Foto – Mussum (1941 – 1994).
Essa
quinta-feira, dia 4 de abril de 2019, estreia nos cinemas brasileiros o filme
documentário “Mussum, um filme do cacildis”, da diretora Susanna Lira. Tal
filme conta a história de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, conhecido
nacionalmente como Mussum, desde sua infância nas favelas do Rio de Janeiro até
primeiro tornar-se sambista integrante do grupo Originais do Samba e depois
consagrar-se como trapalhão, dando um foco maior ao homem por trás do
personagem e não ao personagem em si mesmo.
Por
muitos fãs, Mussum é comumente tido como o mais engraçado dos Trapalhões. O
malandro do grupo, Mussum era notável não apenas por seu jeito peculiar de falar
(no qual adicionava as terminações “is” ou “évis” em palavras arbitrárias) como
também por ser frequentador assíduo de bares e botecos e seu apreço por bebidas
alcoólicas, em especial a cachaça (ou como ele a chamava carinhosamente, mé).
Comumente era chamado de “cromado”, “azulão”, “grande pássaro”, “maisena”,
“fumaça” e outras palavras afins por seus companheiros de grupo.
Gostaria
de aproveitar não apenas o lançamento vindouro do filme sobre a vida do Mussum além
das câmeras de TV como também a proximidade com o 25º aniversário do
falecimento dele (que irão completar-se no próximo 29 de julho) para falar a
respeito de um esquete dos Trapalhões no qual o personagem interpretado pelo
finado Antônio Carlos Bernardes Gomes estrela junto com Dedé Santanna. O qual ao
que tudo indica é dos anos 1980 e que é atualíssimo, tendo em vista a realidade
atual que o país vive.
O
esquete começa com Mussum e Dedé em uma sala de espera de um consultório. A
atendente pede para que os dois esperem um pouco que o doutor já irá
atendê-los. Mussum responde à atendente que não perguntou nada e Dedê, que
estava lendo um jornal, alfineta Mussum por sua demonstração de mau humor. Uma
discussão entre os dois trapalhões tem início.
Mussum
responde com um “mas está certo, viva a liberdade” e que o governo está certo.
Em seguida Dedé, resmungando e lendo as notícias do jornal, conta a Mussum que
aumentou o preço do feijão. Mussum responde com um bem feito e justifica o
aumento do preço do feijão sob a alegação de que o vegetal não tem valor
nutritivo algum e que aumentando o preço do feijão as pessoas iriam consumir
mais soja (na opinião de Mussum melhor e mais barata que o feijão). Na
sequência Dedé fala que o preço dos ovos também aumentou. Mussum justifica o
aumento do preço dos ovos sob a alegação de ninguém dá valor ao serviço dos
outros e citando um suposto sacrifício feito pelas galinhas na hora de botar os
ovos. Dedé responde que não quer mais conversa com o grande pássaro, temendo
uma eventual briga. Mussum retruca que todo mundo está do contra, se queixa de
protestos, que ninguém tem respeito pelo trabalho dos outros e afirma mais uma
vez ser a favor do governo.
Dedé
então mostra a Mussum mais uma a notícia do jornal: mais um aumento de preço.
Mussum diz que o governo está certo e tem que aumentar preços mesmo. Dedé diz
que o preço da cachaça vai aumentar, mostra a notícia ao mangueirense e este
fica enfurecido ao saber da última, a ponto de maldizer o mesmo governo que até
agora a pouco ele se dizia a favor.
Foto – Mussum e Dedé no esquete em
questão.
O
que pode ser dito a respeito desse esquete curto do famoso quarteto que por
muitos anos alegrou os lares brasileiros com seu humor estilo pastelão e qual é
a relação dele com a atual realidade brasileira? Nesse esquete em questão vemos
Mussum agir da mesma forma que o brasileiro médio (geralmente pertencente ao
que Jessé Souza chama de ala protofascista da classe média) que vomita pela
boca discursos como “bandido bom é bandido morto” e afins age. Se o Caco
Antibes e a Dona Florinda são o retrato do brasileiro médio em seu ódio e
indiferença classista aos menos abastados, o Mussum é o retrato do brasileiro
médio na indiferença ao infortúnio alheio e em não se dar conta de que aquele
que agora prejudica o desafortunado da vez pode ser aquele que cedo ou tarde
irá te prejudicar também.
Grosso
modo, tais elementos acham bonito de se ver em programas policiais a polícia
espancar, humilhar e prender negros e pobres que moram nos cortiços e favelas
do país em batidas nesses lugares. E uma vez tais infelizes presos nas
superlotadas cadeias brasileiras, não demonstram incômodo algum pelo destino
funesto que a essa gente aguarda, não raro presos por causa de pequenos furtos.
E esse também é o mesmo tipo de gente que não apenas apoia as barbaridades e
atropelos jurídicos da Operação Farsa Jato como também comemorou com fogos de
artifício a prisão do Lula e votou em massa em Jair Bolsonaro (e como também
parecem demonstrar indiferença para com os prejuízos bilionários causados à
economia do país e milhões de desempregados pela tábua rasa feita em empresas
como a Odebrecht, a OAS, a Petrobrás e outras empresas afetadas pelas
investigações da quadrilha de Curitiba – algo inadmissível em países como os
EUA, a França e a Alemanha).
