segunda-feira, 21 de março de 2022

O Solnik calado é um poeta

 

Foto – Alex Solnik.

No que diz respeito à cobertura do presente conflito entre Rússia e Ucrânia, algo que me deixa estarrecido é a maneira como este é coberto em mídias ditas de esquerda de modo geral. E um bom exemplo disso é o artigo “Quem está com Lula não pode estar com Putin”, publicado no TV 247 (canal esse que ultimamente só tenho assistido para ver vídeos e entrevistas do José Arbex Júnior e do Pepe Escobar e que caiu muito no meu conceito depois de que abriram espaço para o Felipe Neto lá) no dia nove de março de 2022 e de autoria de Alex Solnik.

Quando li o artigo em questão, a única coisa que consegui pensar é que o Solnik calado é um poeta e precisa colocar um sapato na boca o mais rápido possível. E que há vezes em que tenho a impressão de que sabendo separar bem o joio do trigo é mais produtivo, proveitoso e útil ouvir ou ler o Olavo de Carvalho (vulgo Sidi Muhammad Ibrahim Isa) que ler muita gente de esquerda. Incluindo tipos como a Cynara Menezes (vulgo Socialista Morena) e o próprio Alex Solnik.

Sobre o artigo, vamos por partes analisar as pérolas dignas de vestibular ditas:

“Quando eu ouço ou vejo ou leio algum dirigente ou simpatizante de esquerda ou eleitor de Lula tecer loas a Putin, fico constrangido”.

Responda-me essa, só para começo de conversa: O que o rabo tem haver com as calças, Solnik? Eu é que fico constrangido de vê-lo dizer essas palavras, Solnik. Uma coisa não tem nada haver com a outra.

E pergunta retórica a você Solnik. Quero que você me responda essa com sinceridade: então pelo visto para você a Rússia era boa quando era governada pelo Gorbačov (o mesmo Gorby que após o fim da União Soviética fez propaganda para a Pizza Hut) ou pelo bêbado Jel’cin? Ou seja, dois homens que se mostraram fracos e pusilânimes e que são populares no Ocidente, mas ao mesmo tempo extremamente impopulares e até mesmo detestados na Rússia?

Pelo visto para você a Rússia era boa nos anos 1990, quando o país foi reduzido de superpotência a república bananeira. Eu, mesmo morando no Brasil, lembro-me bem do que foram os anos 1990 para a Rússia. Lembro-me que o meu avô materno, não poucas vezes, disse que a Rússia à época estava acabada. Das constantes trocas de ministros, do país sendo severamente afetado por crises econômicas entre 1997 a 1999, de uma matéria publicada em uma edição da Folha de domingo falando sobre a situação calamitosa do futebol russo à época e da renúncia de Boris Jel’cin à Presidência da República, diante da crise social que flagelou o país à época.

Também me lembro da participação do Spartak de Moscou na Liga dos Campeões 1998/1999, a primeira edição da competição máxima do futebol europeu que acompanhei na minha vida. O Spartak de Moscou é um dos times mais tradicionais da Rússia, e nos tempos da União Soviética era o time do Partido Comunista da União Soviética. Não foram poucos os jogadores brasileiros que passaram pelo clube moscovita, entre eles Luís Robson, Ayrton Lucas, Rafael Carioca, Leandro Samarone, Wellington Soares de Moraes e Mozart Santos Batista Júnior.

Pois bem, na temporada 1998/1999 da Liga dos Campeões da Europa (ao final vencida pelo Manchester United – que no fim do mesmo ano foi jogar contra o Palmeiras em Tóquio a final da Copa Intercontinental) o Spartak de Moscou primeiro passou pelo time búlgaro Liteks Loveč na segunda fase preliminar. No jogo de ida, na Bulgária, venceu os donos da casa por 5 a 0, enquanto que no jogo de volta venceu por 6 a 2. E assim o time moscovita garantiu sua vaga para a fase de grupos, na qual caiu no grupo C junto com o Real Madrid, o Sturm Graz e a Internazionale de Milão.

