quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Geopolítica felina (por Daniel Jur).

Esse é um texto que encontrei navegando no Facebook originalmente postado pelo usuário Daniel Jur e que achei interessante postar aqui no blog. Desde tenra idade sempre tive grande fascínio por grandes felinos, os quais por seu turno exercem um fascínio no imaginário humano que remonta desde no mínimo as pinturas em cavernas rupestres tais como Chauvet e Lascaux na França e Altamira na Espanha (cerca de 35 mil anos atrás). E que trata dos grandes felinos, em especial o tigre, a onça pintada (que, diga-se de passagem, era chamada de tigre pelos primeiros colonizadores europeus das Américas) e o leão. Animais esses que dentro do ambiente em que vivem ocupam o topo da cadeia e assim neles exercem uma função muito importante (a de regular o número das populações de animais herbívoros), dentro de uma perspectiva cultural e geopolítica.

Foto – Da esquerda para a direita: leão (Panthera leo), onça pintada (Panthera onca) e tigre (Panthera tigris).
A onça pintada é pra mim o mais fascinante animal brasileiro, o terceiro maior felino, só atrás do tigre e do leão, uma onça destroçaria facilmente um leão da montanha norte americano (puma), algo que é carregado de simbolismo: a onça é a rainha da América, o Leão é o rei africano, e o tigre um grande anarca eurasiático. A priori, quando pensamos em um mundo multipolar a primeira divisão é a continental, a felina. E o maior felino de todos é o tigre siberiano, que caminha livremente na Eurásia, significando o poder máximo terrestre, dominando a Rússia e China, é definitivamente a encarnação animalesca do Heartland.

Mackinder nos diz que a conquista russa da Sibéria teve consequências quase tão profundas e drásticas quanto as grandes navegações, usando a lógica de Schmitt poderíamos dizer que aquilo que foram as Grandes Navegações para os espanhóis e portugueses, e que acarretou em uma Revolução Espacial Planetária, que mudou a forma de ver o mundo, ocorreu de forma semelhante na conquista da Sibéria, uma Revolução Espacial Regional. As grandes navegações exigiram a vitória sobre a baleia, o domínio da dominadora dos mares, a sua caça, já a conquista siberiana exigiu o enfrentamento do maior felino da Terra, a Sibéria impunha coletivismo para viver, exigia austeridade, a frieza do ambiente exige frieza psicológica, era necessário hierarquia social, heroísmo, valores solares, fidelidade e honra, resultando em uma estruturação social bem distinta da marítima. É na Eurásia Central que se funda o primado da força terrestre, local da principal disputa geopolítica na qual se debatem Brzezinski, Haushofer e tantos outros, também na Eurásia que se fez milênios atrás a rota da seda, passando pela estrada real persa e pelo baixo tigre. Hoje a Eurásia Central, pela magistral ferrovia Transiberiana, interliga Europa e Ásia, o audacioso projeto falado por Putin conectando "Lisboa a Vladivostok" significaria o reerguimento total da força terrestre, muito embora seja uma ideia Geopolítica bem mais antiga que Putin, praticamente orgânica e oferecida pela própria geografia, tal como novas rotas da seda, porém mais acima e mais diversificadas, como o monumental projeto CAREC de transporte de recursos. Uma Eurásia interligada por terra, com a gama de recursos e economia que tem, significaria instantaneamente um rival a altura e uma ferida quase mortal ao atlantismo, que tenta fazer valer sua influência estabelecendo rotas marítimas e tragando a Europa Ocidental e Oriental para si. 

Foto – Área de distribuição do tigre. Em laranja, áreas onde se encontra extinto. Em vermelho, áreas onde ainda se encontra presente.

Um outro simbolismo pode ser notado, onde persistem as Tradições, persistem os grandes felinos, a Europa Ocidental não mais os possui, estão extintos ou enjaulados, tal como as forças da Tradição, a forma de encontrar alguma vida é permitindo a fusão, permitindo o grande Tigre Siberiano caminhar sobre suas terras, para, como num sopro ou rugido, trazer novamente as antigas forças europeias, fazendo sair à luz solar o Leão da Caverna que um dia ali reinou, animal antigo e gigantesco, adorado e cultuado na pré história européia e gravado em diversas pinturas rupestres. Rapidamente o Leão da Caverna, extinto e congelado na última era do gelo, seria descongelado pelo rugido do Tigre siberiano, trazido de volta à vida com toda sua força e vigor, espantando as pilhagens e saques da águia norte americana, que não mais pousaria em tais terras, apenas sobrevoaria, como um urubu esperando novamente forças mortas, carcaças para se alimentar, porém incapaz de enfrentar vida em seu pleno vigor. 

