Em 12/09/17 finalmente um jurista
de renome, o ex Juiz Federal e atual Governador do Maranhão Flávio Dino1,
confirmou2 duas coisas que venho dizendo há muito tempo sobre a
acusação de lavagem de dinheiro do suposto triplex de Lula:
1 - A competência do TRF da 4a
Região como foro do processo3, e;
2 - Algo que vai ao encontro da
surreal inovação jurídica de condenar alguém por um crime que apenas Viria
a ser cometido Se tivessem sido dadas uma série de condições
questionáveis.
inCOMPETÊNCIA
Para a Primeira, temos que
a Justiça Federal do Brasil é dividida de modo bastante irregular em cinco TRFs
(Tribunais Regionais Federais)4, da seguinte forma:
1ª Região: Acre, Amapá, Amazonas,
Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia,
Pará, Piauí, Roraima e Tocantins;
2ª Região: Espírito Santo e Rio
de Janeiro;
3ª Região: Mato Grosso do Sul e
São Paulo;
4ª Região: Paraná, Rio Grande do
Sul, Santa Catarina;
5ª Região: Alagoas, Ceará,
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Foto - Divisão do Território Brasileiro por Tribunais Regionais Federais.
Como os processos devem se iniciar nas regiões onde os fatos dizem respeito, vale notar que faria perfeito sentido se o caso fosse para a 1ª Região, visto que algumas das principais empreiteiras denunciadas na Operação Lava Jato, a começar pela Odebrecht, tem sede em seus estados bem como neles também há várias estações da Petrobras, sem contar o fato de envolver autoridades que trabalham na Capital Federal.
Foto - Divisão do Território Brasileiro por Tribunais Regionais Federais.
Como os processos devem se iniciar nas regiões onde os fatos dizem respeito, vale notar que faria perfeito sentido se o caso fosse para a 1ª Região, visto que algumas das principais empreiteiras denunciadas na Operação Lava Jato, a começar pela Odebrecht, tem sede em seus estados bem como neles também há várias estações da Petrobras, sem contar o fato de envolver autoridades que trabalham na Capital Federal.
Mas também faria sentido se
estivesse no TRF da 2ª Região, pois e nela que está a sede da Petrobras,
ou na 3ª Região, onde também estão as
sedes de quase metade das empreiteiras envolvidas. Segundo Flávio Dino os
próprios procuradores de São Paulo havia, com razão, reclamado para si essa
competência. 5
Talvez fizesse algum sentido,
ainda que pouco, até mesmo a 5ª Região, visto que além de haver uma empreiteira
grande envolvida em Pernambuco, também há ampla presença de instalações da
Petrobras nesse estados.
Mas de todas as regiões, a que
faz menos sentido é justamente a 4ª, visto não haver uma única das empresas
envolvidas com sede exclusiva na Região Sul (apenas a Engevix divide sedes em
Santa Catarina e São Paulo), e a presença da Petrobras nesta região, bem como
das várias outras empreiteiras é significativamente menos relevante comparando
com as regiões Sudeste e Nordeste.
Para piorar, o próprio Lula e o
triplex em questão, bem como seus outros patrimônios ou alegados patrimônios,
todos estão em São Paulo. E assim, a pergunta inevitável é: Por que raios
esse processo foi parar na 4ª região!?!?
A única justificativa possível
seria a participação do doleiro Alberto Yousseff, que já tinha sido julgado e
condenado pelo TRF da 4ª Região no caso do Escândalo do Banestado, um dos
subprodutos da privatização e cujo destino foi bem diferente do ocorrido na
Operação Lava Jato. Mas não é uma regularidade que alguém que incida num
segundo crime que diga respeito a outro foro tenha que ser julgado no mesmo
foro em que foi anteriormente condenado, ainda mais atropelando todos os demais
fatores que melhor justificariam outras regiões. O mesmo pode-se dizer da
alegada especialidade de Sérgio Moro no crime em questão, pois apesar de ter
trabalhado em processo similar, definitivamente ele não é o único qualificado
para tal, além de ter a desagradável contrapartida de ter seu desempenho
duramente criticado nesse mesmo caso, onde na absoluta contramão do que ocorre
na Lava Jato, desviou uma quantidade muitíssimo maior de dinheiro, envolvia
principalmente o PSDB, quase não teve repercussão midiática (até porque Globo,
Editora Abril e SBT estiveram envolvidos), e onde praticamente ninguém
importante foi punido.6
Além disso, Moro praticamente
confessou sua incompetência no assunto (em sentido não jurídico) ao precisar
fazer um curso fornecido por um país estrangeiro com a confessa necessidade de
aprender a como combater o crime organizado no próprio país, alegando justamente
não saber usar os recursos jurídicos que lhe cabem.7
Portanto, permanece a questão: Por
Que A 4ª Região?!
