiro, condicionam a política do Estado burguês brasileiro em seu favor e dele fazem seu balcão de negócios particular (parafraseando Marx e Kadaffi ao mesmo tempo). Ou mesmo os super-lucros dos bancos brasileiros e todas as falcatruas com as quais estão envoltas.
Por fim, gostaria de falar sobre mais uma coisa. Nas ruas já vi adesivos estampados em carros dizendo que são favoráveis a autonomia total da Polícia Federal. Em outras palavras, que a PEC 412/2009 seja aprovada. Certamente são pessoas que são favoráveis às ações da República de Curitiba e que tem um ódio visceral ao Lula e seu partido, assim como a todo e qualquer político ou partido de corte popular. O que estamos vendo no Brasil é que o Poder Judiciário está se transformando em um verdadeiro Estado paralelo. Pode fazer o que quiser (incluindo tripudiar e passar por cima de leis e condenar alguém sem provas) que não precisa dar satisfação a ninguém e ainda por cima terá multidões apoiando estas ações. Mal eles sabem o monstro que nascerá caso a PEC 412/2009 venha a ser aprovada. Entretanto, para essa gente isso lhes é conveniente. Afinal, com essa toda autonomia e poder, a Polícia Federal poderá punir sem pudor algum e da forma mais truculenta possível qualquer governante que resolva alterar a ordem social vigente no país e assim ruir de vez com o sonho da classe média de se tornar parte da classe dominante.

Foto – A dupla moral da imprensa e da equipe do juiz Sérgio Moro quanto aos imóveis de Lula de um lado e de outro lado políticos e juízes com os quais ambos os órgãos são ideologicamente mais afinados.
Fontes:
Al-Kadaffi, Muammar. O Livro Verde. Gráfica Renascença: Lisboa, 1984.
A necessária superação da esquerda decorativa. Disponível em: http://iela.ufsc.br/noticia/necessaria-superacao-da-esquerda-decorativa
A Privataria Tucana. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-9mflDtyue0
Com Paulo Pimenta, Lindbergh Farias e Wadih Damous indo ao encontro de Lula. Disponível em: https://www.facebook.com/gleisi.hoffmann/videos/633075380203052/
“Lula é o comandante máximo do esquema investigado na Operação Lava Jato”, diz procurador. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/14/lava-jato-aponta-lula-como-o-comandante-maximo-do-esquema-de-corrupcao.htm
Lula era o “comandante máximo” do esquema da Lava Jato, diz MPF. Disponível em: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/09/mpf-denuncia-lula-marisa-e-mais-seis-na-operacao-lava-jato.html
Marilena Chauí e a classe média paulistana. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ofTcY6dDIRE
Nildo Ouriques – os três níveis da corrupção. Disponível em: https://www.youtube.com/results?search_query=n%C3%ADveis+corrup%C3%A7%C3%A3o
Nildo Ouriques – Tema: Situação da UERJ – manifestação. Disponível em: https://soundcloud.com/programafaixalivre/fl-15092016_2-nildo-ouriques-tema-situacao-da-uerj-manifestacao
Sem provas, mas convicto, Dallagnol é a nova cara do autoritarismo jurídico. Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/Sem-provas-mas-convicto-Dallagnol-e-a-nova-cara-do-autoritarismo-judiciario


NOTAS:


[1] Don Ramón, La Chilindrina e el Chavo (leia-se “Tchavo”) no original em espanhol, respectivamente.
[2] Conceito utilizado por Muammar al-Kadaffi no Livro Verde para designar o individuo, grupo ou classe social que assume o poder em determinado país e passa a governa-lo de acordo com seus interesses particulares e em prejuízo do resto da população (al-Kadaffi, 1984: 5-6).

2 comentários:

  1. Falando em Dona Florinda, enquanto ela olhava os demais personagens humildes com desprezo e até nojo, ela só respeitava o Professor Girafales, que, mesmo sendo um humilde professor, ela só o respeitava por ele ser daqueles cavalheiros gentis de antigamente, um homem bem estudado, enquanto metia o malho no Seu Madruga, por ele não ter se escolarizado, devido aos seus recursos precários, ficou órfão ainda pequeno, e teve que, desde então, ganhar a vida cedo. E também respeitava o Seu Barriga - no caso, mais o tolerava - por ele ser também diferente dos demais moradores da vila. Realmente, é o fiel retrato da classe média de hoje.

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  2. E outra personagem que retrata bem a classe média de hoje e seus vícios é a Chloe Burgeois do Miraculous: as aventuras de Lady Bug.

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