Por conta da crise econômica pela qual a Rússia passava à época, a participação do Spartak de Moscou na Liga dos Campeões 1998/1999 foi seriamente ameaçada. No jogo de ida contra o Sturm Graz, a companhia área que transportou o time moscovita, a Gromov Air, foi impedida de sobrevoar os céus poloneses por conta de dívidas com o governo polonês.

E, no fim das contas, o time moscovita não se classificou para as quartas-de-final. Após vencer o Sturm Graz na Áustria por 2 a 0 e o Real Madrid na Rússia por 2 a 1, não repetiu os resultados dos primeiros jogos. Mostrou-se um cavalo paraguaio ao perder para a Internazionale na Itália por 2 a 1 e na volta empatou com o time milanês em 1 a 1 na Rússia, empatou em 0 a 0 com o Sturm Graz na Rússia e perdeu para o Real Madrid por 2 a 1 na Espanha. Assim, o time moscovita terminou a participação no grupo C da Liga dos Campeões da Europa 1998/1999 com 8 pontos marcados, 7 gols marcados,  e 6 gols sofridos.

Entenda uma coisa, Solnik: bem ou mal, foi Putin quem tirou a Rússia do atoleiro em que se enfiou com o fim da União Soviética. E é por isso que ele tem a popularidade que ele tem em seu país natal, enquanto que Gorby e Jel’cin são extremamente impopulares na Rússia. E elogiá-lo, ou mesmo reconhecer que foi sob ele que a Rússia voltou a ser um país importante no cenário geopolítico internacional é algo que independe de posições político-partidárias.

 “Porque é Bolsonaro quem tece loas a Putin. Não Lula. Então como pode um eleitor de Lula pensar o mesmo que Bolsonaro numa questão de tamanha importância para o mundo?”

Pelo visto para você, Solnik, o Putin, ante a situação a qual se colocou sobre ele, deveria fazer um grande concerto pela paz na Praça Vermelha com direito a músicas como “Imagine”, de John Lennon (uma música pavorosa, diga-se de passagem), “We are the world”, “War – no more trouble”, de Bob Marley, e outras músicas de conteúdo e mensagens similares (com direito até à ressureição de John Lennon por meio do poder das esferas do dragão – algo que seria possível visto que ele foi assassinado). E em seguida entregar flores e distribuir abraços e beijos ao Biden, ao Scholtz, ao Macron e ao Boris Johnson? Não, né. Isso seria uma grande demonstração de fragilidade e frouxidão ante os líderes do Ocidente “livre e democrático”.

E isso não é uma questão de votar no Lula, no Bolsonaro, no Ciro Gomes ou em quem quer que seja. E sim de bom senso. E ainda assim, qual o problema de um eleitor do Lula concordar com um eleitor do Bolsonaro em um ou outro ponto? Não é porque eu gosto de um dos dois bombons de uma caixa que sou obrigado a gostar de todos eles.

“Bolsonaro já se declarou solidário à Rússia, já disse que não há massacre na Ucrânia e ontem mesmo voltou a elogiar Putin. ‘É um homem muito poderoso’”.

E é persona non grata na Europa”.

E dai que o Bozo elogiou o Putin? Pelo menos nessa oportunidade ele deu uma bola dentro. E se há algum massacre na Ucrânia, é o massacre perpetrado por grupos neonazistas (entre eles o Batalhão Azov e outros) que saíram de suas tocas após o Euromaidan contra as populações de origem russa do sul e do leste da Ucrânia. E você fala como se o Bolsonaro não tivesse amigos na Europa, entre eles o húngaro Viktor Órban (lembrando que a Hungria é membra não apenas da União Europeia, como também da OTAN).

“Lula jamais fez um elogio a Putin depois da invasão da Ucrânia.

E foi aplaudido de pé no Parlamento da União Europeia em sua recente viagem a Bruxelas”.