PRESCIÊNCIA
Para a Segunda, um dos
princípios mais elementares de qualquer ordem jurídica sã é que ninguém pode
ser condenado apenas por ter a intenção de cometer um crime, mesmo que tal
intenção seja confessa. Ora, mesmo que todos os fatos apurados na denúncia
sejam indubitavelmente verdadeiros, também é verdadeiro, como o próprio
processo admite, que Lula não é proprietário do imóvel em questão nem de Fato e
nem de Direito, pois oficialmente ele não lhe pertence ou, como disse Flávio
Dino, "o bem não ingressou no patrimônio do suposto beneficiário do
ato"8. E ainda acrescento que, mais importante, ele jamais
usufruiu dele em nível algum, nem mesmo como beneficiário não declarado.
E mesmo que ele confessasse que
pretendia sim tomar posse dele, bastaria que acrescentasse que desistiu, pois
não se pode punir pensamentos e intenções. Não importa que você tenha planejado
um crime, se você não o consuma, no máximo poderia ser acusado de outras
irregularidades, mas não do crime não consumado em si, e é exatamente isso que
aconteceu com Lula. Ele não foi condenado por meramente ter tomado providências
que o teriam levado a tomar posse do imóvel, o que já seria polêmico, mas por
efetivamente ter lavado dinheiro! Só que o crime de lavagem de dinheiro só se
consuma se for demonstrado que um determinado patrimônio foi de fato possuído,
mesmo que não de direito, com recursos financeiros cuja ilicitude foi maquiada
por algum artifício.
Mas como disse Flávio Dino, seria
preciso demonstrar "correlação clara entre vantagem indevida e um ato
praticado" 9, e a tal vantagem é totalmente inexistente,
sendo, no máximo, uma possibilidade futura!
De forma análoga, você poderia
bradar aos quatro ventos pretender matar uma pessoa, poderia deixar público seu
plano para fazê-lo, poderia comprar uma arma ilegal e efetuar a emboscada para
essa pessoa e apontar-lhe a arma. Mas se na última hora você desistir, e deixar
a pessoa viva, pode até ser condenado por ameaça, porte ilegal de arma,
constrangimento etc, mas não por homicídio! Pois este em si não ocorreu.
Aliás mesmo que você não tivesse desistido mas fosse impedido de cometer o ato,
seria condenado por tentativa de homicídio.
Embora a seara jurídica onde Lula
foi condenado não seja a de crime contra a vida, pode-se aplicar raciocínio
similar. Ele foi condenado não apenas assumidamente sem provas, mas por algo
que iria fazer! É uma surrealidade que faz lembrar a obra de ficção científica Minority
Report, onde o sistema PRE-CRIME prevê o futuro e prende possíveis
criminosos antes que eles cometam os delitos e os condena por crimes que ainda
iriam cometer! O que no decorrer da estória, evidentemente, se revela um
sistema falho e corrompido.
INDECÊNCIA
Essas dúvidas, porém, são
meramente retóricas, pois qualquer um que se atreva a pensar sabe muitíssimo
bem porque esse processo foi parar na 4a Região, pois é justo lá que
está a única "farsa-tarefa" disposta a cometer "“conjunto de
atos abusivos” e “excessos censuráveis”", nas palavras de Gilmar
Mendes, que também os acusou de "“desserviço e desrespeito ao sistema
jurisdicional e ao Estado de Direito”, com autoridade “absolutista, acima da
própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua
independência funcional”", isso tudo, porém, relativos a reclamações
oriundas do julgamento do Escândalo do Banestado, onde "Moro é questionado
por usurpar a competência do Ministério Público, decretar prisões preventivas
sequenciais mesmo após decisão contrária de tribunais de instância superior e
por determinar à polícia o monitoramento de voos de advogados do investigado."10
Em suma, a escolha da 4a
Região se dá pelo simples fato de que somente lá haviam alguém disposto a fazer
tamanho serviço sujo.
Marcus Valerio XR
13 de Setembro de 2017
____________________________________
Referências:
1.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fl%C3%A1vio_Dino
2. Dino explica por que a
sentença de Moro é frágil e Lula deve ser absolvido.
https://youtu.be/iNL8sBTUAAc
3. Conselho Nacional de Justiça.
http://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/portais-dos-tribunais
4.
https://youtu.be/iNL8sBTUAAc?t=5m0s
5. https://youtu.be/iNL8sBTUAAc?t=6m25s
6. A semente dos escândalos - O
que diferencia o caso Banestado da Operação Lava Jato?
https://www.cartacapital.com.br/revista/874/a-semente-dos-escandalos-9478.html
7. Dá vergonha, mas é preciso ler
o telegrama Moro-Wikileaks.
http://www.patrialatina.com.br/da-vergonha-mas-e-preciso-ler-o-telegrama-moro-wikileaks/
8.
https://youtu.be/iNL8sBTUAAc?t=1m48s
9.
https://youtu.be/iNL8sBTUAAc?t=30s
10. Supremo já analisou ‘excesso’
de Moro no caso Banestado - Atos do juiz da Lava Jato sobre escândalo de evasão
de divisa foram criticados por ministros e arquivados pelo CNJ. Beatriz Bulla,
O Estado de S.Paulo, 26 Março 2016.
Em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,supremo-ja-analisou-excesso-de-moro-no-caso-banestado,10000023234
Também em:
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/03/26/stf-ja-analisou-excesso-de-moro-no-caso-banestado.htm