Foto – Freeza e Rei
Vegeta.
Navegando
pela Internet, descubro uma notícia do ano passado na qual uma estátua de Júlio
César na Bélgica foi vandalizada. Na ocasião em questão, a estátua de Júlio
César em Bruxelas foi decapitada e sua lança retirada, além de na base dela ter
sido pichada a palavra “krapuul” (crápula, em português). Eles pelo visto acham
que estão no século I antes de Cristo e são o Asterix e o Obelix resistindo ao
avanço romano sobre a Gália bebendo as poções de druidas e se alimentando com
carne de javali...
Primeiro de
tudo, eu gostaria de aproveitar esse momento em que no mangá de Dragon Ball
Super está sendo publicada uma saga, a saga do sobrevivente espacial (que
promete revelar muita coisa sobre o passado dos saiyanos e de Freeza), cujo
antagonista principal (pelo menos até agora – capítulo 70) pertence a um povo
que foi vítima de um massacre levado a cabo pelos saiyanos antes destes serem
exterminados pelo Freeza e assim dar continuidade à primeira parte do artigo.
Ou seja, Dragon Ball também é cultura.
Ao que tudo
indica, tais vândalos teriam pichado e vandalizado a estátua de Júlio César por
conta das ações dele na Gália (atual França) nos anos 50 antes de Cristo,
durante as guerras da Gália. Como dito na primeira parte, quem faz esse tipo de
vandalismo geralmente não se dá conta de que, por exemplo, aqueles que foram
destroçados por seus algozes não tiveram seus dias de conquistadores. E os
celtas são um bom exemplo disso.
Falemos um
pouco sobre o passado de conquistadores dos celtas, de antes destes serem
vencidos e submetidos pelos romanos.
Foto – Mundo celta por volta de 250 antes de Cristo.
Em seu
apogeu, os celtas se expandiram por grande parte da Europa, da Escócia a
Península Ibérica e da Irlanda a Turquia ocidental, já em território asiático. Tal
expansão, obviamente, não se deu por meios pacíficos, e sim promovendo guerras
de conquista e pilhagem sobre os povos e culturas que viviam anteriormente nesse
espaço geográfico, os quais depois de conquistados viriam a ser absorvidos
pelos celtas.
Por causa
dessa expansão toda, existe na Península Ibérica, entre o norte de Portugal e o
noroeste da Espanha, uma região chamada Galícia (em espanhol Galiza – onde se
situam cidades como Vigo, La Coruña, Lugo, Ferrol, Pontevedra e Boiro), a passo
que na Turquia ocidental existe uma região chamada Galácia (que corresponde à
atual província turca de Yozgat). Possivelmente, também vêm dessa mesma raiz
céltica os nomes de Galaţi na Romênia e da região da Galicia entre a Polônia oriental
e a Ucrânia ocidental. E na própria Bíblia Sagrada, mais precisamente no Novo
Testamento, há uma parte dedicada aos habitantes da Galácia, os gálatas, mais
precisamente no nono livro, a Epístola aos Gálatas, redigida pelo apóstolo
Paulo aos cristãos da região da Galácia.
Por causa
dessa expansão toda a partir do século VI antes de Cristo existem topônimos
celtas tanto nas ilhas Britânicas, quanto na França, na Península Ibérica e até
mesmo na Romênia e na Turquia. Começa pelo fato de que os romanos chamavam o
atual norte da Itália de Gália Cisalpina, ao passo que a atual França era
chamada de a Gália Transalpina (além dos Alpes). Até mesmo no futebol tais
topônimos podem ser encontrados: na Espanha temos o Celta da cidade de Vigo, um
time mediano do noroeste da Espanha cuja melhor participação na La Liga foi um
quarto lugar na temporada 2002/2003 e no qual o meia Mazinho (campeão com a
seleção brasileira na Copa do Mundo de 1994) jogou entre 1996 a 1999, ao passo
que na Escócia temos o Glasgow Celtic, um dos mais tradicionais times da
Escócia, campeão da Liga dos Campeões da Europa da temporada 1966/1967 e que
junto com o Glasgow Rangers é uma das principais forças do futebol escocês,
assim como muitos outros times das Ilhas Britânicas de menor expressão e
notoriedade tanto ativos quanto defuntos. Fora da Europa, temos na África do
Sul temos o Bloemfontein Celtic F. C, um time mediano cujo melhor desempenho na
Liga sul-africana de futebol foi um quinto lugar nas temporadas 2010/2011 e
2012/2013. E até mesmo na NBA há um time céltico, o Boston Celtics, um dos
principais times da liga norte-americana de basquete, da qual foi campeão 17
vezes.