Já ouviu falar em uma palavra chamada diplomacia, hein Solnik? E da tradição brasileira de neutralidade em conflitos como esse que vem desde os tempos de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco?

“Portanto, por coerência, quem deve apoiar Putin é o eleitor de Bolsonaro - ambos são inimigos da Europa -, não de Lula - amigo da Europa”.

Esse teu maniqueísmo é dose, hein Solnik? Quem te deu procuração para dizer o que um apoiador do Lula, do Bolsonaro, do Ciro Gomes ou de quem quer que seja deve ou não fazer? E, a propósito, bem esquisito esse teu discurso sobre Europa.

Parece que você trata a Europa como se fosse um bloco monolítico, sem diferença entre os vários países europeus. Como se países como Alemanha, Holanda, França, Bélgica, Itália, Áustria, Suíça, Hungria e Polônia fossem tudo uma coisa só. Como se a Europa se resumisse ao Scholtz e ao Macron.

É um discurso em nada diferente do pessoal neocon que fala em Islã sem levar em conta que o Islã não possui unidade religiosa desde 632 com a morte do profeta Maomé e política desde 756 com o estabelecimento do emirado de Córdoba (que em 929 tornou-se califado) por Abd al-Rahman I da família omíada na Península Ibérica.

Fontes:

Quem está com Lula não pode estar com Putin. Disponível em: Quem está com Lula não pode estar com Putin - Alex Solnik - Brasil 247

Pizza Hut Gorbachev TV Spot Commercial: 60 International version (em inglês). Disponível em: Pizza Hut Gorbachev TV Spot Commercial :60 International version - YouTube

Spartak supera crise financeira. Disponível em: Folha de S.Paulo - Spartak supera crise financeira - 17/09/98 (uol.com.br)


quinta-feira, 17 de março de 2022

O jacaré de Brizola e os neonazistas ucranianos

 

Foto – Leonel de Moura Brizola (1922 – 2004).

Certa vez, o político gaúcho Leonel de Moura Brizola (que em janeiro completou seu centenário) disse a seguinte frase: “Se algo tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré e cabeça de jacaré, como é que não é jacaré?”.

Quando vejo a cobertura da grande imprensa a respeito do atual conflito envolvendo a Rússia e a Ucrânia (que se dá por conta de uma questão de segurança geoestratégica da Rússia, de forma a impedir que a OTAN instale bases e armamentos atômicos próximos ao coração da Rússia – lembrando que foi através do atual território ucraniano que a Suécia invadiu a Rússia na Guerra do Norte [1700 – 1721] e que foi uma das rotas de invasão pela qual a Alemanha nazista invadiu a União Soviética na Segunda Guerra Mundial, junto com Belarus ao centro e os países bálticos ao norte) e a maneira como que a questão dos grupelhos neonazistas de lá é abordada, invariavelmente me lembro dessa frase do velho Brizola. Visto que essa mesma imprensa simplesmente não dá o devido nome aos bois.

Desde 2014, com o golpe do Euromaidan que levou à queda do então presidente Viktor Janukovič que a Ucrânia vive uma situação de guerra civil intestina. Grupos e milícias neonazistas vêm tomando papel ativo em limpezas étnicas e massacres contra as populações russas do sul e do leste da Urânia, entre eles o Batalhão Azov (alô, Monark?). Massacres como o incêndio do sindicato de Odessa, ainda em 2014, tiveram lugar na nação eslava. Alguns até falam que a Ucrânia é hoje um país dominado por tais milícias.

Foi por conta dessa escalada de terror neonazista que não apenas a maioria da população da Crimeia resolveu juntar-se à Rússia por meio de um referendo em 2014 (e o que curioso é que o dito Ocidente “livre e democrático” em momento algum questionou o referendo kosovar em 2008, que fez Kosovo separar-se da Sérvia), como também as Repúblicas de Donetsk e Lugansk tornaram-se independentes de Kiev.

