Estamos oficialmente sob a vigência da Lei
n° 13.467/2017, rejeitada por mais de 80% da população e mesmo assim aprovada
pela Presidência da República e Congresso Nacional mais corruptos das últimas
gerações, deixando absolutamente fora de dúvida de que o Governo está apartado
da vontade popular e plenamente entregue aos interesses de elites econômicas e
ingerências internacionais.
Uma visão pontual das mudanças, no entanto,
pode não deixar clara a real dimensão deste ataque ao trabalhador brasileiro,
principalmente da forma como tem sido amplamente feito pela mídia, visto que
muitos dos itens podem não parecer significativos para muitos trabalhadores,
podendo alguns deles, isoladamente, até mesmo parecer desejáveis. Por isso é
preciso apontar onde estão os reais problemas, e aqui iremos destacar apenas
alguns deles, dentro da própria nova Consolidação das Leis do Trabalho, e que
se isoladamente já seriam trágicos, juntos são catastróficos.
NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO COLETIVO
Uma delas é a introdução do Artigo 611-A,
que dá desmedidos poderes aos Acordos Coletivos, celebrados entre o sindicato
de uma categoria e sua empresa, e as Convenções Coletivas, celebradas entre
sindicato da categoria e sindicato patronal. Este artigo introduz que: "A
convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei
quando, entre outros, dispuserem sobre". Então enumera nada menos que 15
incisos com itens que podem ser alterados, afora o misterioso "entre
outros".
É certo que o Artigo 611-B enumera 30
incisos com direitos que não podem ser afetados, mas ainda assim, podem sê-lo:
jornada de trabalho, banco de horas, intra jornada, plano de cargos e salários,
representação sindical, sobreaviso, trabalho intermitente, prorrogação de
jornada em ambientes insalubres sem licença prévia do Ministério do Trabalho, e
outros, o que associado ao parágrafo primeiro, que remete ao parágrafo terceiro
do Artigo 8, e que por sua vez remete ao Artigo 104 da Lei 10.406/2002, que é
do Código Civil, praticamente transforma a o Acordo Coletivo em uma forma de
"Negócio Jurídico".
Até essa inovação, a CLT não permitia que
um acordo coletivo subtraísse direitos previstos em lei, mas com o Artigo
611-A, associado a outras inovações, como o Artigo 444 que diz respeito a
negociações individuais, possibilita por exemplo que um empregado contratado
originalmente para 30 horas semanais, de repente passe a cumprir jornada de 36
/ 48 horas semanais, caso da infame jornada 12x36, sem qualquer aumento de
salário!
O Artigo 612 ainda enfraqueceu a exigência
de quórum mínimo em assembleia para celebração do acordo, reduzindo de 2/3 dos
presentes em segunda chamada, para 1/3, facilitando que uma minoria aprove
acordos prejudiciais à categoria.
Considerando também a política de
enfraquecimento dos sindicatos, como a nova redação dada ao Artigo 545 que
elimina a contribuição sindical obrigatória, bem como o enfraquecimento generalizado
da Justiça do Trabalho, que inclui até sucateamento de verbas por meio da
pérfida Lei de Responsabilidade Fiscal, o resultado inevitável será a
proliferação ainda maior dos ditos sindicatos pelegos, que agem contra a
própria categoria em favor da retirada de direitos. Quem tiver experiência em
negociações sindicais e for fiel aos interesses dos trabalhadores sabe muito
bem o enorme estrago que isso irá causar.
JUSTIÇA PAGA
Passemos agora para o Artigo 790, que rege
sobre as ações judiciais nos Tribunais do Trabalho, onde o parágrafo 3, que na
prática garantia a justiça gratuita para qualquer trabalhador, foi alterado
para agora permiti-la apenas para os trabalhadores que percebam salário até 40%
do máximo benefício pago pelo INSS, que atualmente está em R$ 5.531,31, o que
faz com que qualquer trabalhador com salário acima de R$ 2.212,52 perca o
benefício da justiça gratuita.