Um dos povos
com os quais os celtas viriam a entrar em atrito foi justamente com a nascente
República Romana (509 – 27 a.C.). Vários foram os atritos que a República
Romana teve que travar com os grupos celtas estabelecidos no norte da Itália, e
um deles se deu por volta de 390 a.C., quando Roma foi saqueada e pilhada por
um exército liderado pelo gaulês Breno.
Foto – Busto de Breno o senônio, o chefe gaulês que liderou o saque de Roma em 390 antes de Cristo, no museu da marinha francesa em Toulouse.
No século
XIX, mais precisamente em 1893, tal episódio veio a ser retratado pelo pintor
francês Paul Jamin em um de seus trabalhos artísticos, “Breno e sua parte dos
espólios”, na qual vemos o chefe gaulês adentrar em uma casa romana e nela ver
cinco garotas cativas nuas e mais alguns itens dourados a serem pilhados.
Naquela
ocasião, Breno liderou um do vários grupos gauleses, os senônios, até Clusium
na Etrúria. Roma enviou um exército para detê-lo, que foi vencido na Batalha de
Allia, travada próxima à Cidade Eterna. Como resultado da derrota, Roma ficou a
mercê dos invasores, a maioria dos senadores foi morta e apenas o Capitólio foi
capaz de resistir.
No norte da Itália, outros enfrentamentos entre romanos e gauleses ocorreram em 302, 298 a 290 antes de Cristo (Terceira Guerra Samnita), 284, 225, 223 e 193 antes de Cristo, ainda na Gália cisalpina (atual norte da Itália). Depois que Roma submeteu e conquistou os grupos gauleses do atual norte da Itália, os enfrentamentos galo-romanos se deslocaram para a atual França. Os enfrentamentos na Gália Transalpina se prolongaram até a guerra de 58 a 50 antes de Cristo conduzida por Júlio César, vencida por Roma e que levou à destruição final do poder céltico na atual França. Após a morte de Júlio César em 44 antes de Cristo, Otávio Augusto destruiu na Ibéria os últimos remanescentes do poder celtibero estabelecido onde hoje é as Astúrias e a Cantábria entre 29 a 19 antes de Cristo, ao passo que na Inglaterra Roma destruiu o poder céltico local entre os anos 43 e 87.
Foto – “Breno e sua parte dos espólios”, pintura do pintor francês Paul Jamin (1853 – 1903), 1893.
Cabe aqui
também citar que durante a Segunda Guerra Púnica, os gauleses viriam a apoiar e
a ingressar as fileiras dos exércitos de Aníbal Barca que invadiram Roma a
partir de 218 antes de Cristo.
Outro
episódio digno de nota do passado de conquistadores dos celtas é a invasão
céltica aos Bálcãs entre 281 e 279 antes de Cristo. De suas bases na Ilíria e
na Panônia (atuais Croácia e Hungria, respectivamente), um exército gaulês
invadiu a Macedônia e se dividiu em três grupos: um ao leste, sob a liderança
de Cerétrio, que atacou a Trácia e derrotou os tribalos e getas; um ao centro,
sob a liderança de Breno e Acicorio, que atacou Peônia; e um ao oeste liderado
por Bolgios (líder supremo dos celtas), que atacou os macedônios e ilírios. Em
decorrência desse enfrentamento, veio a falecer o rei macedônio Ptolomeu
Cerauno. Ptolomeu Cerauno é sucedido por um líder chamado Sóstenes, que reuniu
um exército e expulsou os celtas. Veio a ser vencido e morto pelos mesmos
celtas em 279 antes de Cristo, e estes saquearam toda a Macedônia com exceção
das cidades fortificadas.