E isso é o que eu observo quando vejo muitas pessoas comentando os atuais eventos na Ucrânia. Que eles não levam em conta o que vem acontecendo na nação eslava desde o Euromaidan. Quiçá desde a Revolução Laranja, ainda em 2004, ou mesmo desde o fim da União Soviética em 1991, para recuarmos ainda mais no tempo. Pois é impossível entender o que se passa hoje na Ucrânia sem levar em conta que o que vem acontecendo por lá desde no mínimo 2014.

Fazendo uma analogia, é a mesma coisa que alguém querer falar sobre a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha sem levar em consideração o Tratado de Versalhes (chamado à época pelos alemães de diktat) e toda a humilhação que a Alemanha passou ao fim da Primeira Guerra Mundial. Ou falar sobre a ascensão de Putin na Rússia sem levar em consideração o que foi o fim da União Soviética e o período Jel’cin para a nação eslava (eu mesmo me lembro de que à época a Rússia constantemente trocava de ministros, foi fortemente atingida por crises econômicas em 1997 e 1998 e que o Spartak de Moscou, um dos times mais tradicionais da Rússia, teve sua participação na Liga dos Campeões da Europa 1998/1999 sob séria ameaça por conta da crise econômica que flagelou o país naquele ano). Ou mesmo falar sobre a ascensão de Hugo Chávez ao poder na Venezuela sem levar em conta o Caracazo e as políticas neoliberais do fim da Quarta República Venezuelana. Entre tantos outros exemplos que aqui podem ser citados.

Foto – Neonazistas ucranianos, segundo a mídia antes de fevereiro de 2022.

Pois bem. Parafraseando Brizola, tais grupos em questão usam insígnias e símbolos neonazistas. Levantam bandeiras com a suástica nazista (muitas vezes combinada com as cores azul e amarela da bandeira ucraniana), ou mesmo a bandeira rubro-negra da OUN-UPA, um dos grupos que colaboraram com os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Professam ideias neonazistas. Possuem saudações típicas nazistas. Celebram os colaboradores ucranianos dos nazistas na Segunda Guerra Mundial (tais como Stepan Bandera e Roman Šuchevič). Como não dizer o que eles são de fato?

Tal qual no caso dos fanáticos islâmicos de grupos como a Al Qaeda e o Estado Islâmico, enquanto a cobra pica os outros, para eles está ótimo. Vamos ver o que eles vão achar na hora em que essa mesma cobra resolver começar a picar aqueles que hoje os alimentam. Aliás, é bom lembrar que houve um tempo em que essa mesma gente, quando picava a União Soviética, era chamada de “freedom fighters” (lutadores pela liberdade).

Algo digno de nota nessa história toda é que nas manifestações que levaram à queda de Dilma Rousseff em 2015 e 2016, havia pessoas que almejavam uma “ucranização” do Brasil. Até trouxeram bandeiras ucranianas para tais manifestações. Sem contar ainda que Sara Winter, antes de ser presa, também tinha planos de ucranizar o Brasil.

E a aqueles que ficam questionando e até mesmo condenando a ação da Rússia na Ucrânia: suponhamos que você seja um leão, que tem sob seu domínio um território de caça e um bando com um harém de fêmeas e filhotes. E de repente aparece(m) um(ns) intruso(s) querendo tomar a tua posição. O que você faria nessa situação? Óbvio que você não ficaria de braços cruzados vendo o teu mundo ser virado do avesso. Irá enfrentar o(s) intruso(s), vencê-lo(s) em combate e coloca-lo(s) em seu devido lugar. Do contrário você não só será expulso do território e do bando em que vive como também terá toda a sua prole morta pelo(s) intruso(s). Infelizmente as pessoas não entendem tal fato elementar.

Foto – O jacaré, segundo Leonel Brizola.

FONTE:

Spartak supera crise financeira. Disponível em: Folha de S.Paulo - Spartak supera crise financeira - 17/09/98 (uol.com.br)