Assim, caso o trabalhador perca a ação
judicial, terá que arcar com as custas processuais, o que não raro é
economicamente desastroso. O Artigo 789-A enumera as custas básicas de um
processo, que facilmente totalizam um mínimo superior a R$ 2.800, já bem acima
do salário mensal de quem tenha direito à gratuidade, mas frequentemente vão
muito além disso. Já tivemos o caso onde um magistrado que, de forma
controversa, baseado na recente legislação condenou um trabalhador ao pagamento
de R$ 8.500.
O parágrafo 4 do Artigo 790 ainda garante o
direito a gratuidade para quem comprovar insuficiência de recursos, mas essa
comprovação é muitíssimo mais difícil que a anteriormente vigente, que podia
ser obtida com mera declaração formal.
Quem acompanha processos trabalhistas sabe
que não é raro termos decisões judiciais nada menos que surreais, tanto a favor
quanto contra trabalhadores, mas outrora essa incerteza implicava no máximo em
tempo perdido e desgaste emocional. Agora afetará diretamente nas economias do
trabalhador, o que seguramente ira dissuadir muitos de procurarem seus direitos
mesmo quando estes forem arbitrariamente violados.
FORÇANDO A DIVISÃO DE CLASSES
Existem pouquíssimos trabalhadores que
possuem habilidades e conhecimentos suficientemente específicos para possuir
força de negociação, e em geral esses já não costumam celebrar contratos de
trabalho comuns, preferindo criar pessoas jurídicas e celebrar contratos entre
empresas. Mas a falácia que embasa a Reforma Trabalhista trata milhões de
trabalhadores sem qualquer especialização e com poder de negociação zero, como
se fizessem parte dessa exclusiva elite, que regida pelo Artigo 444, outrora
permitia apenas benefícios adicionais, mas não subtração de direitos.
Mas agora, com o parágrafo único incluído
pela Lei n°13.467/2017, qualquer profissional que ganhe acima de R$ 11.062,61
(o dobro do benefício máximo do INSS), poderá "renegociar livremente"
seu contrato sob as mesmas condições do Artigo 611-A, sendo então empurrado à
situação análoga a de outros especialistas que em geral ganham muitíssimo acima
disso, embora de modo algum isso lhe garanta qualquer acréscimo de rendimento.
Pelo contrário, pois poderão até mesmo aumentar sua carga horária sem aumento
de salário, (possibilidade ainda mais reforçada pela Medida Provisória 808, que
visa instituir o Artigo 59-A) abrir mão de planos de cargos, banco de horas e
até contrato permanente, passando a ser obrigados a trabalho intermitente.
A maioria desses profissionais está longe
de possuir real poder de negociação, pois embora possa parecer muito para os
que estão nivelados ao salário mínimo, fato é que um salário de R$ 12.000 pode
até ser abastado para um único indivíduo, mas mantém uma família de 4 ou 5
pessoas no limiar da classe média. A simples ameaça de demissão, num mercado
com milhões de desempregados, é suficiente para obrigar esse trabalhador a
aceitar qualquer condição desvantajosa, até mesmo a perda de grande parte de
sua renda, pelo trabalho intermitente, por exemplo, preferível a possibilidade
de perdê-la toda.
Mas o ponto mais relevante não é esse, e
sim que embora isso possa parecer pouco significante, ocorre que frequentemente
nos períodos de Data Base, a fase de negociação entre sindicato e empresa,
todos os trabalhadores costumavam estar na mesma condição independente de sua
renda, de modo que em geral eram apenas os agraciados com funções especiais,
cargos de confiança ou comissões tendiam ficar ao lado dos empregadores. Agora,
com essa inovação, justo os trabalhadores que costumavam ficar entre a maioria
e a minoria dirigente, e que possuíam melhores chances de pressionar
diretamente as chefias para negociações mais favoráveis à maioria, se veem
isolados, podendo ser regidos por condições diferentes da maioria.