Segundo
historiadores gregos, os celtas, ao tomarem conhecimento das grandes riquezas
gregas, reuniram um exército de 150 mil infantes e 15 mil ginetes sob a
liderança de Breno e Acicorio e após avançarem na direção do Mar Jônico atacou
a região da Tessália na Grécia (à época sob o controle da dinastia antigônida e
fragilizada pelas guerras dos diáconos que emergiram após a fragmentação do
Império de Alexandre). Uma coalização de cidades gregas, sob a liderança de
Cálipo de Siracusa, se opôs ao avanço gaulês, e pesadas perdas foram infligidas
aos invasores em enfrentamentos em Termópilas, no monte Eta e em Delfos.
Como
resultado das derrotas para os gregos, o exército celta se desfez e Breno se
suicidou, com pequenos grupos de celtas conseguindo voltar ao norte da
Macedônia.
Depois de
vencidos na Tessália e em Delfos, uma parte dos gauleses cruzou o Mar Egeu e
pilhou as áreas costeiras do lado asiático, até que os habitantes de Pérgamo os
combateram e os expulsaram da costa. Isso forçou os gauleses a se dirigirem
para a região além do rio Sangário, onde tomaram a cidade de Ancira. Alguns dos
sobreviventes da campanha grega, sob a liderança de Comontoris (general de
Breno) se estabeleceram na Trácia em 277 antes de Cristo, ao passo que outro
grupo gaulês foi transportado para a Ásia Menor por Nicomedes I para ajuda-lo a
vencer seu irmão e assegurar o trono da Bitínia. Eles se assentaram na região,
que passou a ser conhecida como Galácia.
Mas, com toda
essa explanação sobre o passado pregresso de conquistadores dos celtas de antes
deles terem sido conquistados pelos romanos, aonde você quer chegar, alguém me
perguntará? Muito simples, mostrar às pessoas que o discurso dessa gente da
Black Lives Matter e outras organizações do tipo não só é anacrônico e não leva
em conta as realidades históricas pregressas, como também não faz sentido, como
também mostrar toda a hipocrisia e o falso moralismo que permeia o discurso dessa
gente. A julgar pela retórica desses tipos, eles pensam que a escravidão na
Grécia clássica, na Roma Antiga, no Islã Medieval e na África pré-moderna
funcionava do mesmo jeito que na América colonial.
Gente essa
que, ao que tudo indica, não sabe quem foi Breno o senônio e muitos menos sobre
as incursões celtas sobre Roma. E também, pegando carona na temática da nova
saga do mangá de Dragon Ball Super (que dentro de alguns anos certamente
ganhará uma versão animada), não se dão conta de que o conquistado de hoje pode
muito bem ser o conquistador de outrora.
No Chile, nas
manifestações de 2019, estátuas de conquistadores espanhóis e generais chilenos
do século XIX foram derrubadas e em alguns casos substituídos por estátuas cafonas
que homenageiam povos como os mapuches e os diaguitas. Isso seria o mesmo que
no caso europeu, em um próximo rompante de vandalismo a monumentos a
históricos, estátuas dedicadas a Júlio César, Otávio Augusto, Cláudio e outras
grandes figuras da história romana venham a ser derrubadas e na sequência substituídas
por estátuas que glorifiquem figuras como o general cartaginês Aníbal Barca
(vencido por Roma ao término da Segunda Guerra Púnica), ou mesmo Breno o
senônio e Vercingetorix, o chefe gaulês que foi vencido por Júlio César na
guerra de 58 a 50 antes de Cristo.