Resumo
da ópera: no esquete dos Trapalhões em questão, enquanto o governo prejudicava
os outros, para o Mussum tudo bem. Afinal, não era com ele. Mas, a partir do
momento que o mesmo governo que até então ele elogiava aumentou o preço da
cachaça, mudou de ideia da água para o vinho. E enquanto a polícia continuar a
destilar sua truculência contra pobres e negros nas favelas, continuarão
achando isso ótimo ad eternum. O
brasileiro médio age da mesmíssima forma quando vê, por exemplo, os meganhas de
toga da Farsa Jato passando por cima das leis do país e condenando sem provas o
Lula e outros membros do PT. Afinal, também não é com eles. E bem
provavelmente, podem vir à tona inúmeros escândalos envolvendo a camarilha do
Paraná (incluindo Operação Maringá, caso Banestado, as denúncias de Rodrigo
Tacla Duran, o esquema das APAES e a tentativa recente de estabelecer um fundo
bilionário privado com dinheiro retirado da Petrobrás e da Odebrecht – no que
configura um esquema de lavagem de dinheiro) que essa gente vai continuar
jogando confetes para essa gente. O que importa para eles é ver o que eles veem
como criminosos e corruptos (em especial se for alguém do PT ou de outros
partidos de esquerda e que não usem terno e gravata) sendo presos e humilhados
por juízes, procuradores e policiais. “O juiz tá certo, a polícia tá certa. O
safado tem que apanhar e ser humilhado até não poder mais e depois ser preso!”,
certamente esses sujeitos (que mal se dão conta de que os meganhas de toga aos
quais eles jogam confetes são na verdade parte do sistema da corrupção que eles
dizem combater) pensam com seus botões nessas situações.
E
o mais curioso e irônico a respeito desse esquete é ver que tais elementos são
muito bem retratados e satirizados por um negro nascido no morro da
Cachoeirinha, uma das favelas da zona norte do Rio de Janeiro e filho de uma
empregada doméstica. Logo um negro de origem humilde, que essa gente não raro
gosta de ver apanhando e sendo humilhado em batidas policiais nas favelas e
cortiços. Enquanto o outro é que está se dando mal, não me importo. Só vou me
importar a partir do momento em que a cobra começar a me picar. Assim essa
gente pensa. E é por causa de pessoas assim que Luiz Carlos Cancellier, reitor
da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), suicidou-se no ano retrasado,
depois de ter passado por tamanha humilhação nas mãos da polícia catarinense. Dai
que surge, por exemplo, a falta de incômodo dessa gente no que tange, por
exemplo, à relação da família Bolsonaro para com os milicianos do Rio de
Janeiro. Enquanto a milícia no Rio de Janeiro ceifar a vida dos moradores das
favelas, a indiferença reina. E a situação irá mudar de figura apenas a partir
do momento em que as milícias começarem a apontar seus rifles e atirar suas
balas em pessoas que moram na Barra da Tijuca e outros bairros nobres da antiga
capital do Brasil.
Da
mesma forma, enquanto esses que se dizem os cidadãos de bem do país não
começarem a sofrer humilhações vexatórias como a que o reitor Cancellier sofreu
pouco antes de suicidar-se e a que moradores das favelas e cortiços sofrem nas
mãos da polícia (como a desse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=DxoRLhwUMTE&t=1s)
vão continuar achando bonito tais espetáculos deprimentes que pululam em
programas policiais (cujos apresentadores certamente sabem que é disso que seu
público cativo gosta). E também analogamente, enquanto não começarem a ser
condenados e presos da mesma forma que Lula foi vão continuar jogando confetes
para os meganhas de toga que eles apoiam. Uma coisa é certa: quando estiverem
na mesma situação em que Lula esteve nas mãos dos meganhas de toga de Curitiba
e do TRF4, vão pedir hipocritamente as provas e os mesmos direitos legais que a
Lula e outros presos em situação similar da Farsa Jato negam. E enquanto não
começarem a ser jogados feito animais para serem abatidos nas superlotadas
cadeias brasileiras depois de conduções coercitivas vão continuar agindo dessa forma bestial. Sintomas de uma
sociedade até hoje assombrada pelo fantasma da escravidão até hoje nunca
devidamente exorcizado.
Foto – Os Trapalhões todos juntos:
Mussum e Didi (em cima), Zacarias e Dedé (em baixo).
Fontes:
Aparecem
outros R$ 6,63 bi recebidos pelos procuradores da “Lava Jato” por entregar
Petrobrás a americanos e quebrar Brasil. Disponível em: https://luizmuller.com/2019/04/02/aparecem-outros-r-663-bi-recebidos-pelos-procuradores-da-lava-jato-por-entregar-a-petrobras-a-americanos-e-quebrar-o-brasil/?fbclid=IwAR26PI3xfHRUlF7WEHhyxlcS5RJ2XTY4tNndQAr7HnQZjTIjelhXIOJIjNw
A
história de Mussum, para além do cacildis! Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-hista-ria-de-mussum-para-ala-m-do-cacildis/443730
Mussum
(Antônio Carlos Bernardes Gomes). Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/humor/os-trapalhoes/os-trapalhoes-mussum-antonio-carlos-bernardes-gomes.htm
Produtor
audiovisual, negro, é abordado e humilhado pela polícia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DxoRLhwUMTE&t=1s