Com isso, quebra-se a continuidade que
conectava trabalhadores de menores ganhos com trabalhadores com mais ganhos,
mas ainda assim, trabalhadores, e estimula-se ainda mais uma falsa ilusão de
elitismo que tende a dividir as categorias em duas classes distintas, as que
ganham mais, e as que ganham menos que o dobro do benefício máximo do INSS.
É um fomento direto a uma Luta de Classes!
Que no caso servirá apenas como estratégia manipulatória, fazendo aos menos
abastados parecer que qualquer um com um ganho acima desse limiar faça parte da
elite dominante e seja visto como inimigo, e fazendo a esses um pouco mais
abastados parecer que os demais sejam uma massa disposta a decapitá-los numa
revolução.
DESENHANDO O QUADRO MAIOR
Se cada uma dessas mudanças já seria
trágica por si só, basta notar como combinadas tendem a levar a situações
desesperançadas. Sindicatos enfraquecidos e dependentes de contribuições
voluntárias possuem muito menos capacidade de se organizar e pressionar as
direções das empresas para conquistar melhores condições, ou mesmo para
garantir as que já possuem. Trabalhadores melhor remunerados podem ser
facilmente coagidos a abandonar a sindicalização, visto que os Artigos 444 e
611-A podem ser usados para que ele corte seu vínculo sindical. Com isso, os
maiores contribuidores tendem a ser isolados.
Os sindicatos serão obrigados a arcar com
enormes custas judiciais, devido ao Artigo 789-A, uma vez que em geral serão
eles que tenderão a assumi-las quando um trabalhador perder uma ação movida por
seu sindicato, o que associado à perda de receita, tenderá a sufocá-los. Com
isso, ficará fácil para as organizações patronais infiltrarem seus asseclas nos
sindicatos ou mesmo controlá-los totalmente, forçando a aceitação de convenções
e acordos deletérios aos direitos da maioria.
Com sindicatos pelegos, a tendência é os
trabalhadores irem progressivamente se desvinculando a passando a ficar por
conta própria, mas mesmo assim serão submetidos as decisões de grupos que não
os representam, que podem mudar radicalmente suas condições de trabalho à
revelia de seu contrato original ou mesmo da legislação.
E por fim, será perigosíssimo apelar para a
Justiça do Trabalho, pois o risco de perder a ação e ainda ter que arcar com os
custos judiciais inibirá qualquer um que ganhe acima de R$ 2.212,52. Com isso,
apenas trabalhadores remunerados abaixo desse limiar, aliás, bem abaixo, para
garantir que não o ultrapassem numa alteração salarial mínima, contarão com
justiça gratuita, o que dividirá ainda mais as categorias de trabalhadores.
E esses são apenas alguns aspectos da
Reforma Trabalhista, ainda que dos mais graves. Há inúmeros outros pontos
prejudiciais aos trabalhadores. A Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada
por Getúlio Vargas em 1943, introduziu um mecanismo inédito de proteção
trabalhista numa época que as condições de trabalho não precisavam se
diferenciar muito da escravidão. Desde então, ela tem sofrido inúmeros ataques,
e este é seguramente o mais nocivo, pois sem revogá-la na íntegra, a enfraquece
de forma a deixá-la ainda mais vulnerável a ataques futuros.
E não se iludam aqueles que pensem que o
ataque esteja perto do fim. Pelo contrário. Apesar de grandemente deletéria,
essa Reforma está sendo considerada praticamente um fracasso pela maior parte
de seus proponentes, de Ideologia Liberal, que visavam a uma dilapidação muito
maior da legislação. Por mais reprovável que seja nosso Congresso, até mesmo
ele opôs alguma resistência a muitas das propostas originais, visto a tradição
tipicamente não liberal de nosso país, de modo que o Capital Financeiro Globalista
não se deu por satisfeito com a ainda não completa redução do trabalhador à
condição de escravidão.
Escravidão que, por essência, é tanto uma
relação de trabalho quanto a maior antítese que conhecemos da ideia de
Liberdade, justamente aquilo que os liberais fingem defender.
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