É evidente
que na lógica maluca desses militantes de organizações como a Black Lives
Matter e outras do gênero, assim como dos vândalos chilenos de 2019 e daqueles
que picharam o monumento às bandeiras e a estátua de Borba Gato (ambas em São
Paulo) e eventualmente querem que elas sejam substituídas por estátuas que
homenageiam os povos indígenas que viviam no Brasil antes da chega dos
portugueses, povos como os etruscos, cartagineses, os celtas e outros vencidos
e conquistados por Roma, assim como no caso sul-americano povos vencidos pelos
portugueses e pelos espanhóis como os incas, os astecas, os tupis, os guaranis,
os mapuches, os diaguitas e outros são dignos de todas as homenagens possíveis
e imagináveis, enquanto que romanos, espanhóis e portugueses não, estes devem
arder no mármore do inferno por meio de uma grande campanha de cancelamento
sumário nas mãos do tribunal politicamente correto deles.
Ou seja,
fazendo uma analogia com Dragon Ball, o Rei Vegeta pode ser homenageado apesar
de ter aniquilado os tsufurianos durante a conquista do Planeta Plant (depois
renomeado como Planeta Vegeta), mas o Freeza, por ter dizimado os saiyanos e
outros povos, não. Ou seja, pode-se homenagear o conquistador provinciano, mas
não o grande conquistador. Sendo que tanto um quanto o outro foram
conquistadores que impuseram sua vontade na base da força e não tiveram o menor
pudor em derramar sangue para isso. E o fato de o conquistador provinciano ter
sido derrotado e morto pelo grande conquistador não muda o fato de que o
conquistador provinciano também é um conquistador que derramou sangue para
atingir seus intentos. Mas, infelizmente, a militância politicamente correta de
grupos como a Black Lives Matter, do alto da burrice, da ignorância e do
analfabetismo político deles, não entende e nem enxerga isso.
E vamos
supor, em um cenário hipotético, que uma vítima das conquistas desses povos
todos que depois foram conquistados por Roma ou pelos Impérios coloniais
Português e Espanhol é revivida nos dias de hoje e se vê diante de um monumento
dedicado a tais figuras. Se, por exemplo, uma vítima da incursão de Breno a
Roma em 390 a.C. se visse diante de um monumento dedicado ao chefe celta
erguido no lugar de um monumento dedicado a Júlio César ou a Otávio Augusto ou
se uma vítima do avanço diaguita em tempos distantes se visse diante da estátua
cafona colocada no lugar da estátua de Francisco de Aguirre no Chile, uma coisa
é certa: teria um sentimento similar ao que o Granola teria caso em algum
planeta visse uma estátua dedicada ao Bardock, um dos líderes saiyanos que
comandaram expedição a destruição do planeta Cereal (o mesmo Bardock que depois
foi morto por Freeza quando este lançou a Supernova no Planeta Vegeta). Ou se o
Baby visse uma estátua dedicada ao Rei Vegeta (que também foi morto por Freeza
quando este destruiu o Planeta Vegeta). Não ia gostar nem um pouco da
brincadeira.
Foto – “Vercingetorix abaixa suas armas aos pés de Júlio César”, pintura do francês Lionel Royer (1852 – 1926).
Fontes:
Battle of
Alia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Allia
(em inglês).
Celtic.
Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Celtic
(em inglês).
Celtic lives matter? Julius Caesar
statue vandalized in Brussels, locals question motive. Disponível em: https://www.rt.com/news/491886-caesar-statue-vandalized-belgium/
(em inglês).
Celtic settlement of Southeast
Europe. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Celtic_settlement_of_Southeast_Europe
(em nglês)
Os antifas
querem lobotomizar os povos! Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_7eMS_976E8&t=3s&ab_channel=NovaResist%C3%AAnciaNR
Roman-Gallic
wars. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Roman-Gallic_wars
(em inglês)