Foto – Leões das Cavernas (Panthera leo spelaea).
Nas Américas, a Onça Pintada reinou e reina, nos antigos impérios americanos, nas civilizações Maia, Asteca e Inca sempre possuiu posição sagrada, de destaque, admiração e força. Hoje a Onça une a força Latino Americana, vivendo por quase toda essa região e fincando as garras mais fortemente no Brasil, também tivemos a nossa "conquista da Sibéria", o bandeirismo, a conquista do Oeste com as bandeiras, tal como a "bandeira de limites" de Raposo Tavares. Conquistadores que viajaram por mais de 10 mil quilômetros a pé, é aqui que ganhamos nossa força terrestre, a coroação da rainha, a conquista da Onça, esta representando o dinamismo, a adaptabilidade, a força unida à exuberância, uma certa flexibilidade e fluidez na lida com o meio, a Onça é astuta, ágil, indecifrável, camuflada e mortal. A Onça que os mitos e contos amazônicos e pantaneiros ressoam, aquela que é capaz de quebrar o mais duro casco de tartaruga com uma mordida, ela trás o espírito felino mais profundo da América Latina. Extinta na América do Norte, local do âmago das forças de dissolução, a Onça pintada é uma América Latina Unida, diversificada, fluida, exuberante e forte, que estraçalharia facilmente o Puma norte americano, caso este tentasse uma invasão, o Puma de pouca cor, massificado e homogeneizado, pode mesmo representar a diminuição das forças da Tradição nos EUA, sua sobrevida.

Por fim, o Rei da Savana, os leões Africanos fazem lembrar as disputas de clãs sanguinolentos africanos, uma África de milhares povos pulverizados, de milhares de Reis, distribuídos em pequenas povoações, hoje a África é dividida artificialmente, clãs e povos são unidos de forma forçosa, em fronteiras e linhas artificiais, os leões igualmente são restringidos e delimitados às reservas ambientais, fazendo com que destruam uns aos outros. A África é pilhada de forma condizente com a brutal diminuição das populações leoninas, o rei encontra-se ajoelhado, espremido, cercado, sem sua juba e potência. Porém, é possível um renascimento, um exército de Reis, um exército de leões novos que se juntam para expulsar o forasteiro, fazendo renascer das antigas lendas africanas o leão que sabia voar, e que assim era capaz de caçar qualquer animal, seus ossos não mais estariam quebrados pelo Grande Sapo, trazendo o leão de pele impenetrável para mortais, tal como o Leão de Nemeia, uma África impenetrável à ingerência. 

Foto – Área de distribuição do leão. Em vermelho, áreas onde se encontra extinto. Em azul, áreas onde ainda se faz presente em estado selvagem.
A Multipolaridade é em primeira instância Felina, é a América do Norte e Inglaterra cercadas ao sul por uma Onça, ao leste e sudeste por um Leão, e à oeste, leste e norte pelo Tigre Siberiano. Aqui os grandes felinos não representam forças de dissolução, mas forças caóticas originárias que formam os povos, que dão seu espírito e essência e que andam lado a lado, e só se deixam montar por aqueles o qual respeitam, para realizar ataque e defesa, a montaria no fundo sendo uma integração, o Guerreiro é então em parte Onça, em parte Tigre, em parte Leão.

Por último, uma última coisa que me fascina é a área de vida de uma onça, que pode ser muito mais que 100 quilômetros quadrados, na vida moderna estamos habituados a falar que nosso quintal é um cubículo que possui quando muito uma balança e uma árvore, é uma visão de mundo distorcida, sempre considerei meu quintal a profunda mata atlântica que começa no Horto florestal e se estica por toda Serra do Mar, a liberdade felina nos diz muito, o Sertão é o quintal do sertanejo, o mar o quintal das populações litorâneas, o interior e mata atlântica o quintal do paulista, o pampa o quintal gaúcho e assim por diante, perdemos a nossa conexão com a terra, a ligação com o espaço se dá como um visitante, um estrangeiro, um estranho, e não como alguém que domina e vive também neste ambiente, que considera a terra como sua, a terra que era pública e era nossa, a cada dia é de ninguém e das grandes corporações e nós voltamos a ficar em apartamentos, assim como bichos em suas reservas, mortos e espremidos, mas carregando sempre o vigor da terra, pronto a renascer a qualquer instante, dependendo unicamente de coisas que muitas vezes chegam a ter entonação sagrada: a vontade e a ação.

Foto – De cima para baixo: Leão (Panthera leo), Onça pintada (Panthera onca), Leopardo (Panthera pardus), Tigre (Panthera tigris), Leopardo das Neves (Panthera uncia).

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